24 de Julho de 2016
"Nova matriz econômica"ainda atrapalha o Brasil
Por Conrado Mazzoni O físico Samuel Pessôa reconhece que há gente boa projetando uma
recuperação rápida da economia brasileira, mas mantém um pé atrás na
hora de comemorar um eventual aumento do PIB no ano que vem.
Pesquisador do Ibre, o Instituto Brasileiro de Economia da FGV do Rio de
Janeiro, ele prevê estagnação em 2017, após um tombo de 3,5% neste
ano.
As razões do ceticismo derivam dos anos de nova matriz econômica dos
governos Lula e Dilma. O doutor em economia pela USP aponta sequelas
que dificultam o crescimento, situação agravada pelo alto endividamento
de famílias e empresas.
Estudioso do salto explosivo do gasto público, Pessôa não descarta
aumento transitório de impostos, em paralelo à necessária redução de
despesas. Mas na hora certa. “Vamos primeiro combater a inflação,
reancorar as expectativas, aumentar a confiança de todo mundo na
política monetária, para que o custo de desinflação seja mais baixo. Então,
poderemos voltar com a agenda de carga tributária”, diz.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que ele concedeu a O
O Financista: Após anos de leniência com a inflação durante a gestão
Alexandre Tombini, o custo do combate à inflação é maior?
Samuel Pessôa: O custo, evidentemente, ficou mais alto. O comunicado
do Copom reforça essa visão. Um dos itens mencionados é que a sequência de anos com
inflação acima da meta aumenta a inércia. Entendo que a nova diretoria
do BC vai retomar a prática de considerar não somente o cenário de
referência a caminho da meta, mas também o cenário projetado pelo
mercado. Com Tombini, houve certo desprestígio da expectativa do
mercado acerca da inflação. Não levar isso em consideração acabou
provocando um efeito “retroalimentador”: o mercado não acredita que a
inflação vai para a meta, as expectativas ficam mais altas e o custo de
reduzir a inflação aumenta. Creio que estamos perto de um ciclo de
afrouxamento monetário, provavelmente em algum momento no último
trimestre do ano.
O Financista: No cenário base do Copom, a inflação deve chegar a 4,5%, em 2017. O mercado ainda aponta 5,3%. O senhor aposta na primeira ou na segunda estimativa?
Pessôa: Eu comecei o ano mais pessimista com inflação. Estimava algo na
casa de 8%, neste ano, e em torno de 6%, no ano que vem. Agora acho
que este ano será na casa de 7,5%, talvez um pouco mais baixo; em 2017,
já consigo ver possibilidade de inflação na meta ou muito perto dela. Uma
questão que envolve o cenário inflacionário é que se considerava uma
rodada de aumento de carga tributária, o que afeta a inflação. Vejo que há
um entendimento de que o custo inflacionário de aumento de impostos é
muito alto hoje, até por conta da inércia muito alta e das expectativas
muito desancoradas. É possível, portanto, que a estratégia mude. Vamos
primeiro combater a inflação, reancorar as expectativas, aumentar a
confiança de todo mundo na política monetária, para que o custo de
desinflação seja mais baixo. Então, poderemos voltar com a agenda de
carga tributária.
O Financista: O senhor considera inevitável algum aumento de imposto temporário?
Pessôa: Aumento de carga tributária tem impacto sobre o crescimento, a
médio prazo, e sobre a renda per capita, no longo prazo. Se há uma
demanda por elevar gastos sociais ou qualquer outra coisa, acho sempre
melhor financiar por meio de aumento de impostos do que por meio de
inflação. Depois de guerra civil, a maneira menos civilizada de gestão do
conflito distributivo em uma sociedade moderna é a inflação. Mas há
limites para o aumento da carga tributária. Se gerar um choque
inflacionário, é preciso gastar com juros e desencadear uma pequena
recessão que tem um custo fiscal. Ponha isso na conta e compare com o
ganho tributário. Objetivamente, se reduzirmos muito os gastos, ainda
daria para escapar do aumento de carga tributária. Teria que mudar a
regra de reajuste do salário mínimo e de vencimentos dos servidores,
considerando só a inflação e não o crescimento real do PIB; fazer uma
reforma da previdência com uma transição mais rápida; reduzir o gasto
discricionário. Mas o risco é imenso. É preciso colocar na conta o elevado
nível de dívida e do gasto e rezar para que o mundo continue comprador
como está, com juro baixo... São muitos fatores. Por isso, eu seria
favorável ao aumento de carga tributária transitório. Talvez tenhamos de
esperar um pouco para fazer isso, quando as expectativas estiverem
melhores.
O Financista: Qual a sua percepção sobre a atividade econômica?
Pessôa: A mudança do governo teve impacto sobre as expectativas, que
melhoraram muito. Isso está associado à percepção de que o país não
aguentaria dois anos e meio da presidente Dilma. Além de ela ter perdido
qualquer capacidade de coordenação junto ao Congresso Nacional, está
mais do que provado que ela é uma pessoa completamente inepta e
incapaz para um cargo dessa natureza. A troca pelo Temer já produziu um
impacto importante sobre as expectativas que tínhamos. Alguns analistas
mais otimistas falam até em crescimento de 2% do PIB em 2017. No Ibre,
estamos mais céticos. Achamos que vai demorar um pouco mais para a
economia religar. Eu entendo quem está mais otimista porque, de fato, as
últimas recuperações cíclicas foram rápidas. Nós, porém, vemos uma
recuperação mais lenta. O número do Ibre com o qual trabalho é zero
para o ano que vem. Há dois fatores. Primeiro, seis anos de “nova matriz
econômica”, de 2009 a 2014, pioraram muito a microeconomia do país e,
portanto, afetaram muito a capacidade de crescimento da economia. O
segundo fator é que esta é a primeira crise que entramos com a economia
alavancada. Ingressamos na crise com o crédito como proporção do PIB
batendo em 50%. Sabemos que o balanço das famílias e o balanço das
empresas estão machucados.
O Financista: No meio do caminho, há a agenda de reformas. A propostade emenda constitucional que limita o crescimento do gasto público apenas prepara o terreno para avançarmos na reforma da Previdência?
Pessôa: Sim, é um primeiro passo. Há muitos outros gastos que crescem
vegetativamente. A ideia da PEC do gasto é funcionar como um
mecanismo de coordenação do nosso conflito distributivo. A sociedade
brasileira é muito heterogênea e complexa. Desde a constituinte de 1988,
cada grupo de pressão consegue colocar seu interesse na Lei com maior
ou menor grau de legitimidade social. Durante muito tempo, conseguimos
empurrar esse problema com a barriga porque tivemos um período em
que a receita crescia a uma velocidade espetacular, o dobro do ritmo de
crescimento do PIB. Quando passamos a ter um comportamento normal
da receita, vieram as disfuncionalidades atuais. É muito difícil atacar a
agenda fiscal item por item. Cada item é protegido por um grupo
organizado, enquanto o interesse difuso, agregado da sociedade, não se
organiza. Por isso, o resultado é disfuncional. Se nada for feito, isso vai
provocar inflação. É como tratamos essa questão a vida toda. A da PEC do
gasto tende a criar uma restrição dura que fará com que a limitação do
gasto interfira na vida de todo mundo, mas sem bater na inflação. Com
isso você engessa o Estado brasileiro. A ideia é provocar um interesse na
sociedade a favor do ajuste fiscal. Trata-se de explicitar um conflito que
está implícito.
O Financista: O Congresso aprovará a reforma da Previdência?
Pessôa: Acho que será aprovada. Era um tema absolutamente tabu que
está andando rápido. Ainda não estão claros os parâmetros e a velocidade
de transição. É possível que seja feita em várias etapas. Creio que o
princípio da idade mínima será aprovado. Provavelmente não será neste
ano.
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