PEC a favor do Brasil
Por Felipe Miranda*
As pessoas me perguntam se a PEC do teto de gastos implicará redução dos recursos destinados a saúde e educação. Essa é a retórica clássica dos contrários à proposta. Os mais emocionados tentam atribuir-lhe a alcunha de “PEC da Maldade”.
É curioso o mundo maniqueísta que coloca a nova matriz econômica no lado do bem e a PEC 241 como a vilã da história.
Treinados em Schopenhauer, tentam vencer o debate sem ter razão. Ainda prefiro a verdade como imperativo categórico. Há uma dose de desonestidade intelectual, de alto teor etílico, na afirmação de que a proposta de teto dos gastos públicos implicará redução dos dispêndios com saúde e educação.
Chegaremos lá. Antes, um breve aposto. Os tempos são de mudança, diria o mais recente prêmio Nobel de Literatura. A retórica dessa vez pode não funcionar. A agenda liberal está em ascensão, conforme demonstrado nas eleições municipais. E há um interesse crescente por informação - esse é um ponto nevrálgico capaz de marcar o ineditismo do momento.
A relativa profundidade do debate em torno da questão fiscal no Brasil é algo novo. Até ontem, a sensação era de que o dinheiro da viúva não tinha dono. E a informação possui uma característica única, associada àquilo que Nassim Taleb chama de antifragilidade. Quanto mais você tenta coibi-la ou atacá-la, ela se difunde. É como a Hidra de Lerna; você tenta cortar-lhe a cabeça e nascem outras duas. Diante das críticas desprovidas de embasamento técnico, as pessoas se interessam pelo tema e passam a debatê-lo com maior profundidade. Assim podem discernir melhor e escapar das armadilhas do discurso superficial de que controlar gastos públicos é ser contra avanços sociais.
Retomo. Aos que me questionam sobre a questão, tenho respondido de maneira categórica: a não aprovação da PEC 241 é que resultará em cortes, possivelmente pronunciados, nos gastos sociais. A conclusão decorre de simples argumento: não haverá dinheiro.
O acompanhamento da trajetória da dívida pública nos últimos anos mostra uma dinâmica explosiva. Saímos de superávit primário em torno de 2% do PIB até 2011 para déficit primário de 2% do PIB em 2015. A dívida bruta do governo geral saiu de 51,69% em 2013 para 66,52% em 2015. Um aumento, portanto, de quase 15 pontos percentuais. Não há precedentes na história de tamanha escalada em tão pouco tempo.
Entramos num ciclo vicioso, em que o País passou a ter sua capacidade de solvência questionada. Investidores começaram a duvidar da capacidade de o Brasil pagar suas obrigações financeiras, exigindo maiores juros de mercado para financiar esse endividamento. Por sua vez, os maiores juros implicaram maior despesa financeira sobre a dívida, além de trazer efeitos negativos sobre os investimentos dos empresários e, por conseguinte, sobre o emprego. Com a economia em recessão, a arrecadação diminuiu e o resultado fiscal do governo piorou ainda mais.
De forma resumida, flertamos com o abismo. Sem endereçar de maneira imediata e profunda o processo, não haverá convergência da dívida pública. Ou seja, o endividamento sobe infinitamente, até que, claro, alguém perceba isso e pare de financiar o Brasil.
A resposta ao quadro viria em três cenários, não necessariamente excludentes. O primeiro seria um calote na dívida, com efeitos instantâneos e pronunciados sobre os investimentos e sobre a poupança dos brasileiros, hoje muito ligada, direta ou indiretamente, aos títulos públicos. O segundo seria um brutal processo inflacionário, com o governo emitindo moeda para pagar suas obrigações - a inflação é um mecanismo concentrador de renda, de tal sorte que os mais pobres seriam necessariamente os mais afetados. E o último atrelado a um significativo aumento da carga tributária, o que parece improvável, pois hoje o Brasil já paga muito mais impostos do que a média de países emergentes, a população rejeita aumentos adicionais de carga tributária e a atividade já se mostra excessivamente fraca para tolerar mais impostos. Ademais, há estudos hoje indicando uma posição à direita da Curva de Lafer - em bom português, dado nosso elevado nível de tributação, aumentos adicionais de impostos poderiam, inclusive, reduzir a arrecadação, por conta do impacto mais do que proporcional na atividade econômica.
Precisamos de uma revolução fiscal no Brasil. Caso contrário, o orçamento público entra em colapso, o que acabará, cedo ou tarde, com os avanços sociais dos últimos 20 anos.
A PEC 241 é o primeiro passo material para isso. Ela não propõe cortes, nem sequer congelamento nos gastos sociais. A proposta é cristalina: limitar o crescimento da despesa primária do governo central pela inflação do ano anterior. Associar isso a corte de gastos com saúde e educação é simplesmente falso e intelectualmente desonesto. Aliás, sobre esses dois especificamente, eles podem aumentar em ritmo superior à inflação; basta que outras despesas cresçam menos. Assim, aquilo que é essencial passa a ocupar maior fatia do Orçamento.
A proposta de teto aos gastos públicos não resolve por inteiro o problema fiscal brasileiro, mas certamente é um passo importante. Ela também não é uma invenção brasileira. Ao contrário, apoia-se em experiência internacional muito bem sucedida. Os países que a adotaram, como Austrália e Peru, por exemplo, transformaram um ciclo vicioso em virtuoso: os investidores voltaram a ter confiança na trajetória da dívida, a inflação caiu, as taxas de juros diminuíram, os investimentos subiram e o crescimento foi retomado, com evolução do emprego e da renda da população.
Os tempos são mesmo diferentes agora. A população deve pressionar o Congresso pela medida, não vê-lo passivamente. Manifeste seu apoio à PEC 241. A agenda agora é outra.
*Felipe Miranda é sócio e estrategista-chefe da Empiricus Research. É economista pela FEA-USP e mestre em Finanças na FGV-SP, onde também foi professor. Na Empiricus, Felipe escreve os relatórios Palavra do Estrategista e Carteira Empiricus, além da newsletter diária Daily PRO.
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