Filho sueco de Garrincha fala com orgulho de pai que não conheceu
Claudia Varejão Wallin
De Estocolmo para a BBC Brasil
Atualizado em 13 de agosto, 2012 - 15:19 (Brasília) 18:19 GMT
Único filho homem vivo de Garrincha, o sueco Ulf Lindberg fala com orgulho do pai que nunca viu.
"Não há ninguém como Garrincha", disse Ulf em entrevista por telefone à BBC Brasil de sua casa em Halmstad, no litoral oeste da Suécia. Seu estilo de jogar era e sempre será único", acrescentou ele.
Notícias relacionadas
Tópicos relacionados
Ulf classificou como uma "catástrofe total" a atuação da seleção brasileira na final da Olimpíada de Londres no sábado, que deu vitória ao México por 2 a 1.
"Fiquei furioso. A seleção jogou constrangedoramente mal. Foi uma catástrofe total. E apesar de Pelé ter dito que Neymar é tão bom quanto (o argentino Lionel) Messi, não foi isso que vimos no gramado", desabafou.
Ulf nasceu de uma aventura amorosa de Garrincha (1933-1983) com uma jovem sueca em 1959, durante uma excursão do Botafogo na Suécia.
Nesta terca-feira, ele chega a Estocolmo como convidado especial das cerimônias de despedida a Råsunda, a arena em que o pai brilhou na final da Copa de 1958.
"Råsunda é um símbolo marcante da história de meu pai e do futebol brasileiro. Mas para mim, o estádio mais importante é o de Umeå (cidade do Norte da Suécia): foi em Umeå que Garrincha foi jogar em1959 com o Botafogo. E graças a isso eu existo", brinca Ulf.
Adoção
A mãe o entregou em adoção para uma família sueca de classe média quando ele tinha apenas nove meses de idade. Aos sete anos, veio a revelação: os pais adotivos contaram a ele que seu pai era Mané Garrincha, que encantava multidões nos estádios de futebol.
Mas o encontro de pai e filho nunca aconteceu.
"Lamento muito nunca tê-lo encontrado. Até hoje, muitas vezes me pego pensando em como seria bom poder ter conhecido meu pai. E estar com ele agora, dizer o quanto o admiro. Mas não foi possível. Infelizmente, ele tinha problemas sérios com o álcool. Se não fosse por isso, poderia estar hoje aqui entre nós, comemorando o reencontro com os companheiros de 58", disse Ulf.
Em 1977, ele chegou a ter esperanças de ver o pai: um jornal sueco havia divulgado que Garrincha queria conhecer o filho. Chegou a ser combinado que Ulf viajaria no ano seguinte para a Argentina, na Copa de 1978, para encontrar Garrincha, que faria comentários para um canal de TV.
"Mas a viagem não aconteceu. Meu pai bebia muito, e infelizmente já não estava bem", lembra Ulf. Garrincha faleceu em 20 de janeiro de 1983, vítima de uma infecção generalizada.
Restou ao filho continuar buscando o pai em recortes de jornais, filmes de TV, na internet.
"Uma das minhas manchetes de jornal preferidas sobre meu pai aqui na Suécia, depois de um show de dribles dele em Gotemburgo contra a seleção russa, dizia que ele era um talento extraterrestre: 'De que planeta ele vem?'", conta.
Pelé
A cerimônia de despedida de Råsunda vai ser uma oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o pai. Ulf aguarda pelo momento de encontrar, pela primeira vez, seu ídolo Pelé:
"Quero perguntar a ele o quanto bom de bola meu pai era. Mas quero saber principalmente como Garrincha era como pessoa. Vai ser bom encontrar também seus outros amigos de 58, e ouvir suas histórias sobre meu pai. Quero ter lembranças positivas dele".
Filho de brasileiro com sueca, ele diz que vai torcer pelas duas seleções no amistoso desta quarta-feira. E revela seus favoritos:
"Neymar faz jogadas inacreditáveis, mas não é o meu jogador preferido. Sempre gostei de Robinho, é uma alegria vê-lo jogar. Mas meu grande favorito é Ronaldinho Gaúcho".
Quiosque de salsichas
Aos 52 anos, divorciado, o filho do célebre campeão mundial de 1958 na Suécia e 1962 no Chile ganha a vida trabalhando num quiosque de salsichas de Halmstad. Nem Ulf nem os quatro filhos - Jonas, de 25 anos, Martin, de 22, e os gêmeos Hendrik e Linnea, de 14 anos – falam português. Mas a paixão pelo futebol é quase unânime.
"Só o Jonas não joga", diz Ulf, que por sua vez teve sua tentativa de jogar futebol frustrada por uma doença óssea na adolescência.
Martin sofreu lesões sérias no joelho durante um treino há dois anos e meio, e só recentemente voltou a treinar como meio-campo no Oskarströms, um pequeno clube nos arredores de Halmstad. Apesar da sua gritante semelhança física com o pai, segundo Ulf nem ele nem Martin têm as pernas tortas de Garrincha:
"São só ligeiramente tortas, não são como as de meu pai", diz ele. As lesões de Martin limitam agora sua chance de brilhar no gramado. Ulf aposta nos gêmeos – Hendrik treina no Halmstads, clube de elite local, e Linnea joga no Centern:
"Os dois são bastante talentosos. Marta é a jogadora favorita da Linnea, ela tem verdadeira adoração por ela", conta Ulf.
Mãe
Ulf é o 14º filho reconhecido de Manuel Francisco dos Santos, o Garrincha. No Brasil, já esteve três vezes. Pouco antes da primeira viagem, quando participava de um documentário sueco em 2005, acabou descobrindo que também nunca ia conhecer a mãe biológica: ela falecera meses antes.
Daquela primeira viagem ao Brasil, ficou a lembrança da emoção forte de ter encontrado as irmãs – são dez as filhas de Garrincha, que também teve quatro filhos.
"Naquele momento, ser o filho de Garrincha tornou-se mais real para mim", relembra Ulf, que também visitou o túmulo do pai no distrito de Pau Grande, em Magé (RJ).
A nova viagem ao Brasil já tem data:"Adoro o sol, adoro o calor, adoro os quiosques de Copacabana. Daqui a dois anos estarei lá" – promete, referindo-se à Copa de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário