sexta-feira, 1 de abril de 2016
O CHEFE por Ivo Patarra capítulo 14
Traquinagens da família Lula da Silva.
As andanças de Genival, o “Vavá”
Dona Marisa Letícia, a primeira-dama, mandou fazer um canteiro de quatro metros de
diâmetro com flores vermelhas em forma de estrela, o símbolo do PT, nos jardins do
Palácio da Alvorada. Tentou caracterizar a residência oficial do presidente da República
como uma sede do partido.
Luís Cláudio Lula da Silva, filho do presidente, usou avião da FAB (Força Aérea Brasileira)
com 14 amigos. Foi durante as férias de 2004. O deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ)
tentou de todos os modos verificar a veracidade da história. Só conseguiu confirmar a mordomia
junto ao Gabinete Institucional da Presidência da República. Antes, havia feito sucessivos
requerimentos à Secretaria-Geral da Presidência da República, Ministério da Casa
Civil e Ministério da Defesa. Ninguém admitia o uso do avião oficial. Mas existiu.
Cinco anos depois, em outubro de 2009, Lula nem deu atenção ao caso. Desta vez quem
pegou carona no avião do governo foi Fábio Luís Lula da Silva, o “Lulinha”, filho mais
velho do presidente. Ele e 15 acompanhantes. O “Sucatinha”, um Boeing 737 da FAB, já
estava perto de Brasília quando o piloto recebeu ordens para voltar a São Paulo e pegar a
turma do Lulinha. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, também voou na
aeronave, que seguiu novamente para Brasília. O Palácio do Planalto só informou que Lulinha
e os amigos eram convidados do presidente da República. Ponto final.
De acordo com relato do economista Paulo de Tarso Venceslau, o amigo de Lula, Paulo
Okamotto, resolveu um problema provocado por Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do presidente.
Eram tempos da eleição para o Palácio do Planalto de 1994. Lurian teria saído de uma
loja em São Paulo sem pagar pelas mercadorias que levara consigo. A missão de Paulo Okamotto
era pagar pelos produtos evitando que a história vazasse para os jornais. Ele conseguiu.
Em junho de 2009, o marido de Lurian, Marcelo Sato, foi acusado de tráfico de influência
em transações que envolviam a execução de obras no porto de Itajaí (SC). O Governo
Federal tinha liberado R$ 350 milhões para reconstruir as instalações do porto, mas haveria
19 irregularidades na contratação de empreiteiras. Marcelo Sato participou de reunião para
discutir as obras ao lado do deputado Décio Lima (PT-SC), um ex-superintendente do porto.
Na época, o genro de Lula era assessor da deputada estadual Ana Paula (PT-SC), mulher de
Décio Lima. O procurador Marcelo da Mota disse ao repórter Hugo Marques, da revista Isto
É, que Marcelo Sato seria investigado:
- Há indícios para investigar a intervenção de Marcelo Sato junto a órgãos do
Governo Federal.
Sandro Luís Lula da Silva, outro filho do presidente, foi funcionário-fantasma do PT. Os
repórteres Lílian Christofoletti e José Alberto Bombig, da Folha de S.Paulo, revelaram o
caso. Contratado por R$ 1.522, Sandro Luís prestava “serviços à distância”. Empregado do
PT durante mais de três anos, Sandro Luís teria passado a prestar serviços em casa, em São
Bernardo do Campo (SP), desde que o pai se tornara presidente da República.
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Deram diversas explicações. Numa primeira versão, o PT informou que o filho de Lula
nunca trabalhara no partido. Depois, o PT alegou que o rapaz deixou de ser funcionário em
meados de 2002. E, por fim, o partido informou que ele fora desligado dos quadros da
legenda “há uma ou duas semanas”, ou seja, em junho de 2005, na mesma época em que a
reportagem foi publicada.
Os repórteres ouviram o presidente do PT de São Paulo, Paulo Frateschi:
- Ele não ia todos os dias. Às vezes, aparecia um dia por semana, um dia por mês. Ele não
precisa ir ao diretório para trabalhar. Trabalha na casa dele, até porque precisa apenas de um
computador para realizar o serviço.
Paulo Frateschi não informou quais serviços Sandro Luís prestava ao PT.
Quem ocupou páginas de jornal foi Fábio Luís Lula da Silva. O jornal O Globo, do Rio,
publicou em julho de 2005 que a Telemar, uma das maiores operadoras de telefonia do País,
havia comprado ações da Gamecorp, empresa de Lulinha. Note-se que a Telemar, concessionária
de serviço público, era constituída com recursos do BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social), Banco do Brasil e fundos de pensão de empresas
estatais. A notícia falava na aplicação de R$ 5 milhões na Gamecorp. Com o negócio, a
Telemar disporia de ações da empresa de Lulinha e do direito de usar programas de jogos
produzidos pela Gamecorp em telefones celulares.
Lulinha havia montado a Gamecorp, com capital de R$ 10 mil, numa sociedade firmada
no ano anterior com Kalil e Fernando Bittar, filhos de Jacó Bittar, velho amigo de Lula,
nomeado por influência do presidente como conselheiro da Petros, o fundo de pensão dos
funcionários da Petrobras. O negócio com a Telemar elevou a R$ 7 milhões a expectativa de
faturamento da Gamecorp em 2006. A transação foi intermediada pela BDO Trevisan, empresa
de consultoria de Antoninho Marmo Trevisan. Ele era outro amigo de Lula, nomeado
para o Conselho de Ética Pública da Presidência da República.
Para ganhar a vida, Lulinha dava aulas de informática. Teve rápida ascensão com a
eleição do pai. A Telemar patrocinou viagens dele aos Estados Unidos, Japão e Coreia. O
caso da Gamecorp eclodiu no meio da crise do escândalo do mensalão. Antes de viajar para
a França, Lula aproveitou uma reunião ministerial para repelir as denúncias de favorecimento
à empresa do filho:
- Estão querendo mexer na minha vida privada. Isso é uma baixaria, um golpe baixo, um
desrespeito. Isso é irracional.
Dois meses depois, o banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, prestou
depoimento às CPIs dos Correios e do Mensalão. Reconheceu ter bancado almoços e jantares
para Fábio Luís Lula da Silva em 2003, durante viagem de Lulinha ao Japão. Daniel
Dantas disse que a Brasil Telecom fez gestões para comprar a Gamecorp. Chegou a pagar
R$ 100 mil mensais para a Gamecorp fornecer conteúdo ao portal da Brasil Telecom na
internet, antes de frutificar o negócio de Lulinha com a Telemar.
A empresa do filho do presidente da República voltou a ser notícia em 2006, com a
revelação de que a Telemar decidira injetar R$ 5 milhões por ano em patrocínios e produ-
ções dos programas de televisão da Gamecorp. Em três anos, o pacote da concessionária de
serviço público à empresa do filho do presidente da República chegaria a R$ 15 milhões.
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Com o sucesso empresarial, a Gamecorp, especializada em videogames e programas de
jogos eletrônicos para televisão, passou a comprar parte da programação da TV Bandeirantes
e da Mix TV. A Gradiente anunciou nos programas da Gamecorp. O dono da empresa, Eugê-
nio Staub, foi dos primeiros homens de negócio a apoiar Lula nas eleições de 2002. A Sadia,
outra grande empresa, também passou a patrocinar os programas da Gamecorp. Lá, outro
empresário de sucesso ligado a Lula fez carreira. Trata-se de Luiz Fernando Furlan, ministro
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no primeiro mandato do presidente Lula.
Em junho de 2006, anunciou-se que a Gamecorp passaria a se chamar Game TV, a partir
de uma parceria com o Canal 21, do grupo da TV Bandeirantes, que também mudava o
nome para PlayTV. A empresa de Lulinha coordenaria seis horas diárias de programação,
com a exibição de programas sobre games, videoclipes e atrações para o público infantil. O
contrato tinha duração prevista de dez anos. Não foram divulgados dados sobre o faturamento
da empresa de Lulinha, mas a TV Bandeirantes admitiu que R$ 250 mil do montante de R$
3,1 milhões de verbas publicitárias que irrigariam os cofres da PlayTV e da Gamecorp, em
2006, viriam de empresas e órgãos federais.
No final de 2005, a revista Veja contou a história de Genival Inácio da Silva, o “Vavá”,
o mais velho dos seis irmãos do presidente Lula. Metalúrgico aposentado, ele abrira escritó-
rio para intermediar pedidos de empresários junto a prefeituras do PT, empresas estatais e
órgãos do Governo Federal. Fazia tráfico de influência. Da reportagem de Marcelo Carneiro
e Camila Pereira:
“Vavá, filiado ao PT, confirmou a Veja que recebe e encaminha pedidos de empresá-
rios interessados em ‘trabalhar com o governo’, mas disse que, ‘por enquanto’, não
recebeu nenhum pagamento pelo serviço. ‘Até agora ninguém pagou nada ainda. Espero
ganhar um dia’.”
O irmão de Lula começou negando aos repórteres que exercesse o papel de intermediá-
rio para empresários. Disse que seu escritório prestava “assessoria social para pessoas que
precisam”. Depois, Vavá confessou:
- Se o presidente tem empresários que procuram ele para fazer negócio, nada melhor do
que você ajudar.
Admitiu ter mantido contato com César Alvarez, assessor especial do presidente Lula, e
Edimilson Antonio Sant’Anna, diretor de Operações da Petrobras Distribuidora. Tudo por
solicitação de empresários da Federação Brasileira de Hospitais, do advogado Daniel Freire
Garcia e de um executivo do ramo da construção civil, identificado por Vavá como José
Ernesto. O irmão de Lula reconheceu que ia amiúde a Brasília, com passagens aéreas pagas
por empresários. Para fazer o quê?
- Passear.
Por intermediação de Vavá, César Alvarez recebeu o empresário português Emídio
Mendes, do Riviera Group, que atuava nos setores imobiliário, turístico e energético. A
reunião foi no Palácio do Planalto, com a presença de Vavá. Algum tempo depois, o
empresário português e Vavá foram recebidos por Gilberto Carvalho, chefe de gabinete
de Lula. Emídio Mendes ainda fez uma visita à sede da Petrobras, no Rio de Janeiro,
graças à influência de Vavá.
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A Polícia Federal desferiu a Operação Xeque-Mate em 4 de junho de 2007. Prendeu 79
pessoas acusadas de pertencer a uma organização criminosa ligada à exploração de máquinas
caça-níqueis. Cerca de 600 agentes federais foram mobilizados em Mato Grosso do Sul,
Rondônia, Paraná, Minas Gerais e São Paulo. Entre os presos havia empresários, advogados,
policiais civis e policiais militares. Eles foram acusados de contrabando de componentes
eletrônicos para caça-níqueis, corrupção e tráfico de drogas. A organização movimentaria
R$ 250 mil por dia. Durante a ação, dezenas de carros de luxo, caminhões, máquinas de
jogo, dólares e ouro foram apreendidos.
A Operação Xeque-Mate iria prender Vavá. A Polícia Federal chegou a pedir a prisão do
irmão de Lula, mas a Justiça indeferiu. Autorizou apenas uma operação de busca e apreensão
na casa dele, situada na Vila Paulicéia, em São Bernardo do Campo (SP). Os federais vasculharam
a residência e indiciaram Vavá por tráfico de influência e exploração de prestígio.
A Polícia Federal também prendeu Dario Morelli Filho, cujo filho tinha como padrinho
o próprio presidente Lula. Na época, Dario Morelli Filho ocupava cargo político na Prefeitura
de Diadema (SP), cujo prefeito, José de Fillipi Jr. (PT), fora o tesoureiro da campanha
de reeleição de Lula em 2006. O prefeito o afastou no mesmo dia. Amigo de mais de 20
anos da família Lula da Silva, Dario Morelli Filho foi acusado de formação de quadrilha,
contrabando de componentes para máquinas caça-níqueis, falsidade ideológica e corrupção
ativa. Ele daria dinheiro a policiais para não ser perturbado.
Dario Morelli Filho foi apontado como sócio oculto do ex-deputado Nilton Cezar Servo,
outro conhecido de Lula, numa casa de jogos clandestina em Ilha Bela, no litoral de São
Paulo. Os dois corromperiam policiais para manter os caça-níqueis em operação. Nilton
Servo, apontado como o chefe da quadrilha, fugiu da Operação Xeque-Mate. Prenderam-no
logo no dia seguinte. Ele exploraria jogos de azar e caça-níqueis no Mato Grosso do Sul,
Paraná, Rondônia e São Paulo. Teria ligações com a Associação Nacional de Bingos e Jogos,
e gostava de falar das três ou quatro vezes que esteve na chácara de Lula, em São
Bernardo do Campo, para comer coelho com o presidente.
Outra façanha de Nilton Servo: participou de pescaria com Lula e o então governador de
Mato Grosso do Sul, Zeca do PT (1999-2006), no Pantanal. Zeca do PT, aliás, teria apoiado
casas de bingo e máquinas caça-níquel como primeiro mandatário do Mato Grosso do Sul.
O comandante da Polícia Militar de seu governo, coronel Ivan Almeida da Silva, elegeu-se
deputado estadual pelo PSB, numa dobradinha com Nilton Servo, que não se elegeu. O
coronel também seria ligado à organização criminosa, mas não foi acusado.
Dario Morelli Filho, por sua vez, era um faz-tudo da família Lula da Silva. Atuava como
motorista, assessor e segurança. Gostava principalmente da área de segurança e inteligência.
Em 2003, registrou um boletim de ocorrência sobre o roubo de um celular de Marisa
Letícia. Em 2006, Dario Morelli Filho esteve numa delegacia de polícia em São Bernardo
do Campo para registrar queixa de um roubo que teria ocorrido na chácara Los Fubangos,
de propriedade de Lula, na beira da represa Billings.
Em 1989, Dario Morelli Filho integrara o corpo de segurança da primeira campanha de
Lula a presidente da República. Em 1994 foi o responsável pelo esquema de escolta do
então candidato a governador de São Paulo, deputado José Dirceu (PT). Prestou serviços
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para diretórios do PT e para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo,
berço político de Lula. Chegou a trabalhar na Prefeitura de Mauá, na Grande São Paulo, nos
tempos em que a administração municipal esteve sob comando do PT.
Nos anos 90, montou a própria empresa de vigilância privada. Fazia segurança em casas
de jogo. Em 2006, Dario Morelli Filho admitiu ter sido contratado para alugar veículos à
campanha de Aloizio Mercadante (PT), que disputou e perdeu o Governo de São Paulo.
Recebeu R$ 187 mil pelos serviços. Dario Morelli Filho também teria sido funcionáriofantasma
do gabinete de Roberto Gouveia (PT-SP), na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Em depoimento à Polícia Federal, admitiu ter se encontrado duas vezes com Lula em
2006, na casa do próprio presidente, em São Bernardo.
Vavá conheceu Dario Morelli Filho nas festas do PT, e estreitou as relações de amizade
na residência do próprio Lula. Na casa de Dario Morelli Filho em Caraguatatuba, no litoral
de São Paulo, Vavá teria conhecido Nilton Servo. De acordo com as investigações da Polí-
cia Federal, Vavá passou a receber valores que variavam de R$ 2 mil a R$ 3 mil de Nilton
Servo, em troca de serviços de lobby e promessas de benefícios e vantagens em órgãos do
Governo Federal.
Durante as investigações, a Polícia Federal interceptou uma série de ligações telefônicas
com autorização da Justiça. Nesta, captada às 19h45 de domingo, 25 de março de 2007,
Vavá conversou com Nilton Servo para informar que Lula esteve em sua casa naquele dia.
De fato, apurou-se depois que o presidente passara o domingo em São Bernardo do Campo,
sem agenda oficial. No diálogo, “máquinas”, conforme a Polícia Federal, eram caça-ní-
queis. O primeiro a falar foi Vavá:
- O homem teve aqui hoje. O homem teve aqui hoje, entendeu?
- Hein?
- O homem teve aqui hoje, entendeu?
- Entendi.
- Passou aqui, ficou uma hora e meia aqui.
- Falou com você?
- Conversou. Eu falei pra ele sobre o negócio das máquinas lá. Ele disse que só precisa
andar mais rápido, né?, bicho.
- Hein?
- Disse que só precisa andar mais rápido, viu? Tá certo?
- Com certeza. Meu irmão.
- Hã?
- O Lula é meu irmão.
Dispensável falar da gravidade do diálogo, envolvendo Lula. Três dias antes, em outra
ligação, Vavá pedira a Nilton Servo:
- Ô, arruma dois pau pra eu?
Em 11 de março, outro diálogo entre os dois. Começou com Nilton Servo:
- Vou ver se hoje eu coloco uma coisa pra você. Mas o mais certeza é amanhã. Porque
ontem eu tava em Caraguá, eu fui consultar um depósito que fizeram pra mim, fizeram em
cheque, daí não tinha liberado hoje.
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- Põe uns cinco, tá bom?
Dois dias depois, Nilton Servo ligou para Vavá:
- Meu cunhado tá em São Paulo, eu pedi pra ele, meu cunhado, Serra, pra entregar
pessoalmente aquele negócio. Falo com você amanhã, então.
Agora, um diálogo de deixar os cabelos em pé. A conversa telefônica ocorreu duas
semanas antes da deflagração da Operação Xeque-Mate, entre Vavá e José Ferreira da
Silva, o “Frei Chico”, outro irmão de Lula. Frei Chico foi o inspirador que levou Lula
para o sindicalismo. Ele atuava como consultor em sindicatos da região do ABC, na
Grande São Paulo.
Ressalte-se que Frei Chico se apresentou como “Roberto” na ligação a Vavá. A Polícia
Federal demorou alguns dias até descobrir de quem se tratava. Vavá, porém, sabia muito
bem com quem falava, como se percebe pelo diálogo. Os dois provavelmente já sabiam das
escutas telefônicas e trataram de manter a conversa a mais cifrada possível. Registre-se:
anteriormente, o ministro da Justiça, Tarso Genro (PT-RS), informara a Lula que havia
investigações envolvendo Vavá. O diálogo começou com Vavá:
- Sexta-feira eu preciso ir a Brasília.
- Sexta-feira? Acho que você... Quero conversar sobre isso mesmo, cara.
- Hum?
- Não vai sem falar comigo, não. Porque tem, tem uma bronca da porra.
- De quê?
- Não sei, Vavá. Depois te falo, tá?
- Tá bom. (...) Ah, vou de manhã e volto à tarde, num voo só. Vou conversar com
o Lula mesmo.
- Eu dev... O Lula quer que você vá lá, ouvi-lo à noite, pra conversar com ele à noite.
- Hã?
- Tá? Então eu quero ver com você direito isso. (...) Ele quer que eu vá com você,
mas se você for sozinho, ele também... Tá? Quer conversar na casa dele, tranquilo, tá?
Então vamos pensar num dia aí.
- Eu só vou de tarde e vou voltar, não vou ficar lá, não.
- É, mas... Vavá, eu quero saber... Vavá, por que tem umas bronca lá, que você anda
apresentando uma pessoa lá nos ministérios e ele...
- Eu?
- Vavá! Depois nós conversa, tá?
Dois dias depois, em outra conversa telefônica, Vavá confirmou estar informado sobre
as investigações da Polícia Federal. Ele pediu R$ 2 mil ao interlocutor, identificado como
Rinaldo. O dinheiro seria pagamento por suposto lobby nos Correios. Vavá explicou por
que evitou ir a Brasília:
- Eu não fui porque a Polícia Federal está filmando muito, né?, Rinaldo. Vou esperar
passar mais uns dias, aí eu vou lá.
Entre 11 e 17 de maio de 2007, sete conversas telefônicas indicaram o vazamento de
informações sobre a operação da Polícia Federal. Dario Morelli Filho, o compadre de Lula,
alertou Nilton Servo do que estava acontecendo, “um pepino feio”. Dario Morelli Filho
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gabou-se ao dizer que com ele nada aconteceria, possivelmente por sua ligação com o presidente
da República. O diálogo começou com o compadre de Lula:
- Quando eu for aí, eu compro um telefone no meu nome (...) e a gente cancela
todos os seus.
- Joia, então.
- Para, se eles rastrearem o seu telefone, não cair. Se rastrearem o meu, quando bater nas
coisas lá, o cara já vê meu nome, e já pensa duas vezes antes de fazer alguma coisa.
A fim de resolver o problema dos grampos que haviam sido instalados a partir de
determinação vinda de Brasília, Dario Morelli Filho disse que se encontraria com um
aliado na capital federal, o ex-deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF). Iria “fazer um escândalo”.
Nilton Servo se reuniria depois com o ex-deputado, chamado nos diálogos de
“Sig”, para discutir o assunto.
Em seguida, a reprodução de uma conversa mantida em 14 de março de 2007 entre
Nilton Servo e seu cunhado, identificado pela Polícia Federal apenas como Piovesan, mas
que era chamado de Serra no telefone. Na ligação, Nilton Servo disse que Vavá “tem futuro”.
Em outras gravações entre Servo e Vavá, Lula é definido como o “homem”. Nas palavras
de Nilton Servo:
- Eu achei que não ia ter dificuldade de arrumar uns 30 mil pro Vavá, em 30, 70 dias.
Arrumo cinco, mais cinco. De picado em picado, eu arrumei pro Vavá uns 14, 15 paus.
- Acho que você não deve arrumar mais nada, até ver se ele consegue mexer com o
doce. Se conseguir (...), vai ganhar é muito.
- Eu tô trazendo o pessoal pra cá agora, neste final de semana. Tô trazendo inclusive
o filho do homem, entendeu? Uma nova... Já tive um final de semana junto, já tive
outro final... Eu tô ficando bem dentro do negócio. Para, a partir da semana que vem,
já partir firme.
Naquele mesmo 14 de março, Nilton Servo conversa com um empreiteiro, chamado no
telefone de Acácio. Ficou a dúvida se Nilton Servo pediu dinheiro ao tal Acácio para repassar
a Vavá, como insinuou, ou se usou o nome do irmão do presidente para embolsar a
quantia. Mais uma vez, Nilton Servo citou “o filho do homem”. A Polícia Federal não teria
investigado o envolvimento de algum dos filhos de Lula na quadrilha. Nilton Servo iniciou
o diálogo, gravado com autorização da Justiça:
- Eu falei com o Vavá: “Ó, Vavá, tem que tirar esses caras da fita aí. Se quiser ajudar,
depois que tiver já na mão, então aí você vê quem você quer ajudar. Porque senão vira uma
confusão, já estavam falando em seu nome, negócio de 12 mil, três parcelas”. O Vavá, deixa
eu explicar pra você, é uma pessoa que tem que saber usar. Pegar o Vavá: “Olha, Vavá, eu tô
com isso em tal lugar. Eu vou te levar aqui em Brasília (...). E você vai pedir isso lá”. É uma
pessoa que você tem que direcionar (...). E você, se puder dar essa ajuda... Porque eu vinha
ajudando o Vavá (...). Ele pediu uma força pra mim. Uns 15, 20 paus, mas coisa particular,
disse que vai me pagar. (...) Quero saber se tem condições de arrumar esses cinco mil (...).
- Tá, (...) te dou um retorno.
- (...) Ele deve imaginar que eu tô ganhando alguma coisa. (...) Eu venho dando uma
força, uma semana arrumo uns 3 mil, outra 2 mil. (...) Eu tô ajudando porque eu sei que...
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Vai num lugar que vai dar certo. (...) O Dario é diferente, (...) a despesa é por conta dele, é
outra linhagem. (...) Tanto é que o Dario tá vindo pra cá amanhã. Pra Campo Grande. Tá
vindo ele e tá vindo o filho do homem. Nem o Vavá sabe disso.
Durante a busca que fez na casa de Vavá, a Polícia Federal encontrou um envelope
endereçado a Lula, no qual havia uma solicitação para que o presidente resolvesse problema
referente a uma ordem judicial em Porto Alegre. Os federais também acharam um documento
dirigido ao senador Aloizio Mercadante (PT-SP), com pedido de acordo por parte de
uma empresa que esperava receber dívida de cerca de R$ 13,7 milhões.
Em depoimento à Polícia Federal, Vavá disse ter se encontrado uma vez num restaurante
em São Paulo com o homem identificado como Acácio, que teria interesses no ramo da
terraplanagem. Nilton Servo estava presente. Vavá negou ter exercido lobby em órgãos
públicos em nome do empresário. Disse também ter apresentado um fazendeiro chamado
André, de Assis (SP), ao advogado Silvio Assis, em Brasília, para que fosse revertida uma
decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) vencida pela Usina Maracaí. A ação previa o
pagamento de uma indenização milionária.
Do diálogo entre Nilton Servo e o irmão dele, Nivaldo, em 19 de março de 2007, no qual
Servo diz que não adianta mandar Vavá sozinho para Brasília:
- O Vavá é irmão do Lula. E o Vavá disse que tinha como resolver esse problema. Só que
o Vavá é meio espirolado, é uma pessoa séria, mas não tem noção de muita coisa. (...) Mas
não adianta o Vavá ir pra Brasília (...). Então você vai assessorar.
- Tudo bem.
- Eu só quero que acompanhe. Porque o que vai acontecer: depois que der certo, o Vavá,
tonto, “ah, me dá 10 mil, 20 mil, 5 mil”. A conta é um negócio de 1 milhão.
O relatório da Polícia Federal menciona o assunto:
“Por sua vez, Nilton Cezar Servo e seu irmão, Nivaldo Servo, estão solicitando uma
‘comissão’ em caso de êxito de Vavá no seu lobby junto aos ministros do STJ e consequente
reforma da sentença judicial, pois foram os responsáveis por lhe colocar em contato com
André e seus familiares”.
Em outra conversa com o irmão Nivaldo, Nilton Servo cita Dario Morelli Filho, “que é
o mais forte de todos, mais forte do que o Vavá”, e um auxiliar da primeira-dama Marisa
Letícia. Do relatório da Polícia Federal:
“Nilton diz a Nivaldo que inclusive aquela pessoa que o levou num encontro, o Marcinho,
até esses dias ele era o motorista da Marisa. Nilton diz a Nivaldo que o ‘Marcinho’ trabalhou
12 anos com a Marisa”.
A análise dos grampos deixou claro que Vavá não mantinha negócios apenas com empresários
do jogo. Em 31 de maio de 2007, por exemplo, o irmão de Lula teria mantido
conversa com um investigador de polícia de Mauá (SP), conhecido por “Gildo”. Ele pediu
ajuda para transferir um filho policial federal de São Borja (RS). Na ligação, Vavá pediu que
fosse redigido um documento solicitando a transferência, para ser entregue ao ministro da
Justiça, Tarso Genro (PT-RS). O suposto policial sugeriu então que o documento pudesse
ser enviado ao ministro “ou para dona Marisa”, a primeira-dama. Vavá não quis:
- Para Marisa, não!
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Em 17 de junho de 2007, dava-se como certa a denúncia do Ministério Público Federal
contra Dario Morelli Filho, o compadre de Lula, e Genival Inácio da Silva, o Vavá, irmão
mais velho do presidente. Os dois seriam acusados de envolvimento em “poderosa organização
criminosa”, responsável pela exploração de jogos de azar. O relatório da Polícia Federal
sobre o caso informava que “a característica mais marcante dos grupos criminosos
investigados é, sem dúvida, a continuidade delitiva”.
Do relatório: “Embora tenham sido realizadas no decorrer das investigações diversas
apreensões de máquinas de caça-níqueis, o fato é que em nenhum momento essas operações
policiais foram capazes de inibir as ações dessas organizações criminosas, que continuaram
operando normalmente, não interromperam suas atividades delituosas”.
Dois dias depois, o Ministério Público Federal denunciou 39 pessoas, incluindo Nilton
Cezar Servo e Dario Morelli Filho, o compadre de Lula. Vavá, porém, para surpresa dos
policiais federais que conduziram as investigações, acabou sendo poupado.
Deixaram de fora o irmão do presidente.
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