As organizações e entidades subscritoras receberam com extrema decepção e preocupação a notícia de que a Câmara dos Deputados aprovou na última semana proposta legislativa orientada a dar anistia para os partidos que não cumpriram a determinação de aplicar 5% dos recursos do Fundo Partidário no fomento da participação da mulher na política nos exercícios anteriores a 2019, entre outros retrocessos.
O projeto segue agora para o Senado, que tem a missão de reverter esta absurda proposição.
Como se já não bastassem as alterações produzidas pela recente Lei nº 13.488/2017 quanto ao pagamento de multas previstas no artigo 11 da Lei nº 9.504/1997, fixando condições extremamente favoráveis às legendas, com parcelas limitadas a 2% dos repasses mensais do Fundo Partidário e prazos de parcelamento superiores a sessenta meses.
O texto substitutivo representa inaceitável deturpação nos dispositivos já estabelecidos para fomento da participação da mulher na política, ao permitir que parcela significativa dos recursos reservados para esse fim sejam utilizados para “pagamento de pessoal do sexo feminino”. Isso é uma nítida distorção do objetivo desses comandos legais, que visam a promoção de condições para que as mulheres também ocupem posições de protagonistas na cena política nacional.
Além disso, a indecorosa proposta também amplia para até oito anos o prazo de vigência dos diretórios provisórios das agremiações, comprometendo gravemente as possibilidades de renovação e democratização da vida partidária brasileira.
Ressalve-se que é legítima a possibilidade de instituição de comissões provisórias como mecanismo de facilitação do espraiamento da presença dos partidos políticos pelo território nacional, desde que se respeite e garanta o caráter de transitoriedade que o instituto carrega em sua própria denominação.
Do contrário, o que se verifica é a subversão do mecanismo, para que funcione como instrumento perpetuador da permanência das cúpulas dirigentes, que podem alocar e retirar os ocupantes dos cargos de direção das comissões provisórias segundo suas próprias conveniências, minando a democracia interna das agremiações partidárias, entidades que devem atuar como guardiãs da democracia, conforme expressa previsão constitucional.
Nos termos do PL aprovado pela Câmara, comissões provisórias e diretórios sem movimentação financeira ficam isentos de prestar contas à Justiça Eleitoral e à Receita Federal, bastando apenas apresentar declaração de não movimentação pelo responsável. (Art. 32, p.4 da Lei 9096/95). Esses órgãos partidários municipais que estejam com sua inscrição baixada ou inativada na Receita Federal poderão requerer a reativação da inscrição sem a cobrança de multas a que tenham sido condenados, taxas ou outros encargos (p. 6 do mesmo artigo). Há ainda, a absurda vedação da inscrição no Cadin do nome do dirigente partidário que teve contas desaprovadas (p. 7 do mesmo artigo).
Ademais, considera-se que a proposta é flagrantemente inconstitucional, dado que outorga tratamento privilegiado às organizações partidárias em relação às demais pessoas jurídicas, ofendendo gravemente o princípio da isonomia, baliza fundamental da República. Afinal, quaisquer associações ou empresas que deixem de cumprir com suas obrigações junto às estruturas do Estado, devem sofrer as sanções previstas. Nada justifica que o exercício de legislar seja casuisticamente utilizado para conferir impunidade aos partidos políticos, excluindo-os do império da lei.
O injustificado tratamento que a referida proposta pretende dar aos partidos políticos torna-se ainda mais indecoroso quando se observa que mais de 80% do sistema partidário brasileiro é financiado com recursos públicos, razão pela qual devem ser ainda mais rigorosos os mecanismos de fiscalização e controle incidentes sobre as agremiações políticas.
Deixar de aplicar as sanções previstas na legislação aos órgãos ou dirigentes partidários inadimplentes em suas obrigações, ainda que acessórias, equivaleria na prática a repassar dinheiro público sem qualquer condicionante ou estímulo ao uso legal e diligente desses recursos.
Nesse sentido, a própria justificativa do deputado Paulo Pereira da Silva, que contradiz o texto substitutivo proposto ao reconhecer que “(...) os recursos do fundo partidário se tornaram a maior fonte de financiamento das legendas, senão a única, e devem ser utilizados cada vez mais com a necessária reponsabilidade que se espera das lideranças partidárias. Ao mesmo tempo, deve-se adotar total transparência em relação a aplicação desses recursos públicos (...) e a respectiva punição daqueles que fraudarem a regra”.
É cada vez mais presente na sociedade brasileira o repúdio a atividades ilícitas e antiéticas relacionadas a casos de utilização indevida de recursos públicos envolvendo os partidos políticos brasileiros.
O descrédito de nossas agremiações políticas junto à sociedade é evidente e preocupante. A pesquisa Latinobarómetro de 2018 aponta que no Brasil os partidos têm o menor patamar de credibilidade dentre os 18 países da América Latina. Apenas 8% dos brasileiros confiam em suas agremiações políticas.
A profunda crise de representatividade que vivemos coloca em risco importantes avanços civilizatórios e sua superação demanda novos paradigmas de transparência, integridade, controle e responsabilização de nossas instituições políticas. Não se caminhará nesse sentido enquanto não forem efetivas as sanções a partidos políticos e dirigentes partidários que deixarem de cumprir obrigações previstas em lei.
Por essas razões, a entidades e organizações subscritoras manifestam rechaço ao texto apresentado pelo deputado Paulo Pereira da Silva, a quem solicitam seja retirada a referida proposta, assim como conclamam os demais parlamentares a rejeita-la na íntegra.
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