segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Revisitando as farcs e sua guerrilha

 Edilson Martins

Revisitando as farcs e sua guerrilha

by edilsonrmartins
Conflito no rio Traíra
A paz entre Farcs e Colômbia, mais uma vez, sofreu um profundo refluxo. A mais antiga guerrilha que o mundo conhece continua sem solução. Daí essa revisitação de fatos passados.
Três acontecimentos tão distantes, geograficamente, mas que se entrelaçaram à passagem da 2ª metade dos anos 80 à 1ª metade da nova década que se iniciava, os explosivos anos 90 do século passado.
Queda do Muro de Berlim, separando as duas Alemanha – Oriental e Ocidental -; ataque das Farcs a um posto de fronteira da Amazônia brasileira; e, por último, o crepúsculo da experiência soviética, com a queda final e melancólica de Gorbachev.
Acontecimentos únicos, principalmente o 1º e o 3º, sinalizando o fim de uma era, de um sonho perseguido desde a Revolução Francesa.  Eventos determinando uma nova correlação de forças, um novo mapa político, geográfico e econômico do mundo.
Já nos deslocando num avião estranho, um Boeing da época, corria o mês de fevereiro de1991, de Letícia, na divisa com Tabatinga, Amazonas, para Bogotá, não formulava a menor ideia de todo o processo que se desenrolava, estava mais alienado que dondoca de passeata, diria o Nelson Rodrigues, ainda vivo naqueles anos, e trabalhando conosco na mesma redação da Manchete.
O que queríamos era produzir reportagens, cobrir os fatos, surpreender a redação, e, em chegando, ler feliz o que havíamos escrito e fotografado, já sabendo que para o leitor externo haveria audiência, mas entre os coleguinhas de trabalho o silêncio seria sepulcral.  Tudo isso é da natureza humana.
Os dois pilotos, conforme já foi dito, cobraram, por esse trecho, 25 dólares de cada um de nós, mas havia surpresa. Seu interior era um mercado persa,  uma arca de Noé, com galinhas, e salvo erro de memória, porcos amarrados, todos os tipos de bugigangas, mas principalmente cocaína, muitos sacos de cocaína.
Falei para o Beliel, era o fotógrafo, mas ele, sempre com sua serenidade, me alertou que o registro seria delicado, e poderia nos custar caro.
Não havia a tecnologia miniaturizada das máquinas de hoje, e poderia ser fatal tamanha imprudência, até porque o destino era Bogotá e o bicho estava pegando, em todo aquele país.
Antes de deixamos Letícia decifráramos o enigma.  A verdadeira versão para o ataque, ousado, corajoso e suicida,  às nossas tropas em pleno território brasileiro, no famoso episódio do rio Traíra,  era bem diferente daquela que nos fora passada oficialmente.
Na serra do Traíra, no vale do rio do mesmo nome, no lado do Brasil, havia ouro, muito ouro, e os garimpeiros colombianos, não guerrilheiros, que fique claro, ao recolher o cobiçado metal,  retornando a Colômbia, eram obrigados a pagar pedágio às tropas do Exército brasileiro.
Essa foi a versão, dominante, daí a retaliação das tropas das farcs, assim agindo em defesa dos garimpeiros colombianos e punindo, dando uma lição, aos nossos soldados. Fazia sentido, pelo ineditismo da ação.
As farcs, de fato, não tinham poder de fogo para abrir uma frente de guerra com um Exército das proporções de um país como o Brasil. No primeiro ataque, eliminaram três e feriram mais nove militares brasileiros.
Afora a desapropriação de tudo o que se encontrava no posto; rádios de transmissão, armamentos, munição, fardamento, alimentos, e assim por diante.
Ataque inédito, em todo o século 20, às tropas de nossas forças armadas.
Na retaliação, dias depois, 12 “guerrilheiros” das farcs foram eliminados, e dezenas deles presos. Essa, a versão oficial.  Por trás dela, a história tinha outras cores. Os presos e os abatidos pelas tropas brasileiras, em território colombiano, nada mais eram que humildes garimpeiros.
Era a reprodução, literal, do que fizeram as tropas americanas na desastrada ocupação do Vietnam.  Os que morriam durante os confrontos, a  maioria  humildes camponeses, mulheres, crianças, velhos, pessoas indefesas, viravam guerrilheiros, vietcongs,  comunistas.
Os guerrilheiros das farcs, sabendo do poder de fogo de nosso Exército, tão logo concluída a ação, picaram a mula, recolheram-se às suas casamatas, no interior da selva colombiana, aonde até hoje são indestrutíveis.
Sob o ruído eventual de uma galinha que se assustava, ou coisa semelhante de porcos nos deslocamentos da aeronave nos andes colombianos, num mercado persa nunca imaginado no interior de um avião, olhando cautelosamente para os sacos de cocaína, ia apenas pensando nas loucuras da vida, no doce enlevo do mundo da reportagem.
Estávamos na boca do furacão e não tínhamos, pelo menos eu, clareza das mudanças inimagináveis de rota que se operavam na nave Terra.
Na escala dos 30, 40 anos, na cabeça de um repórter, quanto mais explodir o mundo, melhor para os seus desafios. Melhor para multiplicar a inveja de seus pares e coleguinhas.
14/11/2014
foto: ricardo beliel

edilsonrmartins | 10 de outubro de 2016 às 12:47 PM | Tags: Farcs - guerrilha - Colômbia - | Categorias: Sem categoria | URL: http://wp.me/p5iPRc-69L

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