Sílvio Barsetti - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Numa tarde agitada na Câmara, o deputado federal Romário de Souza Faria (PSB-RJ) recebeu na terça-feira a reportagem do Estado em meio a três reuniões, telefonemas de outros parlamentares, recados de seus assessores e muita correria, literalmente. Toda vez que cruzava alguma área pública do Congresso, Romário acelerava o passo e deixava todos para trás. É uma estratégia para fugir das fotos com fãs, o que ele não evita se for abordado. Numa conversa que se estendeu pelos Anexos II e IV do Congresso, pelos corredores de acesso ao plenário e ainda em seu gabinete, Romário fez duras críticas à cúpula da CBF e chamou o vice-presidente da entidade, Marco Polo del Nero, de chefe do “cartel” da entidade. Também acusou os dirigentes da confederação de superfaturamento na compra de terreno para a nova sede da CBF. Ele parecia seguro e tranquilo, apesar do assédio de todos os lados, e demonstrou intimidade com seu papel político. Em relação às críticas de Romário aos dirigentes, a assessoria de imprensa da CBF disse que só se manifestaria mais efetivamente ao tomar conhecimento de todo o teor da entrevista.
O senhor protocolou no final do ano passado na Câmara o pedido de uma CPI da CBF. Acredita que não há interesse da base do governo em investigar a CBF às vésperas do Mundial no País?
ROMÁRIO - Estou aqui há pouco mais de dois anos e já pude reparar que não existe interesse do governo em abrir CPI nenhuma. Não me pergunte por quê. Com uma CPI do futebol, iniciada agora, o Brasil teria condições de chegar ao ano do Mundial limpo, de cara nova. Reina muita bagunça no nosso futebol. O estatuto da CBF, até onde eu sei, incentiva os investimentos nas bases, na formação de atletas femininas, tantas outras coisas. E não se vê isso.
O senhor tem um exemplar do estatuto da CBF?
ROMÁRIO - A versão atual não é encontrada em lugar nenhum. Desde o início de 2012, quando sofreu alterações, ninguém mais viu o estatuto. Ou quase ninguém. É tudo muito nebuloso na CBF. A gente não sabe quantas pessoas participaram daquela assembleia, não sabe onde está a ata, quais as mudanças feitas.
A Bancada da Bola no Congresso continua ativa, forte? Por quem é formada?
ROMÁRIO - Sempre ouvi falar na bancada da bola. Presenciei isso ao longo das discussões sobre a votação da Lei Geral da Copa. Mas, sinceramente, esse grupo não tem mais a força de antes, quando Ricardo Teixeira era presidente da CBF. Até porque a população está mais atenta e sabe quando se trata de algo negativo, principalmente em relação ao esporte, ao futebol brasileiro. E isso esvaziou essa bancada.
A CBF usa, pressiona as federações estaduais para que intercedam nas bancadas de seus respectivos Estados a favor dos interesses da própria CBF?
ROMÁRIO - Pressiona muito e isso ocorre na atual gestão da CBF com mais intensidade. A CBF interfere nas federações, que fazem o mesmo com os parlamentares locais. Mas quando o assunto chega aqui no Congresso tem um freio.
As eleições na CBF são marcadas por denúncias de compra de votos há décadas. Numa estrutura viciada, que marca a relação da CBF com federações e clubes, qual a possibilidade de uma mudança efetiva de rumo do comando do futebol brasileiro?
ROMÁRIO - A próxima eleição (2014) vai ser comprada também. Torço e acredito que apareça algum candidato avulso, contrário aos métodos atuais e que possa incomodar os atuais dirigentes.
Apostaria em algum nome?
ROMÁRIO - Hoje, sim. Tem um que já esteve lá do outro lado, que tem seus defeitos, tem seus problemas, como todos nós, mas que já deu provas de que é um ótimo administrador e botou o Corinthians no topo. Se ele hoje, o Andrés Sanchez, se candidatasse à presidência da CBF, muito provavelmente teria meu apoio. Outro nome que também seria excelente é o Raí, um cara íntegro, inteligente, muito respeitado. O ideal seria uma chapa unindo eles dois.
O senhor está convicto mesmo de que a próxima eleição da CBF (segundo semestre de 2014) já esteja comprometida?
ROMÁRIO - Não tenho dúvidas. Vai rolar muito dinheiro. O candidato avulso deve brigar contra isso. Não pode se equiparar ao grupo dominante e sim passar para as federações e clubes a ideia de que é preciso iniciar um processo de profissionalização e moralização do futebol.
Ricardo Teixeira deixou a CBF em meio a escândalos de corrupção. Mas costurou a passagem de poder para Jose Maria Marin e Marco Polo del Nero. Mudou alguma coisa?
ROMÁRIO - Eu até tenho saudades do Ricardo Teixeira. É impressionante a quantidade de coisas erradas na CBF a cada dia. O Teixeira, nos últimos dez anos, foi muito prejudicial à CBF, envolvido em muitos escândalos de corrupção. Mas, por outro lado, olhou muito para o futebol da seleção. Hoje, nós somos o 18.º no ranking da Fifa. É por isso que falo de saudades dele, mas só por isso.
Marin e Del Nero ainda dependem muito de Teixeira?
ROMÁRIO - Já estou sabendo que ele rompeu com eles, que não cumpriram acordos estabelecidos antes da renúncia do Ricardo.
Na eventualidade da saída de Marin, quem assumiria seria Del Nero, seguidor de Teixeira e Marin. Mudaria algo?
ROMÁRIO - Ele é o pior dos três. É o cabeça do atual cartel que virou a CBF. É quem faz os negócios, as negociatas da entidade. É ele quem manipula os presidentes de federações, de clubes. Se chegar à presidência da CBF, vamos viver um inédito período de ditadura no nosso futebol.
Muito se fala na entidade-mãe, a CBF. Mas o senhor defende também uma investigação séria nas federações beneficiadas com repasses da CBF?
ROMÁRIO - Existem alguns Projetos de Lei no Congresso que criminalizam dirigentes de federações, confederações olímpicas, clubes, demais entidades esportivas. Quem fez tem de pagar pelos seus atos.
Qual seria o formato ideal do Colégio Eleitoral da CBF, onde só tem direito a voto hoje as 27 federações e os 20 clubes da Série A do Brasileiro?
ROMÁRIO - Defendo o voto das federações e de todos os cubes filiados à CBF, são mais de 200.
O senhor pediu a Fifa o afastamento de José Maria Marin da CBF e do COL? Por quê?
ROMÁRIO - Pedi, não obtive nenhum retorno nem vou obter. Quem dá as cartas do futebol não se interessa pelas minhas denúncias. Mas a população reconhece e cobra lisura e honestidade cada vez mais. O Marin tem que sair e deixar o Ronaldo tocar o Comitê Organizador da Copa. Todo dia a gente sabe de uma novidade lá da CBF. Soube, por exemplo, que a CBF comprou um terreno na Barra da Tijuca para fazer a nova sede. Quem pagasse R$ 9,5 mil por metro quadrado na área escolhida pela CBF já estaria pagando bem alto, segundo corretores. Pois bem, a CBF pagou R$ 14,5 mil por metro quadrado. Superfaturamento de R$ 25 milhões na obra. Alguém questiona? Investiga? Não pode, é empresa privada. Mas não é bem assim. A CBF usa nosso hino, bandeira, símbolos, nossos atletas. Tem que responder por isso.
Como está a negociação com a Comissão Nacional da Verdade para que Marin seja convidado a esclarecer episódios relacionados à prisão e morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975?
ROMÁRIO - A comissão que eu presido (de Desportos e Turismo) fez um requerimento em conjunto com a Comissão da Verdade, convidando-o a comparecer ao Congresso. Se vier, vai prestar serviço de interesse público.
Já existe a Lei de Acesso à Informação, em vigor desde maio de 2012, mas essa lei não alcança os esportes porque a maioria dos agentes não são públicos e sim privados. Quais seriam os ganhos de uma Lei de Acesso à Informação do Esporte?
ROMÁRIO - Ganho total. As entidades passariam a ser transparentes, você poderia saber que motivos levou o clube A para uma situação desastrosa ou ainda que dirigentes se destacam pela competência.
Há poucos dias o então presidente da Comissão Nacional de Arbitragem da CBF, Aristeu Tavares, deixou o cargo, coincidentemente depois de uma entrevista a um jornal de Goiânia, na qual dizia que havia denúncias de manipulação de resultados de jogos no Brasil e que ele teria falado sobre isso pessoalmente ao presidente Marin. O senhor tomou conhecimento do afastamento de Aristeu Tavares? Neste caso qual deveria ter sido a posição da CBF?
ROMÁRIO - A partir do momento em que o presidente da CBF decidiu pelo afastamento do chefe da arbitragem, ele, Marin, deveria ter vindo à público para anunciar a mudança e dar explicações. Até porque trata-se de um tema muito sério, sobre manipulação de resultados de jogos. Mas uma coisa que a gente não consegue entender na CBF.
Também recentemente o presidente do Sport, Luciano Bivar, disse que houve pagamento de propina para a convocação do jogador Leomar para a seleção em 2001. Isso ocorre realmente em convocações da seleção?
ROMÁRIO - Tem, ou pelo menos já teve, a gente sabe disso, sempre soube, mas é coisa bem feita, não tem como provar. O pior de tudo está nas categorias de base da seleção e de alguns clubes. Ali é a caixa preta.
A seleção com Luiz Felipe Scolari está em boas mãos?
ROMÁRIO - Sempre fui a favor da volta dele à seleção, ainda mais com outro campeão do mundo, o Parreira. Os dois impõem respeito, segurança, passam confiança aos atletas. Mas eles têm de entender que o futebol hoje é diferente do jogado em 1994 (quando Parreira foi campeão) e em 2002 (ano do título conquistado por Scolari). É preciso modernizar, criar situações novas.
O que achou dos três primeiros amistosos da seleção com Luiz Felipe Scolari?
ROMÁRIO - Jogos muito difíceis, escolheram bem os adversários, que vendem caro uma derrota. Tem que ser assim mesmo. A seleção está nas mãos de quem sabe.
Há tempo de se formar um time que faça frente a Argentina, Espanha e Alemanha?
ROMÁRIO - Com um time bem treinado, com uma boa fase de preparação, acredito sim que dê para fazer frente à Argentina. Quanto a segurar a Espanha e a Alemanha não sei.
Ainda sobre o Mundial de 2014, podemos ter estádios apelidados de elefantes brancos?
ROMÁRIO - A Copa vai consolidar quatro elefantes brancos: os estádios de Brasília, Manaus, Mato Grosso e Natal. Se não forem entregues para a iniciativa privada, infelizmente vai se caracterizar desperdício de dinheiro. E, mesmo com a iniciativa privada, é preciso fazer contratos que possam compensar o valor gasto.
Como analisa a nova reforma do Maracanã, a terceira em 13 anos?
ROMÁRIO - O Maracanã tinha de mudar de nome, acabou. Perdeu o glamour, perdeu o charme. Está todo desfigurado. Nem dá vontade de entrar lá. Fora o gasto absurdo e desnecessário para a tal reforma.
O senhor pretende convidar Carlos Arthur Nuzman para esclarecer dúvidas sobre a organização das olimpíadas?
ROMÁRIO - Já enviamos requerimento convidando ele para vir à Comissão de Desportos e Turismo. Estou esperando. Quem não deve não teme.
O que falta para o Brasil se tornar uma potência olímpica?
ROMÁRIO - O Brasil nunca vai se tornar potência olímpica. Aqui os investimentos vão só para esportes populares ou tradicionais.
Como viu a interdição do Engenhão, no Rio?
ROMÁRIO - Só comprova que o legado do Pan-2007 foi o pior legado da história dos Pans. Brincam o com dinheiro público.
Como analisa uma candidatura própria do seu partido, o PSB, que integra a base aliada do governo?
ROMÁRIO - É natural isso. O governador Eduardo Campos (PE) é jovem, grande administrador, tem boas ideias. Infelizmente a minha relação com ele é estranha. Mas isso não é por minha causa. Fiquei seis meses para dar uma resposta a um pedido dele e nem assim consegui encontrá-lo.
Se o senhor tivesse de escolher hoje, para um novo mandato presidencial, entre Aécio, Dilma, Marina e Eduardo Campos, que é do seu partido, o PSB, qual seria a sua opção?
ROMÁRIO - Pergunta difícil. A Dilma pegou muitos problemas do governo anterior, botou a casa em ordem em um ano e meio, embora hoje já deixe um pouco a desejar. Se tivesse de optar hoje ainda não teria uma definição.
O senhor tentou por vários meses ser recebido pela presidente. Conseguiu a audiência? Por quê?
ROMÁRIO - Por mais de seis meses e nada. Talvez porque ela seja muito ocupada (risos).
O senhor já recebeu alguma proposta que considerou indecorosa, não condizente com seu papel de parlamentar?
ROMÁRIO - Não e nem vou receber. As pessoas me conhecem, sou incorruptível. Nem chegam perto. Se chegarem, mando prender. Os corruptos têm medo de mim. Se um dia tentarem isso, dou voz de prisão no ato.
Em pouco mais de dois anos de mandato, em que conseguiu avançar nas políticas publicas em defesa de portadores de doenças como a síndrome de down?
ROMÁRIO - Apresentei Projetos de Lei que defendem pessoas especiais, notadamente crianças e adolescentes, protegendo-as de preconceitos e de outros atos de violência. Mas quero fazer muito mais nesse setor.
Como lida com o dia a dia, os protocolos, as conversas de pé de ouvido? Como se sente num ambiente que sempre lhe foi atípico?
ROMÁRIO - Já me acostumei e estou até gostando. No início era difícil, tanto protocolo. Mas agora é tranquilo.
O que pensa para depois de 2014? Novo mandato? Voltar ao futebol, como dirigente, gestor? Reviver experiência de 2009 no America, em que geriu o futebol do clube e o levou a conquistar a Série B do Campeonato Carioca?
ROMÁRIO - Hoje, estou dividido entre voltar a me candidatar a deputado federal, mas deve ser essa tendência. Quero também ser presidente do America, para fazer um trabalho sério lá, de 5, 6 anos. Não sei se daria para compatibilizar com a vida parlamentar.
Se der continuidade à vida política, imagina cargo no executivo?
ROMÁRIO - Na última eleição para prefeito do Rio (2012), uma pesquisa espontânea apontou o meu nome em terceiro lugar. Hoje eu diria não a essa possibilidade. Mas, há um ano, eu dizia que só permaneceria no Congresso por um mandato. Muita coisa muda.
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