quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Detectando água no espaço e por que isso importa Miguel Pereira Santaella - Universidade de Oxford

Espaço

Detectando água no espaço e por que isso importa

Detectando água no espaço e por que isso importa
O radiotelescópio Alma permitiu observar transições da água que revelam zonas obscurecidas pela poeira interestelar. [Imagem: Christoph Malin]
Água no espaço
Das nuvens aos rios, das geleiras aos oceanos, a água está em todos os lugares na Terra. O que não sabemos tão bem é qual é a abundância da molécula H2O no espaço.
Ao contrário do que acontece na Terra, a maior parte da água no espaço toma a forma de vapor ou forma camadas de gelo presas nos grãos da poeira interestelar. Isso ocorre porque a densidade extremamente baixa do espaço interestelar - que é trilhões de vezes menor do que a do ar - impede a formação de água líquida.
Mas não se trata apenas de encontrar água para indicação da presença de vida. A água pode clarear áreas que não podem ser vistas diretamente.
O nascimento das formações estelares pode nos dizer sobre como o Universo se comporta. Mas, como a única maneira de estudar esse processo de formação estelar em seus ambientes obscurecidos pela poeira é através da luz infravermelha, é de vital importância detectar transições da água que sejam capazes de detectar essa luz.
Transições da água
As moléculas de água apresentam níveis de energia quântica flutuantes. Essa atividade nos permite observá-las e é conhecida como transição da água. O termo refere-se ao melhor ponto para a observação científica, que é o comprimento de onda exato em que as moléculas de água passam de um estado quântico para outro, emitindo luz e aumentando sua visibilidade durante o processo.
A maioria dessas transições não é muito energética, de forma que elas aparecem nas faixas do infravermelho distante e sub-milímetro do espectro eletromagnético, com minúsculos comprimentos de onda, variando de 50 a 1.000 micrômetros (1 mm). Observar essas transições da água a partir do solo é muito difícil porque o espesso vapor na atmosfera da Terra bloqueia quase completamente suas emissões.
Felizmente, melhorias na tecnologia e o desenvolvimento de supertelescópiosoferecem um portal cada vez maior para o Universo. Agora já conseguimos detectar as transições da água de um modo que simplesmente não poderíamos fazer antes. Elas são melhor vistas a partir de observatórios situados em altitude elevada, em locais extremamente secos. É o caso do telescópio ALMA, que está localizado no deserto de Atacama (Chile) a 5.000 m acima do nível do mar.
Detectando água no espaço e por que isso importa
telescópio ALMA, formado por 66 antenas móveis, está revolucionando a astronomia. [Imagem: ESO/S. Stanghellini]
Transição da água especial
Em nosso último estudo, nós utilizamos o ALMA e detectamos a transição de água (670 micrômetros) no espaço pela primeira vez. As moléculas foram vistas em uma galáxia espiral próxima (160 milhões de anos-luz de distância) em um ponto onde o Universo está amplamente expandido, e a atmosfera é, portanto, mais transparente (deslocamento para o vermelho de 676 micrômetros).
A emissão de vapor de água nessa galáxia origina-se em sua parte central, no seu núcleo, onde ocorre a maioria da formação de estrelas. Para se ter uma ideia da magnitude dessa galáxia, seu núcleo contém uma quantidade de água equivalente a 30 trilhões de vezes a água de todos os oceanos da Terra, em um diâmetro de 15 milhões de vezes a distância da Terra ao Sol.
Mas o que diferencia essa transição da água de outras observadas no passado?
Nossa análise revelou que essas moléculas de água intensificam sua taxa de emissão quando entram em contato com fótons de luz infravermelha. Esse aumento de atividade torna mais fácil observá-las. As moléculas de água são atraídas principalmente por fótons com comprimentos de onda específicos de 79 e 132 micrômetros, que, quando absorvidos, fortalecem o contorno da transição, aumentando assim sua visibilidade. Por esta razão, esta transição específica da água tem a capacidade de nos mostrar a intensidade da luz infravermelha no núcleo das galáxias, em escalas espaciais muito menores do que as permitidas por observações diretas de infravermelho.
Evolução das galáxias
A luz infravermelha é produzida durante eventos como o crescimento de buracos negros supermassivos ou rajadas extremas de formação de estrelas. Esses eventos geralmente ocorrem em ambientes extremamente obscurecidos por poeira, onde a luz visível é quase completamente absorvida pelos grãos de pó. A energia absorvida por esses grãos aumenta a temperatura e eles começam a emitir radiação térmica no infravermelho.
Capturar esses eventos pode nos dizer muito sobre o comportamento do Universo, de modo que a detecção de transições da água que podem capturar essa luz infravermelha é vital.
Indo adiante, planejamos observar essa transição de água em mais galáxias, onde o pó bloqueia toda a luz óptica. Isso revelará o que se esconde por trás dessas cortinas de poeira e nos ajudará a entender como as galáxias evoluem de espirais formadoras de estrelas, como a Via Láctea, para galáxias elípticas mortas, onde nenhuma nova estrela é formada.

Bibliografia:

First detection of the 448 GHz H2O transition in space
M. Pereira-Santaella, E. González-Alfonso, A. Usero, S. García-Burillo, J. Martín-Pintado, L. Colina, A. Alonso-Herrero, S. Arribas, S. Cazzoli, F. Rico, D. Rigopoulou, T. Storchi Bergmann6
Astronomy & Astrophysics
Vol.: 601, L4
DOI: 10.1051/0004-6361/201730851

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