sábado, 25 de abril de 2015
RELATOS DE UMA CIDADÃ QUE VIVEU DURANTE O REGIME MILITAR...
"E repetíamos sim, por um décimo de ponto! Você só passava de ano se soubesse a matéria na ponta da língua. Estudávamos, além das matérias clássicas, religião, música, espanhol, inglês, francês, desenho, geometria, artes e OSPB(onde aprendemos os verdadeiros valores civis). Nas ruas andávamos com tranquilidade, não existia esta violência que nos consome. Drogas?! Tudo se resumia à maconha, que nós sabíamos que existia, mas não fazia parte de nossas vidas. Nosso lado rebelde se resumia a dar uma tragada rapidinha em algum cigarro "comunitário" no banheiro da escola e ouvir "Je t'aime moi non plus" escondido.
Nos levantávamos quando o professor entrava na classe. Sabíamos o Hino Nacional inteirinho! Ir para a diretoria era uma vergonha... Responder aos pais e professores? Nem pensar! Apanhávamos sim, e muito (minha mãe tinha até um "rabo de Tatu", uma espécie de chicotinho) e nem por isso ficamos traumatizados. Por falar em traumas, sabia que em todos os colégios havia uma psicóloga para alunos estressados? Sabe que tínhamos dentistas nos colégios? Na infância, meus dentes foram tratados assim. Havia também a merenda escolar para todos os alunos, e até hoje eu sinto o cheiro delicioso do recreio.
Em casa, depois da janta, lá pela 8 horas, nós, as crianças da rua, nos reuníamos para jogar queimada, e a turma ia aumentado a cada minuto. Enquanto isto, no portão, nossos pais conversavam com algum vizinho. A brincadeira podia se estender até as 11 horas ou terminar a qualquer momento, bastando as mães chamarem pelo nome seguido de um "já prá dentro!". Ninguém reclamava, todos obedeciam na hora! Quando saíamos, tínhamos hora marcada para ligar para casa ou para o fone de algum vizinho avisando que estava tudo bem. E ai se não ligássemos! Éramos assaltados sim, mas bastava gritar "pega ladrão" e o bandido estaria longe em um segundo. Nas ruas o patrulhamento era constante, dia e noite...cruzávamos com a polícia a cada esquina.
Favela era o lugar onde moravam os mais pobres, os que não tinham uma casa de verdade, mas entrávamos e saíamos dela a qualquer momento, pois muitos amiguinhos e colegas de classe moravam lá. Aprendemos respeito aos mais velhos, respeito à hierarquia familiar, hierarquia escolar e à hierarquia social. Havia a censura sim, mas isto não nos afetava, pois éramos uma família comum vivendo num bairro comum com outras pessoas comuns. Eu ouvia falar, mas nunca conheci ninguém que tenha sofrido por causa dos militares...creio que por não termos qualquer contato com guerrilheiros, comunistas e terroristas. E assim foi o "negro" (?) período da "Ditadura Militar" em nosso Brasil. Muitos temeram? Claro que sim, os mesmos que hoje nos ameaçam com a fome, com a miséria, com o despojamento de nossos bens, com a retirada de nosso direito de ir e vir, com a violência, com a incultura, com o impedimento de nossa fé, com a imoralidade, com a mentira, e com o despudor!"
(Karen Neugebauer Yamada)
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