terça-feira, 25 de agosto de 2015
"O CHEFE" IVO PATARRA capítulo 3
Lula, o chefe
O Palácio do Planalto bem que tentou abafar, mas desde o início o presidente Lula
esteve no centro da crise política. O escândalo do mensalão eclodiu em 14 de maio de
2005, com a divulgação de uma gravação clandestina pela revista Veja. Maurício Marinho,
funcionário dos Correios, pôs no bolso do paletó R$ 3 mil. Propina. De cara, a evidente
vinculação do PTB ao esquema de corrupção. Os Correios eram área de influência
do partido, uma das agremiações integrantes da base aliada do Governo Federal, capitaneada
pelo PT, a legenda de Lula.
Enquanto os telejornais escancaravam a fita com as imagens de Maurício Marinho
enfiando o dinheiro no bolso, Lula apressava-se em defender o deputado Roberto
Jefferson (RJ), presidente nacional do PTB. Palavras de Lula, alto e bom som, em 17 de
maio de 2005:
- Precisamos ter solidariedade com os parceiros, não se pode condenar ninguém
por antecipação.
Lula se pronunciou durante almoço com aliados. O presidente insistiu:
- Parceria é parceria. Tem de ter solidariedade.
E arrematou, para não deixar dúvidas:
- Essa é a hora em que Roberto Jefferson vai saber quem é amigo dele e quem não é.
Lula estava preocupado. Recorda-se que, alguns meses antes, dissera a seguinte frase
endereçada a Roberto Jefferson, em meio ao noticiário que especulava sobre um pagamento
de R$ 10 milhões do PT ao PTB, com vistas a “comprar” o apoio dos trabalhistas às eleições
municipais de 2004:
- Eu te daria um cheque em branco e dormiria tranquilo.
A gravação de Maurício Marinho trouxe outras complicações. Como se sabe, ele desandou
a conversar com os interlocutores que o subornavam, sem saber que estava sendo gravado.
O funcionário dos Correios mencionou uma empresa, a Novadata, pertencente a Mauro
Dutra, o “Maurinho”, amigo de Lula havia mais de 20 anos. A Novadata fornecia computadores
para o Governo Federal. Apenas nos dois anos e meio da primeira administração Lula,
faturou R$ 284,5 milhões, sendo R$ 110 milhões em contratos com a Caixa Econômica
Federal, R$ 100 milhões em contratos de locação de 27.500 computadores para a Petrobras
e R$ 16,2 milhões em vendas aos Correios.
Aqui uma pausa, para registrar: Lula passou o réveillon de 2001 na mansão de Mauro
Dutra em Búzios, no badalado litoral do Rio. O mesmo Maurinho que fez contribuições ao
PT, arrecadou dinheiro para o partido e emprestou avião a Lula. Na fita, Maurício Marinho
fala de “acertos” em licitações. Descreve manobra da Novadata para superfaturar computadores.
A empresa tentou fazer o preço de cada computador vendido ao governo dar um salto
injustificado, de R$ 3.700 para R$ 6.000.
Logo nos primeiros dias da crise, Lula trabalhou abertamente contra a ideia de se criar
uma CPI para investigar a corrupção nos Correios. Foi decisão de governo: a administração
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federal iria liberar dinheiro de emendas ao Orçamento a todos os parlamentares que votassem
contra a CPI. Faltou combinar com os jornais.
Roberto Jefferson foi destaque no noticiário político. As incursões do presidente do
PTB nos subterrâneos de Brasília revelaram várias suspeitas de corrupção. Lula achou por
bem se afastar do aliado, mas continuou a trabalhar contra a instalação da CPI. Roberto
Jefferson estava cada vez mais isolado. Os estrategistas do presidente não imaginaram que
o desgaste do político fluminense o levasse a uma reação explosiva.
Em 6 de junho de 2005, Roberto Jefferson concedeu uma entrevista-bomba ao jornal
Folha de S.Paulo. O Brasil não seria mais o mesmo. A manchete, na primeira página, para
não deixar dúvidas: “PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson”. O
escândalo do mensalão assumiria contornos dramáticos.
Leal ao presidente que procurou protegê-lo, Roberto Jefferson tentou deixá-lo fora da
crise. Mas logo implicou o superministro José Dirceu (PT-SP). A Folha de S.Paulo também
reproduzia a reação de José Dirceu, assim que ouviu Roberto Jefferson falar sobre os repasses.
Infere-se que a tarefa de fazer as operações de distribuição do dinheiro era de responsabilidade
do tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Palavras de José Dirceu:
- Eu falei para não fazer.
Ora, se o todo-poderoso ministro da Casa Civil, braço direito de Lula, disse a Delúbio
Soares para não fazer, fica implícito que a prática fora pensada, discutida e provavelmente
era de amplo conhecimento do chamado “núcleo duro” do governo. Destaca-se que Delúbio
tinha relação histórica com Lula.
Mas voltemos a Roberto Jefferson, que envolveu no seu relato à Folha de S.Paulo outros
importantes auxiliares do presidente. Se os mencionados já não conhecessem os fatos,
ficariam com a obrigação de tomar providências assim que foram informados. Afinal, Lula
não poderia permanecer alheio à existência de um esquema que entregava dinheiro a parlamentares.
Isso, claro, se já não soubesse muito bem o que acontecia.
Roberto Jefferson contou que levou informações sobre o mensalão ao ministro da
Integração Nacional, Ciro Gomes (PSB-CE). Da mesma forma que José Dirceu, deveria
informar o presidente sobre o que lhe fora relatado. Assim, providências enérgicas impediriam
o prosseguimento da prática de suborno. E faria isso como dever de lealdade, independentemente
das suas convicções. Conforme Jefferson, Ciro Gomes lhe disse que não acreditava
na história da transferência de dinheiro de caixa 2 para a base aliada.
Rodeado de ministros leais, Lula não fugiria do seu dever constitucional de determinar
imediata abertura de investigações, com a finalidade de punir eventuais culpados. Outra
hipótese, porém: Lula teria dado carta branca às operações de suborno. Agora, deixaria o
tempo amainar a situação, confiando na falta de memória da imprensa e dos brasileiros.
Depois foi a vez de Miro Teixeira (PT-RJ), ministro das Comunicações. Os deputados
José Múcio (PTB-PE) e João Lyra (PTB-AL) testemunharam a conversa na qual Roberto
Jefferson pediu para Miro Teixeira contar tudo a Lula. Tem mais. Jefferson também discutiu
o problema com o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), o então líder do governo Lula na
Câmara dos Deputados, e garante que expôs tudo ao ministro Antonio Palocci (PT-SP),
outro integrante do “núcleo duro” do governo. O recado estava dado.
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Aparentemente, só Miro Teixeira levou a coisa a sério. Pelo menos num primeiro momento.
A prova é que informações prestadas por ele fizeram o Jornal do Brasil denunciar em
manchete, em 24 de setembro de 2004: “Planalto paga mesada a deputados”. Trecho de
abertura da reportagem: “O governo montou no Congresso um esquema de verbas e cargos
para premiar partidos fiéis ao Planalto. Chama-se mensalão”.
Não houve consequências. O então presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha
(PT-SP), prometeu instaurar sindicância para apurar a denúncia do Jornal do Brasil, mas foi
tudo engavetado às pressas. E Miro Teixeira capitulou. Antes disso, no entanto, havia narrado
o caso a Lula. Aí é que a coisa pega. Miro Teixeira era oriundo do PDT (Partido Democrático
Trabalhista), mas se transferira para o PT e assumira a liderança do governo Lula na
Câmara dos Deputados. O episódio aconteceu logo após o escândalo que culminou com a
saída de Waldomiro Diniz do Ministério da Casa Civil, no primeiro grande caso de corrupção
da era Lula, a ser relatado adiante.
Miro Teixeira, no papel de líder, era assediado por deputados que temiam pelo fim da
“mesada” fornecida pelo governo, uma hipótese aventada com a saída de Waldomiro Diniz.
Afinal, o assessor de José Dirceu, defenestrado da Casa Civil, cuidava justamente da rela-
ção da administração federal com o Congresso. Miro Teixeira foi duro. Em 25 de fevereiro
de 2004, disse ao presidente que deixaria a liderança do governo. Não aceitava os pagamentos.
Com ar de surpresa, Lula garantiu desconhecer o assunto. E disse que iria discuti-lo,
sem falta, com José Dirceu. Nada. Pouco mais de um mês depois, Miro Teixeira voltou ao
Palácio do Planalto e pediu para sair da liderança. Infelizmente, não levou o caso até as
últimas consequências. Substituiu-o o deputado Professor Luizinho (PT-SP), que viria posteriormente
a ser acusado de envolvimento no mesmo escândalo do mensalão.
Em 5 de janeiro de 2005, Roberto Jefferson levou o assunto diretamente a Lula. Quem
testemunhou foi o ministro Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG), do Turismo. Nenhuma
providência tomada. Roberto Jefferson voltou a Lula novamente, em 23 de março de 2005.
Desta vez, várias pessoas ouviram a conversa sobre as “mesadas do Delúbio”. Jefferson
expôs tudo. Presenciaram José Dirceu, Aldo Rebelo e José Múcio. Todos os três, aliás, já
sabiam do assunto. Além deles, ouviram o relato o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) e o
chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho (PT-SP). Da mesma forma, eles não poderiam
mais alegar desconhecimento. Jefferson afirmou:
- Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira.
Reação de Lula:
- Que mensalão?
Interessante destacar que no segundo mandato de Lula, Walfrido dos Mares Guia e José
Múcio, braços direito e esquerdo de Roberto Jefferson no PTB até eclodir o escândalo do
mensalão, seriam promovidos por Lula. Walfrido iria do morno Ministério do Turismo para
o chamativo Ministério das Relações Institucionais, exatamente para ser o responsável pela
relação do governo com o Congresso. E Múcio sairia da liderança do PTB para a liderança
do governo na Câmara. E quando Walfrido fosse afastado depois da acusação de envolvimento
com o chamado mensalão mineiro, Lula não teria dúvidas: promoveria mais uma vez Múcio,
nomeando-o ministro das Relações Institucionais. Em 2009, Lula recompensaria os bons
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serviços prestados por Múcio, indicando-o para uma vaga no TCU (Tribunal de Contas
da União).
Por que os aliados de Roberto Jefferson assumiram papéis de destaque na administração
Lula? É simples: porque blindaram Lula no episódio das denúncias de Roberto Jefferson.
Não respaldaram nem deram eco às acusações que poderiam levar ao impeachment do presidente.
E foram recompensados por terem sido leais.
Mas voltemos uma vez mais no tempo. Houve outro episódio, dez meses antes daquele
encontro entre Jefferson e Lula, em 23 de março de 2005. Ocorreu na noite de 25 de
maio de 2004. O curioso é que, desta vez, Lula introduziu o assunto. A comitiva do presidente
estava em viagem oficial à China. Lá pelas tantas, depois do farto jantar, Lula se
virou para o deputado Paulo Rocha (PT-PA) e perguntou se ele já ouvira falar do pagamento
de mesadas a parlamentares. Para entender: durante os desdobramentos do escândalo
do mensalão, Paulo Rocha preferiu renunciar ao mandato a correr o risco de ser
cassado, justamente por ter feito saques de dinheiro de caixa 2. Rocha negou a história,
obviamente. Mas outros três deputados que estavam no jantar na China confirmaram a
veracidade da conversa à revista Veja.
Com a explosão do escândalo do mensalão, Aldo Rebelo (PC do B-SP) foi escalado
para falar em nome do Palácio do Planalto. Admitiu que Lula ouvira mesmo o relato de
Jefferson em 23 de março de 2005, mas tratou de proteger o presidente. Para Rebelo, a
denúncia envolvia o PT e outros partidos, não o governo. Ora, o PT é o partido de Lula. E os
outros partidos dão sustentação política ao governo Lula. Estavam sendo pagos para isso.
Como protegê-lo?
O líder de Lula no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), tentou explicar a reunião de
23 de março:
- Nenhum dos presentes tratou aquilo como denúncia, nem discutiu o assunto na reunião.
Depois, Lula chamou Aldo e Chinaglia e perguntou se havia comentários sobre isso na
Câmara. Não houve denúncia, apenas o relato de boato.
Para Aloizio Mercadante, portanto, Lula, o grande beneficiário da maioria forjada para
apoiar o seu governo no Congresso, não tinha providências a tomar sobre o assunto. Pois,
afinal, não havia “comentários” sobre o tema.
A Folha de S.Paulo ainda circulava com a denúncia de Roberto Jefferson sobre o mensalão
naquele 6 de junho de 2005, quando o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), veio
a público revelar que dois deputados receberam propostas para se transferir à base aliada do
governo Lula, em troca de dinheiro. Mais lenha na fogueira.
Pior: em 5 de maio de 2004, Marconi Perillo já havia levado o fato diretamente ao
conhecimento de Lula. Na época, o presidente disse que iria apurar. Não fez nada. De qualquer
forma, não teria sentido dizer que não sabia do assunto. Meses depois, fustigado, o
Palácio do Planalto se posicionou sobre o episódio por meio de nota. Informou que Lula não
se recordava de nenhum comentário do governador Marconi Perillo a respeito de uma tentativa
de suborno de deputados. Mais uma vez, Lula foi convenientemente escondido.
Em 12 de junho de 2005, nova entrevista de Roberto Jefferson à Folha. Ele deu detalhes
da conversa com Lula, dentro do gabinete do presidente:
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- Ele me pediu que explicasse como funcionava o mensalão. Eu disse. Depois ele se
levantou, me deu um abraço e eu saí.
Na entrevista, a chave para entender por que o escândalo do mensalão não foi contido nos
bastidores da política, e virou mesmo um escândalo. Roberto Jefferson relatou à repórter
Renata Lo Prete a primeira conversa com Lula para falar dos repasses, em janeiro de 2005.
Roberto Jefferson esforçou-se em salvaguardar o presidente:
- E vi a reação dele de perplexidade. E então as coisas pararam. Mas o que eu estranho
é que a Abin, depois que eu disse isso ao presidente Lula, parte para mandar arapongas
contra o PTB. Alguém, dentro do governo, não gostou que nós passamos essa informação
ao presidente.
O “alguém” de Jefferson era o ministro José Dirceu. Teria sido acionado por Lula. E a
Abin (Agência Brasileira de Inteligência) entrara em ação, segundo o presidente do PTB.
No final das contas, mostrou-se desastrosa a estratégia de fuçar a vida de Jefferson para
descobrir podres do deputado, com vistas a obter o seu silêncio. Ele não aceitou a chantagem.
O tiro saiu pela culatra.
Dia 13 de junho de 2005, o seguinte à entrevista da Folha: a assessoria de José Dirceu
divulgou informações segundo as quais o relacionamento entre o ministro da Casa Civil e o
presidente Lula era excelente. Bobagem. O importante do “recado” de José Dirceu estava
na frase que, segundo a assessoria, o ministro havia proferido. A fala de Dirceu foi divulgada
como sendo textual, entre aspas, e serviu para definir a sua relação com Lula:
- Não faço nada que não seja de comum acordo e determinado por ele.
Estava tudo aí. Dirceu, ao travar combate para não ser expelido do governo, fez ameaça
velada a Lula, como quem diz: “Não ouse me fritar, muito menos me demitir. Sei demais.
Posso e vou comprometê-lo”. Mas ficou nisso. Dirceu jamais fez nada, apesar de, em outros
momentos da crise, ter voltado a insinuar que poderia pôr o dedo na ferida. Chegou a alfinetar
o presidente em algumas ocasiões, como da vez que fez críticas a Fábio Luís Lula da
Silva, o “Lulinha”, em entrevista concedida no início de 2008 à revista Piauí.
O mais importante da frase em que Dirceu deu o “recado” a Lula, porém, é a confissão
de que agia conforme o acertado com o presidente. Por si só, a frase deveria ter se constitu-
ído em elemento de peso para justificar a abertura de processo por crime de responsabilidade
contra Lula.
Em 14 de junho de 2005, Roberto Jefferson prestou depoimento ao Conselho de Ética da
Câmara dos Deputados. Foi um dia histórico. Ele pediu o afastamento de José Dirceu do governo.
Na prática, sentenciou à queda o homem mais importante da história do PT, depois de Lula:
- Zé Dirceu, se você não sair daí rápido, você vai fazer réu um homem inocente, o
presidente Lula.
Para complicar as coisas, entrou em cena Fernanda Karina Ramos Somaggio, ex-secretária
de Marcos Valério. A essa altura, Marcos Valério, o empresário dono de agências de publicidade
e principal operador do mensalão, já era uma celebridade. Fernanda Karina disse em entrevista
à revista Isto É Dinheiro que Marcos Valério tinha comunicação direta com José Dirceu.
O superministro de Lula também foi acusado de receber dinheiro do esquema de
corrupção montado em Santo André (SP). Quem fez a denúncia foi Francisco Daniel, irmão
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do ex-prefeito Celso Daniel (PT). Aqui, Lula voltou ao centro da crise. Francisco Daniel
disse que o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, transportou R$ 1,2 milhão de
propina em seu carro. A origem do dinheiro, devidamente entregue ao então presidente
nacional do PT, José Dirceu, seria a propina arrecadada na Prefeitura de Santo André.
José Dirceu foi afastado do governo em 16 de junho de 2005. Fazendo-se de alheio aos
problemas, como sempre, Lula deu entrevista em Luziânia (GO) para dizer que as denúncias
eram “vazias”. Entrementes, nos bastidores de Brasília, o presidente trabalhava para
frustrar a CPI dos Bingos, uma nova fonte de investigações contra o seu governo. Prometeu
mundos e fundos para quem ficasse ao seu lado, mas não impediu a instalação da comissão.
Um episódio que mostrou Lula como sujeito atuante nos bastidores de seu governo, e
não alguém sempre por fora dos “detalhes” comprometedores, como procurava se mostrar.
Foi o caso da “simples” nomeação do diretor de Engenharia da empresa estatal Furnas
Centrais Elétricas. O assunto relatado por Roberto Jefferson ocupou várias páginas de jornal.
Não era para menos. O diretor, Dimas Toledo, administrava, de acordo com Roberto
Jefferson, uma “sobra” de R$ 3 milhões ou R$ 4 milhões por mês, dependendo da versão,
dinheiro abocanhado quase integralmente pelo PT.
O caso Furnas acabou contribuindo para o desgaste da relação PT/PTB, pois o partido
de Roberto Jefferson não aceitava ficar à margem, relegado a um segundo plano. Pois bem:
na partilha de cargos do governo, ficou combinado que Jefferson exerceria influência em
Furnas. Ele queria trocar Dimas Toledo. Lula era simpático ao pleito do PTB. O presidente
dissera a Jefferson:
- Roberto, por que está demorando tanto?
Lula não aceitaria argumentação alguma que prejudicasse o PTB:
- Nada disso. O Dimas vai sair.
No caminho, porém, estava José Dirceu, aparentemente cioso da fortuna em comissões
e propina. Quando a casa caiu, Roberto Jefferson contou a história aos jornais. A reação
instantânea do Palácio do Planalto foi afastar todos os citados, inclusive Dimas Toledo. Mas
a história de Roberto Jefferson revelou que Lula tinha pleno conhecimento do que se passava
nos porões do governo e palpitaria nas nomeações para cargos de escalões inferiores.
Outro caso vinculado diretamente a Lula ocorreu em 8 de julho de 2005, a partir de
notícia publicada pelo jornal O Globo. A Telemar, uma das maiores operadoras de telefonia
do País, investira R$ 5 milhões na pequena Gamecorp, de Fábio Luís Lula da Silva, o
“Lulinha”. Como se sabe, a Telemar fora constituída com recursos de origem pública, provenientes
do Banco do Brasil, BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social) e fundos de pensão de empresas estatais. Além disso, era empresa concessionária de
serviço público, regulada pelo Governo Federal.
O negócio Telemar/Gamecorp foi intermediado pela consultoria de Antoninho Marmo
Trevisan, outro amigo de Lula. Para o presidente, porém, nada de errado. A reação dele,
nervosa, pretendendo pôr um ponto final no assunto que envolvia seu filho:
- Estão querendo mexer na minha vida privada. Isso é uma baixaria, um golpe baixo, um
desrespeito. Isso é irracional.
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Voltemos a um acontecimento importante, ocorrido em 17 de junho de 2005. Lula deu a
famosa entrevista em Paris, divulgada com exclusividade pelo programa Fantástico, da Rede
Globo. O impressionante da história foi o coro do presidente ao que acabara de ser dito por
Marcos Valério e Delúbio Soares, ambos metidos até o pescoço na lambança do escândalo do
mensalão. A estratégia dos três, apesar da diferença de tom das intervenções, foi a mesma:
negar os pagamentos a parlamentares, ou seja, o crime de corrupção, e pôr tudo na conta de
simples repasses para quitar dívidas de campanha, usando caixa 2. Um crime menor, portanto,
apenas eleitoral. Para Lula, o PT fez o que é feito no Brasil, sistematicamente:
- E não é por causa do erro de um dirigente ou de outro que você pode dizer que o PT
está envolvido em corrupção.
Enquanto Lula minimizava a crise, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) acusava o que
chamou de “crime de quadrilha”:
- Agora, o partido está dentro do governo, e foram usadas empresas públicas como o
Correios e Furnas, para fazer transações ilícitas. Favoreceram essas empresas em troca do
dinheiro dado ao partido.
Difícil tapar o sol com a peneira. Olívio Dutra (PT-RS), petista histórico, foi demitido
do Ministério das Cidades. Ressentido, desabafou durante entrevista: a “disputa” e a “concentração
de poder no governo” fizeram crescer a “erva daninha”. Referia-se à erva daninha
da corrupção.
Para ajudar a entender Lula, um acontecimento de 1995, dez anos antes do escândalo do
mensalão. Outro petista histórico, o economista Paulo de Tarso Venceslau, procurou o presidente
para conversar. Denunciou-lhe um esquema de corrupção que envolvia o advogado Roberto
Teixeira, compadre de Lula. Ele vinha usando o nome de Lula para desviar dinheiro de prefeituras
do PT. Venceslau não aceitava a prática, uma forma de irrigar os cofres do partido.
O economista achou que Lula o ajudaria a extirpar o corrupto que manchava o nome do
PT, mesmo que o caso envolvesse seu compadre. Resultado: Paulo de Tarso Venceslau foi
expulso do partido. Quanto a Teixeira, continuou firme e forte. Venceslau concedeu entrevista
ao jornal O Estado de S. Paulo:
- Lula foi o primeiro a saber do caso. Sabia do comprometimento do seu compadre,
sabia do volume de dinheiro público envolvido, e fez questão não só de acobertar, mas de
punir quem tinha descoberto.
O economista comparou Lula nos dois casos. Na década de 90, candidato a presidente,
ao ser informado das andanças de Teixeira atrás de comissões em prefeituras, e depois,
presidente da República, com o escândalo do mensalão:
- Eu levei para ele, pessoalmente. E o tempo todo fingiu que não sabia. Evidentemente
que Lula não operava, assim como não está operando hoje. Mas como ele sabia naquela
época, ele sabe hoje, sempre soube.
Depoimento de José Dirceu ao Conselho de Ética da Câmara. Quem roubou a cena foi
Roberto Jefferson. Veio à tona a operação Portugal Telecom. Os fatos: o ministro Walfrido
dos Mares Guia pediu ajuda a Lula para resolver problemas financeiros do PTB. Com o
suposto conhecimento do presidente, Marcos Valério e Emerson Palmieri, tesoureiro do
PTB, viajaram a Lisboa atrás de uma “comissão” que poderia chegar a R$ 100 milhões. A
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jogada pressupunha uma transferência de US$ 600 milhões do IRB (Instituto de Resseguros
do Brasil), outro órgão do governo brasileiro envolvido nas denúncias. Se desse certo, os R$
100 milhões irrigariam os caixas 2 do PT e do PTB. Marcos Valério chegou a Portugal se
dizendo “consultor do presidente do Brasil”. E ele era mesmo.
Mais uma história apimentada misturando Lula e caixa 2. Foi publicada em 4 de agosto
de 2005, pelo jornal O Estado de S. Paulo. Diz respeito a uma entrevista do presidente ao
Programa do Ratinho, do SBT, em 2004. A aparição de Lula na televisão teria sido comprada
com R$ 2,1 milhões do valerioduto, como ficou conhecido o canal pelo qual corria o
dinheiro movimentado por Marcos Valério. A soma teria viabilizado um acerto entre o deputado
José Borba (PMDB-PR), aliado do governo, e o apresentador de televisão Carlos
Roberto Massa, o “Ratinho”. As partes negaram, obviamente. Dias depois, o escândalo do
mensalão levaria Borba a renunciar ao mandato.
Um caso intrigante, o da exoneração de Márcio Araújo de Lacerda (PSB-MG), então
secretário-executivo do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PSB-CE). Márcio
Lacerda, que seria eleito prefeito de Belo Horizonte em 2008, estava na lista de sacadores
de Marcos Valério, agraciado com R$ 457 mil. O dinheiro teria sido usado para pagar os
serviços publicitários de uma agência que trabalhou na campanha de Lula, no segundo
turno de 2002, conforme admitiu o tesoureiro Delúbio Soares. A eleição de Lula, portanto,
teria sido irrigada com dinheiro de caixa 2. O caso repercutiu durante o depoimento de
Delúbio Soares à CPI do Mensalão. Eis o diálogo travado entre Delúbio Soares e o deputado
Júlio Redecker (PSDB-RS), que faleceu em 2007 no desastre com o avião da TAM no
aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Pergunta de Júlio Redecker:
- O dinheiro foi enviado para Ciro Gomes?
- Sim.
- Pagou despesas de campanha de Ciro ou Lula?
- De Ciro.
- Mas Ciro disse que foi serviço prestado pelo marqueteiro dele no segundo turno à
campanha de Lula.
- Não foi. O dinheiro pagou serviços prestados pelo (publicitário) Einhart à campanha
de Ciro no segundo turno.
- Mas Ciro não foi candidato no segundo turno. Ele apoiou a candidatura Lula.
- O Einhart trabalhou com o Duda Mendonça. Eles filmaram o Ciro para o programa de
Lula no segundo turno. O dinheiro pagou despesas que o Ciro teve no segundo turno.
- Então o dinheiro de Valério, de caixa 2, pagou despesas de campanha de Lula no
segundo turno.
Delúbio silenciou.
A crise assumiu contornos dramáticos em 11 de agosto de 2005. O publicitário Duda
Mendonça confessou à CPI dos Correios que recebeu R$ 10,5 milhões de Marcos Valério
em depósitos no exterior. Note-se bem: trata-se de dinheiro de caixa 2, não declarado, sem
origem definida, usado para pagar serviços prestados na campanha de 2002, no pleito que
elegeu Lula. Dia seguinte, em discurso no Planalto, Lula quis dar fim ao caso:
- O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas.
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Em 13 de agosto de 2005, a revista Época publicou entrevista com Valdemar Costa Neto
(PL-SP), o primeiro deputado a renunciar durante as investigações do escândalo do mensalão.
Em foco, uma reunião ocorrida em 2002 para decidir o apoio do PL ao PT e a indicação de
José Alencar para vice de Lula.
O encontro se deu no apartamento do então deputado Paulo Rocha (PT-PA), em Brasília.
Paulo Rocha, aliás, também renunciaria em 2005, com medo de ser cassado, depois de não
conseguir negar a sua participação no esquema de corrupção. Lula estava presente à reunião
no apartamento de Paulo Rocha. Depois de árdua negociação, durante a qual Lula, discreto,
teria se retirado a um aposento ao lado, fechou-se o acordo pelo qual o PT se prontificava a
transferir R$ 10 milhões para o PL, a fim de obter o apoio do partido de José Alencar. Época
perguntou a Valdemar Costa Neto:
- Lula sabia que a conversa no quarto era sobre dinheiro?
- Ele sabia. O presidente sabia o que a gente estava negociando. Olha, ele e o Zé Dirceu
construíram o PT juntos. O Lula sabia o que o Dirceu estava fazendo. O Lula foi para lá para
bater o martelo. Tudo o que o Zé Dirceu fez foi para construir o partido.
Note-se bem: Valdemar Costa Neto era o presidente do partido do vice-presidente da Repú-
blica. A sigla pertencia à base aliada do governo. A confissão dele teria sido outro elemento
importante para justificar a abertura de processo por crime de responsabilidade contra Lula.
Vale registrar trecho da entrevista de Hélio Bicudo, respeitável jurista, à revista Veja.
Hélio Bicudo, quadro histórico do PT, desligou-se do partido:
- Lula é um homem centralizador. Sempre foi presidente de fato do partido. É impossí-
vel que ele não soubesse como os fundos estavam sendo angariados e gastos e quem era o
responsável. Não é porque o sujeito é candidato a presidente que não precisa saber de dinheiro.
Pelo contrário. É aí que começa a corrupção.
- Por que o presidente não tomou nenhuma atitude para impedir que a situação
chegasse aonde chegou?
- Ele é mestre em esconder a sujeira embaixo do tapete. Sempre agiu dessa forma.
Desabafo do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), outro acusado de envolvimento no
escândalo do mensalão, durante uma reunião do Campo Majoritário, a corrente do PT cujas
lideranças máximas sempre foram Lula e José Dirceu. Desgastado com as notícias de
corrupção, o Campo Majoritário teve o nome alterado para Construindo um Novo Brasil, no
segundo mandato de Lula. De qualquer forma, João Paulo Cunha fez ameaças veladas a
Lula durante aquela reunião. Reclamou de ingratidão e hipocrisia. Apesar de feitas a portas
fechadas, as ameaças acabaram na imprensa. Não foram desmentidas. O envolvimento de
Lula, por João Paulo Cunha:
- Quem tomou a decisão de fazer alianças? Foi o Zé Dirceu? Quem exigiu o contrato
com Duda Mendonça?
Em outras palavras, Lula não só sabia, como estava por trás de tudo. Era o chefe. Continuou
a ser o chefe.
Insatisfeitos com o presidente, próceres do PT mantiveram a carga sobre Lula. Em entrevista
à Folha de S.Paulo em 25 de setembro de 2005, José Dirceu disse quem, em sua
opinião, eram os responsáveis pela crise:
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- Muita gente. Parece que eu fui presidente do PT sete anos sozinho, secretário-geral
cinco anos sozinho, né? O PT não foi construído assim. Tem dezenas de dirigentes importantes
que hoje são prefeitos, governadores, ministros, deputados e senadores que participaram
da construção de toda essa estratégia comigo.
- E o presidente.
- E o próprio presidente da República. É isso o que eu digo. A responsabilidade é de
todos nós. Nós temos que debater isso, num congresso do partido, e fazer o balanço.
- O senhor acha que o presidente da República assume a responsabilidade
que tem?
- Não quero nominar ninguém. O que eu não aceito é prejulgamento, que foi tudo errado,
que foi tudo um fracasso, que a política de alianças do PT estava errada. Tudo foi aprovado
democraticamente.
José Dirceu respondeu se Lula participou das discussões:
- Participou. Todos participaram. Mas eu quero discutir e avaliar. Eu não quero julgar
ninguém porque eu não quero que me prejulguem. O que não aceito é a imagem de que eu
fiz tudo sozinho e depois apareceu Silvio Pereira, Delúbio Soares e Marcelo Sereno, que
são o mal. Então corta esse mal e o PT está salvo. Isso é maniqueísta. E eu não mereço isso.
Em outro trecho da entrevista, o jornal faz um comentário:
- As pessoas que votaram no PT a vida inteira imaginavam que votavam num
partido que tinha práticas diferentes.
- Esse é um erro e o PT vai pagar por ele. Nós vamos ter que pedir desculpas ao País.
Nós assumimos compromissos na campanha eleitoral com partidos e repassamos recursos.
Se fossem da arrecadação oficial do PT, não teria problema nenhum. Como foram recursos
de empréstimos tomados num banco e foram repassados fora da prestação de contas, há
uma ilegalidade aí que vai ser punida pela Justiça.
Como se vê, José Dirceu deu eco à estratégia que desvincula o dinheiro movimentado
durante o escândalo do mensalão da prática de corrupção, atribuindo as somas entregues a
políticos a empréstimos bancários. Ele também fala sobre a política de alianças e o programa
de governo de Lula:
- Então estão julgando Lula também. Tem de saber qual é o julgamento e qual é o grau
de responsabilidade de cada um.
- E a responsabilidade política? As pessoas votam no Lula e ele não sabe de nada?
É difícil acreditar que ele ignorava tudo.
- Não é isso. É que ele não tem responsabilidade. Eu não posso atribuir responsabilidade
a ele no grau dele. O Lula tem responsabilidade política porque ele era líder do PT. Mas os
graus são diferentes. Não posso atribuir a ele responsabilidade sobre o caixa 2. Aí eu não
vou atribuir.
- Ele não tem responsabilidade como liderança?
- Isso é uma pergunta que tem de ser dirigida a ele. Eu não vou responder por ele.
Menos de duas semanas depois, foi a vez de Lula conceder entrevista. Ele falou ao
programa Roda Viva, da TV Cultura. E retribuiu à altura:
- Feliz o País que tem um político da magnitude do Zé Dirceu.
32
Em outro momento da entrevista, Lula volta à carga:
- Qual a acusação que existe contra o Zé Dirceu?
Uma entrevista perigosa para o presidente. O entrevistado é Silvio Pereira, o ex-secretá-
rio-geral do PT. Falou à Folha de S.Paulo, em 2 de outubro de 2005:
- A minha responsabilidade não é diferente da de nenhum outro dos 21 membros da
executiva nacional do PT. O nível de decisão que eu tinha não era diferente do de nenhum
dos 21 membros da executiva nacional do PT.
“Silvinho” evitou citar nomes:
- Eu assumo a responsabilidade como membro da direção do PT, em que pese a direção
do PT ter realmente a noção do que estava acontecendo. Ninguém é hipócrita de achar que
não sabia que existia caixa 2. Qual membro da direção do PT não sabia disso?
O repórter perguntou se o então presidente do partido, José Genoino (SP), sabia do
esquema de caixa 2. Palavras de Silvinho:
- Eu pergunto: qual o membro da alta direção do PT que não poderia supor que
pudesse existir?
Silvinho se desligou do PT após admitir que havia ganhado um jipe Land Rover de
presente de uma fornecedora da Petrobras. Depois, assumiria a responsabilidade perante a
Justiça e, para não ser processado, concordaria em prestar serviços comunitários. Saiu livre.
Um fardo pesado para Lula, o caso Santo André. Em 23 de novembro de 2005, a empresária
Rosângela Gabrilli depôs à CPI dos Bingos. Trouxe à luz meandros do esquema de
corrupção engendrado na administração do ex-prefeito Celso Daniel (PT).
A irmã dela, Mara Gabrilli, pediu ajuda diretamente a Lula. Esteve no apartamento do
presidente em São Bernardo do Campo (SP), e conversou com ele por 20 minutos. Descreveu
um quadro de extorsão contra prestadores de serviços à Prefeitura de Santo André,
controlada pelo PT, como a empresa da família dela. Lula ficou de “averiguar e tomar
providências”. Desabafo de Mara Gabrilli, confirmando o depoimento da irmã:
- Ninguém fez absolutamente nada. Nunca tive uma resposta.
Chamada a depor na mesma CPI dos Bingos, Mara Gabrilli revelou novas informações
sobre o encontro dela com Lula. Na ocasião, contara ao presidente que Sérgio Gomes da
Silva, o “Sombra”, estava envolvido no esquema de corrupção. Sombra também era acusado
de mandar matar Celso Daniel. Durante a reunião com Mara Gabrilli, o presidente Lula
virou-se para os três assessores que o acompanhavam para dizer:
- Nossa, eu achei que o Sérgio Gomes já estava muito longe.
Como sempre, Lula dissimulou. Fez que não sabia o que se passava. Conveniente. O
incrível é que o tal Sombra não saía do noticiário dos jornais. Vivia prestando depoimentos
a CPI, Ministério Público e Polícia Civil. Como poderia estar “muito longe”? Como o presidente
seria tão desinformado?
Lula não tomou providências para resolver o problema em Santo André, conforme se
comprometera. Ao invés disso, a família de Mara Gabrilli passou a sofrer pressões. Ela
explicou à CPI o que aconteceu após a conversa em São Bernardo do Campo. Referiu-se ao
ex-vereador Klinger Luiz de Oliveira (PT), um dos acusados de envolvimento no esquema
de corrupção:
33
- Ocorreu justamente o contrário. Klinger soube, reclamou, e dias depois uma comissão
de sindicância da Prefeitura se instalou na nossa empresa.
Além de Santo André, a crise política teve outra ramificação importante em Ribeirão
Preto (SP), terra de Antonio Palocci (PT-SP). Irromperam sucessivos indícios de condutas
inadequadas e corrupção na cidade, na época em que a administração municipal estava sob
o comando do prefeito Antonio Palocci. Apesar da gravidade das denúncias que só se
avolumavam, Lula fez reiteradas defesas do seu ministro da Fazenda.
Quanto mais era denunciada a participação de Antonio Palocci na malversação dos
contratos de limpeza pública de Ribeirão Preto, mais manifestações de Lula a elogiar o exprefeito.
Como justificar a defesa de alguém cujos procedimentos e o envolvimento em
possíveis falcatruas ficava cada vez mais evidente?
O noticiário era farto: inquéritos, provas documentais e testemunhas. Principalmente os
depoimentos do advogado Rogério Buratti. Ele manteve ligações estreitas com o PT, mas
decidiu contar o que sabia para melhorar sua situação na Justiça. Por que, então, a solidariedade
a Antonio Palocci? Aparentemente, só havia uma explicação: Antonio Palocci sabia
demais. Impossível a Lula simplesmente demiti-lo e mandá-lo de Brasília de volta a Ribeirão
Preto. Neste sentido, Palocci era uma pedra no sapato do presidente.
Ao admitir a hipótese de impeachment de Lula, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados
do Brasil), Roberto Busato, falou da proximidade do presidente com Luiz Gushiken
(PT-SP), outro integrante do “núcleo duro” do Palácio do Planalto. Roberto Busato tratou
do caso Visanet, ou seja, do dinheiro de publicidade do Banco do Brasil que, de acordo com
as investigações da CPI dos Correios, foi desviado para o PT:
- A revelação de repasses de verba de publicidade da Visanet, ligada ao Banco do Brasil,
a agências de Marcos Valério, e de distribuição a parlamentares sempre em épocas apropriadas
ao governo, atingiu mortalmente o coração de Gushiken. E, ao atingir Gushiken, atinge
Lula, na medida que o presidente não tomou nenhuma atitude para afastá-lo do governo.
É prova inconteste de que Lula sabia exatamente de todo o esquema e estava de acordo com
a sua existência.
Para Roberto Busato, não havia dúvidas:
- A participação de Lula é absolutamente baseada pela proximidade de quem sempre foi
confidente e grande amigo de Gushiken. O ex-ministro realmente comandava toda a área de
comunicação do Governo Federal, onde havia um desvio de dinheiro público para atividades
partidárias e delituosas no sentido de corromper o Congresso Nacional.
Em depoimento à CPI dos Bingos, o economista Paulo de Tarso Venceslau apresentou
mais evidências de que Lula tinha conhecimento sobre o que se passava à sua volta. Gente
próxima do presidente estava exposta a denúncias de corrupção. Paulo de Tarso Venceslau
relatou em 17 de janeiro de 2006 que enviara em 1995 uma carta a Lula para contar sobre as
peripécias do amigo e compadre do presidente, advogado Roberto Teixeira. Na década de
80, Teixeira emprestara um imóvel para Lula morar em São Bernardo do Campo.
Roberto Teixeira representava uma empresa que vivia batendo nas portas das prefeituras
do PT para obter contratos sem licitação, com base “em notas falsas e rasuradas”. Apesar
de informado, Lula nada fez na época. Como se vê, a coisa vinha de longe.
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Insatisfeito com a falta de ação de Lula, Paulo de Tarso Venceslau procurou o senador
Aloizio Mercadante (PT-SP), sempre muito próximo do presidente. Reação de Aloizio
Mercadante ao ler a carta endereçada a Lula, segundo a versão não desmentida de Paulo de
Tarso Venceslau:
- Ele ficou chocadíssimo e disse: “Isso é nitroglicerina pura”. Mas não fez nada. Afirmava
que tentava sem conseguir. O silêncio continuou.
Pergunta-se: como “tentava sem conseguir”? Mercadante tinha acesso privilegiado a
Lula. Sempre teve. Em 1994, por exemplo, foi candidato a vice-presidente da República
quando Lula tentou chegar ao Palácio do Planalto pela segunda vez. Se Mercadante alertou
sobre a inconveniência da presença de Teixeira mas não conseguiu afastá-lo do PT, a resistência
teria sido do próprio Lula. Não havia outra hipótese. Venceslau também contou tudo
a Frei Betto, outro amigo histórico de Lula. Frei Betto dirigiu-se assim a Venceslau:
- Se o Lula souber que alguém está conversando com você, ele jura que aquela pessoa
vai ser decapitada do partido.
Lula protegia o esquema suspeito de corrupção, engendrado por seu compadre. Ressalte-se
que isso ocorreu em 1995. Desde 1993, porém, Paulo de Tarso Venceslau vinha denunciando
Roberto Teixeira. Na época, Venceslau era secretário de Finanças de São José dos
Campos (SP), cidade cuja prefeita era Ângela Guadagnin (PT-SP).
Ângela Guadagnin foi ouvida depois do depoimento de Venceslau. Ela admitiu outro
problema, o de que Paulo Okamotto, homem de confiança do presidente Lula, percorria
prefeituras do PT na década de 90. Paulo Okamotto ia atrás de listas de fornecedores das
administrações. De posse dos nomes das empresas, ia a campo pedir dinheiro a quem mantinha
contratos com os governos do PT. Ângela Guadagnin é outra estrela do PT que teve
papel importante nos desdobramentos do escândalo do mensalão. Aqui, ela admitiu:
- O que fica desse episódio é que se conhecia o esquema de arrecadação paralela há
muito tempo, desde 1993.
A coisa é anterior. Em 1989, a primeira eleição direta para presidente depois da ditadura
militar. A primeira disputada por Lula. Ele mesmo, pessoalmente, pediu à então prefeita de São
Paulo, Luiza Erundina, na época no PT, um esquema que alterasse a ordem cronológica dos
pagamentos a empresas contratadas para fornecer bens e serviços à administração municipal.
Naquele final da década de 80, o Brasil vivia tempos de inflação galopante. Receber
antes do prazo estipulado, portanto, permitiria fazer aplicações financeiras que renderiam
bom dinheiro. Quem fosse contemplado com o benefício retribuiria à altura, com transferências
generosas de dinheiro para o caixa 2 do PT. Luiza Erundina resistiu.
Em 1998, Lula foi candidato a presidente pela terceira vez. Em 9 de fevereiro de 2006,
depôs ao Ministério Público o ex-secretário de Habitação de Mauá (SP), Altivo Ovando
Júnior. No ano de 1998, aquela cidade da Grande São Paulo estava sob comando do prefeito
Oswaldo Dias (PT). De acordo com o depoimento de Altivo Ovando Júnior, Lula pressionou
por dinheiro para financiar a sua campanha eleitoral. Do depoimento:
“O declarante se recorda de que, no pleito de 1998, o presidente Lula compareceu no
gabinete do prefeito de Mauá, oportunidade em que, utilizando termos chulos, cobrou de
Oswaldo Dias maior arrecadação de propina em favor do PT.”
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Durante o depoimento, foi reproduzida frase atribuída a Lula:
“Ele dizia: ‘Pô, Oswaldão, tem que arrecadar mais, faz que nem o Celso Daniel em
Santo André. Você quer que a gente ganhe a eleição como?”
Naquele ano, Lula voltou a perder, pela terceira vez consecutiva. Mas, em 2002, disputou
novamente e foi eleito presidente da República. Passou a despachar no gabinete do
terceiro andar do Palácio do Planalto. Após mais de três anos como o mais alto mandatário
do País, ficaria difícil acreditar que não soubesse o que acontecia na sala bem ao lado da
sua, ocupada durante parte daquele período de turbulência pelo superministro Antonio Palocci
(PT-SP). E ali se urdiu a conspiração contra o caseiro Francenildo Santos Costa.
O rapaz havia desmascarado Antonio Palocci. Contestou as mentiras do ministro. Antonio
Palocci procurava um meio de negar o impossível, o fato de ter sido um frequentador da
“casa dos prazeres”. A mansão fora alugada em Brasília pela “república de Ribeirão Preto”,
como ficou conhecido o grupo de colaboradores do então ministro, e costumava ser reduto
para festas com garotas de programa.
Lula participou ativamente da tentativa de blindar Palocci. O presidente teria tramado
o recurso ao STF (Supremo Tribunal Federal) para suspender o depoimento de Francenildo
Santos Costa à CPI dos Bingos. As investigações sobre o caso mostraram que Lula fora
informado pessoalmente da ordem de Palocci para a violação do sigilo bancário do caseiro.
Jorge Mattoso, o então presidente da Caixa Econômica Federal, avisara-o em 24 de
março de 2006.
A rigor, Lula já recebera informações a respeito quatro dias antes, em 20 de março,
quando o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, relatou ao presidente o envolvimento
de Antonio Palocci na quebra do sigilo. Palocci só seria afastado em 27 de março, uma
semana depois. Naquele momento, não havia mais jeito de desvinculá-lo do crime. Durante
todo o escândalo, para variar, Lula deu uma de quem não sabia de nada.
No auge da crise, em 23 de março, houve uma reunião na casa de Antonio Palocci. A
revista Veja relatou que um sindicalista nomeado por Lula na vice-presidência da Caixa
Econômica Federal fora escolhido para subornar algum funcionário da Caixa, com R$ 1
milhão. A ideia era encontrar alguém para assumir a violação do sigilo.
O tal sindicalista, Carlos Augusto Borges, era homem de confiança de Lula. Será possí-
vel que o presidente não soubesse da missão de Borges? Ou, ao contrário, teria sido exatamente
o presidente quem o sugerira para pilotar a operação de suborno? Tudo indica que
Lula considerava sua obrigação fazer o que estivesse ao alcance para salvar Antonio Palocci,
que tantos serviços lhe prestara, desde a campanha eleitoral de 2002.
Lembra-se que foi Antonio Palocci quem assumiu o papel de coordenador daquela campanha,
depois da morte de Celso Daniel. Infere-se que Antonio Palocci fez o que Celso
Daniel estaria fazendo. Sabe-se que, depois da reunião na casa de Palocci, o ministro da
Fazenda e Márcio Thomaz Bastos foram se encontrar com Lula no Palácio do Planalto.
Em 16 de abril de 2006, o ex-governador do Rio, Anthony Garotinho, concedeu entrevista
à Folha de S.Paulo. Ele reproduziu as palavras de José Dirceu ao procurá-lo na véspera
da votação do processo que cassou o mandato de deputado de José Dirceu. O ex-ministro
queria o apoio de Anthony Garotinho para não perder o cargo. José Dirceu teria dito assim:
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- Saiba que tudo o que fiz, tudo, fiz porque o Lula mandou. Você acha que ia mandar
bloquear o dinheiro do Rio e o Palocci iria obedecer? Todo político tem alguém que faz o
lado mau. Estou pagando agora por ter feito o lado mau.
Publicada a entrevista, o comentário do ex-deputado José Dirceu, devidamente cassado,
sobre a declaração de Anthony Garotinho:
- Não vou bater boca com ele.
Informações que vieram a público e não foram desmentidas, durante a segunda quinzena
de abril de 2006, davam conta de que José Dirceu, depois de cassado, continuou a se
reunir com Lula e integrantes do Governo Federal. Fora incumbido pelo presidente de tocar
tarefas estratégicas, como a de se encontrar com o ex-presidente Itamar Franco, com quem
Lula tentava uma aproximação política. A rigor, José Dirceu continuaria a cumprir missões
para as quais seria designado por Lula no segundo mandato do presidente. Exemplos: a
articulação em defesa do mandato do senador José Sarney (PMDB-AP), acusado de quebra
do decoro parlamentar; o estreitamento dos laços políticos entre PT e PMDB; e a costura
política em prol da candidatura da ministra Dilma Rousseff (PT-RS) à Presidência da Repú-
blica em 2010.
Se Lula manteve relacionamento estratégico com José Dirceu, era falácia o discurso do
presidente de que fora apunhalado pelas costas no escândalo do mensalão. O afastamento
de José Dirceu de seu governo teria sido só um jeito de manter as aparências. Mesmo nos
bastidores, Dirceu era essencial a Lula.
José Dirceu pagou caro. Foi cassado justamente por ter sido apontado como o responsá-
vel pelo esquema de corrupção. Ele apenas o operava. E como Lula não interrompeu a
parceria com José Dirceu, era conversa mole a de que o presidente havia sido traído.
Este livro é um empenho pela memória. Tantos os caminhos da corrupção, dos personagens
corruptores e corrompidos, que ao longo dos 403 dias da crise do escândalo do mensalão
fizeram esquecer e cansar. Ficamos anestesiados, descrentes. Temos de lembrar.
Lula não queria a verdade. Nunca a quis. O chefe de tudo foi, desde o início, como se
verá no dia a dia dos acontecimentos, o próprio presidente Lula.
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