O editor do Cristalvox recomenda a leitura da matéria publicada nesse sábado, dia 27 de junho, assinada pela jornalista Flávia Bemfica. Há muitos anos na comunicação não lia uma entrevista tão lícida, tão dura e acima de tudo corajosa.
A forma de “debochar” da incompetência da máquina do executivo e de seus gestores é a manchete: “Somos um jato e eles um teco-teco”, se referindo aos métodos de gestão utilizados pelo Poder Judiciário e a arcaica e ultrapassada “técnica” do Poder Executivo para tratar de assuntos de Estado.
O Judiciário gaúcho não pretende ceder à pressão do Executivo por redução na despesa com pessoal e nem aceitar atrasos ou alterações nos valores dos duodécimos, os repasses que devem ser feitos aos poderes mensalmente conforme a dotação orçamentária prevista em lei. Por isso, articula um movimento para tentar mudar o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016, que vai à votação na Comissão de Finanças da Assembleia nesta semana. A proposta do Executivo é de congelamento nas despesas com pessoal e encargos sociais em todos os poderes no próximo ano. O reajuste previsto, de 3%, cobre apenas o crescimento vegetativo da folha.
Para tratar do tema, na última sexta-feira, representantes do Tribunal de Contas do Estado, do Ministério Público e da Defensoria Pública foram recebidos para reunião a portas fechadas com o presidente do Tribunal de Justiça (TJ), José Aquino Flôres de Camargo, no Palácio da Justiça. Novo encontro ocorrerá antes da votação na Comissão de Finanças.
No comando do tribunal desde o início de 2014, Aquino é conhecido entre seus pares pela franqueza com que expõe suas argumentações e por não se furtar aos debates, mesmo os mais incômodos. Nessa linha, o tribunal tomou a frente das articulações para tentar negociar mudanças na LDO. Mesmo diante do tensionamento do debate, Aquino afirma que vai insistir na negociação.
Entrevista: José Aquino Flôres de Camargo: “Somos um jato e eles um teco-teco”
Correio do Povo: O Executivo argumenta que não tem dinheiro para cobrir todas as despesas e, por isso, o congelamento da LDO é inegociável. Por que o Judiciário discorda?
José Aquino Flôres de Camargo: Se fecharem o Tribunal de Justiça, se mandarem todos para casa, não vai adiantar. Nosso orçamento é inferior a R$ 3 bilhões/ano. Desejo que a correção seja de 8,13%, e o governador quer congelar. Isso não vai resolver. O Executivo sacou R$ 8,3 bilhões dos depósitos judiciais em seis anos. E não resolveu. Então, se retirar R$ 40 milhões ou R$ 60 milhões do Judiciário, não vai restabelecer as finanças. Mas, para o Judiciário, faz diferença. Estamos pedindo a variação do IPCA. Lá pelas tantas me ligaram para dizer que podem dar uma migalha. Então, prefiro ficar com o congelamento. Fiquei muito incomodado porque percebi que a ideia é fazer uma imposição, e isso não podemos aceitar. Se o Executivo atar o poder Judiciário e o Legislativo, quem vai conter os excessos do Executivo?
CP: O Executivo tem problemas de administração?
Aquino: Em termos de administração, somos um jato e eles um teco-teco. Como conquistamos isso? Investimos em modernização, em potencialização de receitas, em programas de gestão, porque o Judiciário é uma sucessão de gestões. Não coloquei nenhuma pessoa aqui quando assumi. Troquei um assessor. Temos controle estatístico de qualidade, um Banco de Boas Práticas e um plano de segurança que vai ser adotado pelo Conselho Nacional de Justiça. Temos escassez de recursos, como os outros. Só que priorizamos nossas necessidades. Nosso índice de participação sobre o orçamento da administração direta é o menor dos últimos 10 anos. Nos últimos anos, o crescimento das nossas despesas foi muito inferior ao crescimento da Receita Corrente Líquida do RS. Hoje o Judiciário responde ele mesmo por 20% de seu financiamento. E vamos cortar mais? Até deixar de funcionar?
CP: O Judiciário é apontado como um poder que detém privilégios: altos salários, auxílio-moradia para magistrados…
Aquino:Alguns acreditam que o problema todo é que existe auxílio-moradia e auxílio-alimentação. O Tribunal de Justiça do RS nunca quis, isso foi imposto. Estamos recebendo, mas é uma questão nacional. Não há como não cumprir. O problema, hoje, é que o Judiciário está bem e o cenário geral vai mal. Só que isso não é responsabilidade do Judiciário. Outros gostam de citar nossos novos prédios, para dizer que o Estado gastou altas somas com o Judiciário. O Estado não gastou com nossas reformas. Elas foram custeadas com o Fundo de Aparelhamento do Judiciário. Ou seja, parte do lucro dos bancos. Para este ano, temos orçados R$ 343 milhões. E uma arrecadação estimada de R$ 480 milhões. A diferença vai para o Caixa Único. Aliás, o montante do Judiciário no Caixa Único está na ordem dos R$ 700 milhões. Os dividendos sobre estes valores também ficam com o Tesouro.
CP: Existe a possibilidade de o Judiciário negociar atrasos ou valores dos duodécimos?
Aquino:Vamos fazer valer a Constituição. As pessoas podem ter a opção política que desejarem, contanto que respeitem a Constituição. O que existe de mais sórdido em todo esse processo é a tentativa de colocar ações na conta do Judiciário e repetir isso diariamente para a população. Por exemplo: o governo é obrigado a pagar os salários em dia e tem que pagar o duodécimo. Ele precisa fazer isso porque está na Constituição. Não é porque quer ou porque não quer. Mas, então, anuncia: “Preciso fazer este pagamento, porque o Judiciário determinou, então não vou poder fazer aquele outro.” Isso é uma inversão total. Além disso, o governo pode ter dificuldades, mas impossibilidade material, não. O Executivo está fazendo um enfrentamento. O que estamos tratando aqui é de democracia e de estado democrático de direito
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