Montanhas de dinheiro: em pacotes,
malas, carros-fortes e até em cuecas
Da mesma forma que não se pode deixar de reconhecer os avanços das políticas sociais
responsáveis por tirar milhões de brasileiros da pobreza nos dois governos do presidente
Lula, não há como minimizar o expressivo crescimento econômico e o incremento da inserção do Brasil no cenário mundial, também registrados no período.
A era Lula significou, contudo, a continuidade do jeito criminoso de se fazer política no
Brasil. Com a ressalva das honrosas exceções, o grande objetivo das ações dos representantes do povo manteve-se o mesmo: usar cargos públicos para participar de esquemas cuja
finalidade primordial era desviar o dinheiro dos contribuintes. Obter comissões e caixinhas.
Propinas. Para boa parte dos políticos brasileiros, independentemente da coloração partidária, a atividade política ainda é o caminho fácil do enriquecimento.
A notícia em destaque nas primeiras páginas dos jornais, no auge do escândalo do
mensalão, chocou o País: uma bolada de R$ 200 mil, acondicionada numa maleta, e outros
US$ 100 mil escondidos na cueca, tudo transportado pelo assessor de um deputado do PT
(Partido dos Trabalhadores, a legenda fundada pelo presidente Lula), preso no aeroporto de
Congonhas, em São Paulo.
José Adalberto Vieira da Silva trabalhava para o deputado José Nobre Guimarães (PTCE), irmão do então presidente nacional do PT, José Genoino (SP). Rápido, José Adalberto
apagou a memória do celular. Disse ser agricultor. O dinheiro em seu poder, procurou justificar, era resultado do comércio de verduras. Logo foi desmascarado. Confessou quem era.
Detido pela polícia, usou o paletó para cobrir o rosto e se esconder dos fotógrafos.
Outra imagem que marcou os anos Lula é a da montanha de dinheiro apreendida pela
Polícia Federal no hotel Ibis Congonhas, em São Paulo, pouco antes das eleições nas quais
Lula conquistaria seu segundo mandato, em 2006. O R$ 1,7 milhão em cédulas de reais e
dólares seriam usados pelo PT para comprar um dossiê contra políticos da oposição.
A Polícia Federal acusou Hamilton Lacerda, coordenador da campanha do senador Aloizio
Mercadante (PT-SP), candidato petista a governador de São Paulo naquele ano, de ter levado o dinheiro da corrupção ao hotel. Ele foi filmado por câmeras de segurança no saguão do
Ibis Congonhas, um dia antes da ação policial. Portava uma mala e se mostrava tenso.
Nas mãos cerradas de Hamilton Lacerda, a mala preta de viagem com a alça em volta do
ombro, uma garantia a mais de que ninguém roubaria a preciosa carga no lobby do hotel. Ele
pegou o elevador e entrou num quarto. Saiu sem a mala. Na madrugada seguinte, voltou ao
Ibis. Desta vez com uma maleta e uma sacola plástica. Tudo filmado. Foi embora depois,
sem a sacola. A explicação da Polícia Federal: o R$ 1,7 milhão não coube na mala que
Hamilton Lacerda trouxera na véspera, e ele retornou com mais dinheiro.
Quando o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou o escândalo do mensalão,
apresentou ao País o empresário Marcos Valério, dono de agências de publicidade. Roberto
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Jefferson era presidente nacional do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), partido da base
aliada de Lula. Confessou que Marcos Valério entregou-lhe R$ 4 milhões em 2004. Roberto
Jefferson descreveu Marcos Valério e como recebeu a propina:
- É carequinha, falante e fala em dinheiro como se fosse assim uma coisa que caísse do
céu. Primeiro foram R$ 2,2 milhões. Em duas malas enormes, notas de R$ 50 e R$ 100,
etiquetadas por Banco Rural e Banco do Brasil. E três dias depois, (...) ele volta com R$ 1,8
milhão. Notas de R$ 50 e R$ 100, Banco Rural e Banco do Brasil e a promessa de outras
quatro parcelas iguais.
Roberto Jefferson citou Emerson Palmieri, apresentado como tesoureiro informal do PTB:
- Eu pedi ao Emerson Palmieri que guardasse o dinheiro no cofre de um armário
de aço, grande.
Emerson Palmieri confirmou os dois pagamentos. E acrescentou que as duas malas com
a bolada eram “de rodinhas”. E a maioria das notas de R$ 50, sendo “poucas notas de R$
100”. O tesoureiro deu mais detalhes: foi encarregado por Roberto Jefferson de dividir o
dinheiro no que chamou de “bolos” de R$ 150 mil e R$ 200 mil:
- Não coube tudo no cofre do partido, passei uma parte para um armário do lado. Entreguei a chave ao deputado Roberto Jefferson e ele me pediu sigilo.
Outra testemunha importante do escândalo do mensalão, a secretária de Marcos Valério.
Fernanda Karina Ramos Somaggio relatou que Marcos Valério mantinha frequentes contatos com Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e fazia reuniões “com o pessoal do PT”:
- Quando ele saía para as reuniões, antes de sair, passava no andar de baixo, no Departamento Financeiro, e saía com uma mala.
Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, Fernanda Karina Ramos Somaggio deu pormenores. Mencionou Geysa Dias dos Santos e Simone Vasconcelos,
funcionárias de confiança da agência de publicidade SMPB, de Marcos Valério:
- Quando o senhor Marcos ia a Brasília, sempre no dia ou no dia anterior eram sacadas
grandes quantias de dinheiro, pela Geysa ou pelos boys. Os boysfalavam que tinha saque de
R$ 1 milhão. O dinheiro era levado para o Departamento Financeiro da agência, onde a
Simone e a Geysa dividiam os maços e colocavam nas malas.
Outro trecho do depoimento de Fernanda Karina:
- O senhor Marcos passava na empresa e pegava as malas para levar no avião fretado.
Algumas vezes, a Simone dizia que ficava em um hotel em Brasília, dentro de um quarto, o
dia todo, contando dinheiro. E era um entra e sai de homem que ela ficava muito cansada.
Ela só contava dinheiro e passava para essas pessoas.
À CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investigou corrupção nos Correios,
Fernanda Karina falou da logística dos saques de dinheiro vivo no Banco Rural:
- A Simone ligava, avisando que os boysiam passar no banco e a agência abria mais
cedo. Eram dois ou três boys que se dirigiam ao banco para dar garantia, em caso de assalto.
Acontecia pelo menos uma vez por semana. O dinheiro era acomodado em valises tipo 007,
que ficavam no Departamento de Finanças da agência.
Fernanda Karina envolveu outras pessoas, como o líder do PMDB, deputado José Borba
(PR), que renunciaria ao mandato durante as investigações do escândalo do mensalão, e
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Silvio Pereira, o secretário-geral do PT, surpreendido com um jipe importado em seu nome,
mimo de uma empresa contratada pela Petrobras:
- Uma vez, eu me lembro que o senhor Marcos saiu com uma mala e foi para Brasília no
avião do Banco Rural. E eu sabia que nessa mala tinha dinheiro. Ele pediu para eu ligar para
o José Borba e depois para Delúbio ou Silvio Pereira, para dizer que estava indo para Brasília
encontrar José Borba.
Ministro dos Transportes de Lula, Anderson Adauto (PL-MG) também foi acusado por
Fernanda Karina:
- O irmão dele foi lá na agência, pegou uma mala de dinheiro e foi embora.
Outro caso rumoroso ocorreria no gabinete do ministro Anderson Adauto, no segundo
semestre de 2003. Da reunião teriam participado, além de Anderson Adauto, Roberto
Jefferson, outros dois deputados e Delúbio Soares, que supostamente levou uma mala de
dinheiro para dividir entre os presentes.
Foi rico o depoimento de José Francisco de Almeida Rego à Polícia Federal. Ele era
tesoureiro do Banco Rural e contou como a SMPB de Marcos Valério remetia dinheiro de
Minas Gerais a Brasília. Os saques tornaram-se usuais desde o início de 2003, no primeiro
ano do governo Lula. As retiradas chegavam à casa dos R$ 200 mil por operação. Um fax
mencionava os valores e os nomes dos sacadores.
O tesoureiro José Francisco de Almeida Rego cuidava da liberação do dinheiro junto ao
Banco Central. Para evitar que os saques ficassem volumosos, trabalhava com notas de R$
50 e R$ 100. Era tudo levado a uma determinada sala do Banco Rural em Brasília. As
cédulas eram colocadas em bolsas trazidas pelos próprios sacadores. Gente apressada que ia
embora, em geral, sem conferir os valores.
Simone Vasconcelos também cuidava de fazer retiradas na agência do Banco Rural do
Brasília Shopping. Mas nem sempre levava o dinheiro com ela. Assinava recibos e listava os
nomes daqueles que passariam depois para receber. Desta forma, os nomes dos beneficiários
não ficavam registrados como sacadores. As pessoas simplesmente não eram identificadas.
As investigações do escândalo do mensalão demonstraram que Marcos Valério operou a
distribuição de dinheiro a deputados que apoiavam o governo Lula. Simone Vasconcelos
fazia o trabalho de coordenar a entrega das somas. Foram atribuídos a ela saques de R$ 6,1
milhões. Cenas de cinema em outubro de 2003. Simone Vasconcelos fez duas retiradas,
uma de R$ 800 mil e outra de R$ 650 mil. A bolada chegou de carro-forte ao escritório da
SMPB em Brasília.
Em depoimento à CPI dos Correios, Simone Vasconcelos disse que se sentia “constrangida
e preocupada de estar sendo identificada por desconhecidos”, e também por estar “entregando altas somas de dinheiro para estes, sem ao menos saber quem eram”.
Uma vez, Marcos Valério quis saber a cor da blusa de Simone, “para que fosse identificada
pelo estranho que deveria receber o dinheiro”. Ela também levou dinheiro a hotéis de luxo
onde estava Marcos Valério. As entregas chegavam a R$ 300 mil.
Em determinada ocasião, outra cena cinematográfica: Simone Vasconcelos teve de localizar um táxi estacionado na frente de um certo centro de compras em Brasília e entregar ao
ocupante desconhecido um pacote de dinheiro.
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Outro que chamou a atenção no esquema Marcos Valério foi um policial mineiro de
nome David Rodrigues Alves, a quem foram atribuídos saques de até R$ 6,5 milhões. Ele
informou que recebia pagamento variando entre R$ 50 e R$ 100 por vez que ia buscar
dinheiro em agências do Banco Rural em Belo Horizonte. Tinha a incumbência de levar as
somas a Cristiano de Mello Paz, sócio de Marcos Valério na SMPB. Palavras do policial:
- Os pacotes já estavam prontos nas agências, eu apenas assinava o recebimento. Meu
trabalho era retirar o dinheiro e entregar na SMPB.
De acordo com David Rodrigues Alves, ficava tudo separado no banco, em maços lacrados. O transporte era feito em caixas de sapato, de camisa ou de telefone celular, dependendo da quantia. Ele confessou que fazia até três viagens por dia. Carregava de R$ 50 mil a R$
150 mil por vez.
Para não vincular Lula ao esquema de corrupção, o poderoso ministro da Casa Civil,
José Dirceu (PT-SP), braço direito do presidente, fez o que pôde para evitar ser relacionado
a Marcos Valério. Se fosse descoberta ligação entre os dois, ficaria difícil dizer que Lula não
tinha nada a ver com o escândalo do mensalão. Afinal, o presidente era o grande beneficiário
do esquema: o suborno de parlamentares garantia maioria no Congresso para o governo
Lula. O esforço de José Dirceu foi em vão.
A ligação José Dirceu/Marcos Valério ficou escancarada na compra de um apartamento
em São Paulo por Maria Ângela Saragoça, ex-mulher de José Dirceu. Depois de ser contratada pelo BMG, banco também próximo de Marcos Valério e envolvido no esquema, Maria
Ângela Saragoça recebeu empréstimo do Banco Rural. Ela também queria um apartamento
novo. Vendeu o velho a Rogério Tolentino, sócio de Marcos Valério. Na hora de comprar o
novo, levou dinheiro vivo, dentro de uma sacola.
Um caso terrível foi o assassinato do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel (PT).
Aqui, José Dirceu também acabou envolvido. Ele foi acusado pelo promotor Amaro Thomé,
responsável pela investigação da morte de Celso Daniel:
- Parte dos recursos arrecadados em Santo André era utilizada em campanhas eleitorais
do PT, levado em malas de dinheiro para o escritório de Dirceu.
Bruno Daniel, irmão do prefeito morto, afirmou ter ouvido do chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho (PT-SP), detalhes do caminho da propina em Santo André.
Antes de ser guindado para o governo Lula, Gilberto Carvalho era secretário do prefeito Celso
Daniel. Do depoimento de Bruno Daniel à CPI dos Bingos, referindo-se a Gilberto Carvalho:
- Ele foi claro: disse que os recursos arrecadados eram enviados ao PT para serem usados
no financiamento de campanhas. Era ele quem entregava o dinheiro a José Dirceu. Ele disse
que havia momentos de tensão porque carregava o dinheiro, sem segurança, em seu Corsa
preto e, em uma só ocasião, entregou R$ 1,2 milhão ao deputado Dirceu.
Em sessão sigilosa da CPI dos Bingos, uma ex-empregada de Celso Daniel disse ter
encontrado três sacolas com dinheiro no apartamento do então prefeito. Antes de ser
morto, no início de 2002, Celso Daniel era coordenador da campanha de Lula a presidente da República.
José Dirceu também foi envolvido com a distribuição de dinheiro na campanha eleitoral
para prefeito de Londrina (PR), em 2004. Na época ele ainda era o superministro do presi-
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dente Lula. Quem o denunciou foi Soraya Garcia, assessora financeira do prefeito Nedson
Micheletti (PT), candidato à reeleição. Segundo ela, José Dirceu circulou na cidade num
automóvel blindado da marca BMW:
- O ministro José Dirceu veio a Londrina em 18 de setembro. Era um sábado e durante a
semana todo o mundo no comitê financeiro reclamava de dificuldades para pagar contas de
campanha. Na segunda-feira o comitê tinha R$ 300 mil em caixa. Todo esse dinheiro era em
notas de R$ 100 e com lacre do Banco do Brasil.
Soraya Garcia prestou depoimento à Polícia Federal. Oficialmente, a campanha eleitoral
do PT em Londrina saiu por R$ 1,3 milhão. Já de acordo com ela, custou R$ 7,8 milhões. O
dinheiro aparecia dentro de sacos plásticos de lixo e em sacolas de lojas.
Outro caso ocorrido na campanha de reeleição de Nedson Micheletti em Londrina. Foi
narrado pelo motorista Rogério Bicheri. Ele trabalhava para o PT e recebeu ordens de pegar
dinheiro vivo no apartamento de Zeno Minuzo, um assessor de Paulo Bernardo (PT-PR),
nomeado por Lula ministro do Planejamento. Do motorista:
- Fui duas vezes lá, em setembro e em outubro de 2004, dirigindo o carro de Fábio Reali,
assessor do prefeito. Estacionei e o Fábio voltou com 20 envelopes, todos com nomes de
coordenadores e vereadores em campanha. Era coisa de uns R$ 50 mil. Ele botou dois
envelopes no porta luvas, e o resto debaixo do banco. Ele disse que dessa forma, se fôssemos roubados, levariam menos dinheiro.
Diversos casos vincularam malas recheadas de dinheiro ao PT nos anos Lula. No final
de 2007, veio à tona a história de uma mala abarrotada com R$ 500 mil, entregue ao partido
do presidente da República por duas empresas supostamente laranjas que teriam agido a
serviço da empresa multinacional norte-americana Cisco, interessada em vender produtos
de informática para a Caixa Econômica Federal.
Um caso que deu o que falar envolveu a multinacional norte-americana Gtech, da área
de sistemas de informação, e a mesma Caixa Econômica Federal. Vale a pena registrar a
acareação promovida pela CPI dos Bingos entre Rogério Buratti, ligado ao esquema do
então ministro da Fazenda, Antonio Palocci (PT-SP), a quem a Caixa estava subordinada, e
Marcelo Rovai, diretor da empresa multinacional.
A discussão entre os dois era sobre a propina que Rogério Buratti disse ter sido oferecida
pela Gtech para renegociar um contrato com a Caixa. A multinacional estaria disposta a
desembolsar entre R$ 500 mil e R$ 16 milhões, dependendo do que ficasse acertado, sendo
que no final do negócio a empresa teria consumado um pagamento de R$ 5 milhões a uma
intermediária da corrupção, uma empresa de nome MM Consultoria. A reação de Marcelo
Rovai ao dirigir-se a Rogério Buratti, que se tornara dono de empresas de ônibus:
- O senhor recusou R$ 16 milhões. O senhor, com a sua biografia, recusou? Quantos
ônibus dava para comprar com esse dinheiro?
Agora o depoimento à CPI dos Bingos de Walter dos Santos Neto, da tal MM Consultoria.
Ele estava protegido por habeas-corpus para não ser preso. Tentou dar origem lícita para os
R$ 5 milhões e, para justificar o destino do dinheiro e negar ter sido um intermediário da
propina, disse sofrer do distúrbio “compulsão ou disfunção do gasto”. Declarou assim:
- Posso dizer que a motivação que sempre tive em relação ao dinheiro vem de uma
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deformação de minha personalidade, a necessidade de ver o dinheiro, de se sentir com
o poder.
Assim, Walter dos Santos Neto alegou ter sacado R$ 650 mil transferidos pela Gtech,
por exemplo, e mandado entregar o dinheiro em sua casa em carro-forte, a fim de gastá-lo:
- Minhas despesas são chocantes, gasto com frivolidades. Sou uma pessoa doente e
comecei a fazer tratamento psiquiátrico.
Depois que José Dirceu foi cassado por corrupção, Antonio Palocci virou o superministro
de Lula. Mas por pouco tempo. Caiu sob a acusação de ter determinado a violação do sigilo
bancário de um homem simples, o caseiro Francenildo Santos Costa, encarregado de cuidar
de uma mansão em Brasília que ficou conhecida como a “casa dos prazeres”. Lá, a turma de
Antonio Palocci se divertia com garotas de programa.
A agenciadora das prostitutas era Jeany Mary Corner. Ela contou que Rogério Buratti,
fiel escudeiro de Antonio Palocci, montou um esquema no qual as “meninas” punham dinheiro dentro de revistas que eram colocadas em envelopes de papel. E saíam por Brasília
entregando a “correspondência”. Elas teriam pagado mensalões de R$ 50 mil a oito deputados. Jeany Mary Corner também recebeu R$ 50 mil. Para ficar quieta. Justificou:
- Fiquei no anonimato todo esse tempo. Fui muito digna. Diferentemente de outros que
abriram a boca. Por isso, pedi ajuda. Isso é chantagem?
O caseiro Francenildo Santos Costa viu a dinheirama que rolava na “casa dos prazeres”.
Afirmação dele ao envolver Vladimir Poleto, também ligado a Antonio Palocci:
- Via, via notas, pacotes de R$ 100 e R$ 50 na mala de Vladimir. Ele trazia muito dinheiro.
Vladimir Poleto prestava serviços para Antonio Palocci desde quando o ministro da
Fazenda de Lula era prefeito de Ribeirão Preto (SP). Depois da morte do prefeito Celso
Daniel, o prefeito Antonio Palocci assumiu o papel de coordenador de campanha de Lula.
Alguns meses antes da eleição, Vladimir Poleto foi a Brasília de avião apanhar três
caixas de bebida, todas lacradas com fitas adesivas. Caixas de uísque e de rum cubano.
Dentro, cédulas norte-americanas. O dinheiro, US$ 1,4 milhão ou US$ 3 milhões, dependendo da versão, teria vindo de Cuba para irrigar a campanha de Lula.
Transportadas para São Paulo, as tais caixas foram parar nas mãos de Ralf Barquete,
outro prócere da “república de Ribeirão Preto”, e levadas num automóvel Omega, blindado,
até o destino final: as mãos do tesoureiro Delúbio Soares.
Delúbio Soares, aliás, tornou-se bode expiatório para as tramóias do PT. Num dos raros
momentos em que se despiu do papel de único responsável por todos os males, o tesoureiro,
amigo histórico de Lula, escreveu uma carta endereçada ao PT, para afirmar que o caixa 2 é
“prática antiga e habitual no partido, pela qual jamais se viu uma punição”. E, com ironia:
“Respeito a ingenuidade. Não sei, no entanto, de onde imaginavam que o dinheiro
viria – se do céu, puxado por renas e conduzido por um senhor vestido de vermelho – e
menos ainda me recordo de que alguma preocupação com a origem desses recursos tenha
me sido transmitida.”
Mais uma montanha de dinheiro, desta vez para pagar parte da encomenda de 2,7 milhões de camisetas à Coteminas, empresa do vice-presidente da República, José Alencar. O
PT levou em cashR$ 1 milhão. O dinheiro foi entregue por Marice Corrêa de Lima, coorde-
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nadora administrativa do partido, ao presidente da Coteminas, Josué Gomes da Silva, filho
de José Alencar. Palavras dele:
- Era dinheiro do PT. Eu não tinha por que pensar diferente.
A essa altura, final de 2005, o PT já tinha afastado Delúbio Soares para tentar se livrar
dos problemas. Reação do novo tesoureiro, Paulo Ferreira:
- Não há nada dessa natureza registrado. Nenhum pagamento de R$ 1 milhão à Coteminas.
O novo tesoureiro não levou em conta que Marice Corrêa Lima, depois de entregar a
pacoteira, assinou recibo. Confrontado novamente, Paulo Ferreira disse que ela “cumpriu
ordens, nem sabia o que estava levando”. Em seguida, corrigiu-se:
- Pode não ter sabido, entendeu?
Para tentar salvar a pátria, Delúbio Soares. Explicou que o R$ 1 milhão, dinheiro de caixa
2, estava no cofre do PT. Não convenceu o relator da CPI dos Correios, deputado Osmar
Serraglio (PMDB-PR):
- Ninguém neste País acredita que ele tenha guardado R$ 1 milhão em espécie durante
quase um ano, enquanto diuturnamente era abordado por credores.
Além de Delúbio Soares, perdeu o emprego o petista Henrique Pizzolato. Era diretor de
marketing do Banco do Brasil. Comprou um apartamento a uma quadra da praia de
Copacabana, no Rio, por R$ 400 mil. Um mês antes, Henrique Pizzolato havia enfiado nos
bolsos R$ 326 mil, em dinheiro vivo, sacado de uma conta bancária da DNA Propaganda,
outra agência de publicidade de Marcos Valério. O pacote com as notas foi retirado em uma
agência do Banco Rural, no centro do Rio.
Amigo de Lula há 30 anos, o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) também terminou envolvido com pacotes de dinheiro. Quem o denunciou foi o doleiro Antonio Oliveira
Claramunt, o “Toninho da Barcelona”. O operador de Devanir Ribeiro era o próprio filho do
deputado, Marcos Lustosa Ribeiro, o “Marcão”. Usava o gabinete do pai, na época vereador
em São Paulo. As trocas de dólares por reais eram frequentes. Dependendo da quantia, o
dinheiro era carregado em sacolas, envelopes ou, como disse Marcelo Viana, incumbido de
transportar as cédulas para o gabinete de Devanir, preso às meias ou debaixo da roupa.
Em depoimento conjunto às CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos, Toninho da
Barcelona confirmou as operações com Marcão. Durante a sessão, Devanir Ribeiro procurou intimidá-lo, ameaçando-o com um processo. Em resposta, o doleiro enumerou somas e
datas em que pacotes de dinheiro foram levados ao filho Marcão, em 2002: US$ 30 mil em
10 de julho, US$ 25 mil em 17 de julho, US$ 20 mil em 5 de agosto, US$ 8,5 mil em 9 de
agosto, US$ 10 mil em 10 de agosto e US$ 35 mil em 30 de setembro.
Quem também mexeu com dinheiro vivo foi Zilmar Fernandes Silveira, sócia do publicitário Duda Mendonça, responsável pela campanha eleitoral que elegeu Lula em 2002.
Duda Mendonça confessou que recebeu R$ 10,5 milhões em uma empresa offshorenas
Bahamas. Mas não foi só. Parte do acerto da campanha ficou para ser recebido, em dinheiro
vivo, na agência do Banco Rural situada na avenida Paulista, em São Paulo. Zilmar Fernandes
Silveira encarregou-se de buscar os pacotes, de R$ 300 mil. Palavras dela:
- Cheguei na tesouraria do Rural e o rapaz me trouxe um pacote de dinheiro. Eu me
assustei, porque pensei que ia receber um cheque administrativo.
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A sócia de Duda Mendonça logo se acostumou à rotina. Confessou que voltou nos dias
seguintes para pegar mais duas boladas de R$ 300 mil cada uma, e depois para fazer outras
duas retiradas, de R$ 250 mil cada vez. Total: R$ 1,4 milhão.
Em 16 de julho de 2003, Marcos Trindade e Paulo Antônio Bassoto, militantes do PT do
Rio Grande do Sul, tentaram embarcar com R$ 200 mil em dinheiro vivo no aeroporto de
Congonhas. Marcos Trindade carregava R$ 50 mil. Conseguiu. Paulo Antônio Bassoto,
com R$ 150 mil, foi detido. Para evitar o problema, Marcos Trindade passou a viajar de
ônibus. Fez quatro viagens. Confessou que levou R$ 850 mil em dinheiro vivo do valerioduto,
sempre de Belo Horizonte a Porto Alegre.
Quem também viajou de ônibus transportando dinheiro foi Geraldo Reis, do PT da Bahia.
Foi para Vitória da Conquista (BA) com uma mala carregada com R$ 200 mil. Dois assaltantes acabaram com a festa. De acordo com o testemunho de passageiros que estavam no
ônibus, os ladrões reagiram surpresos ao abrir a mala. Foram embora satisfeitos. O PT não
registrou queixa na polícia.
Ainda na Bahia, o caso do deputado Josias Gomes (PT-BA), um dos denunciados por
envolvimento no escândalo do mensalão. Acusado de receber R$ 100 mil repassados por
Marcos Valério, negou. Disse que fora ao Banco Rural apenas para obter informações sobre
um empréstimo. Depois, confessou o saque. Esteve pessoalmente na agência e apresentou o
próprio documento antes de fazer a retirada. Agiu como amador. Ao conceder entrevista,
Josias Gomes declarou que o mensalão nunca existiu e foi criado pela imprensa. O discurso
do deputado:
- Refuto as acusações que me são impostas. Não sou corrupto. Jamais o serei.
No Maranhão, o tesoureiro local do PT, Luís Henrique Sousa, se gabou ao dizer numa reunião do partido que a direção nacional do PT enviara um emissário a São Luís com uma mala
repleta de “verdinhas”. Na verdade não eram dólares, mas R$ 327 mil em reais. O dinheiro de
caixa 2 teria sido mandado por determinação do então presidente do PT, José Genoino (SP).
A história de outra mala de dinheiro foi narrada por Wendel Resende de Oliveira, que
trabalhou como motorista para a deputada Neyde Aparecida (PT-GO). Os R$ 200 mil foram
transportados por ele do Diretório Nacional do PT em São Paulo para Goiânia. Por orientação da deputada, o motorista viajara a São Paulo de avião, apanhara a mala e seguira de
ônibus até a capital de Goiás. Era mais seguro assim. Entregou a mala ao filho da deputada.
O dinheiro teria sido repassado depois ao irmão de Neyde Aparecida, candidato a prefeito
de Quirinópolis (GO) na época, e a Carlos Soares, irmão de Delúbio Soares.
Quando ainda era o poderoso tesoureiro do PT, Delúbio Soares telefonou ao vice-presidente do partido em Brasília, Raimundo Ferreira da Silva Júnior, e pediu para ele buscar um
envelope. Raimundo Ferreira sabia que o conteúdo era dinheiro vivo, mas não quanto:
- O Delúbio me ligou de São Paulo e pediu para que eu fosse até a agência do Rural,
onde deveria pegar um dinheiro que ele estava precisando para umas despesas. Ele me
disse que precisava de alguém de confiança para buscar o pacote. Como sou amigo dele,
nada mais natural.
Agora, o PT de Mauá (SP). Altivo Ovando Júnior era secretário de Habitação da Prefeitura local, comandada pelo PT. O grupo Peralta queria construir um centro de compras.
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Precisava da administração municipal que desapropriasse alguns imóveis. Altivo Ovando
Júnior contou como Valdemir Garreta, ligado a Marta Suplicy (PT-SP), nomeada depois
ministra do Turismo de Lula, abordou o empresário Armando Jorge Peralta:
- Se não der dinheiro, não vai ter shopping.
Valdemir Garreta teria exigido R$ 1,8 milhão. O empresário topou dar seis parcelas de
R$ 300 mil cada. Quem confessou ter buscado duas das parcelas em Osasco (SP) foi o
próprio Altivo Ovando Júnior. A primeira veio em cheque. A segunda, em dinheiro vivo,
acabou nas mãos de José Mentor (PT-SP), que foi vereador líder da prefeita Marta Suplicy
na Câmara Municipal de São Paulo, antes de ser eleito deputado federal. Trecho do depoimento de Altivo Ovando Júnior ao Ministério Público:
“O dinheiro lhe foi entregue em uma caixa de arquivo, destas de papelão, devidamente lacrada.”
Em 2007, no primeiro ano do segundo mandato de Lula, o Brasil foi atormentado pelas
sucessivas denúncias de corrupção contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado e protegido de Lula. Uma das acusações contra Renan foi feita pelo advogado Bruno Miranda Ribeiro Brito Lins, em depoimento à Polícia Civil de Brasília.
Bruno Miranda, afilhado de casamento de Renan Calheiros, denunciou que pelo menos
em seis ocasiões foi encarregado pelo lobista Luiz Garcia Coelho, amigo e sócio de Renan,
de buscar dinheiro, supostamente de propina. Bruno Miranda havia sido casado com a filha
do lobista. O advogado confessou:
- Às vezes, tinha muito dinheiro. Depois parava, vinha pouquinho. Que eu tive acesso, o
maior foi de R$ 3 milhões no BMG. Peguei uma sacola.
Em seu depoimento, Bruno Miranda relatou que em 2005 viajou de carro a Belo Horizonte, para apanhar um pacote com R$ 300 mil em notas de R$ 100 e R$ 50, que seria
repartido em Brasília. O advogado revelou que a propina facilitou uma negociata no INSS
(Instituto Nacional de Seguro Social), presidido na época pelo deputado Carlos Bezerra
(PMDB-MT), ligado a Renan Calheiros. A história vai ser contada adiante. De qualquer
forma, Bruno Miranda contou que levou R$ 150 mil a Carlos Bezerra no hotel Metropolitan.
O advogado também envolveu na tramoia outro aliado de Renan, o senador Romero
Jucá (PMDB-RR). Ministro da Previdência Social e responsável pelo INSS no primeiro
mandato de Lula, Romero Jucá foi afastado depois da abertura de inquérito para investigar
o envolvimento dele com desvio de empréstimos e com propriedades rurais fantasmas. No
segundo mandato, Lula escolheu Romero Jucá como líder do Governo no Senado.
Um motorista de Romero Jucá, aliás, chegou a admitir ter feito um saque de R$ 50 mil na
agência do Banco Rural do Brasília Shopping:
- Eu só cheguei lá e disse: “Meu nome é Roberto Jefferson Marques”. Aí, o cara falou:
“Ah, tudo bem”. Só isso. E me entregou um envelope amarelo, grampeado em cima. Não
abri, não fiz nada.
Ao denunciar o escândalo do mensalão ao STF (Supremo Tribunal Federal), o procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, afirmou em seu relatório que o líder do PMDB na Câmara, deputado José Borba (PR), compareceu ao Banco
Rural do Brasília Shopping para sacar R$ 200 mil. Recebeu o dinheiro das mãos de Simone
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Vasconcelos, a prestativa auxiliar de Marcos Valério. Do relatório do procurador-geral, ao
explicar que Borba procurara o tesoureiro do banco, João Francisco de Almeida Rego:
“Todavia, José Borba recusou-se a assinar qualquer documento que comprovasse o recebimento da importância acima, fazendo com que Simone Vasconcelos se deslocasse até
essa agência, retirasse, mediante a sua própria assinatura, a quantia acima informada, e
efetuasse a entrega desse numerário ao então parlamentar.”
Denunciado por envolvimento no escândalo do mensalão, José Borba renunciou ao mandato. Ele teria sido encarregado de receber, quase sempre à noite, uma fila de deputados do
PMDB, numa sala da Câmara. Um total de 55 deputados do PMDB, todos da base aliada do
governo Lula, teriam recebido mensalões. As quantias teriam variado de R$ 10 mil a R$
200 mil, dependendo do cacife de cada um. O procurador-geral só acusou o líder Borba.
Um dos operadores do PMDB teria sido o advogado Roberto Bertholdo, assessor de
José Borba e integrante do Conselho de Administração da hidrelétrica de Itaipu, nomeado
no governo Lula. Bertholdo teria viajado em jatinho particular com uma caixa de papelão
abarrotada com R$ 8 milhões em dinheiro vivo. Ficou com medo de transportar a quantia?
- Que perigo, o quê? Eu tô operando para o governo.
Antonio Celso Garcia, o “Tony Garcia”, foi amigo de Bertholdo. Depois, acusou-o:
- O Bertholdo nunca andava com menos de R$ 50 mil, R$ 100 mil em dinheiro. Ele
falava que era para fazer coisas eventuais, atender um ou outro.
Roberto Bertholdo também acusou, mas mirou o líder do PP (Partido Progressista), deputado José Janene (PR), outro a cumprir importante papel na base aliada do governo Lula,
durante o primeiro mandato da administração do PT. Aqui, Bertholdo também envolveu um
doleiro, Alberto Youssef. Afirmou ter visto o homem levar sacolas de dinheiro ao apartamento de José Janene em Brasília, para subornar parlamentares que apoiavam Lula:
- Por pelo menos três vezes. Uma vez, ele abriu uma sacola para mostrar algo ao
Janene e vi que eram reais. Em uma outra vez, as sacolas eram tão pesadas que a Cleide,
a cozinheira do Janene, teve que ajudar o Youssef a levar as sacolas para um aposento
interno do apartamento.
De fato, o PP esteve sempre nas fileiras de sustentação do governo Lula no Congresso. E
o presidente da República não poupou esforços na hora de proteger o aliado e presidente da
Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), acusado de cobrar propina de um
fornecedor da Câmara.
Sebastião Buani, dono do restaurante Fiorella, deu dinheiro a Severino Cavalcanti, a fim
de receber autorização para reajustar o valor das refeições e a manter o estabelecimento
aberto. Sebastião Buani confessou:
- O dinheiro foi entregue em envelopes pardos, nós saíamos pelos corredores com o
dinheiro nas mãos, eu e ele andando pelos corredores.
Apesar dos esforços de Lula, o mensalinho de Severino Cavalcanti, no valor de R$ 10
mil, levou o presidente da Câmara a renunciar ao mandato. Severino Cavalcanti ficou com
medo de ser cassado e queria se eleger novamente. Não conseguiu ser deputado em 2006,
mas foi eleito prefeito João Alfredo (PE) em 2008. Segundo Buani, ele só decidiu parar de
subornar o deputado depois de um pedido da filha, Gisele Buani:
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- Um dia minha filha me viu contando dinheiro numa quarta-feira para pagar a propina,
e disse: “Pai, sai dessa vida porque a gente não precisa disso. O senhor está deixando de
pagar funcionários que moram longe e ganham pouco para pagar propina”.
João Cláudio Genu, que ocupou o cargo de chefe de gabinete do deputado José Janene
(PP-PR), foi apontado como responsável pela distribuição de envelopes com dinheiro a
deputados do PP. Após aderir ao governo Lula, em 2003, a bancada do PP pulou de pouco
mais de 20 para 56 parlamentares. Mensalinhos e mensalões variavam de R$ 5 mil a R$ 30
mil, conforme o quilate do político. A grana era distribuída na “pensão”, como era conhecido o apartamento de José Janene, ou na sala da liderança do PP na Câmara.
Em depoimento à Polícia Federal, João Cláudio Genu admitiu que fez vários saques em
dinheiro vivo na agência do Banco Rural do Brasília Shopping. Ele confessou retiradas no
total de R$ 850 mil. Mas negou ter distribuído o dinheiro a deputados. Disse que funcionava
como uma espécie de “mula”, apenas transportando valores. Pegava os envelopes entregues
por Simone Vasconcelos, punha dentro de uma pasta tipo 007, sem conferir, e entregava,
sem mexer, na presidência do PP.
Na denúncia do procurador-geral da República, João Cláudio Genu foi acusado de receber dinheiro em malas e sacolas e também dentro de um quarto do hotel Grand Bittar ou na
sede da agência de publicidade SMPB, em Brasília. Outro operador da distribuição da propina dentro do PP teria sido o deputado João Pizzolatti (PP-SC). Ele foi acusado de circular
com dinheiro dentro de malas nos corredores da Câmara, protegido por funcionários da área
de segurança do Congresso. Não foi denunciado.
O PL (Partido Liberal) ocupou papel de destaque na sustentação política do primeiro
mandato de Lula. O presidente do partido, Valdemar Costa Neto (SP), foi acusado pela exmulher, Maria Christina Mendes Caldeira, de pagar as despesas sempre em dinheiro vivo:
- Teve uma época em que comecei a reclamar muito e ele passou a usar eventualmente
um cartão. Mas ele mantinha um cofrão em nossa casa que parecia um armário. Tenho as
notas fiscais desse cofre. Quando nos separamos, saí denunciando a existência dele. E o
Valdemar mandou uma empresa ir lá retirar o cofre.
Em depoimento à Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, Maria Christina Mendes Caldeira relatou uma conversa entre Valdemar Costa Neto e o deputado Carlos Rodrigues
(PL-RJ), na qual o assunto era o suborno de parlamentares para engordar a bancada do PL:
- Ouvi a conversa e vi o dinheiro, guardado no cofre da nossa casa.
Ela ouviu conversas sobre malas de dinheiro e disse ter visto uma mala repleta de dólares
destinada ao deputado maranhense Remi Trinta. Maria Christina Mendes Caldeira contou
que Valdemar Costa Neto gostava de andar de jatinho e torrar dinheiro em cassinos. Em
uma noite, no Uruguai, perdeu US$ 500 mil. Em outra ocasião, em Las Vegas, nos Estados
Unidos, deixou R$ 300 mil num cassino. Ela revelou também:
- Na volta de uma viagem acabei trazendo, sem saber, uma mala de dinheiro.
Na CPI do Mensalão, Jacinto Lamas, que atuou como tesoureiro do PL, afirmou ter ido
buscar, por orientação de Valdemar Costa Neto, pacotes, envelopes e encomendas, sempre em
dinheiro vivo, na sede da SMPB em Belo Horizonte, e na agência do Banco Rural no Brasília
Shopping. Quando ia pegar o numerário em hotéis, Simone Vasconcelos fazia a entrega:
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- Era sempre um acerto entre o Valdemar e o Delúbio.
No segundo mandado de Lula, o PL se transformou em PR (Partido da República).
Valdemar Costa Neto, que havia renunciado ao mandato para evitar possível cassação, disputou a eleição seguinte e foi novamente eleito deputado federal. Mas ficou de fora da
presidência do novo partido. O PR continuou na base aliada de Lula. Em 2007, Emílio de
Paula Castilho, assessor e sobrinho do deputado Aracely de Paula (PR-MG), foi preso com
quase R$ 80 mil em dinheiro vivo.
A soma estava em uma caixa de papelão dos Correios, embrulhada com papel e lacrada
com fita adesiva, dentro de uma mala de roupas no automóvel de Emílio de Paula Castilho.
Nervoso, ele disse aos policiais que a grana era fruto da venda de um carro usado. Depois
corrigiu para dois veículos. Por fim alegou que eram três automóveis, comprados por um
homem com nome incerto, que teria feito o negócio sem ao menos ver o que estava comprando, “só na confiança”.
Outro escândalo da era Lula que não pode deixar de ser mencionado é o dos sanguessugas, escancarado pela Polícia Federal no último ano do primeiro mandato da administração
do PT. O esquema fraudulento envolveu possivelmente dezenas de deputados, prefeituras e
funcionários do Ministério da Saúde. Fornecia ambulâncias a preços sobrevalorizados.
O advogado Eduardo Mahon comentou o depoimento de Maria da Penha Lino, funcionária do Ministério da Saúde presa durante a operação. Ele citou o trecho em que Maria da
Penha Lino se refere ao motorista Fernando Freitas, encarregado de transportar à garagem
do Congresso os donos da empresa que negociavam as ambulâncias:
- Na garagem, pegavam as malas e colocavam o dinheiro no paletó, nas meias e nas
cuecas. Passavam pelo detector de metal da chapelaria. Não dava nada. Subiam à Câmara.
Iam de gabinete em gabinete, fazendo os acertos. Acabava o dinheiro, voltavam para o carro
e pegavam mais. Na cara dura, na cueca, na meia.
Cassado por corrupção, o ex-ministro José Dirceu resolveu desabafar à revista Piauí. Já
corria o ano de 2008. José Dirceu mencionou o episódio da construção da sede do PT em
Porto Alegre, em 2001. Sabia do que estava falando: na época, José Dirceu era o presidente
do partido e Delúbio Soares, o tesoureiro.
De acordo com José Dirceu, a obra em Porto Alegre “foi feita só com dinheiro de caixa
2”. Ele acrescentou: “era com mala de dinheiro”. O ex-presidente do PT chamou de “esse
pessoal” as lideranças gaúchas do partido:
- Chegava para Delúbio e falava: “Delúbio, preciso de R$ 1 milhão”. Como é que alguém vai arrumar esse dinheiro assim, de uma hora para outra?
José Dirceu explicou:
- O pobre do Delúbio tinha de ir aos empresários conseguir doações. Aí, estoura o mensalão
e esse pessoal vem dizer que o Delúbio era o homem da mala. O que não dizem é que a mala
era para eles.
Em outro trecho da entrevista, Dirceu atacou a ex-senadora Heloísa Helena (PSOL-AL).
Expulsa do PT, ela passou a denunciar condutas inadequadas de parte das lideranças do
partido. O ataque de José Dirceu:
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- Ela votou contra a cassação do Luiz Estevão. Votou mesmo, e por motivos impublicáveis.
Heloísa Helena reagiu, chamando José Dirceu de “ladrão dos cofres públicos” e de andar “passeando pelo Brasil e gastando todo o dinheiro que ele roubou do povo”:
- Se durante toda a carreira dele de homem público medíocre e ladrão ele cometeu inúmeros atos que certamente não podem ser publicados, eu, como mulher trabalhadora, nunca
fui capaz de nenhum ato impublicável.
Em 2009, a Polícia Federal desencadeou a Operação Boi Barrica e indiciou Fernando
Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), um dos maiores aliados de
Lula. Fernando Sarney foi acusado de montar um esquema para desviar dinheiro público
usando a Valec, empresa estatal encarregada de construir a ferrovia Norte-Sul.
A relação de Fernando Sarney com a Valec se dava por intermédio do diretor de Engenharia da estatal, Ulisses Assad. Uma parte da obra, no valor de R$ 45 milhões, teria sido
entregue à Lupama. Conforme as investigações, a Lupama era uma empresa de fachada
ligada ao grupo de Fernando Sarney para desviar dinheiro da ferrovia.
Para pagar pelos serviços de Ulisses Assad, Fernando Sarney teria mandado propina por
meio de seu motorista. Uma mala de dinheiro seguiu de Brasília para São Paulo. Os federais
estavam na cola, mas não contaram com o zelador do prédio da família Sarney na capital
paulista. Ele percebeu a movimentação e ajudou o motorista a entrar escondido com a mala
dentro do porta-malas de um carro de Fernando Sarney. O homem se safou.
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