O impacto político da misteriosa morte do promotor na Argentina
- 20 janeiro 2015
A misteriosa morte do promotor de justiça Alberto Nisman, no domingo, levou políticos da oposição Argentina a falarem em "medo" em relação ao "submundo" político no país.
A morte - ainda não se sabe se foi suicídio, suicídio induzido ou assassinato - ocorreu poucos dias após Nisman ter acusado a presidente Cristina Kirchner e assessores de terem organizado um "pacto" suspeito com o governo iraniano.
Analistas ouvidos pela BBC Brasil ainda analisam o impacto político da morte que comoveu os argentinos e gerou panelaços em vários pontos do país na noite de segunda-feira, com manifestantes levando com cartazes de "Eu sou Nisman" (em alusão ao "eu sou Charlie") e pedidos de "justiça". "O sentimento é de estupor", disse Vicente Palermo, cientista político e pesquisador do Centro de Investigaçoes e Pesquisas Políticas (CIPOL).
Para ele, apesar dos panelaços e a poucos meses das eleições presidenciais de outubro, a população argentina ainda "não reagiu (massivamente)" e está principalmente "chocada".
Na visão do analista político Fabián Perechodnik, diretor do instituto de opinião e consultoria Poliarquía, é cedo para se avaliar o efeito político da morte de Nisman. "Para a Argentina, daqui até agosto, quando serão realizadas as primárias, e até o pleito de outubro, falta uma eternidade."
No entanto, ele acha que a morte do promotor gerará "efeito negativo" na imagem da presidente e do governo federal. "É também cedo para medir o tamanho desse efeito negativo, mas sem dúvida ele ocorrerá", afirmou.
Questionamentos
Nesta terça, o chefe de Gabinete da Casa Rosada, Jorge Capitanich, disse que é preciso investigar por que o promotor interrompeu as férias deste ano na Europa com a filha adolescente para retornar às pressas a Buenos Aires.
Segundo os sites dos jornais Clarín e La Nación, Capitanich indicou achar que a morte de Nisman poderia estar vinculada a uma "guerra de espiões" envolvidos nas investigações sobre o atentado de 1994.
"É imprescindível fazermos várias perguntas: Por que sábado (um dia antes de o promotor ser encontrado morto no banheiro de seu apartamento), ele pediu uma arma (a um auxiliar)? Temos que saber se ele sofria algum tipo de ameaça. Se as ameaças partiam de agentes de inteligência atuais, demitidos ou estrangeiros. E por que ele interrompeu a viagem (com a filha). As investigações devem seguir até as últimas consequências", afirmou Capitanich.
Pelo que disseram amigos de familiares à imprensa local, a família do promotor duvida que ele tenha se matado. "A mãe dele, que entrou no apartamento, disse que viu um bilhete de Nisman com a lista de compras que a empregada deveria fazer na segunda-feira. Ou seja, ele não planejava morrer antes", disse um amigo às rádios locais.
Outras dúvidas surgiram nesta terça, como o exame de peritos que apontou que não havia pólvora nas mãos do promotor. Mas especialistas disseram à imprensa local que os vestígios dependeriam da arma utilizada.
Em mensagem de Whatsapp a amigos antes de pedir que a presidente fosse interrogada pelo atentado, divulgada na segunda-feira pela emissora TN (do grupo Clarín), Nisman afirma ter suspendido sua viagem com a filha porque "às vezes na vida os momentos não são escolhidos, as coisas simplesmente acontecem".
"Mais cedo ou mais tarde, a verdade prospera....e tenho muita confiança. Farei tudo o que está ao meu alcance e mais também, sem me importar com quem tenha em frente. Obrigado a todos, será feita justiça. E esclareço, por via das dúvidas, que nao enlouqueci nem nada parecido. Apesar de tudo, estou melhor que nunca. Hahaha."
A líder do governo na Câmara, deputada Julia Di Tulio, pediu que não fosse feito "uso político" do caso. "Não há motivos para temor. No nosso país não há violência política, nada que paralise as instituições. Ele não denunciou formalmente que recebia ameaças. Queremos que a Justica investigue a fundo."
'Medo da impunidade'
Quanto ao impacto político do caso, a analista política Mariel Fornoni, da consultoria MyF Consultores, também afirma que é cedo para tirar conclusões.
A respeito das declarações de políticos opositores, que disseram que a morte gera "medo" no país, ela disse: "Acho que entre as pessoas comuns não há exatamente medo, mas temor da impunidade. Temor de que mais um caso ficará impune no país".
Em entrevista à rádio Mitre, o professor de liderança política da Universidade de Buenos Aires Marcos Novaro disse que o governo vinha "administrando o medo das pessoas com a economia atual", mas a morte do promotor poderá "afetar essa estratégia", indicando que os argentinos poderiam ficar "mais desconfiados" com o governo a partir de agora.
Mariel Fornoni disse ainda que o impacto da morte sobre a opinião pública dependerá da percepção de "credibilidade" dos argentinos quanto à investigação do caso - lembrando que Nisman investigava havia dez anos o atentado terrorista contra a entidade judaica Amia, ocorrido em 1994 e que deixou 85 mortos e em torno de 300 feridos e acusava Cristina Kirchner de ter acobertado suspeitos após um acordo comercial com o governo iraniano.
"Se as pessoas entenderem que foi um suicídio terão uma reação; se entenderem que foi um suicídio, digamos, induzido, terão outra. Com o tempo, saberemos se o caso chegará a danificar a imagem da presidente a ponto de afetar a escolha de seu candidato à sucessão", disse Fornoni.
Ela e Perechodnik interpretaram que a presidente poderia ter comentado a morte do promotor "em termos mais institucionais" - pela rede nacional de rádio e de televisão, como de costume, e não com os dois comunicados que fez no Facebook.
"A informalidade da rede social não foi a forma mais apropriada", disse Perechodnik. "A presidente costuma (falar em) cadeia nacional por qualquer assunto e agora que era mais necessário, não o fez, e isso também perceberam setores da população argentina", disse Fornoni.
Na mensagem pelo Facebook, Cristina afirmou que "No caso do suicídio? (ela incluiu o signo de interrogação na frase) do promotor Alberto Nisman não existem só estupor e perguntas, mas uma história longa, pesada, dura e, principalmente, sórdida".
Nesta terça, na segunda mensagem, a presidente sugeriu, sem citar nomes, que estão "tentando desviar, mentir e esconder" as verdades sobre o atentado e a morte do promotor.
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