sexta-feira, 28 de agosto de 2015

"O CHEFE" IVO PATARRA capítulo 6

Os 403 dias que marcaram o escândalo do mensalão Nas décadas de 60 e 70 do século 20, não foram poucos os brasileiros a desafiar os “donos” do poder e a combater por liberdade e democracia. Muitos tombaram, mas a luta não foi em vão. O Brasil se transformou num país livre e democrático, como demonstraram os serviços prestados pela imprensa na apuração do escândalo do mensalão. No iní- cio do século 21, a luta das forças progressistas é por justiça social e distribuição de renda. E essa luta passa prioritariamente pelo combate à corrupção. A construção de uma sociedade sem tantas desigualdades pressupõe uma imprensa atuante, sempre pronta a denunciar o clientelismo, o fisiologismo e o chamado toma-lá-dá-cá. E a não tolerar a impunidade dos poderosos. Jornalistas têm a missão de apontar a falta de transparência nas ações do poder constituído, a fim de garantir a boa aplicação do dinheiro público. Jornalistas denunciam desvios e demais expedientes lesivos aos direitos e aos legítimos interesses do povo. Se os homens públicos tiverem responsabilidade e espírito público, honestidade e seriedade, teremos as ferramentas necessárias para assegurar investimentos em projetos sérios, eficientes e de alcance social. Somente dessa forma o Brasil será um país desenvolvido e uma grande nação. O escândalo do mensalão confirma, uma vez mais, que a imprensa livre, pluralista e vigilante é imprescindível à democracia a ao Estado de Direito. Nada melhor para a sociedade do que jornalistas determinados, incapazes de se curvar a pressões econômicas, chantagens políticas ou ao benefício das sempre generosas verbas publicitárias, em troca da omissão e do silêncio sobre o jogo sujo dos “donos” do poder. Nesta cronologia dos 403 dias do escândalo do mensalão, muitos profissionais de imprensa aparecem citados nominalmente. São repórteres que não se intimidaram, não abaixaram a cabeça aos governantes da vez, e assim contribuíram de forma decisiva para desvendar os fatos e elucidar detalhes do maior esquema de corrupção governamental de que se tem notícia no Brasil, em todos os tempos. Dia n°1 14/maio/2005 A revista Veja chega às bancas de jornal. Traz a reportagem “O homemchave do PTB”. Transcreve trechos de uma fita de 114 minutos de duração, filmada e gravada por dois homens. O interlocutor deles, Maurício Marinho, chefe do Departamento de Contratação e Administração de Materiais da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telé- grafos), não sabe que uma câmera oculta registra todas as suas palavras. O repórter de Veja, Policarpo Júnior, descreve a cena em que Marinho pega de um suposto empresário a propina – um maço de R$ 3.000 – e, sem conferi-lo, coloca-o no bolso esquerdo do paletó. É uma “aula de corrupção”, afirma o repórter, que em outro trecho se 48 refere aos “políticos desonestos que querem cargos apenas para fazer negócios escusos - cobrar comissões, beneficiar amigos, embolsar propinas, fazer caixa 2, enriquecer ilicitamente. Quem tem intimidade com o poder de Brasília sabe que esses casos não são a exce- ção – e em alguns bolsões de corrupção são até mesmo a regra”. O flagrante vai para o noticiário dos telejornais. As imagens chocam. Mostram Maurício Marinho, inspirado, que desanda a conversar. Ele conta detalhes dos bastidores políticos do governo do presidente Lula. O funcionário acha que está trocando ideias com dois empresá- rios interessados em vender equipamentos de informática aos Correios. Vai logo dizendo: é preciso fazer “um acerto” para se tornar fornecedor dos Correios. De várias formas, explica: - Dólares, euros, tem esquema de entrega em hotéis. Se for em reais, tem gente que faz ordem de pagamento, abre conta. Maurício Marinho tranquiliza os interlocutores. O esquema é seguro: - A gente procura agora ter muito cuidado com telefone, falar o mínimo possível. E mais o seguinte: - Uns têm escritório, a gente vai direto no escritório. Para evitar conversa, para evitar problema. Os números: “os acertos” variam de 3% a 10% do total. Depende do negócio. E podem ser feitos no final do dia, ali mesmo, nos Correios: - Vamos conversar mais ou menos às 18, depois das 18, que acabou o expediente e o pessoal vai embora. Fica só a secretária, depois vai embora também e acabou. Agora, a política: o funcionário da estatal federal explica estar ali em defesa dos interesses do PTB. O partido, da base aliada do governo Lula, tem o deputado Roberto Jefferson (RJ) como presidente. Trechos da gravação: - Nós somos três e trabalhamos fechado. Os três são designados pelo PTB, pelo Roberto Jefferson. - É uma composição com o governo. Nomeamos o diretor, um assessor e um departamento-chave. Eu sou o departamento-chave. Tudo que nós fechamos o partido fica sabendo. - O novo diretor é da nossa agremiação. Quem vai cobrir a Diretoria de Tecnologia é o Fernando Bezerra, líder do PTB no Senado, com o apoio do Roberto Jefferson. Agora, sobre o deputado Roberto Jefferson: - Ele me dá cobertura, fala comigo, não manda recado. - Eu não faço nada sem consultar. Tem vez que ele vem do Rio de Janeiro só para acertar um negócio. Ele é doidão. Na fita, Marinho revela que os achaques do PTB também ocorrem em outras empresas públicas. Cita Petrobras, Eletronorte e Infraero, todas estatais administradas pelo Governo Federal. Mas os negócios vão além, é garantido: - Nós temos outras 18 empresas de porte nacional. É sábado, mas a gravidade da denúncia publicada por Veja faz Lula convocar os ministros das Comunicações, Eunício Oliveira (PMDB-CE), da Casa Civil, José Dirceu (PT-SP), 49 e da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Na mesma noite, o ministro das Comunicações, a quem os Correios estão subordinados, divulga nota oficial: afasta Maurício Marinho e o superior hierárquico dele, Antonio Osório Batista, diretor de Administração. Antonio Osório Batista é um ex-deputado do PTB da Bahia, integrante da direção executiva do PTB. Fora nomeado por indicação de Roberto Jefferson. Reação do presidente nacional do PT, José Genoino (SP): - Essas coisas só não acontecem com o PT. 2 15/5/2005 Telefones não param de tocar em Brasília. Auxiliares do presidente Lula, nervosos, conversam com líderes da base aliada. De outro lado, o PTB cobra apoio a Roberto Jefferson. Quer solidariedade do governo. A mesma que recebeu o ministro José Dirceu, em fevereiro de 2004. Na época, uma outra fita de vídeo captou imagens e a conversa do assessor e braço direito de José Dirceu, Waldomiro Diniz. Ele pedia propina a “Carlinhos Cachoeira”, um empresário do jogo. Em troca, oferecia facilidades em negócios com o Governo do Rio de Janeiro. Detalhe: Roberto Jefferson já recebera um aval de Lula em 2004. Ocorreu num encontro, em outubro, para tratar de uma denúncia grave. Nas eleições daquele ano, o PT teria comprado, por R$ 10 milhões, o apoio eleitoral do PTB. Frase atribuída a Lula na ocasião: - Você atravessou o oceano sozinho. Eu te daria um cheque em branco e dormiria tranquilo. Atravessou o oceano sozinho? Tradução: não abriu a boca. Ou, no linguajar político da época: matou no peito, não envolveu mais ninguém. 3 16/5/2005 O ministro José Dirceu concede entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Afirma: o governo Lula “não rouba, não deixa roubar e combate a corrupção”. Rebate insinuações de fisiologismo: - A indicação de pessoas de outros partidos não é prática fisiológica. Dirceu se manifesta contra uma CPI para investigar corrupção nos Correios: - O governo já tomou todas as providências que deveria tomar. Na mesma linha, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), trata de minar a criação da CPI. Para ele, o teor da fita com as cenas e as declarações de Maurício Marinho é “uma história mal contada, uma coisa esquisita, até ridícula”. 4 17/5/2005 Lula defende o deputado Roberto Jefferson em almoço com líderes da base aliada no Palácio do Planalto. Diz ser contra a CPI: - Precisamos ter solidariedade com os parceiros, não se pode condenar ninguém por antecipação. E insiste, para que todos ouçam, ao chamar para perto de si o líder do PTB na Câmara, deputado José Múcio (PE): 50 - Zé Múcio, diga ao Roberto Jefferson que sou solidário com ele. Parceria é parceria. Tem de ter solidariedade. O Roberto Jefferson é inocente até prova em contrário. Quem tiver culpa no cartório que pague. Essa é a hora em que o Roberto Jefferson vai saber quem é amigo dele e quem não é. Em discurso de 41 minutos no plenário da Câmara dos Deputados, Roberto Jefferson nega o esquema de corrupção nos Correios e diz que o PTB é tão ético quanto o PT. E ele, Jefferson, tão ético quanto o presidente do PT, José Genoino. Refuta a acusação de que o PTB é fisiológico, mas lista os cargos ocupados pelo partido no governo Lula: - Temos a presidência do Instituto de Resseguros do Brasil, a vice-presidência da Caixa Econômica Federal, uma diretoria da BR Distribuidora, da Embratur, da Eletronorte e da Eletronuclear, além das Delegacias de Trabalho do Rio e de São Paulo. Para Roberto Jefferson, os R$ 3.000 recebidos por Maurício Marinho não eram propina, mas pagamento de uma consultoria. - Ele não vendia nem comprava nada. Ele estava sendo contratado como consultor. Sobre seu relacionamento com o funcionário, diz: - Estive com ele três ou quatro vezes. Ele esteve uma vez no meu aniversário. Outra vez, no aeroporto. Esteve uma vez na liderança do partido. Mas nunca integrou nossos quadros e nunca recebeu delegação para pedir recursos a qualquer pessoa. Agora, o relacionamento de Jefferson com o PT, por Jefferson: - Houve uma conversa entre mim e o Genoino. Iríamos apoiar o PT em alguns Estados, e o PT, que segundo os jornais possuía um caixa de mais de R$ 120 milhões, iria transferir recursos para o PTB. Isso acabou não se concretizando. Genoino não pôde, disse que não dava para sustentar as suas campanhas, quanto mais as minhas. Não foi algo que ferisse a moral, a ética ou a boa relação republicana entre partidos. Em seguida, fazendo um gesto teatral: - Vou descer da tribuna e assinar o pedido de CPI. Nada temo. O PTB não se preocupa com investigação. Comentário do líder do governo Lula na Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP): - Jefferson se saiu bem. Nem os opositores mais duros do governo questionam a ética do deputado. Nos bastidores, porém, governo e aliados buscam evitar a abertura da CPI. O líder do PL na Câmara, deputado Sandro Mabel (GO), telefona para os colegas e apela para que não endossem as investigações. O líder do PT, deputado Paulo Rocha (PA), faz a mesma coisa. Diz Paulo Rocha: - A CPI é um instrumento de disputa política que a oposição usa contra o governo. 5 18/5/2005 Em café da manhã com líderes partidários, Lula manifesta-se mais uma vez contra a CPI. Manda um recado, ao elogiar o ministro da Justiça, que também é o chefe da Polícia Federal: 51 - Todos sabem que o Márcio Thomaz Bastos tem credibilidade para apurar o caso dos Correios. Na saída do mesmo encontro, o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), um aliado do governo, desqualifica a CPI. Nas palavras dele: - Todo mundo sabe como começa uma CPI, mas não sabe como termina. Além do mais, quem tem o poder de oratória do Roberto Jefferson sabe colocar bem as palavras. Ele provou que não tem nada para que possa ser condenado. O apelo do presidente e os esforços da tropa de choque do governo não impedem a decisão dos parlamentares, contrária a deixar as investigações só nas mãos da Polícia Federal. A oposição protocola requerimento com o pedido de abertura de CPI. O documento recebe as assinaturas de 230 deputados e de 46 senadores, dos quais 101 deputados e 10 senadores aliados do Planalto. Novos trechos da fita em que Maurício Marinho revelou a corrupção nos Correios são publicados nos jornais. Na gravação, o funcionário envolveu a Novadata, do empresário Mauro Dutra, o “Maurinho”, amigo de Lula. Ele já atuara como arrecadador de dinheiro para campanhas do PT. A empresa, especializada em informática, fornecia computadores ao Governo Federal. Maurício Marinho referiu-se a uma operação favorecendo a Novadata em licitação. O diálogo começa com o interlocutor que gravava a conversa: - E a Novadata acertou daí direto com a diretoria... - Foi direto com a diretoria. - Ou foi com você? - Não, foi eu, o diretor e o Godoy. Mas como teve um negócio, era um negócio grande, o Godoy saiu... Veio até de São Paulo... Maurício Marinho mencionou o diretor Antonio Osório Batista e um assessor dele, Fernando Godoy, também afastado devido ao escândalo. O diálogo prosseguiu com uma pergunta sobre a contratação da Novadata. Como se sabe, Marinho não tinha conhecimento de que estava sendo gravado: - Acertaram com o Osório direto então? - Não, o Osório não acerta. É comigo ou com o Godoy. O jornal Folha de S.Paulo denuncia os negócios da Novadata com o governo Lula. Renderam R$ 273,5 milhões em menos de dois anos e meio. Só com a Caixa Econômica Federal, vendas de R$ 95 milhões. Foram fechados três novos contratos com os Correios, por R$ 15,3 milhões. No quarto acerto com a Novadata, os Correios fizeram um aditivo e acrescentaram R$ 5,5 milhões a um contrato de R$ 98 milhões. A denúncia assume contorno ainda maior: Lula passou o réveillon de 2001 na mansão de Mauro Dutra em Búzios (RJ), uma das praias mais badaladas do Brasil. Maurinho pôs avião à disposição de Lula. Em outro trecho da gravação com a câmera escondida, Maurício Marinho trata das rela- ções da Novadata com os Correios: 52 - Olha, no fornecimento de material, o mais forte é ele. Aqui no Correio, é. Computador, esses negócios, é a Novadata. Pelo menos nos últimos dois anos eles têm vencido quase todas aqui dentro. Ainda Maurício Marinho, sobre uma licitação de “se não me engano R$ 60 milhões, coisa assim”. “Eles”, no caso, é a Novadata: - Mas como eles perceberam que só estavam eles e eles achavam que podiam ganhar mais, falaram “olha, nós não vamos partir para abrir o processo, você dá como ‘deserta’ e marca uma outra abertura”. “Deserta”, no linguajar dos certames públicos, é a licitação para a qual não se apresentam concorrentes. Tem de ser refeita. Diz Maurício Marinho: - O preço inicial do computador que nós tínhamos colocado em R$ 3.700 na licitação, eles pediram para aumentar... Sabe para quanto foi a licitação, um item, eram quatro itens? Foi R$ 6.000. Olha que absurdo... No discurso da véspera na Câmara dos Deputados, Roberto Jefferson chegou a denunciar um certo comandante Molina, que o teria procurado duas semanas antes da divulga- ção da fita, em nome do senador Ney Suassuna (PMDB-PB). Molina teria tentado vender a gravação clandestina, a mesma cujo teor fora publicado por Veja. Roberto Jefferson diz que recusou o negócio. Mas não o denunciou. O PMDB, por sua vez, negou qualquer envolvimento com a corrupção nos Correios. Pressionava o governo. Não queria problemas. Ameaçou Lula com CPI para investigar o caso Waldomiro Diniz. O comandante Molina foi inocentado. Para entender: dentro do loteamento promovido pelo governo Lula, o PTB ficou com uma diretoria dos Correios, o PT com duas e o PMDB com três, incluindo a Financeira. E isso sem falar na indicação do próprio presidente dos Correios, o ex-deputado João Henrique de Almeida, também uma nomeação da cota do PMDB. Aqui, cabe uma explicação: ao lotear estatais entre vários partidos, a administração Lula optou por trabalhar com as “porteiras abertas”, o que tornou a gestão das empresas mais complexa. Se tivesse sido adotado o modelo de “porteiras fechadas”, ou seja, se cada estatal fosse entregue em sua totalidade para a administração de um só partido da base aliada, este seria o responsável direto pelo que acontecesse, para o bem ou para o mal. É por isso que desvendar os meandros do escândalo do mensalão se tornou tarefa complicada. Os acertos e as interações envolviam várias forças políticas e interesses diversos, que precisavam ser sempre contemplados, casando diferentes setores da administração, uns se sobrepondo a outros. Mas voltemos ao ex-deputado João Henrique Almeida, o presidente dos Correios. Rapidamente, ele anuncia a suspensão de uma licitação suspeita. Não era para menos. Os detalhes de bastidores foram descritos na gravação clandestina com Maurício Marinho. O negó- cio de R$ 61 milhões pretendia viabilizar a aquisição de medicamentos para funcionários dos Correios. João Henrique Almeida também toma outra providência: impede o acesso de jornalistas à documentação sobre o processo de compra de remédios. 53 Na gravação, Maurício Marinho cita o diretor de Recursos Humanos dos Correios, Robinson Koury Viana da Silva, suplente do senador Ney Suassuna. Portanto, outro indicado do PMDB. O relato é rico, traz detalhes de uma parte da negociata tramada com o suplente de senador. Vale a pena: - Todos os projetos dele, nós que fazemos o projeto básico. Mesmo no RH. O pessoal dele não tem muito trâmite no negócio, a gente monta, passa pra ele, aí ele chama o departamento e diz: “Eu quero isso”. Mas ninguém sabe que é nós que estamos fazendo. Então o nosso negócio é assim. Tem uma licitação que vai ser... São 60 milhões em beneficiamento de saúde. (...) Fizemos tudo aqui. A decisão dele não conseguia desenrolar, desenrolar, um ano sentado em cima. Fechamos o projeto. Apareceram umas quatro empresas, deputado “a”, senador “b”, um rolo danado. “Meu amigo, o negócio é seu. Você quer que a gente trabalhe com quem?” Ele falou: “Infelizmente vou defender as quatro, porque as quatro virão através dos caciques e eu não posso fechar porta para ninguém”. “Tudo bem, então vou colocar o preço com as quatro suas, entendeu, mando a carta, com toda a planilhinha, daquelas quatro”. Fechei todo o processo, eram no mínimo três, tinha quatro, entendeu? (...) O processo está pronto. Tá pronto! Fechado, redondo. Ele adotou o recurso, o recurso é dele, da área dele, dos recursos humanos, do RH. Tá? Aí mandaram o processo de volta. O que nós fizemos chegou pra nós. Aí nós adotamos os nossos documentos, assinamos e pedimos autorização. O presidente, é acima de 650 mil, autorizou a abertura. Tá no comitê de análise. Saiu do comitê de análise, está sendo publicado. Dentro de poucos dias vocês vão ver aí na internet, tá lá, Diário Oficial. Agora, é um negócio grande. O que é que ele fez? Aí o acerto que a gente faz. Nesse tipo de negócio, ele que vai fechar, tem participação. Só que uma parte da participação vai vir pra nós. Entendeu? O negócio é dele, é capitaneado (inaudível o trecho da gravação)... Ele que levantou a bola, nós fizemos viabilizar o negócio dele. Só isso. Mas nós temos uma participação. Dessa participação dele, a gente passa para o nosso partido. Entendeu? Que é ele que me sustenta, segura a gente aqui. 8 21/5/2005 A revista Veja traz nova denúncia. Com o título “Mesada de R$ 400 mil para o PTB”, a acusação de que Lídio Duarte, o presidente do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), uma estatal federal, vinha sendo pressionado a entregar R$ 400 mil por mês ao PTB. Um corretor de seguros, Henrique Brandão, agia em nome do deputado Roberto Jefferson e exigia a quantia do presidente do IRB. A reportagem relata que Lídio Duarte ficou em dúvida, não sabia ao certo se Henrique Brandão falava mesmo em nome do PTB. A saída foi procurar Roberto Jefferson. A revista Veja documenta: “Na conversa, Jefferson não deixou dúvidas: disse que era amigo de Henrique Brandão havia mais de 30 anos, repetiu que as despesas do partido eram altas e que precisava da colaboração financeira dos dirigentes indicados para seus cargos pelo PTB. Em outras palavras: quem tinha cargo tinha que roubar.” Eis a íntegra da transcrição da declaração de Lídio Duarte a Veja: 54 “A história é a seguinte: dizem que o partido tem despesas com o diretório, com as festas, com os jantares, com não sei o quê. Cada indicado tem de botar lá R$ 400 mil por mês, entendeu?” Lídio Duarte pede demissão. Em seu lugar assume Luiz Appolônio Neto, sobrinho do deputado Delfim Netto (PP-SP), outro apadrinhado de Roberto Jefferson e tido também como ligado ao então deputado Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP), um ex-governador de São Paulo. O IRB tem monopólio do mercado nacional de resseguros internacionais. Movimenta cerca de US$ 450 milhões por ano. Faz operações com 23 corretoras credenciadas, como a de Henrique Brandão. Escreve Veja: “Apenas no primeiro ano, a corretora de Brandão abocanhou 10% de todos os seguros de embarcações e 20% dos de empresas aéreas. Desde 2003, nesse ambiente esplendorosamente favorável, os negócios de Brandão, o amigo de três décadas de Roberto Jefferson e empregador de seu genro, crescem a um ritmo de 25% ao ano.” Em declarações ao jornal O Estado de S. Paulo, Lídio Duarte afirma ter se recusado a fazer contratações de apaniguados políticos. A pedido de Jefferson, recebeu deputados do PTB como Nelson Marquezelli (SP) e Elaine Costa (RJ), que solicitaram nomeações para pessoas do seu círculo de influência: - Expliquei que isso não era possível, porque no IRB todos os funcionários são de carreira, todos concursados. A regra do concurso público não vale, como se verá, para os cargos de alta direção no IRB. Em outra reportagem, o Estadão informa que os principais postos da estatal estão loteados entre PTB, PT, PMDB e PP. O jornal destaca o papel exercido por Luiz Eduardo Lucena, indicação do PP, na Diretoria Comercial do IRB: “Com tanta autonomia, o apadrinhado do PP chegou a manipular, em média, R$ 300 milhões em contratos, que geraram R$ 21 milhões de comissões de corretagem.” 9 22/5/2005 O ministro Márcio Thomaz Bastos anuncia a abertura de inquérito na Polícia Federal para investigar denúncias de corrupção no IRB. O governo Lula quer convencer parlamentares e a opinião pública de que já toma as providências necessárias. Não quer apurações políticas em âmbito do Congresso. Do líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP): - O governo está investigando, orientando e estimulando a investigação pela Polícia Federal, Controladoria-Geral da União etc. Evidente que nessas circunstâncias uma CPI não é necessária. Cabe aos líderes da base continuar a discutir com suas bancadas. Lula segue em viagem de uma semana para a Coreia do Sul e o Japão. Durante o voo, o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), vice-líder do governo, traduz o sentimento do presidente aos jornalistas que estão a bordo: - Esta lista de assinaturas da CPI é muito clara. Vai acabar o pão-de-ló e o cafuné para quem quiser jogar contra o governo. Tem de acabar essa conversa de verba, de obra. Essa conversa não vamos mais ter com quem não for do governo, no ônus e no bônus. 55 11 24/5/2005 O deputado Roberto Jefferson reage a declarações do presidente do PT, José Genoino, segundo as quais o governo precisava “requalificar” a base de apoio no Congresso Nacional: - Genoino disse que o PT não empurra lixo para debaixo do tapete. Todos sabem que empurra. Roberto Jefferson diz que o partido de Lula é traiçoeiro. Compara-o à fábula do escorpião que pede ao sapo para atravessar o rio em suas costas. Promete não picá-lo, mas trai. Não consegue contrariar a própria natureza. Os dois morrem afogados. - O PTB é o sapo. O presidente do PTB confidencia que os ministros José Dirceu e Aldo Rebelo (PC do BSP), das Relações Institucionais, estiveram em sua própria casa no dia anterior. - Eles só faltaram se ajoelhar para pedir a retirada das assinaturas. No caso, a retirada das assinaturas que endossavam a criação da CPI dos Correios. E, com ironia: - Mas a CPI que pega o governo, com 18 estatais, com tentáculos enormes, vamos trazer aqui o tesoureiro do PT, o segundo tesoureiro, o “Silvinho”, vamos trazer o Dirceu. Ah!, essa é importante... Mas Roberto Jefferson acabará retirando a sua assinatura do pedido de criação da CPI dos Correios. Vai se arrepender amargamente, como se verá. 12 25/5/2005 Em sessão tumultuada, o Congresso cria a CPI dos Correios. 236 deputados e 52 senadores assinam o requerimento que autoriza a investigação, bem mais do que o número mínimo necessário, de 171 deputados e 27 senadores. A derrota do governo é expressiva porque 14 deputados e um senador do PT votam pela instalação da comissão. 13 26/5/2005 Outra empresa na área de influência do PTB vai parar nos jornais. A Folha de S.Paulo publica que a Eletronuclear, uma subsidiária da Eletrobrás, recomendou a contratação da corretora Assurê Corretagem de Seguros. É a empresa de Henrique Brandão, o amigo de Roberto Jefferson, escolhida para intermediar um seguro de US$ 3,6 milhões das Usinas Angra 1 e 2, em 2004. O negócio teria rendido US$ 360 mil a Brandão. A recomendação foi feita pela Eletronuclear, por meio de carta à Bradesco Auto-Re, do grupo Bradesco, que vencera uma licitação. Carlos Padilha, diretor de Administração e Finanças da Eletronuclear, assinou a carta recomendando a Assurê. Filiado ao PT, Carlos Padilha é ex-prefeito de Angra dos Reis (RJ). Já o diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletronuclear, Luiz Rondon Teixeira Magalhães Filho, foi nomeado pelo PTB. O principal assessor dele, Marcos Vinícius Vasconcelos Ferreira, é genro de Roberto Jefferson e mantém relações com Henrique Brandão. A Assurê contribuiu para a campanha da vereadora Cristiane Brasil Francisco, filha de 56 Jefferson, à Câmara Municipal do Rio. Deu R$ 70 mil em dinheiro. O próprio Brandão, em pessoa, apareceu na relação de doadores, com R$ 10 mil. 15 28/5/2005 A revista Veja traz depoimento do líder do governo Lula no Congresso, senador Fernando Bezerra (PTB-RN). A história é reveladora. O senador queria emplacar um afilhado político, Ezequiel Ferreira de Souza, no cargo de diretor de Tecnologia dos Correios. Mas de nada valeram os compromissos e as promessas, ou o esforço de Fernando Bezerra. O caso envolveu um personagem importante da crise, o então secretário-geral do PT, Silvio Pereira, o “Silvinho”. Diz o senador: - No início do ano estive com o Silvio Pereira. Eu disse a ele que o governo tinha um compromisso comigo que não havia sido cumprido. Silvio respondeu que havia uma diretoria dele nos Correios, a de Tecnologia, e que poderia colocar o Ezequiel lá. Fernando Bezerra informa que o assunto ficou de ser encaminhado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Pouco tempo depois, o senador recebeu telefonema do ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG). A pedido dele, Fernando Bezerra apresentou o afilhado ao ministro das Comunicações, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Diz Fernando Bezerra: - Fiquei surpreso quando a conversa começou. Eunício disse que não poderia nomeá-lo naquele momento e que precisaria de uma semana ou uma semana e meia. A justificativa de Eunício é que não ficava bem para ele nomear o Ezequiel sem resolver as questões de nomeação nos Correios do PMDB. Eu disse a ele que esse cargo, a Diretoria de Tecnologia, havia sido prometido ao Ezequiel por Lula, na frente do Roberto Jefferson e do Fleury. O cargo prometido ao Ezequiel era do PT. O PMDB não tinha nada a ver com isso. Saí de lá e liguei para o José Dirceu. Ele me disse que a nomeação era uma ordem do presidente e que ela iria sair. Não saiu. O que chegou ao senador, conforme a sua própria explicação, foi uma carta anônima: - A nota dizia que a nomeação não sairia porque havia uma licitação no valor de US$ 56 milhões. A carta dizia também que a licitação tinha um sobrepreço de 20%. Para a revista Veja, a nomeação “atrapalharia uma licitação fraudulenta dirigida por Eduardo Medeiros, diretor de Tecnologia dos Correios e homem ligado ao PT”. E mais: a fim de viabilizar a licitação para a compra de kits de informática destinados aos Correios, o diretor Eduardo Medeiros e um assessor dele, Edilberto Petry, “estavam definindo especificações dos equipamentos sob orientação da Novadata, empresa pertencente a Mauro Dutra, o amigo de Lula”. Após receber a carta anônima, o senador Bezerra encontrou o ministro das Comunica- ções num jantar em Brasília. Ouviu de Eunício Oliveira: - Procure ver as verdadeiras razões para o veto ao Ezequiel na Casa Civil. 57 17 30/5/2005 O Jornal Nacional, da TV Globo, divulga informações da CGU (ControladoriaGeral da União), que descobriu um contrato fraudulento de R$ 8 milhões para os Correios comprarem 1.500 cofres. Foi Maurício Marinho quem fez o “acerto”. Os cofres são menores do que os previstos no contrato. Em troca, teria havido um “desconto”. 22 4/6/2005 Mais um petardo contra o presidente do PTB. A revista Época estampa, na capa: “O laranja de Roberto Jefferson”. Documenta a história do dono de uma pequena sorveteria de beira de estrada, em Cabo Frio (RJ). Foi motorista, segurança e funcionário de gabinete de Jefferson. Ex-camelô, Durval da Silva Monteiro enfrenta problema para pagar a conta de luz da sorveteria. O pequeno estabelecimento tem 25 metros quadrados, mas o sorveteiro “ganhou” duas emissoras de rádio de Jefferson, suspeito de ser o verdadeiro dono dos negócios. Uma das emissoras, a Rádio Matozinho FM, de Três Rios (RJ), não rendeu um centavo a Durval em 20 anos. Sobre a outra, em Paraíba do Sul (RJ), o sorveteiro não tinha sequer informações. Não fazia nem ideia de que era um dos donos do negócio. Trecho da entrevista publicada em Época traz a reação do sorveteiro: - Rádio Clube Vale do Paraíba? Eu não sou sócio dela não. Isso aí é um troço novo para mim. Rádio Clube Vale do Paraíba... Vou lá buscar ela! Quero um pedaço dela já, já. Essa rádio eu até acho que era sócio dela também. 24 6/6/2005 Entrevista-bomba de Roberto Jefferson. O deputado denuncia para a Folha de S.Paulo a existência do mensalão. O Brasil não será mais o mesmo. “PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson”, é a manchete de primeira página. A entrevista, concedida à jornalista Renata Lo Prete, põe Brasília em polvorosa. O presidente do PTB cita o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, homem da cúpula petista e da confiança do presidente Lula. Acusa-o de dar dinheiro a representantes do PP e do PL, em troca de apoio ao governo no Congresso. Jefferson relata o diálogo que manteve com o ex-presidente do PTB, José Carlos Martinez, morto em acidente aéreo, em outubro de 2003: - Um pouco antes de o Martinez morrer, ele me procurou e disse: “Roberto, o Delúbio está fazendo um esquema de mesada, um mensalão, para os parlamentares da base. O PP, o PL, e quer que o PTB também receba. R$ 30 mil para cada deputado. O que você me diz disso?” Eu digo: “Sou contra. Isso é coisa de Câmara de Vereadores de quinta categoria. Vai nos escravizar e vai nos desmoralizar”. Em outro trecho, Roberto Jefferson conta que Delúbio Soares manteve contato com o líder do PTB na Câmara dos Deputados, José Múcio (PE): - Final de dezembro, início de janeiro, o doutor Delúbio o procura: “O Roberto é um homem difícil. Eu quero falar com você. O PP e o PL têm uma participação, uma mesada, eu queria ver se vocês aceitam isso”. O Múcio respondeu que não poderia tomar atitude sem falar com o presidente do partido. 58 Em seguida, Roberto Jefferson menciona uma reunião entre os deputados Valdemar Costa Neto (PL-SP), Carlos Rodrigues (PL-RJ) e Pedro Henry (PP-MT), para pressionar José Múcio: - “Que que é isso? Vocês não vão receber? Que conversa é essa? Vão dar uma de melhores que a gente?” Aí o Múcio voltou a mim. Eu respondi: “Isso desmoraliza. Tenho 22 anos de mandato e nunca vi isso acontecer no Congresso Nacional”. Roberto Jefferson diz à jornalista Renata Lo Prete ter procurado o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG): - No princípio de 2004, liguei para o ministro Walfrido e disse que precisava relatar algo grave. Conversamos num voo para Belo Horizonte. “Walfrido, está havendo essa história de mensalão”. Contei desde o Martinez até as últimas conversas. “Em hipótese alguma. Eu não terei coragem de olhar nos olhos do presidente Lula. Nós não vamos aceitar”. O deputado diz que passou por “brutal pressão”, pois os parlamentares do PTB sabiam que os colegas do PL e do PP recebiam o mensalão. - Fui ao ministro Zé Dirceu, ainda no início de 2004, e contei: “Está havendo essa histó- ria de mensalão. Alguns deputados do PTB estão me cobrando. E eu não vou pegar. Não tem jeito”. O Zé deu um soco na mesa: “O Delúbio está errado. Isso não pode acontecer. Eu falei para não fazer”. Eu pensei: vai acabar. Mas continuou. Agora, o diálogo de Roberto Jefferson com o ministro Ciro Gomes (PSB-CE), da Integração Nacional: - Lá para junho eu fui ao Ciro Gomes. Falei: “Ciro, vai dar uma zebra neste governo. Tem um mensalão. Hoje eu sei que são R$ 3 milhões, R$ 1,5 milhão mensal para o PL e para o PP. Isso vai explodir”. O Ciro falou: “Roberto, é muito dinheiro, eu não acredito nisso”. - Aí fui ao ministro Miro Teixeira, das Comunicações. Levei comigo os deputados João Lyra e José Múcio. Falei: “Conte ao presidente Lula que está havendo o mensalão”. Nessa época o presidente não nos recebia. Falei isso ao Aldo Rebelo, que então era líder do governo na Câmara. - A quem mais no governo o senhor denunciou a situação? - Disse ao ministro Palocci: “Tem isso e é uma bomba”. Fui informando a todos do governo a respeito do mensalão. Me recordo inclusive de que, quando o Miro Teixeira, depois de ser ministro, deixou a liderança do governo na Câmara, ele me chamou e falou: “Roberto, eu vou denunciar o mensalão. Você me dá estofo?” Eu falei: “Não posso fazer isso. Vamos abortar esse negócio sem jogar o governo no meio da rua. Vamos falar com o presidente Lula que está havendo isso”. Me recordo até que o Miro deu uma entrevista ao Jornal do Brasil denunciando o mensalão e depois voltou atrás. - No princípio deste ano, em duas conversas com o presidente Lula, na presença do ministro Walfrido, do líder Arlindo Chinaglia, do ministro Aldo Rebelo, do ministro José Dirceu, eu disse ao presidente: “Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando mensalão aos deputados”. “Que mensalão?”, perguntou o presidente. Aí eu expliquei ao presidente. - Qual foi a reação dele? 59 - O presidente Lula chorou. Falou: “Não é possível isso”. E chorou. Eu falei: “É possível sim, presidente”. Estava presente ainda o Gilberto Carvalho. - Toda a pressão que recebi neste governo, como presidente do PTB, por dinheiro, foi em função desse mensalão, que contaminou a base parlamentar. Tudo o que você está vendo aí nessa queda-de-braço é que o mensalão tem que passar para R$ 50 mil, R$ 60 mil. Essa paralisia resulta da maldição que é o mensalão. - Isso não existia também no governo passado? - Nunca aconteceu. Eu tenho 23 anos de mandato. Nunca antes ouvi dizer que houvesse repasse mensal para deputados federais por parte de membros do partido do governo. - O que, em sua opinião, levou a essa situação? - É mais barato pagar o exército mercenário do que dividir o poder. É mais fácil alugar um deputado do que discutir um projeto de governo. É por isso. Quem é pago não pensa. - O que fez o presidente Lula diante de seu relato? - Depois disso parou. Tenho certeza de que parou, por isso está essa insatisfação aí. Ele meteu o pé no breque. Eu vi ele muito indignado. Pressão, pressão, pressão, pressão. Dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro, todo mundo tem, todo mundo tem. Acho que foi o maior erro que o Delúbio cometeu. Para Jefferson, “o governo agiu para isolar o PTB”, para “circunscrever a desonra ao PTB”. Ele não perdoa o discurso em que José Genoino falou em “requalificar” a base de apoio ao governo: - O PTB é uma base desqualificada. Foi isso que afetou. Não segurou ninguém. Não são parceiros, não são solidários. Ele prossegue: - Eu sempre disse aos meus companheiros, e eles são testemunhas desde o início, o PT não tem coração, só tem cabeça. Ele nos usa como uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia. Nós somos para o PT gente de segunda, eu sempre me senti assim. A relação sempre foi a pior possível. E mais: - Você não pode confiar, o que está fechado não está fechado. Tudo o que é dito não é cumprido. Toda a palavra que é empenhada não é honrada. O PT esgarçou, esgarçou, esgarçou a minha autoridade como presidente do PTB, porque prometeu e não cumpriu. O pior foi na eleição, o que o Genoino fez comigo. Ele e o ‘seu’ Delúbio. Em outra parte da entrevista à Folha, o presidente do PTB responde a denúncias sobre o IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). Relata encontro com o presidente da estatal, Lídio Duarte: - Por volta de agosto de 2004, eu o chamei ao meu escritório no Rio e disse: “Quero que você me ajude, procurando essas pessoas que trabalham com o IRB, para fazerem doações ao partido nesta eleição, porque estamos em situação muito difícil”. Ele ficou de tentar. Em setembro, ele voltou a mim e disse: “Deputado, não consegui que as doações sejam por dentro, com recibo. Querem dar por fora, e isso eu não quero fazer”. Eu falei: “Então não faça”. 60 Jefferson conta que Lídio Duarte aproximou-se de Luiz Eduardo de Lucena, diretor Comercial do IRB, indicado para o cargo pelo líder do PP na Câmara, deputado José Janene (PR). Instala-se uma queda-de-braço entre PTB e PP: - O Palocci conversa comigo e diz o seguinte: “Roberto, vamos fazer uma saída por cima. Nós temos o diretor Administrativo, um homem de altíssimo gabarito, o Appolônio Neto, sobrinho do Delfim Netto, fez um dos melhores trabalhos de modernização do IRB. A gente passa o Appolônio como sendo do PTB, e ele sendo sobrinho do Delfim, que é do PP, e a gente resolve a situação”. Eu falei: “Não sou problema, está dada a solução”. O doutor Appolônio foi uma indicação salomônica do ministro Palocci. O presidente do PTB também reclama que o PT, com 20% da base, responde pela indica- ção de 80% dos cargos: - Mesmo o IRB: o PTB tem a presidência, mas todos os cargos são do PT. A Eletronorte: o presidente, doutor Roberto Salmeron, é um dos melhores quadros do PTB. Mas, de novo, toda estrutura abaixo é do PT. O diretor mais importante, o de Engenharia, é o irmão do ministro Palocci. O escândalo do mensalão explode em Brasília. O ministro das Relações Institucionais, escalado pelo Palácio do Planalto, comenta a entrevista de Roberto Jefferson. Admite que Lula fora informado por Jefferson do suposto pagamento de mesadas a deputados do PL e do PP, em 23 de março de 2005. Nervoso, Aldo Rebelo (PC do B-SP) afirma: - É bom deixar claro que não há nenhuma acusação que relacione o pagamento a parlamentares por parte do governo. A denúncia do deputado Roberto Jefferson refere-se ao hipotético pagamento de um partido a parlamentares de outros partidos. O governo não sofreu qualquer tipo de acusação. O ministro confirma a reunião em que Jefferson levou o assunto ao presidente da Repú- blica. Estavam presentes, entre outros, o ministro Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG), os deputados Arlindo Chinaglia (PT-SP), José Múcio (PTB-PE) e ele próprio, Aldo Rebelo. Diz Aldo: - De passagem, durante essa conversa, Jefferson fez referência ao pagamento a parlamentares na Câmara... Jefferson não fez referências nem a fatos nem a pessoas, fazendo apenas um comentário genérico. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), confirma que Lula foi avisado por Jefferson. E também menciona a reunião de 23 de março: - Nenhum dos presentes tratou aquilo como denúncia, nem discutiu o assunto na reunião. Depois, Lula chamou Aldo e Chinaglia e perguntou se havia comentários sobre isso na Câmara. Não houve denúncia, apenas o relato de boato. O deputado Miro Teixeira (RJ), que se desligara do PT e voltara ao PDT, confirma os relatos feitos por Jefferson e põe mais lenha na fogueira: - O relato do Roberto Jefferson foi mais amplo. Não posso relatar em detalhes, pois não tenho elementos de prova. Mas ele descreveu uma cena de corrupção em um ambiente ministerial, a que ele assistiu. 61 A “cena de corrupção”, como definiu Miro Teixeira, tinha, segundo Jefferson, um ministro, representantes de três partidos e um diretor de departamento. Ocorreu num ministério e, na ocasião, o integrante de um partido deu dinheiro a outro, de outra legenda. Quando ouviu o relato de Jefferson, Miro Teixeira era ministro das Comunicações de Lula. Reação de Miro Teixeira, segundo ele mesmo: - Vamos agora ao presidente da República. Miro Teixeira afirma que Jefferson se recusou e que, sem provas, teria sido irresponsável se encaminhasse a denúncia. O Jornal do Brasil publicou reportagem sobre o assunto em 24 de setembro de 2004. Mas Miro Teixeira, fonte da notícia, não deu sustentação posterior às informações. O caso não foi investigado pela Câmara dos Deputados. O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), também testemunha: aliados do governo Lula procuraram dois deputados federais goianos e ofereceram mesada para que trocassem de partido. - Foi um assédio. Era para trocar de partido, sair do PSDB e ir para a base do governo, por uma mesada de R$ 40 mil por mês e R$ 1 milhão por ano de bônus. O mais grave: o governador conta que relatou o caso ao presidente da República em 5 de maio de 2004, durante uma visita de Lula a Rio Verde (GO). Segundo Marconi Perillo, Lula reagiu como se não soubesse, disse que iria apurar e responsabilizou o governo passado, período no qual, conforme Lula, esse tipo de expediente teve início. O governador não aceitou: - Eu retruquei. Disse que estava falando do que estava acontecendo no governo atual, no governo dele. O ministro Ciro Gomes (PSB-CE) confirma a procedência das denúncias de Roberto Jefferson: - É fato que, há um ano, ele esteve na minha sala e, numa conversa, disse que havia um boato de que haveria essa prática de dinheiro para uma fração de parlamentares que, segundo mencionou, estavam no PL e no PP. Para Ciro Gomes, porém, não existiam provas do esquema: - Perguntei se ele tinha dados mais objetivos, que me obrigassem a tomar alguma atitude de levar adiante a informação. Ele não tinha. O ministro Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG) ouviu por duas vezes os “boatos de mesadas” feitos por Roberto Jefferson. Ele confirma que testemunhou a reunião de 23 de março, da qual Lula participou: - Ele falou no final da reunião, disse que tinha boatos sobre um mensalão, mas ficou nisso. Logo depois fomos embora. Aqui, claramente, o ministro do Turismo, importante aliado de Jefferson, posiciona-se de forma a minimizar a denúncia e a proteger Lula. E será recompensado no segundo mandato do presidente da República, no qual ocupará, durante um período, o cargo de ministro das Relações Institucionais. 62 O prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL), vem a público para dizer que somas em dinheiro eram distribuídas de forma aberta durante almoços mensais realizados em restaurantes de Brasília. Descreve que tomou conhecimento do esquema por intermédio de 15 parlamentares, com os quais conversou. - O dinheiro chegaria em uma mala, e os pacotes eram distribuídos. De forma reservada, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) avaliam que, em tese, Lula pode sofrer processo de impeachment, por crime de responsabilidade. O presidente da República teria prevaricado se ficar provado que, informado a respeito da existência do mensalão, não tomou providências para investigar as denúncias. Declaração do jurista Fábio Konder Comparato, presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia, um conceituado advogado: - A rigor, se ficar comprovado o ato de corrupção, há várias implicações penais. Configura, inclusive, o crime de responsabilidade por parte do presidente, o que o sujeita a impeachment. Fábio Konder Comparato acrescenta, a respeito de Lula: - Ele, de qualquer maneira, estava ciente e mandou prosseguir, ou ficou ciente e, como diz Jefferson, mandou frear a coisa, mas não tomou providências para apurar responsabilidades. O PPS (Partido Popular Socialista) inicia processo de coleta de assinaturas para criar a CPI do Mensalão. Em decorrência da crise, o apadrinhado de Roberto Jefferson na presidência da Eletrobrás, Roberto Salmeron, demite-se do cargo. Outra consequência do escândalo: o assessor dos Correios, Fernando Godoy, já afastado, é indiciado pela Polícia Federal. Enquanto isso, aparentemente alheio à gravidade dos fatos, o PT trata de emitir nota em que nega a existência do mensalão. E seu presidente, José Genoino, manifesta-se mais uma vez contrário à CPI dos Correios. A essa altura, a comissão já é fato consumado. O PT sabe disso e toma providências para blindar o tesoureiro Delúbio Soares. Proíbe-o de dar entrevistas e o isola na sede do partido, em São Paulo. O tesoureiro só sai de lá à noite, apressado. O carro dele é escoltado por duas motocicletas. Apreciador de charutos cubanos, Delúbio Soares usa carro blindado, tem intimidade com Lula e o comando do PT. Em 2004, contudo, foi denunciado por comprar propriedade rural em Goiás com dinheiro vivo. No mesmo ano pediu que o Banco do Brasil comprasse 70 ingressos por R$ 1.000 cada um, para um show musical. Detalhe: a arrecadação serviria para comprar uma nova sede para o PT. Denunciada, a operação foi desfeita. 25 7/6/2005 Acuado, Lula determina a demissão de diretores do IRB, dos Correios e solicita ao PT o afastamento do tesoureiro Delúbio Soares. Contrariado, José Genoino trata de defender o que chama de “patrimônio ético” do partido. E diz que o assunto mensalão jamais circulou na legenda: 63 - O que aconteceu com o Delúbio? Uma denúncia falsa e mentirosa. O secretário-geral do partido, Silvio Pereira, o “Silvinho”, descarta investigação sobre as atividades de Delúbio Soares: - Não há necessidade. Não há nada contra ele. No mesmo tom, Paulo Ferreira, secretário de Relações Internacionais do PT: - Delúbio é quadro de confiança e seu afastamento não está em pauta. O tesoureiro permanece recluso, protegido da imprensa. No final do dia, deixa a sede do PT apressado, mais uma vez. Agora, abaixado no banco de trás de um carro, com vidros escuros. Outro veículo, para despistar, deixara o local pouco antes, pretendendo confundir os jornalistas. Coisa de máfia. Declaração da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL). A ex-petista diz que o governo Lula entregou a máquina pública “para ser parasitada por delinquentes de luxo”: - Tenho absoluta convicção de que ninguém da cúpula palaciana do PT age isoladamente na montagem dos crimes contra a administração pública. Se Delúbio, Waldomiro e outros, entre aspas, quadros partidários agiam, é porque havia autorização e leniência do presidente Lula. Pelo que eu conheço do PT, não existe atuação individual. 26 8/6/2005 O tesoureiro Delúbio Soares, com um broche do PT no peito, concede entrevista. Fala a um batalhão de jornalistas. Não convence. Apesar de orientado por advogados e pela cúpula do PT, Delúbio está nervoso, usa frases de efeito, evasivas, e não responde a parte das perguntas. Diz Delúbio: - Nós não aceitamos chantagem. Não me prejulguem pela versão de uma chantagem porque o Brasil é maior do que essas acusações. Estou muito indignado. Estão tentando chantagear não só o PT, mas também o governo e também o Congresso. O PT não se rende e não se vende. Perguntado sobre suas idas ao Palácio do Planalto, sede do Governo Federal, apesar de não ter cargo público, o tesoureiro diz: - Lá estive várias vezes, para tratar dos assuntos de interesse do PT. É isso que aconteceu. A respeito da entrega de dinheiro a partidos da base aliada: - O PT participou, no ano passado, de campanha eleitoral. Os acordos eleitorais foram tratados entre os partidos. O PT e os partidos da base aliada fizeram acordos que foram traduzidos em apoio aos candidatos nos municípios. Isso foi feito em comum acordo entre os partidos. Delúbio Soares responde acerca da ligação com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto (SP), cujo partido foi citado por Roberto Jefferson como um dos beneficiários do mensalão: - Não tenho nenhuma restrição, o presidente do PL tem sido uma pessoa correta. Não tenho nenhum problema de encontrar o presidente do PL, seja na minha casa, seja no escritório do PT, seja na sede do PT ou em Mogi das Cruzes, onde fui visitá-lo, em apoio ao candidato do PL naquela cidade. 64 A Polícia Federal investiga denúncias de extorsão praticadas por Maurício Marinho nos Correios. Um dos dez empresários que prestaram depoimento, Haroldo Cláudio, dono de uma empresa de calçados, disse que recebeu proposta para pagar R$ 350 mil de propina. Se desse o dinheiro, ganharia licitações na estatal. Segundo o empresário, Maurício Marinho disse que os valores iriam para o PTB. 27 9/6/2005 O Congresso instala a CPI dos Correios. O deputado Sandro Mabel (PL-GO) nega ter proposto à deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) que deixasse a oposição e ingressasse na base aliada do governo, em troca de mesada de R$ 30 mil e bônus de R$ 1 milhão. Sandro Mabel admite ter conversado com Raquel Teixeira, mas nega que ofereceu dinheiro. E envolve o vice-presidente da República, José Alencar (PL-MG): - A deputada uma vez me procurou e disse: “Sandro, estou querendo ter mais espaço”. Até havia uma assessora dela. Eu falei: “Raquel, o PL está sempre de portas abertas”. José Alencar já tinha falado isso para ela. Estamos precisando de mulher. Agora, financeiro? Recusamos 15 parlamentares em um ano, vamos dar recursos financeiros para quê? Em primeiro lugar, não temos nem recursos. 28 10/6/2005 A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) divulga nota oficial para explicar que o recém-afastado presidente dos Correios, João Henrique Souza Almeida, integrante da cota do PMDB no governo Lula, vai ser intimado a depor e poderá responder a processo por prevaricação e improbidade administrativa. Motivo: antes do escândalo nos Correios vir a público, João Henrique Almeida recebeu prazo para afastar Maurício Marinho da estatal e relatar à Polícia Federal atividades supostamente ilícitas do funcionário. Não o fez. A Abin esclarece que havia infiltrado agentes entre empresários descontentes, porque recebeu informações sobre a ocorrência de fraudes em licitações nos Correios. 29 11/6/2005 Nova gravação clandestina com diálogos mantidos por Maurício Marinho chega à imprensa. Desta vez, é divulgada na Folha de S.Paulo. Investigações sugerem disputas comerciais como causa das escutas. As conversas revelam tentativas de extorquir empresá- rios que desejavam firmar contratos para fornecer bens e serviços aos Correios. A fita segue o mesmo padrão da anterior. Marinho recebeu em sua sala interlocutores supostamente ligados a empresários, interessados em negócios com os Correios. Sem saber que estava sendo gravado, uma vez mais mencionou seus contatos com o deputado Roberto Jefferson e com Marcus Vinícius Vasconcelos Ferreira, o genro de Jefferson e assessor da diretoria da Eletronuclear. Trecho do diálogo, que começa com o interlocutor: - Eles querem garantir a condição deles dentro dos Correios. É mais do que importante, é vital até, para essa empresa. E queriam saber daí de você, de mim, me disseram, “olha, Joel, vê se é ele mesmo a pessoa”. - Nós estamos conversando aqui. Eu vou sair daqui ainda hoje e vou direto para o diretor, tá? 65 - O que eu precisava saber de você... Mas isso bem exato e prático. Quais seriam os valores, incluindo a diretoria. Porque aí eu acerto com você as coisas, e você faz essa distribuição. - Normalmente é feito isso, todo negócio é acertado... Tem algo que sobe, né?, e um “x” que fica embaixo. Isso é acertado assim. - Sim, mas você me deixa numa condição meio tranquila, porque efetivamente você tem essa condição de negociação. - Tenho. O que for acertado... O que for fechado é o que sobe. Para ficar claro: o que “sobe” é a propina endereçada ao diretor dos Correios que autoriza o contrato. O que fica “embaixo” é a comissão para Maurício Marinho, por ter encaminhado o negócio. “O PT assombra o Planalto”, diz o título de reportagem de Veja. A revista afirma que o mensalão, no valor de R$ 30 mil, é pago “para um plantel estimado de uns 90 deputados, o que daria cerca de R$ 2,7 milhões mensais”. Informa ter conversado com três ministros, cinco deputados e um senador, e que “todos confirmaram, com a condição de não ter a identidade revelada, a existência do mensalão”. Afirma que os nove políticos pertencem ao PT, PMDB, PSB, PP e PFL. “Esses políticos contam que Delúbio desembarcava em Brasília com o dinheiro e se dirigia à residência dos líderes e presidentes de partidos para fazer a distribuição”. A revista Veja publica declaração de um deputado petista que pede para não ser identificado. Segundo ele, o PT despreza o Congresso: - O PT acredita que é um poder burguês. Por isso, acha que lá só tem corrupto e que o jeito mais fácil de controlá-lo é com dinheiro. O jornal O Estado de S. Paulo denuncia: Delúbio Soares, o tesoureiro do PT, é funcioná- rio fantasma. Professor de matemática da Secretaria de Educação de Goiás, recebe salário mas não vai trabalhar. Está licenciado, com remuneração mensal de R$ 1.242,56, para prestar serviços ao sindicato da categoria, em Goiânia. Mas há cinco anos Delúbio responde pelas finanças do PT e vive no eixo São Paulo-Brasília, bem distante de Goiás. Antes disso, foi secretário sindical do PT por cinco anos, e tampouco prestou serviços ao sindicato. Delúbio costuma se apresentar, falsamente, como professor aposentado. 30 12/6/2005 Nova entrevista do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) à repórter Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo. Traz denúncias contra o governo Lula, auxiliares do presidente, integrantes da base aliada no Congresso, representantes do PT. E introduz um novo personagem à opinião pública: o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Roberto Jefferson explica a origem do dinheiro do mensalão: - Vem de operações com empresas do governo e com empresas privadas. - Que operações? - Transferência de dinheiro à vista. Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, em 66 malas. Tem um grande operador que trabalha junto do Delúbio, chamado Marcos Valério, que é um publicitário de Belo Horizonte. É ele quem faz a distribuição de recursos. Sei que o deputado José Janene é um dos operadores. Ele vai na fonte, pega, vem, é tido como um dos operadores do mensalão. Inclusive eu já vi o ministro Zé Dirceu muito irritado com ele porque ele se apresentava como “operador do Zé Dirceu”. Ele também é um dos homens que constroem o caixa para repartição entre deputados do PP e do PL. - Qual era exatamente o papel de Marcos Valério? - Ele é operador do Delúbio, desde o início do governo. O Janene faz a mesma operação. É de conhecimento notório. - O senhor poderia citar nomes de deputados que recebiam essa remuneração mensal? - Isso eu vou deixar para a imprensa investigar. Mas eu sei que as direções do PP e do PL recebiam. Não é segredo. Eles insinuaram isso para o Zé Múcio, que não quis entrar. Outro trecho: - Se você perguntar: “Tem provas? Fotografou? Gravou?” Não. Mas era conversa cotidiana na Câmara a repartição de mesada entre os deputados da base aliada, em especial o PL e o PP. Nunca ouvi falar do PMDB, e tenho certeza de que os deputados e os senadores do PT jamais receberam isso. - O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, já anunciou a decisão de processá-lo. - É um direito dele. Na colocação que fiz, eu o atingi duramente. Ele tem o direito democrático de me processar. - Houve problema de dinheiro entre PT e partidos da base na campanha municipal? - Eu e o líder Zé Múcio acalmamos nossa base dizendo o seguinte: o PTB não vai ter mensalão, que desmoraliza e escraviza o deputado, e nas eleições a gente compõe com o PT uma troca de apoio e pede o financiamento para candidaturas que nós entendemos que devemos ganhar. Foi pedida ao PTB, pelo José Genoino, uma planilha por Estados de campanhas a prefeito que o PT financiaria para nós. Apresentamos uma planilha de R$ 20 milhões. Esse recurso foi aprovado pelos dois e pelo Marcelo Sereno. No princípio de julho de 2004, eu reuni o partido e comuniquei. O repasse do dinheiro se dará em cinco etapas. - O primeiro recurso chegou na primeira quinzena de julho: R$ 4 milhões, em dinheiro, em espécie. Em duas parcelas: uma de R$ 2,2 milhões e, três dias depois, uma de R$ 1,8 milhão. Quem trouxe o recurso à sede do PTB foi o Marcos Valério, em malas de viagem. Eu e o Emerson Palmieri dividimos esses recursos entre candidatos. E assumimos o compromisso, que era o do Genoino comigo, que outras parcelas viriam. Elas não vieram, e os candidatos do PTB que haviam assumido compromissos de campanha entraram em crise brutal. Essas coisas foram esticando a corda, tensionando a relação do PTB com o PT. - Que avaliação o senhor faz das reações dos membros do governo citados em sua entrevista anterior? - Os ministros foram covardes com o presidente. O Palocci sabia do mensalão porque eu falei para ele. O Walfrido errou por não ter dito ao presidente sobre o mensalão, porque eu falei com ele. O ministro Ciro sabia. O Zé Dirceu, conversei várias vezes com ele sobre o 67 mensalão. Deixaram o presidente completamente desinformado de algo que viciou a rela- ção do governo, e do comando do PT em especial, com a base aliada no Congresso. - Quando de minha conversa com o presidente este ano, lá no gabinete dele no Palá- cio do Planalto, estávamos eu e o ministro Walfrido, quando eu disse a ele do mensalão. Ele tomou um susto. Expliquei a ele no que consistia: um repasse de recursos do Delúbio para líderes e presidentes de partidos da base aliada dividirem um dinheiro por mês com representantes de suas bancadas, em especial o PP e o PL. O PTB fora convidado a participar e repelira. - Acho que os ministros traíram a confiança do presidente. Como pode ministros minimizarem, dizendo que não havia importância em minhas palavras, e ter essa explosão no Brasil quando a Folha as coloca para a opinião pública? Só eles não tinham dimensão da explosão que isso iria provocar? O presidente, foi como se alguém dissesse “olha ali a tua mulher com outro homem”. Aquela reação de surpresa, de mágoa, as lágrimas brotaram. Ele me pediu que explicasse como funcionava o mensalão. Eu disse. Depois ele se levantou, me deu um abraço e eu saí. - E o que eu sei, até pela vivência da Casa, essas coisas não se escondem, é que houve uma atitude forte, porque o mensalão secou. E nós estamos assistindo a uma crise de abstinência. O corpo mole é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da base: o dinheiro para pagar o exército de mercenário, as bancadas de aluguel. Em outro trecho da entrevista, a repórter pergunta: - Como se estabeleceu a relação do PTB com a cúpula petista? - Quando, lá atrás, o José Carlos Martinez era presidente do PTB, e nós começamos a constituir a relação, depois de nomeado o Walfrido Mares Guia ministro do Turismo, o segundo cargo foi o do delegado Regional do Trabalho no Rio, Henrique Pinho. Toda a estrutura abaixo dele foi nomeada pelo Silvio Pereira. Outro cargo: Fernando Cunha, para a BR Distribuidora. Toda a estrutura abaixo do Fernando Cunha foi nomeada pelo Silvio Pereira. Na área de Petrobras, de petroquímica, quem manda é ele. - Um dia, perguntei: “Mas como é isso? Vocês dão a cabeça e tomam o corpo?” E ele disse que esse era o jeito do PT de repartir o poder. Foi assim no Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes. A primeira indicação para o Dnit, feita pela bancada de São Paulo, acho que é Pimentel o nome, esse que hoje aparece nos jornais. Toda a estrutura abaixo foi montada pelo Silvio e pelo Delúbio. O gerente, um tal de Lauro Corrêa, é homem do PT. Ele mandava mais que o diretor-geral do Dnit. O PT nomeava as pessoas que controlavam a estrutura do poder por baixo dos nomeados do PTB. - A quem o senhor se refere quando fala na direção do PT? - Genoino, Marcelo Sereno, Delúbio Soares, Zé Dirceu, que sempre soube de tudo. Vá- rias vezes eu conversei com o Genoino e com o Delúbio no gabinete do ministro Zé Dirceu. Tudo era tratado com o conhecimento dessas pessoas e do Silvio Pereira. Isso no início do governo. Há uma sala contígua à do gabinete do ministro Zé Dirceu no Palácio do Planalto, e de vez em quando nós fazíamos essas conversas. 90% das conversas eram feitas no Palá- cio, numa salinha que era reservada ao Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a 68 mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava da conversa, e o Genoino também. Roberto Jefferson lembra o encontro com Lula, em janeiro de 2005, quando falou do mensalão pela primeira vez ao presidente da República: - E quando eu disse a ele, olhando nos olhos dele, do mensalão, o choque dele... Eu tenho seis mandatos. Eu sou deputado federal desde o presidente Figueiredo. Eu nunca tinha ouvido falar de financiamento de bancada aliada na base pelo partido do governo. E contei isso ao presidente Lula. E vi a reação dele de perplexidade. E então as coisas pararam. Mas o que eu estranho é que a Abin, depois que eu disse isso ao presidente Lula, parte para mandar arapongas contra o PTB. Alguém, dentro do governo, não gostou que nós passamos essa informação ao presidente. Quanto à reação do governo, desde que decidiu contar o que sabe dos pagamentos a deputados, Jefferson afirma: - Num primeiro momento, o Zé Dirceu ficou muito hostil comigo depois do meu discurso na Câmara, quando eu assinei a CPI. Na véspera, houve reunião da executiva do PTB para que todos os companheiros assinassem a CPI e nós devolvêssemos os cargos ao governo. Roberto Jefferson comenta o encontro, em sua casa, com José Dirceu e Aldo Rebelo. Os dois homens de confiança de Lula pediram para ele retirar o nome do requerimento de criação da CPI. O presidente do PTB argumentou que desejava a restauração da sua honra, e que a revista Veja vinha promovendo um “verdadeiro linchamento”. Reação de Dirceu, segundo Jefferson: - Ele respondeu: “Roberto, na Veja não tenho nenhuma ação, porque a Veja é tucana”. Eu falei: “Mas O Globo e a Globo estão repetindo o linchamento”. Ele falou: “No O Globo eu falo por cima. Dá para segurar”. Jefferson conclui: - Retirar a assinatura foi o meu maior erro. Depois que fiz isso, recrudesceu o noticiário contra o PTB. Eu entendi que foi uma armadilha do Zé Dirceu para mim. Recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo. - Viu onde e como? - Nas matérias que saíram na revista Época e no O Globo no fim de semana seguinte. Violentamente contra mim e contra o PTB. Eu falei: “Eu errei, eu me enfraqueci ao retirar a assinatura da CPI, e o Zé Dirceu armou essa arapuca pra mim”. (...) Eu vejo nitidamente o dedo desse segmento, Zé Dirceu, Genoino e Delúbio, para colocar esse cadáver podre no colo do PTB. A Folha de S.Paulo publica o editorial “Adeus às ilusões”. O jornal afirma: “A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai se revelando um dos maiores estelionatos eleitorais da história democrática do País. Todas as bandeiras que um dia caracterizaram o Partido dos Trabalhadores foram conspurcadas. Até mesmo o que se afigurava como o último baluarte petista, uma relação diferenciada com a ética e a coisa pública, se reveste de tons de ‘bravata’, para utilizar um termo empregado pelo próprio presidente da República ao negar propostas antes defendidas pelo seu partido.” 69 Em outro trecho, o editorial aponta: “Em termos sociológicos, a ausência de um projeto ajuda a explicar a crise da legenda. Sem uma utopia à qual aspirar, o poder pelo poder transformou-se em razão de existência. Muitos de seus expoentes mostraram-se deslumbrados com as mordomias, benesses e oportunidades de ascensão social oferecidas pela nova situação.” O jornal conclui: “Galgado ao comando do País, o partido enredou-se na trama do fisiologismo e da corrupção. Suas virtudes transmutaram-se em vícios. O despreparo, a ambição e o oportunismo derrotaram a esperança.” 31 13/6/2005 O ministro José Dirceu (PT-SP) faz saber, por meio de sua assessoria de imprensa, que “minha relação com o presidente é excelente”. E manda o recado, pelos jornais: - Não faço nada que não seja de comum acordo e determinado por ele. Na declaração, todo o veneno e a ameaça implícita. José Dirceu seria capaz de vir a público e contar a verdade? Fica claro que não aceitaria ser exonerado por Lula. Ao mesmo tempo, a denúncia, gravíssima: se José Dirceu foi o grande operador, o cérebro do esquema de suborno de parlamentares para que apoiassem o Governo Federal e tudo era em “comum acordo e determinado” pelo presidente da República, não restavam dúvidas: Lula era o chefe da corrupção e deveria responder pelo esquema delituoso. É importante ressaltar que José Dirceu faz as afirmações por intermédio de seus auxiliares. Isso significa que as palavras usadas na declaração haviam sido pensadas e medidas antes da divulgação, o que só aumenta a gravidade delas. Não foi um desabafo, portanto. Nem algo falado sem querer, que escapou, no calor de uma situação indesejada, sob pressão de repórteres experientes. Tampouco foram palavras pinçadas de uma entrevista, para propositadamente prejudicá-lo. Nada disso. Dirceu manda dizer, ainda: - Sou um soldado do partido e do governo. Talvez em nenhum outro momento da crise Lula tenha ficado tão exposto. Afinal, o todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil, braço direito do presidente da República, acusado de comandar o esquema de corrupção, diz, com todas as letras, que fez o “determinado por ele”, Lula. Mais uma justificativa para abrir um processo de impeachment contra o presidente. Processo nunca aberto, afinal. O presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), vai à forra. Depois de acusado por Roberto Jefferson (PTB-RJ) de envolvimento no escândalo do mensalão, dispara contra o oponente. Para Valdemar Costa Neto, Jefferson quer “tomar dinheiro” de alguém. Diz duvidar da doação de R$ 4 milhões do PT ao PTB, em 2004. Motivo: o PTB está “cheio de cargos no governo”, e “ajudando um monte de empresários”. Palavras do presidente do PL: - Como é que vai dar dinheiro em campanha para um cara que tem milhares de cargos? Há diversos empresários que atuam nessas empresas que podem fazer doações para o partido. Qual é a justificativa para dar um mundo de cargos e, depois, dar dinheiro para eleição? Isso não bate. 70 Claríssimo! Os cargos no governo servem para fazer dinheiro: existem acordos para que empresários entreguem somas de recursos a agentes políticos responsáveis por sua contratação, e a funcionários públicos que, em conluio, fazem as medições dos serviços e bens comprados pelo governo. Ou seja: tudo poderia custar menos. E quem paga a conta? O público. É dinheiro do povo. Voltemos ao ataque de Valdemar Costa Neto contra Roberto Jefferson: - Como não bate ele reclamar do mensalão. Um camarada que extorque empresas abrirá mão de mesada? Vai querer em dobro. Vai dizer: “Tô bravo porque tem mesada?” Ele falava aquilo para conseguir mais cargo. Foi com essa história de mensalão para conseguir mais espaço. Para Valdemar Costa Neto, não tem lógica uma estratégia para fornecer mesadas a dezenas de deputados: - Quem vai administrar um negócio desse? Você tem um problema em casa, com a mulher, um assessor... O pessoal deda. Ele próprio, Valdemar Costa Neto, será denunciado pela ex-mulher. A história vem adiante. A deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) confirma ter recebido oferta em dinheiro para mudar de partido e fazer parte da base aliada do governo. Recusa-se, porém, a dar detalhes do episódio: - A verdade me obriga a dizer que sim, eu fui convidada a mudar de partido. Agora, a responsabilidade me obriga a parar por aqui. Porque não posso provar. Vai ser a palavra de uma pessoa contra a palavra da pessoa que me fez o convite. O diretor de Administração e Finanças da Embratur, Emerson Palmieri, pede exoneração do cargo. Ele foi citado por Roberto Jefferson como tesoureiro informal do PTB. Teria a função de receber pagamentos do PT ao PTB. O funcionário dos Correios Maurício Marinho admite ao Ministério Público Federal ter feito contatos com mais de 300 fornecedores e prestadores de serviços. Todos interessados em assinar contratos com os Correios. A notícia ganha destaque nos jornais. Ele confessou que o genro de Roberto Jefferson, Marcus Vinícius Vasconcelos Ferreira, intermediou o acesso de empresários à estatal federal. Trecho do depoimento: “Marcus Vinícius foi muitas vezes na ECT. Marcus Vinícius pedia ao depoente que atendesse determinados fornecedores, entre os quais César de tal (fornecedor de copiadoras) e Cristiano Brandão ou outra pessoa (área de tecnologia). Que não consegue se recordar de outras pessoas, mas pode informar que Marcus Vinícius o apresentou a outros fornecedores mais de duas vezes.” 32 14/6/2005 O Brasil pára a fim de ver e ouvir o depoimento do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. A sessão dura quase sete horas, 71 entre a fase de depoimento e os debates. Provoca um terremoto político. Repleto de acusa- ções, declarações contundentes e ironias, o depoimento de Jefferson reafirma denúncias feitas à Folha de S.Paulo. A confissão e o testemunho do deputado comprometem o governo Lula. Sobre o mensalão: - Desde agosto de 2003 é voz corrente em cada canto desta Casa, em cada fundo de plenário, em cada gabinete, em cada banheiro, que o ‘seu’ Delúbio, com conhecimento do ‘seu’ José Genoino, sim, tendo como pombo-correio o ‘seu’ Marcos Valério, um carequinha, que é publicitário lá em Minas, repassa dinheiro a partidos que compõem a base de sustentação do governo no negócio chamado mensalão. Jefferson refere-se ao tesoureiro do PT, Delúbio Soares: - Atendi na minha casa, no princípio de 2004, janeiro, fevereiro... O Delúbio foi simpá- tico. Fumou um charuto. Simples, um homem simples, mas cumprindo uma missão. Cheio de melindres e de tato para falar comigo. Com aquele jeitão dele de goiano do interior, disse que gostaria de ajudar a desencravar uma unha que pudesse haver, foi a expressão que ele usou, e que faria alguns repasses para o PTB. - Com o Zé Dirceu eu falei sobre esse assunto uma meia dúzia de vezes. Não é, Zé Dirceu? Não é? Ao Genoino, o presidente do partido, falei uma meia dúzia de vezes. - Disse isso ao ministro Palocci. Ele nega. Mas, Palocci, com todo o respeito, disse isso a vossa excelência, olhando dentro dos seus olhos. Agora, Jefferson mira outros deputados, envolvidos com corrupção: - Será que eu estou falando em um convento de virgens? Será que só eu ouvi falar em mensalão? Eu apenas destampei a panela, deputado. - Tem muita gente do PP que está acima disso, tem muita gente do PL que está acima disso. Mas deputado Valdemar Costa Neto, deputado José Janene, Pedro Corrêa, Sandro Mabel, Bispo Rodrigues, Pedro Henry. Me perdoem, de coração, não posso ser cúmplice de vocês. Para Valdemar Costa Neto (PL-SP), que o acusara de mentiroso: - Eu afirmo que o senhor recebe repasses. Dirigindo-se novamente a Valdemar, que é o presidente nacional do PL: - Diga os nomes dos seus que recebem o mensalão. Vossa excelência recebe e reparte. Roberto Jefferson aponta que o dinheiro, “no início, era para transferência de partido. Depois, foi para votação”. E mais: - Um dia, pedi a um companheiro: (...) Avisa ao Pedro Henry que, se ele tomar os dois deputados do PTB que está tentando com aquela mala de dinheiro, vou para a tribuna e conto a história do mensalão. Aí, refluiu, mas o mensalão não parou. Sobre a saída do deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE) do PTB: - O motivo não é nobre, não é justo, foi por dinheiro. - Provas não tenho, mas tenho provação. Provação vivi, porque além de eles receberem a mesada, ainda ficavam tentando os nossos deputados: “Vem para cá, seu otário. Olha, está na mala. Vocês não tem. Aqui tem”. Jefferson dá novos detalhes do acordo PT/PTB: - Em maio do ano passado, conversamos eu, o tesoureiro do meu partido, Emerson 72 Palmieri, o doutor Delúbio, o presidente José Genoino e o Marcelo Sereno. Lá no prédio da Varig, onde fui várias vezes, e os senhores podem buscar informação na portaria, porque lá a gente tem que se identificar. Pedi ao presidente do PT, ex-deputado Genoino, um apoio para a campanha do meu partido. “Sem problema. Você me dá um planejamento de custo das campanhas do PTB”. Fizemos. Voltamos. Nos reunimos de novo com os três e eles aprovaram R$ 20 milhões para o financiamento das campanhas do PTB em todo o Brasil. - Eles cumpriram a primeira parte do acordo, em princípios de julho, com R$ 4 milhões. O dinheiro foi levado para o partido (...) pelo senhor Marcos Valério. Foi quando estive com ele pela primeira vez. É carequinha, falante e fala em dinheiro como se fosse assim uma coisa que caísse do céu. Primeiro foram R$ 2,2 milhões. Em duas malas enormes, notas de R$ 50 e R$ 100, etiquetadas por Banco Rural e Banco do Brasil. E três dias depois, (...) ele volta com R$ 1,8 milhão. Notas de R$ 50 e R$ 100, Banco Rural e Banco do Brasil e a promessa de outras quatro parcelas iguais. Perguntei ao Genoino: “Como é que a gente vai fazer para justificar esse dinheiro?” Ele falou: “No final a gente faz a entrada, via partido, e a saída, conta-contribuição”. Perfeito. Mas até hoje essas notas não chegaram. Isso gerou uma crise brutal no meu partido... - Voltei ao Zé Dirceu, uma, duas, dez vezes, e disse: “Zé, está esgarçando, estou perdendo autoridade”. Ele falou: “Roberto, a Polícia Federal é meio tucana. Meteu em cana 62 doleiros, agora, na véspera da eleição. A turma que ajuda não está podendo internar dinheiro no Brasil”. Jefferson usa o depoimento para mandar recado a José Dirceu. Ou, melhor: o recado é para Lula mesmo. - Eu percebi que o governo quis botar um cadáver podre, que atinge o senhor Delúbio Soares, que atinge o senhor Silvio Pereira, que atinge o senhor Zé Dirceu... Estão dizendo que eu sou réu... Zé Dirceu, se você não sair daí rápido, você vai fazer réu um homem inocente, o presidente Lula. Rápido, saia daí rápido, Zé, para você não fazer mal a um homem bom, correto e de quem tenho orgulho de ter apertado a mão. A origem do dinheiro da corrupção: - Tem de perguntar isso ao Genoino e ao Delúbio, mas pelo que ouvi da conversa do Marcos Valério, quando ele foi levar os recursos ao PTB na eleição, ele faz via agência de publicidade, na relação de contratos que tem com algumas empresas do governo. Sobre o financiamento de campanhas eleitorais, feito com dinheiro de empresas: - Nenhum partido aqui recebe ajuda na eleição que não seja assim. Nenhum. Tenho a coragem de dizer de público aqui. Não aluguei meu partido, não fiz dele um exército de mercenário, nem transformei os meus colegas de bancada em homens de aluguel. Aqui todos sabem de onde vem, só que nós temos a hipocrisia de não confessar ao Brasil. Estou assumindo isso aqui e faço como pessoa física, faço como Roberto Jefferson. O dinheiro vem dos empresários que, na maioria das vezes, mantêm relação com as empresas públicas. É assim e sempre foi. Jefferson toca no problema dos Correios, na acusação de que participou de esquema de corrupção: - Não consegui compreender ainda por que o zeloso Ministério Público, a zelosa Polícia 73 Federal, a zelosa Corregedoria da União não investigaram a Diretoria de Informática... E 60% do depoimento do senhor Maurício Marinho apontam lá para a diretoria do ‘seu’ Silvinho Pereira, secretário-geral do PT. - Não entendi por que não pesquisaram a Novadata ainda. Não sei por que correm atrás de um óbolo de R$ 3 mil, quando os contratos que desfalcam os Correios são de bilhões. Não compreendi ainda como é que o cioso Ministério Público, a ciosa Polícia Federal e a ciosa Corregedoria da República ainda não investigaram o correio aéreo noturno, do ‘seu’ Silvinho Pereira, onde as contas de superfaturamento nos primeiros anos da atual gestão chegam a superfaturamento de 300%. - A Skymaster? Eu nunca tinha ouvido falar. Sei agora, porque gente boa dos Correios está começando a me dar essas informações. E a Novadata? Naquela época não sabia nada, mas gente boa dos Correios começa a me dar agora essas informações. Assim como gente boa começa a me dar informações, deputado Valdemar Costa Neto, das licitações da Valec, do ex-deputado Juquinha, do PL. Como gente boa começa a me dar o que está acontecendo no Dnit, lá do PL. Coisas que, se Deus quiser, a CPI vai conhecer. A revista Isto É Dinheiro publica duas entrevistas com Fernanda Karina Ramos Somaggio, ex-secretária do empresário Marcos Valério, dono das agências de publicidade DNA Propaganda e SMPG Comunicação. Fernanda Karina acusa Marcos Valério de envolvimento com o esquema de compra de deputados. Conta que havia encontros frequentes de Marcos Valério com dirigentes do PT. Cita Delúbio Soares, Silvio Pereira e reuniões em hotéis de São Paulo e Brasília. - Em que hotéis? - O Blue Trees, em Brasília, o L’Hotel, em São Paulo, o Sofitel, também em São Paulo. A secretária testemunhou saídas de dinheiro: - Com certeza. O Marcos Valério ficava o tempo todo com o Delúbio Soares. Era o Marcos quem pegava o negócio e levava de um lugar para o outro. - Onde o dinheiro era retirado? - Era sempre no Banco Rural. E era coisa grande. Algumas vezes pouco, R$ 50 mil, R$ 30 mil. Às vezes muito, mas muito mais. Para ela, Delúbio Soares era o mais próximo de Marcos Valério no esquema: - Depois, o Delúbio abriu as portas e aí tinha o José Dirceu, o Silvio Pereira. - Como era o contato com o ministro José Dirceu? - Havia ligações. A gente ligava e pedia para a menina do Delúbio colocar ele em contato com o Marcos Valério. - Então o Valério tinha uma comunicação direta com o Dirceu? - Sim. - A senhora relata também que o irmão do ex-ministro Anderson Adauto teria recebido dinheiro da agência. Isso aconteceu no Ministério? - Não. O irmão dele foi lá na agência, pegou uma mala de dinheiro e foi embora. A ex-secretária conta que Marcos Valério mantinha contato com os deputados José Mentor (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP). Marcos Valério pagou passagens aéreas para Silvana 74 Jupiassu, assessora de João Paulo Cunha. A filha de Silvana Jupiassu também ganhou bilhetes aéreos. - Isso porque ela facilitava o contato com o João Paulo. Em outra parte da entrevista, Fernanda Karina envolve outra funcionária de confiança de Marcos Valério nas operações de saques de dinheiro: - Eram pedidos frequentes. Era tudo feito pela Simone Vasconcelos. Era ela quem ia de vez em quando para Brasília pagar. Fernanda Karina fala das atividades de Marcos Valério: - Ele faz intermediação de negócios. Por exemplo: a SMPB tem a conta do Banco do Brasil na parte de esportes através da Multi Action, uma das empresas do grupo. E é tudo negociata. Eu sei que eles passam dinheiro para o pessoal do governo. - Como isso é feito? - O Marcos Valério manda e tem um pessoal do Departamento Financeiro que faz isso. - E como a senhora tinha conhecimento? - Ele era meu chefe. Eu estava sempre com ele. Todo mundo sabe que tem mutreta no fato de a empresa ter um bom dinheiro no Banco do Brasil. - Haveria pagamento de propinas a gente do governo? - Eu já vi sair muito dinheiro de lá. - Em que situações? - Vi sair R$ 100 mil em dinheiro para o irmão do Anderson Adauto, no fim de 2003, quando ele era ministro dos Transportes. - E para o pessoal do Banco do Brasil? - O Marcos Valério dá muitas festas para eles, muitos paparicos, muitos mimos. - Ele oferece viagens de jatinho para eles? - Não, o Marcos usa o jato do Banco Rural, eventualmente. O Delúbio Soares também anda no jato do Banco Rural. Em outro trecho, o repórter Leonardo Attuch indaga se Marcos Valério fez pagamentos para obter contas publicitárias do governo. Diz Fernanda Karina: - Com certeza. Quando você entra numa concorrência, a gente já sabe quem vai ganhar e quem não vai. Eles fazem a licitação pública, mas é um jogo de cartas marcadas. Tem quem vai pegar a melhor parte da conta, a pior parte da conta. - A senhora viu? - Olha, para o Banco do Brasil, o Marcos dava festas. Festas para a alta cúpula e para a área de marketing. A revista Isto É Dinheiro pergunta como os pagamentos eram feitos: - Tinha duas pessoas da área financeira, a Simone Vasconcelos, e uma assistente, a Geysa, que cuidavam de tudo. - A senhora tem noção de quanto? - Já vi o boy sair com motorista para tirar R$ 1 milhão do Banco Rural. Era para depois dividir o dinheiro, entendeu? A Folha de S.Paulo divulga o relatório “Agências & Anunciantes”, do jornal Meio & 75 Mensagem. Traz informações sobre o faturamento da agência DNA Propaganda, de Marcos Valério. É o que mais cresceu em 2004, com um aumento superior a 200%. Dos R$ 23,2 milhões de faturamento registrados em 2003, o valor subiu para R$ 70,5 milhões. A agência atende as contas do Banco do Brasil, Eletronorte e Ministério do Trabalho. Já a SMPB, outra agência de Marcos Valério, cuida da conta dos Correios. Teve faturamento de R$ 39,9 milhões em 2004, sendo R$ 29,6 milhões apenas com os Correios. Além de atender o Banco Rural, a SMPB foi contratada pelo Ministério dos Esportes e pela Câmara dos Deputados, na gestão do presidente João Paulo Cunha (PT-SP). Ex-tesoureiro nacional e secretário-geral do PP, Benedito Domingos afirma aos jornais Correio Braziliense e O Estado de S. Paulo que tomou conhecimento de um esquema de pagamento de mensalões a parlamentares do PP. A distribuição de dinheiro era feita no apartamento do deputado José Janene (PP-PR), localizado em edifício da Asa Sul, em Brasília. - Você sabe que as pessoas tinham, mas não sabia de onde vinha. Benedito Domingos conversa com o repórter Expedito Filho, de O Estado de S. Paulo. Diz que o mensalão era conhecido como “apoio financeiro”, e entendido como uma espécie de caixa 2: - O zunzunzum era muito forte. Um grupo sempre frequentou a casa do Janene. Sempre houve uma grande movimentação. A casa do Janene era chamada de pensão. 33 15/6/2005 O governo conquista o comando da CPI dos Correios. Nomeia dois aliados para os cargos principais da comissão: o presidente será o senador Delcídio Amaral (PT-MS), e o relator o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). Osmar Serraglio tinha boas ligações com José Dirceu. Apoiara a candidatura do filho do ministro, José Carlos Becker (PT), a prefeito da cidade de Cruzeiro do Oeste (PR). Delcídio Amaral e Osmar Serraglio acenam com investigações restritas aos Correios, deixando de fora denúncias acerca do mensalão. Na véspera, parlamentares de cinco partidos entregaram ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pedido para a criação da CPI do Mensalão. O requerimento continha assinaturas de 255 deputados e 41 senadores. Os jornais destacam que durante os trabalhos da CPI do Banestado, no início do governo Lula, o relator e deputado José Mentor (PT-SP) apresentou sete requerimentos relacionados ao Banco Rural, determinou a quebra de sigilo bancário da instituição, solicitou cópia de inquérito policial sobre investigações de empresas do banco no exterior, ouviu diretores e convocou a presidente da instituição para depor. No final do processo, não concluiu nenhuma investigação relativa ao Rural. Outra notícia: o Banco Rural foi condenado a pagar multa de US$ 5,9 milhões por ilegalidades cometidas no mercado de câmbio, na década de 80. O Rural teria permitido remessas de dinheiro ao exterior, com a falsificação dos nomes dos verdadeiros remetentes. 76 34 16/6/2005 Demite-se do cargo o ministro da Casa Civil, José Dirceu (PT-SP). Considerado a face do PT no governo, era o mais poderoso auxiliar de Lula. Perdeu força em fevereiro de 2004, em consequência do escândalo Waldomiro Diniz. Com as denúncias do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), ficou sem condições de permanecer no governo. Sai contrariado. Volta à Câmara dos Deputados para exercer mandato por São Paulo. O senador Jefferson Péres (PDT-AM), dos mais respeitáveis parlamentares do Congresso Nacional, defende investigação para apurar se Lula sabia do mensalão. Quer saber se o presidente da República agiu para investigar o esquema e punir eventuais responsáveis. Jefferson Péres está convicto: Lula “foi conivente, prevaricou”: - Não acho que o presidente Lula seja capaz de um ato desonesto, no sentido de enriquecer ilicitamente. Agora, que ele sabia, com certeza sabia. Para o senador, “ninguém, só quem acredita em Papai Noel, pode imaginar que José Dirceu com o senhor Delúbio, amigos, companheiros de partido, que há muitos anos acompanham o presidente da República, tenham feito tudo isso com o seu desconhecimento. E ficou comprovado, ou há fortes indícios de que ele sabia”. Jefferson Péres admite que um eventual processo de impeachment “pode levar o País a uma instabilidade muito grande”. Entende, contudo, que a situação justifica uma investiga- ção sobre o presidente: - Se ficar evidenciado que o presidente realmente sabia e não tomou providências, não podemos, em nome da estabilidade, fingir que não sabemos e ficar de braços cruzados, senão nós é que estaremos prevaricando também. O senador amazonense explica que responsabilizar alguém por corrupção não exige farta documentação para servir de prova. Diz Jefferson Péres: - Provas são provas. Há provas documentais, técnicas, periciais e testemunhais. Se a testemunha for idônea, se o seu depoimento for convincente, a testemunha vale também, é uma prova. Cerco ao ministro Luiz Gushiken (PT-SP). Ele comanda a Secom, Secretaria de Comunicação da Presidência da República, e é um dos auxiliares mais próximos de Lula. A Folha de S.Paulo publica que a mulher de Marco Antônio da Silva, diretor de eventos da Secom, trabalha para a empresa Multi Action, ligada a Marcos Valério. A publicitária Telma dos Reis Menezes Silva ocupa posto estratégico de representante da Multi Action, uma realizadora de eventos. Ela mantém contatos com órgãos públicos em nome da empresa de Valério. O detalhe: cabe à Secom opinar e determinar o conteúdo de editais de licitação que definem contratações na área de comunicação do Governo Federal. É a Secom de Gushiken que controla a publicidade e os patrocínios oficiais do governo. Marco Antônio da Silva nega qualquer irregularidade. Afirma que não tem envolvimento com o trabalho da mulher. A Folha pergunta-lhe para quem Telma dos Reis Menezes Silva trabalha. O marido: - Não sei. Deve trabalhar para vários eventos. 77 - Sua mulher nunca lhe disse para quem trabalha? - Eu evito. Minha mulher não é política, não é militante, não é filiada. - Como ela conheceu Marcos Valério? - Não sei. - O ministro sabe dessa situação? - Acho que não. É uma questão de foro pessoal. Eu relativizei de forma primária, por ela já ser do mercado. Ela é uma pessoa ingênua em relação a essas coisas. Problemas políticos daqui eu não comento em casa. 35 17/6/2005 O Campo Majoritário, maior segmento interno do PT, liderado pelo deputado José Dirceu (PT-SP), decide manter nos quadros do partido o tesoureiro Delúbio Soares e o secretário-geral, Silvio Pereira. De acordo com Delúbio Soares, as acusações contra ele são falsas. Ele avisa que não deixará o cargo, pois “seria uma confissão de culpa”: - Agi dentro das regras da política. Manifestação de Silvio Pereira: - O que eu fiz foi decisão partidária. Se eu sair, vai ter de sair todo o mundo. Em reunião do PT, o presidente do partido, José Genoino, recusa-se a pôr em discussão o afastamento dos dois dirigentes. Para ele, as acusações são inconsistentes: - Não será sequer objeto de avaliação. Será adotado o melhor para o partido. 36 18/6/2205 A revista Época traz a manchete de capa “Homem da Mala”. A reportagem, de Diego Escosteguy, traça um perfil de João Cláudio Genu, chefe de gabinete do líder do PP na Câmara, deputado José Janene (PR). João Cláudio Genu é apontado como braço direito de José Janene, e “principal executivo na operação do mensalão”. Época registra: “O partido de Janene teria um esquema de arrecadação muito semelhante ao do PTB de Jefferson. Apadrinhados bem posicionados em estatais garantem a arrecadação. O PP instalou diretores na Petrobras, em Furnas, no Instituto de Resseguros do Brasil e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O dinheiro chega a Brasília trazido por emissários ou pelo próprio Genu. Depois, é distribuído. Segundo relato de um parlamentar, vem em envelopes.” A revista aponta que, após aderir ao governo Lula, o PP engordou a bancada do partido. Passou de pouco mais de 20 para 56 parlamentares. E informa que os mensalões, no PP, variavam de deputado para deputado: “Os valores variam de R$ 5 mil a R$ 30 mil, a depender da importância do político recompensado. O local de entrega varia. Às vezes é o apartamento do próprio Janene, apelidado de ‘a pensão’ dentro da bancada do PP. Outras, a própria sala da liderança. Em alguns casos, a casa que Genu mantém para festas no bairro Park Way, em Brasília. O chefe de gabinete de Janene é apontado como responsável pela logística da operação. O mensalão vinha sendo usado para atrair novos deputados e para garantir que alguns deles seguissem fielmente as orientações do partido.” 78 Sobre o patrimônio de João Cláudio Genu, cujo salário é de R$ 5.720: “O assessor é dono de um apartamento de luxo, uma casa no setor de mansões de Brasília e cinco carros, dois deles importados. Numa avaliação pessimista, nos últimos cinco anos, amealhou entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões. Metade disso só no governo atual. Na declaração que entregou ao Imposto de Renda no início do ano, declarou ter ganho menos de R$ 80 mil em 2004. Pelo recolhimento de CPMF, a Receita descobriu que passaram por suas contas bancárias R$ 680 mil no mesmo período.” A revista Isto É também destaca o deputado José Janene (PP-PR), chefe de João Cláudio Genu. O relato dos repórteres Amaury Ribeiro Jr. e Luiz Cláudio Cunha é demolidor: “Curiosamente, nos dois primeiros anos do governo Lula, que coincidem com a ideia milagrosa do mensalão denunciado pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, Janene desencravou da miséria. Documentos obtidos por Isto É em cartórios, órgãos oficiais e sindicatos rurais do Paraná mostram que Janene e sua mulher, Stael Fernanda, viraram proprietários em 2003 e 2004 de uma dezena de fazendas, imóveis e uma frota de carros importados avaliados em cerca de R$ 7 milhões. O casal amealhou tudo isso ganhando, junto, R$ 200 mil anuais, média mensal de R$ 16,5 mil - pouco mais que meio mensalão. Nesta fantástica engenharia financeira não estão incluídas outras joias de seu patrimônio: rebanhos de gado e ovinos, safras de soja e a mansão de R$ 2 milhões, ainda em constru- ção, encravada no Royal Golf, um elegante condomínio fechado na zona mais elegante de Londrina, onde é vizinho, entre outras personalidades endinheiradas, do locutor global Galvão Bueno.” O jornal O Estado de S. Paulo entrevistou o ex-assessor parlamentar, ex-coordenador de campanha e sobrinho do deputado José Janene (PP-PR), Aristides Barion Júnior. Ele ataca o tio. Diz não se surpreender com denúncias que apontam José Janene como operador do esquema do mensalão: - Surpreso, eu? Claro que não. O Zé é terrível, você não conhece ele. Quando o Zé vê que o cara é menor, ele esmaga. Se vê que não pode com o cara, tenta fazer um acordo. O Zé é o número um do mensalão, não tenho dúvida. Aristides Barion Júnior conta ao repórter Fausto Macedo que José Janene lhe deve US$ 1 milhão, dinheiro que foi emprestado para a campanha eleitoral de 1994. Afirma que o tio ficou rico depois de entrar para a política: - O Zé mora em um apartamento que vale mais de R$ 1 milhão, tem fazenda, carros importados, tem avião, tem dois apartamentos na praia, mas é tudo em nome de terceiros. José Janene é réu em sete ações civis na Justiça do Paraná. Tem acusação por suposto ato de improbidade administrativa, desvio de verbas públicas na Prefeitura de Londrina (PR) e enriquecimento ilícito. O sobrinho conta como José Janene age nas campanhas eleitorais: - Aí você tira suas conclusões. As campanhas são ostensivas, ele gasta uma fortuna. Na última eleição, não tinha uma esquina em Londrina que não tinha duas ou três pessoas dele com bandeiras. É muito dinheiro. Ele trabalha em cidadezinha pequena. Vai lá, acerta com o prefeito e com os vereadores, 60, 80 cidades pequenas. Aí faz votos, manda bala sem dó nem piedade. 79 As agências de publicidade de Marcos Valério são mais uma vez notícia de jornal. A Folha de S.Paulo traz reportagem informando que a Polícia Civil de Minas Gerais investiga a DNA e a SMPB por compra de notas fiscais frias. O inquérito policial traz 23 notas falsas, mas suspeita-se de número ainda maior. Do repórter Mario Cesar Carvalho: “O uso de notas frias por agências de publicidade que trabalham para o governo é um método clássico para desviar dinheiro. Imagine que a agência X contratou 10 figurantes para um comercial. Na nota fiscal, os 10 podem virar 100 e a diferença em dinheiro vai para partidos ou políticos”. A reportagem informa que Valério já foi condenado a dois anos e 11 meses de reclusão porque suas agências sonegaram contribuições previdenciárias. Segundo a sentença, a DNA “deixou de recolher contribuições sociais devidas valendo-se de expedientes escusos diversos, sobretudo omitindo, de seus registros contábeis, fatos geradores daqueles tributos”. O jornal explica: “A agência não lançava na folha os valores pagos a empregados a título de remuneração e também fazia pagamentos a empregados da empresa como se fossem trabalhadores autônomos. A escrituração de pagamentos de salários em ‘contabilidade paralela’ foi comprovada com a apreensão de um documento que descreve os ‘procedimentos adotados para efetuarmos pagamentos de salários aos funcionários que recebem seus vencimentos através do caixa (2)’”. Mais uma das agências de publicidade de Marcos Valério: contratos assinados no governo Lula permitiram faturamento de R$ 150 milhões. O contrato da agência SMPB com a Câmara dos Deputados, na gestão do ex-presidente João Paulo Cunha (PT-SP), talvez seja o mais curioso. Com três aditivos, o valor subiu de R$ 9 milhões para R$ 21,8 milhões. Em 2004 Marcos Valério criou a Estratégia Marketing e Promoção, para cuidar de campanhas eleitorais. A empresa foi contratada para a campanha de um aliado de João Paulo Cunha, que disputava a Prefeitura de Osasco (SP). Campanha vitoriosa, Emídio de Souza (PT) foi eleito. O passo seguinte: a SMPB disputa licitação para ganhar a conta de publicidade da Prefeitura. 37 19/6/2005 O programa Fantástico, da TV Globo, entrevista a publicitária Maria Christina Mendes Caldeira, ex-mulher do presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP). Ela descreve conversas que ouviu do ex-marido, segundo as quais o governo de Taiwan fez uma contribuição ilegal para a campanha de Lula, em 2002. A transação teria sido intermediada por Valdemar Costa Neto e o tesoureiro Delúbio Soares. Diz Maria Christina: - Essa doação foi entregue para o Delúbio, foi administrada para o Delúbio. Eu não tenho prova de que o PT sabia disso, porém ele representava o acesso ao PT. Da doação, em dinheiro, no valor de US$ 2 milhões, Valdemar Costa Neto, segundo a ex-mulher, ficou com 20%. Ou seja, US$ 400 mil. Ela comenta a amizade entre Valdemar Costa Neto e Delúbio Soares: - O integrante do PT que tinha uma relação profundamente estreita, que era o único que estava o tempo inteiro com ele, que estava envolvido com todas as coisas que ele fazia, se chama Delúbio. 80 Maria Christina Mendes Caldeira acusa Valdemar Costa Neto de comprar, com R$ 30 mil desviados do PL, móveis, esculturas e objetos decorativos para a casa em que os dois moravam, em Brasília. O deputado teria adquirido também dois cofres de aço para a residência. 38 20/6/2005 O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) concede entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Reafirma a existência de esquema de corrupção no governo Lula. Cita três lideranças do PT na organização das operações de suborno: José Genoino, Delúbio Soares e Silvio Pereira. Acrescenta: “A última palavra era sempre do Zé Dirceu”. Roberto Jefferson define o ex-ministro como “uma espécie de presidente do PT”: - Tudo que era fechado no PT tinha que ser homologado lá na Casa Civil. Jefferson sugere o afastamento dos três dirigentes dos quadros do PT. - É melhor que eles saiam para salvar a imagem do PT e melhorar a imagem do governo. Em outro momento da entrevista, Roberto Jefferson acusa o esquema de distribuição de dinheiro para deputados da base aliada do governo Lula. Envolve, com ironia, o deputado João Pizzolatti (PP-SC): - Era feito no café da manhã. O deputado subia e descia com um pacotinho. Conhecido no início dos anos 90 como um dos líderes da “tropa de choque” do governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), Roberto Jefferson opina que o nível de corrupção no governo Lula é ainda maior do que aquele que levou ao impeachment de Fernando Collor. Para o deputado, o esquema montado naquela época por PC Farias, o tesoureiro de Collor, “era menor, malfeito, às claras, com o rabo de fora”. Roberto Jefferson volta a falar dos R$ 4 milhões que diz terem sido repassados pelo PT ao PTB. Refere-se ao tesoureiro informal do PTB, acionado por ele assim que o dinheiro chegou. Diz o deputado: - Eu pedi ao Emerson Palmieri que guardasse o dinheiro no cofre de um armário de aço, grande. 39 21/6//2005 Depois de prestar depoimento à Polícia Federal e negar o teor da entrevista que dera à revista Isto É Senhor com acusações ao empresário Marcos Valério e a integrantes do PT e do governo Lula, a secretária Fernanda Karina Ramos Somaggio concede nova entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo. Explica que recuara das primeiras declarações por medo. Um advogado orientou-a melhor, e agora ela confirma as denúncias: - Estava com muito medo porque na terça-feira, depois que saí do meu trabalho, na rua por onde passo, veio uma pessoa, um motoqueiro, e parou a moto ao lado do meu carro, fechou meu carro. E disse que, se falasse qualquer coisa, eu colocaria a vida da minha filha e do meu marido em risco. A secretária Fernanda Karina volta a pôr o dedo na ferida. Diz que Marcos Valério costumava manter contato com o tesoureiro Delúbio Soares, “todos os dias”. Ela menciona as reuniões “com o pessoal do PT”, após Marcos Valério efetuar saques de grandes quantias em dinheiro: 81 - Quando ele saía para as reuniões, antes de sair, passava no andar de baixo, no Departamento Financeiro, e saía com a mala. O repórter Ismar Madeira indaga sobre o destino do dinheiro: - Eles nunca falaram nomes. Esses nomes eu desconheço. Eu sabia que o dinheiro ia para Brasília, e que eles distribuíam lá. Mas para quem, quando e onde, eles não falavam. Era entre eles. Declaração de Fernanda Karina: - Dinheiro eu sabia que tinha dentro de malas, mas nunca foi aberto o dinheiro. Mas sempre sabia. Eles tomavam muito cuidado com o dinheiro, claro. Sobre o relacionamento entre Valério e o deputado José Dirceu (PT-SP): - Sei que ele conversava muito com o ‘seu’ José Dirceu, o ministro. Apesar de o ministro ligar diretamente para o celular dele, eu liguei para o ministro uma vez. Mas ele sempre falava. Sobre a relação de Valério com o deputado João Paulo Cunha (PT-SP): - Estreitas. Sempre que pedia para ligar, eu ligava, falava com a secretária dele em Brasília e ele retornava para o celular do senhor Marcos... As conversas não eram conversas abertas, né? Sempre conversavam por código. Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, o deputado Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO) afirma ter ouvido conversas da deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) sobre uma oferta de dinheiro. A proposta teria sido encaminhada pelo líder do PL na Câmara, deputado Sandro Mabel (GO), para que Raquel Teixeira trocasse o PSDB pelo PL, a fim de fazer parte da base aliada do governo Lula. Do deputado Carlos Alberto Leréia: - Não sei de valores. Só sei que ela recebeu uma oferta em dinheiro. Em seu depoimento, Carlos Alberto Leréia confirma: o governador Marconi Perillo (PSDB) relatou o episódio de assédio à deputada tucana a Lula, durante um evento em Rio Verde (GO), no dia 4 de maio de 2004: - Foi no carro do presidente, na presença do motorista e do ajudante de ordens de Lula. Para registrar: a CPI dos Correios não convocou o motorista nem o ajudante de ordens para depor. 40 22/6/2005 O STF (Supremo Tribunal Federal) determina que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), nomeie senadores para compor a CPI dos Bingos. Proposta no iní- cio de 2004, a CPI fora engavetada por decisão do então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que apoia o governo. Além de apurar suspeitas de lavagem de dinheiro e a suposta ligação de casas de bingo com o crime organizado, a comissão de inquérito foi proposta com a finalidade de investigar atividades do ex-subchefe de Assuntos Parlamentares do Ministério da Casa Civil, Waldomiro Diniz. Ele acabou afastado do governo Lula depois da divulgação de uma fita no início de 2004, na qual aparece pedindo propina ao empresário do jogo Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Quando a gravação foi feita, em 2002, Waldomiro Diniz era 82 o presidente da Loterj (Loteria Estadual do Rio), na gestão da governadora Benedita da Silva (PT-RJ). A deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) depõe no Conselho de Ética da Câmara. Afirma que recebeu proposta em dinheiro do deputado Sandro Mabel (PL-GO) para se transferir ao PL e apoiar o governo Lula. Da deputada: - Sandro fez a seguinte colocação: “O PL quer se repaginar e ter uma cara nova. Temos que ter uma mulher, mas não qualquer mulher. Queremos uma mulher que faça a diferen- ça”. Confesso que me senti lisonjeada. Segundo Raquel, Sandro Mabel fez vários elogios, dizendo que ela “viajaria pelo Brasil adequando a educação ao perfil do PL”. Então, veio a oferta: - Houve sim uma proposta de R$ 30 mil por mês, que poderia chegar a R$ 50 mil. Em dezembro, eu receberia mais R$ 1 milhão. Fiquei indignada. Não perguntei mais nada e a conversa acabou ali. A deputada decidiu pedir conselho ao governador Marconi Perillo (PSDB). Ela não denunciou o caso por falta de provas: - Era uma conversa sem testemunhas. Seria a minha palavra contra a dele. Qualquer pessoa sensata só fala o que pode provar. A secretária Fernanda Karina Ramos Somaggio concede entrevista à imprensa. Acrescenta novos detalhes às atividades do empresário Marcos Valério. Fala do relacionamento do ex-chefe com integrantes do PT. É questionada sobre “malas de dinheiro” para políticos em Brasília: - Os acertos para saques no Banco Rural eram feitos pela Gerência Financeira da SMPB e também por Marcos. Várias vezes, quando ele precisava de dinheiro, falava diretamente com a diretoria do banco. Fernanda Karina menciona “boys e motoqueiros” que tinham a função de ir ao Banco Rural e ao Banco do Brasil buscar dinheiro: - As pessoas do Departamento Financeiro falavam que na mala tinha dinheiro. Não falavam o valor. Marcos Valério encarregava-se de transportar o dinheiro a Brasília: - Era para político, porque Marcos sempre estava conversando com político. Fernanda Karina reafirma: Marcos Valério e o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, voavam em avião do Banco Rural: - O Banco Rural sempre disponibilizava o avião, para quando eles precisassem. A secretária fornece detalhes sobre a licitação para a escolha da agência de publicidade que atenderia a conta dos Correios. Foi um período em que Marcos Valério manteve intenso contato com Delúbio Soares, Silvio Pereira, secretário-geral do PT, e outras “pessoas do PT em Brasília”. As conversas eram incompreensíveis, sempre “codificadas”: - O que aconteceu foram vários telefonemas, várias viagens a Brasília durante o processo de licitação. As pessoas que iam às reuniões nunca eram faladas. Eu sempre soube que 83 eram o Marcos, o Delúbio e o Silvio Pereira, algumas vezes. As reuniões eram sigilosas, fora da empresa, fora de Belo Horizonte. A licitação dos Correios chamou a atenção da secretária Fernanda Karina. Antes da sua conclusão, todos os funcionários da SMPB já sabiam que a agência iria ganhar a conta publicitária da estatal federal: - No final de 2003, houve uma festa preparada dois dias antes da divulgação do resultado da licitação, para os funcionários comemorarem a conquista da conta. O TCU (Tribunal de Contas da União) aponta sobrepreço em dois contratos dos Correios com a empresa Skymaster Airlines, contratada para o serviço de postagem noturna. A Diretoria de Operações da estatal, responsável pelo negócio, estaria na área de influência do secretário-geral do PT, Silvio Pereira. O contrato assinado em janeiro de 2004 previa gastos anuais de R$ 78 milhões. Num dos casos examinados, o TCU apurou acréscimo de 108% no valor contratado. O preço de um voo de R$ 213 mil, em dezembro de 2003, subiu para R$ 445 mil em 2004. O TCU compara valores de duas linhas aéreas exploradas pela Varig, nos patamares de R$ 115,7 mil e R$ 27 mil. No caso dos Correios, os custos dos mesmos serviços subiram, sem justificativas, para R$ 229,2 mil e R$ 75 mil. 41 23/6/2005 A publicitária Maria Christina Mendes Caldeira, ex-mulher do presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), conversa com a repórter Angélica Santa Cruz, do jornal O Estado de S. Paulo. Conta detalhes de como o deputado costumava pagar as despesas, sempre em dinheiro vivo, inclusive quando comprava bilhetes aéreos para viagens internacionais: - Teve uma época em que comecei a reclamar muito e ele passou a usar eventualmente um cartão. Mas ele mantinha um cofrão em nossa casa que parecia um armário. Tenho as notas fiscais desse cofre. Quando nos separamos, saí denunciando a existência dele. E o Valdemar mandou uma empresa ir lá retirar o cofre. Maria Christina insinua que houve a “compra” de um pequeno partido político, o PST (Partido Social Trabalhista). A adesão do PST ao PL teria sido obtida com dinheiro vindo de uma agência de publicidade. A agência, por sua vez, teria um contrato com uma empresa estatal. Maria Christina não acrescenta maiores detalhes: - Tenho provas de que ele usa verbas do PL em despesas pessoais. Ele tem dois carros em Moji que estão em nome do partido. Tenho cópias de cheques que passei para empresas que mobiliaram nossa casa e que saíram em nome do partido. 42 24/6/2005 Levantamento feito pela revista Isto É escancara saques milionários de dinheiro vivo, em contas bancárias das agências de publicidade SMPB e DNA, de Marcos Valério. Só no período que vai de julho de 2003 a maio de 2005, R$ 20,9 milhões foram retirados do Banco Rural, em Belo Horizonte. 84 Os dados em poder do Ministério Público foram obtidos junto ao Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) e se referem a retiradas superiores a R$ 100 mil. O relatório registra os saques de R$ 16,5 milhões de contas da SMPB. Da DNA, outros R$ 4,4 milhões. Houve 103 saques na boca do caixa, média de uma retirada por semana, sempre em valores acima de R$ 100 mil. As investigações identificaram que duas pessoas faziam os saques. Uma delas, Geyza Dias dos Santos, da SMPB, havia sido mencionada por Fernanda Karina Ramos Somaggio. Da Isto É: “Em janeiro de 2004, por exemplo, foram retirados R$ 2,8 milhões. Em setembro do mesmo ano foi retirado R$ 1,3 milhão. Em 2003 se deram os maiores saques nas contas das duas empresas: R$ 11 milhões, no total. Apenas entre setembro e outubro foram feitos 20 saques na seguinte sequência: seis de R$ 250 mil, quatro de R$ 300 mil, três de R$ 100 mil, dois de R$ 200 mil, um de R$ 112 mil, um de R$ 350 mil, um de R$ 500 mil (o maior deles, no dia 10 de outubro) e um último de R$ 385 mil. Em 2003, os saques somaram R$ 11 milhões. No ano passado, as retiradas chegaram a R$ 10 milhões.” Divulgado relatório da comissão de sindicância realizada no IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). Detalha operações suspeitas de irregularidades que envolvem o presidente da estatal, Lídio Duarte, indicado pelo PTB, e o diretor comercial, Luiz Eduardo Pereira de Lucena, da cota do PP no governo Lula. O documento indica conluio entre os dois altos funcionários do IRB e executivos das estatais Furnas Centrais Elétricas, Eletrobrás e Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária) para favorecer de forma ilegal três corretoras de seguro: a Assurê, de Henrique Brandão, amigo do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), e as empresas Cooper Gay, uma multinacional inglesa, e Alexander Forbes, de origem sul-africana. A comissão de sindicância recomenda a abertura de processo criminal por tráfico de influência e ação cível por improbidade administrativa contra os dois dirigentes do IRB. Eles concederam vantagens indevidas às corretoras. O relatório implica em irregularidades os diretores do IRB Luiz Appolônio Neto, sobrinho do deputado Delfim Netto (PP-SP), e Carlos Murilo Goulart Barbosa Lima, que teria sido indicado para o cargo pelos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Edison Lobão (PFL-MA), que viria a ser nomeado ministro de Minas e Energia no segundo mandato de Lula, pelo PMDB. As corretoras citadas tiveram crescimento vertiginoso, graças a contratos de colocação de resseguros no exterior. Para a comissão de sindicância, os despachos que beneficiaram as empresas eram “desprovidos de fundamentação”. O relatório cita a empresa aérea TAM, cujo resseguro seria realizado pela corretora Alexander Forbes, indicada por Lídio Duarte e Luiz Eduardo Pereira de Lucena, apesar de não levar em conta recomendações da própria TAM. Os dois também teriam favorecido a Alexander Forbes em outra oportunidade, numa renovação de apólices do sistema Usiminas. Outro problema: a despeito de parecer técnico contrário, Luiz Eduardo Pereira de Lucena teria favorecido a Cooper Gay na renovação de seguro da Petrobras, contando com um “de 85 acordo” de Lídio Duarte. Em mais um contrato da Petrobras contrariando parecer técnico, Lídio Duarte teria operado de forma a favorecer a Cooper Gay ao contratar uma empresa. Para isso, escreveu um simples “a Cooper poderia ser testada neste tipo de negócio”. 43 25/6/2005 A revista Veja entrevista Marcos Valério. Descreve que o empresário “tem passado os dias trancado com um batalhão de advogados e mergulhado em documentos e fitas de vídeo”, com a finalidade de esmiuçar o depoimento de Roberto Jefferson (PTB-RJ) à Comissão de Ética da Câmara. Veja questiona Marcos Valério sobre saques em dinheiro com valores e datas compatí- veis às denúncias de Roberto Jefferson. Ele responde: - Reconheço que já fiz vultosas movimentações financeiras no Banco Rural. Tenho fazendas, compro animais. Lido com gado. Há fazendeiros que simplesmente não aceitam cheque. Tenho 13 cavalos de raça. - Quando e como o senhor conheceu Delúbio? - Em meados de 2002. Fui levado ao PT pelas mãos do deputado federal Virgílio Guimarães, meu conterrâneo da cidade de Curvelo (MG). Aí eu pedi e ele me apresentou à maioria do pessoal do PT, inclusive o Delúbio. - Como foi o processo de aproximação com os outros líderes do PT? - Foi também pelo Virgílio. Foi ele quem me apresentou ao ministro José Dirceu e a João Paulo Cunha. Marcos Valério fala da amizade com Delúbio Soares: - Nunca neguei que sou muito, mas muito amigo mesmo do Delúbio. Eu sou do interior, bicho do mato. O Delúbio é goiano, bicho do mato também. Houve aquela afinidade. A revista pergunta sobre as 13 vezes que Marcos Valério esteve na sede do PT em Brasília, em 2005. Resposta: - Fui tomar cafezinho com meu amigo Delúbio. Discutíamos futilidades e um pouco de política. Evasivo, o empresário admite ter ido aos gabinetes dos ministros da Saúde, Humberto Costa (PT-PE), e dos Transportes, Anderson Adauto (PL-MG), discutir política e campanhas eleitorais. Quantas vezes Marcos Valério esteve com o ministro José Dirceu (PT-SP)? - No período em que foi ministro, três ou quatro vezes, no máximo. Por telefone, devo ter falado duas vezes, logo no início do governo. Nossos encontros foram por acaso. - Segundo relato de empresários ouvidos por Veja, o senhor foi visto várias vezes no Palácio do Planalto, na ante-sala do gabinete do ministro José Dirceu. - Fui mesmo várias vezes ao Palácio do Planalto. Estive lá para visitar uma conterrânea do Delúbio, chamada Sandra Cabral. - Sandra Cabral é assessora-chefe da Casa Civil. Que assuntos o senhor tinha para conversar com o braço-direito do então ministro José Dirceu? - Ela é de Goiás, como o Delúbio. Como ele tem interesse em ser candidato a deputado federal, eu e a Sandra discutíamos os projetos do Delúbio. Conversamos muito sobre isso. - O senhor está dizendo que esteve quatro ou cinco vezes no Palácio do Planalto 86 apenas para conversar com a assessora-chefe da Casa Civil sobre uma provável candidatura do tesoureiro do PT a deputado federal? - É isso mesmo. A Sandra é amiga do Delúbio e estava preocupada com a campanha dele. Três dias depois de mencionada na entrevista de Marcos Valério, Sandra Cabral faria declarações a jornalistas na sede nacional do PT, em São Paulo. Diria não ver nada de errado em tratar da eventual candidatura de Delúbio Soares no Palácio do Planalto, sede do governo: - O Planalto, no nosso governo, felizmente, é um palácio aberto. Não só à imprensa, como a qualquer outra pessoa que entra a qualquer hora. Meu gabinete é absolutamente aberto. Após a entrevista, foi anunciada a saída de Sandra Cabral da Casa Civil. 44 26/6/2005 A Folha de S.Paulo informa que o patrimônio de Marcos Valério subiu de R$ 3,8 milhões para R$ 6,7 milhões, em apenas um ano. Justamente de 2002 para 2003, no primeiro ano do governo Lula. O jornal esclarece que praticamente todos os bens do empresário estão em nome dos filhos e da mulher, Renilda Santiago. O casal possui imóveis, carros de luxo e tem aplicações financeiras. A Folha descreve ganhos de Marcos Valério: “Em 2002, recebeu das agências de publicidade (e coligadas) das quais é sócio R$ 504 mil a título de lucros e dividendos. No ano seguinte, foram R$ 2,95 milhões. Ou seja, o retorno que as empresas lhe proporcionaram no primeiro ano do governo Lula foi quase seis vezes maior do que em 2002.” 46 28/6/2005 A Polícia Federal analisa documentos apreendidos nos setores de contabilidade das empresas de Marcos Valério, mas não encontra registros de transações com gado ou cavalos. Valério mencionara negócios no setor pecuário para justificar saques em dinheiro de R$ 20,9 milhões, feitos no Banco Rural. A investigação constatou número diferente: no governo Lula, o patrimônio de Valério teria saltado de R$ 2 milhões para R$ 6,7 milhões. Pecuaristas estranham as alegações de Valério. R$ 20,9 milhões seriam suficientes para adquirir até 50 mil cabeças de bezerro de engorda, mas o nome de Valério é desconhecido no mercado de leilões de gado. Declaração de Daniel Bilk Costa, presidente do Sindicato Nacional dos Leiloeiros Rurais: - Os poucos pecuaristas que têm mais de 5 mil cabeças de gado são conhecidos. Ninguém que gasta R$ 20 milhões, em dinheiro e à vista, fica no anonimato. A agência de publicidade DNA foi multada em R$ 63,2 milhões pela Receita Federal em novembro de 2004, por movimentação financeira incompatível com a receita da empresa. A agência administrou R$ 268 milhões naquele ano, quantia acima do que poderia faturar com serviços de publicidade. Suspeita-se de dinheiro de caixa 2. As agências de Valério detêm cinco importantes contas de publicidade no governo Lula: Banco do Brasil, Eletronorte, Correios, Ministério do Trabalho e Ministério do Esporte. 87 A secretária Fernanda Karina Ramos Somaggio depõe no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Faz novas revelações sobre Marcos Valério: - Quando o senhor Marcos ia a Brasília, sempre no dia ou no dia anterior eram sacadas grandes quantias de dinheiro, pela Geyza ou pelos boys. Os boys falavam que tinha saque de R$ 1 milhão. O dinheiro era levado para o Departamento Financeiro da agência, onde a Simone e a Geyza dividiam os maços e colocavam nas malas. - O senhor Marcos passava na empresa e pegava as malas para levar no avião fretado. Algumas vezes, a Simone diz que ficava em um hotel em Brasília, dentro de um quarto, o dia todo, contando dinheiro. E era um entra e sai de homem que ela ficava muito cansada. Ela só contava dinheiro e passava para essas pessoas. A funcionária Geyza Dias dos Santos trabalha no Departamento Financeiro da SMPB com a gerente Simone Vasconcelos. Simone também usava quartos do hotel Grand Bittar, em Brasília, onde se hospedava, para repartir o dinheiro da propina. Os boys são Marquinhos e Orlando, cujo trabalho era retirar dinheiro no Banco Rural e no Banco do Brasil e transportá-lo até a agência. Fernanda Karina entrega a agenda de trabalho ao Conselho de Ética, com anotações do período em que foi secretária de Marcos Valério. Lista quatro encontros do empresário com Marcus Vinicius di Flora, secretário-adjunto da Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Traz referências a Márcio Lacerda, secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional, braço-direito do ministro Ciro Gomes (PSB-CE). Uma ordem de Marcos Valério: é para deixar motorista à disposição de Delúbio Soares, sempre que o tesoureiro do PT estiver em Belo Horizonte. Apontamentos na agenda Fernanda Karina registram encontros de Marcos Valério com os deputados José Mentor (PT-SP) e João Magno (PT-MG). Tem lembrete para a secretária presentear Marcus Vinicius di Flora e outro deputado, João Paulo Cunha (PT-SP), com canetas Mont Blanc. O nome do tesoureiro nacional do PL, Jacinto Lamas, homem de confiança do deputado Valdemar Costa Neto (SP), aparece três vezes. A agenda também registra o nome do petista Henrique Pizzolato, diretor de Marketing do Banco do Brasil, com quem Marcos Valério também se encontrava com certa frequência. As retiradas de dinheiro, segundo a secretária Fernanda Karina: - Os saques eram feitos antes das reuniões do senhor Marcos com os senhores Delúbio e Silvio Pereira, marcadas por mim nos hotéis Blue Tree Towers em Brasília, e Sofitel em São Paulo. O senhor Marcos só dizia que era para os amigos de Brasília. “Detalhes” da agenda de Fernanda Karina: em 3 de dezembro de 2003, dois dias antes de reunião entre Marcos Valério e Silvio Pereira, secretário-geral do PT, o empresário sacou R$ 200 mil. Alguns dias depois, em 11 de dezembro, novo encontro com Silvio Pereira. Na véspera, retirada de R$ 120 mil. Outra anotação, esta de outubro de 2003: mandar flores a Silvio Pereira, um presente pelo nascimento da filha do secretário-geral. “Parabéns pela vinda de Luana. Que seja feliz”, diz o recado, ditado por Marcos Valério. 47 29/6/2005 Apesar da resistência da base aliada do governo Lula, o Senado instala a CPI dos Bingos. Na CPI dos Correios, os governistas trabalham contra a quebra dos sigilos bancá- 88 rio, fiscal e telefônico de Marcos Valério. O esforço é em vão. Vencidos, a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) e o deputado Maurício Rands (PT-PE) tentam impedir o depoimento de Marcos Valério. Vencidos mais uma vez, insistem na definição de uma pauta restrita, limitando o questionamento ao empresário ao caso dos Correios. Não querem indagações acerca de saques em dinheiro vivo ou perguntas sobre as amizades de Marcos Valério dentro do governo Lula e do PT. Marcos Valério, por sua vez, presta depoimento à Polícia Federal. Ao lado dele, três advogados para orientá-lo. Agora, ele nega ter usado dinheiro vivo para comprar gado, como havia declarado à revista Veja. Em sua nova versão, o dinheiro serviu para pagar fornecedores de empresas, comprar ativos e distribuir lucros entre os sócios. Sem maiores detalhes. Depois da Polícia Federal, Marcos Valério presta esclarecimentos à Comissão de Sindicância da Câmara dos Deputados. Não dá informações sobre os “ativos” nos quais teria aplicado o dinheiro sacado. Em relação à entrevista à revista Veja, teria sido só uma “brincadeira”. Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, o deputado José Múcio (PE), líder do PTB na Câmara, confirma ter participado de jantar na casa de Roberto Jefferson (PTB-RJ), em Brasília, em março de 2005. Estavam presentes José Genoino, presidente nacional do PT, e os tesoureiros do PT e do PTB, Delúbio Soares e Emerson Palmieri. O encontro serviu para Jefferson pedir mais R$ 4 milhões ao presidente do PT. Com o dinheiro, acertaria a segunda parcela dos R$ 20 milhões prometidos pelo partido de Lula ao PTB, para gastos supostamente efetuados na campanha eleitoral de 2004. José Múcio também confirma reunião anterior, realizada em junho de 2004, na sede do PT, em Brasília, com as presenças de Roberto Jefferson, Emerson Palmieri, José Genoino, Delúbio Soares e do secretário de comunicação do PT, Marcelo Sereno, para fazer o acordo dos R$ 20 milhões. Para registrar: até o jantar de março de 2005, José Múcio desconhecia que o PT já havia repassado R$ 4 milhões para o PTB. Palavras dele: - Foi quando ouvi falar nos R$ 4 milhões e quando o Roberto pediu outros R$ 4 milhões para regularizar a situação, porque ele tinha ficado numa situação extremamente desconfortável no partido, por causa do acordo não cumprido dos R$ 20 milhões. Ele disse: “Com R$ 4 milhões resolvo o problema”. Com elegância, José Múcio insinuou que Roberto Jefferson, presidente do PTB, teria ficado com os R$ 4 milhões para si: - Tenho quase certeza absoluta de que não chegou ao partido. Aqui, José Múcio se distancia de Roberto Jefferson, a quem servia como líder do PTB na Câmara. A recompensa por isso virá no segundo mandato de Lula, no qual será nomeado líder do governo na Câmara, ministro das Relações Institucionais e ministro do TCU (Tribunal de Contas da União). Prestam depoimento no Conselho de Ética, ainda, José Genoino e a deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO). José Genoino admite conhecer Marcos Valério: 89 - Eu estive apenas algumas vezes com ele, na sede do PT, para cumprimentar, numa relação social, na medida em que ele tinha relação mais próxima com o companheiro Delúbio Soares. Raquel Teixeira relata telefonema de Alon Feuerwerker, assessor do ministro Aldo Rebelo (PC do B-SP), nos dias seguintes à entrevista na qual Roberto Jefferson (PTB-RJ) revelou a existência do mensalão. - Ele disse que o objetivo era tratar de uma emenda minha de R$ 1 milhão. A Folha de S.Paulo publica reportagem de Cláudia Trevisan, segundo a qual o PT emprestou R$ 3,6 milhões do Banco Rural em 2003, apesar de jamais ter tido conta na institui- ção financeira até Lula vencer as eleições de 2002. Em dezembro de 2004, o valor do empréstimo atingira R$ 5,1 milhões. Outro dado: quando o PT conseguiu o financiamento dos R$ 3,6 milhões, estava com o patrimônio líquido negativo, em R$ 4,2 milhões. Não era recomendável que um banco concedesse crédito. Além do Banco Rural, o banco BMG. A Folha revela que o segundo banco, também com sede em Belo Horizonte, emprestou outros R$ 2,4 milhões ao PT em 2003. A dívida junto ao BMG chegou a R$ 2,7 milhões em 2004. O Banco do Brasil, por sua vez, único credor do PT em 2002, aumentou o nível de financiamentos ao partido. Dos R$ 705 mil registrados em 2002, foram R$ 1 milhão no ano seguinte. Em 2004, R$ 3,5 milhões. Ao mesmo tempo, o patrimônio líquido do PT alcançava R$ 24,7 milhões, negativos. 48 30/6/2005 Roberto Jefferson no ataque. A Folha de S.Paulo publica novas acusações do presidente nacional do PTB. Agora, um esquema de desvio de dinheiro engendrado na empresa Furnas Centrais Elétricas. A maracutaia envolveria o diretor de Engenharia da empresa, Dimas Toledo. Ele teria se reunido com Roberto Jefferson, na casa do deputado, em 13 de abril de 2005. Roberto Jefferson diz à repórter Renata Lo Prete que “sobram” R$ 3 milhões por mês em Furnas. A operação teria sido relatada por Dimas Toledo. A divisão do dinheiro: R$ 1 milhão para o PT nacional, repassado ao tesoureiro Delúbio Soares; R$ 1 milhão para o PT de Minas Gerais, levado ao partido pelo diretor de Administração de Furnas, Rodrigo Botelho Campos; e R$ 1 milhão dividido meio a meio: R$ 500 mil para a diretoria de Furnas e R$ 500 mil para alguns deputados que deixaram o PSDB e ingressaram no PTB. O presidente do PTB nomeou três deputados desse grupo: Osmânio Pereira (MG), Salvador Zimbaldi (SP) e Luiz Piauhylino (PE), sendo que o último já se transferira novamente, para o PDT. Coube ao grupo indicar o diretor de Finanças de Furnas, José Roberto Cesaroni Cury. A história, confusa, vai até Lula. Jefferson explica: o PTB havia escolhido Francisco Pirandel para ser o diretor de Engenharia, no lugar de Dimas Toledo. No loteamento do governo Lula, coubera ao partido nomear o cargo ocupado por Toledo. Informado da “sobra” dos R$ 3 milhões por Toledo, que lutava para manter o cargo, Jefferson contou tudo ao ministro José Dirceu: 90 - Tudo o que o Dimas me explicou eu relatei depois ao Zé Dirceu. Ele confirmou que era isso mesmo. Percebi claramente que o Zé Dirceu estava jogando contra a nomeação do Pirandel. A proposta de José Dirceu, segundo Roberto Jefferson: - “Roberto, vamos resolver esse negócio por cima. Deixa o Dimas lá. A gente faz um acerto direto entre o PT e o PTB”. Jefferson aceitou. Em 26 de abril de 2005, no Palácio do Planalto, o último encontro de Jefferson com o presidente. Lula foi logo cobrando, não estava satisfeito com a situação em Furnas: - “Roberto, por que está demorando tanto?” Jefferson responde que estava sofrendo pressões, mas sem dar detalhes. E diz aceitar uma “solução de compromisso”. Lula não quer: - Nada disso. O Dimas vai sair. Pouco mais de duas semanas depois, a revista Veja publicava a gravação com Maurício Marinho, em que Jefferson aparecia como o chefe da corrupção nos Correios. Veio a crise do mensalão e a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff (PT-RS), suspendeu tudo. Dimas Toledo ficaria no cargo. Neste ponto, com as novas denúncias de Roberto Jefferson, o Palácio do Planalto exonera todos os diretores de Furnas mencionados por Jefferson. Para diminuir o desgaste, uma nota da estatal federal pontua que os afastados “solicitaram licenças de seus cargos, até que as apurações necessárias estejam concluídas”. Caem Dimas Toledo, com 35 anos de Furnas, José Roberto Cesaroni Cury e Rodrigo Botelho Campos, ex-vice-presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores, ligada ao PT), indicado do PT. Em mais uma sessão tumultuada, Roberto Jefferson presta depoimento à CPI dos Correios. Ele admite que pediu dinheiro ao diretor de Administração dos Correios, Antônio Osório: - Eu pedi a ele que, se possível, na relação com qualquer empresário privado, ele pudesse no final ajudar o caixa oficial do partido. Jefferson também chama para si a responsabilidade sobre o destino dos R$ 4 milhões que, segundo ele, foram repassados ao PTB pelo PT. Recusa-se a dar nomes de supostos beneficiários do dinheiro. - Não admito que o partido pegou, morre comigo a informação. Não vou prejudicar os inocentes, recebo na pessoa física, por omissão do presidente do PT e erro meu. O foco do depoimento, o pagamento de mensalões: - Na raiz do mensalão está o troca-troca de partido. Até luvas de R$ 1 milhão e financiamento de R$ 30 mil de taxa de manutenção nós já temos. - O senhor Marcos Valério, versão moderna e macaqueada do senhor PC Farias, sacava R$ 1 milhão por dia nas contas do Banco Rural. Ou sacava em Minas Gerais ou no prédio do banco no Brasília Shopping, no nono andar, onde muitos assessores dos que recebem mensalão, que estão registrados na portaria, subiam até o escritório do banco para receber R$ 30 mil, R$ 40 mil, às vezes R$ 20 mil ou até R$ 60 mil. 91 - Tem que procurar no Banco do Brasil também, porque recordo que, dos recursos que recebi do PT, 60% eram notas etiquetadas do Banco do Brasil. Jefferson chuta o pau da barraca: - Não há, povo do Brasil, cidadãos do Brasil, eleição de deputado federal que custe menos de R$ 1 milhão ou de R$ 1,5 milhão. Mas a média, aqui na CPI e na Câmara, na prestação de contas, é de R$ 100 mil. Não há eleição de senador que custe menos que R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões, mas a prestação de contas, na média, é R$ 250 mil. Esse processo começa na mentira e deságua no PC Farias, nos outros tesoureiros e, agora, no senhor Delúbio e no senhor Valério. - É de deixar a gente perplexa. Ou alguém tem dúvida que a campanha mais rica de 2002 foi a campanha do PT? A mais milionária, a mais poderosa de todo o Brasil, do Oiapoque ao Chuí? E as declarações da Justiça Eleitoral não traduzem a realidade. Nem a minha, porque é igual à dos senhores. - Participei no passado de uma CPI, a CPI do PC, como advogado. Tentei fazer naquela CPI o que vi ontem aqui por parte de alguns políticos: impedir que as investigações avançassem. Procurei evitar que os fantasmas do PC Farias pudessem viver à luz do dia. E, nessa inversão de papéis, vi que muitos que ontem exorcizavam tais fantasmas agora estão caçando eles. Só que não são mais os fantasmas de PC. São os fantasmas do Delúbio e do Marcos Valério. - PC Farias é pinto perto do que se vê de corrupção no PT. O deputado Henrique Fontana (PT-RS) acusa Roberto Jefferson de ter servido “ao mais corrupto governo da história do Brasil, o de Fernando Collor de Mello”. Jefferson retruca: - Servi também ao de vossa excelência! E vai em frente: - Não tente empurrar nada para o PTB. No Rio Grande do Sul, o governo do PT viveu o escândalo do apoio dos bicheiros e tentou jogar tudo para debaixo do tapete. Bicheiros e Waldomiro Diniz são coisas do PT. - O PT, que fez da ética e da moralidade a sua bandeira, rasgou agora a bandeira. A mim isso não traz felicidade. Chafurdou, se sujou como os outros no passado, nos quais atirou pedra. E para que isso não se repita temos de enfrentar a raiz do financiamento eleitoral. Esses fantasmas que ficam rondando o poder, Delúbio, PC Farias, Valério, é sempre a mesma prática. - Não vim aqui mendigar em favor do meu mandato. Já passei dele. Não vim perorar pelo deputado, absolutamente. Enfrento uma luta aqui como cidadão, como homem, como chefe de família. Saio do Congresso da maneira que entrei, pela porta da frente. Ninguém vai me colocar de joelhos e com o rabo entre as pernas. Ninguém vai me acanalhar. Não faço papel do herói, porque não sou melhor que os senhores, sou igual. Não faço papel de vilão porque não sou, porque os senhores e senhoras não são melhores do que eu. Já no final do depoimento, mais uma denúncia: Marcos Valério, em reunião intermediada pelo tesoureiro Delúbio Soares, ofereceu um negócio que renderia R$ 100 milhões ao PT e ao PTB. Uma operação no coração do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). Jefferson tinha de convencer o presidente do IRB, Luiz Appolônio Neto, a fazer uma transferência de 92 US$ 600 milhões de aplicações do IRB. Luiz Appolônio Neto fazia parte do círculo de influência de Jefferson. A comissão do negócio, os tais R$ 100 milhões: - O Marcos Valério pediu que eu influenciasse na operação de transferência de US$ 600 milhões de uma conta que o IRB tem no exterior, não sei se na Inglaterra ou na Suíça, para o Banco Espírito Santo, em Portugal. A proposta de Marcos Valério teria sido feita em abril de 2005, na sede do PTB, em Brasília. Na época, o Banco Espírito Santo manteria interesses no Brasil. Roberto Jefferson conta que, em seguida, telefonou para José Genoino, o presidente nacional do PT. Contoulhe o que ouviu. Disse assim: - “Zé, esse cara é doido, ele acha que chove dinheiro, que dinheiro dá em árvore.” Resposta de José Genoino: - Fica tranquilo, que ele resolve. 50 2/7/2005 A revista Veja traz detalhes da “sociedade secreta” entre Marcos Valério e o PT. A reportagem de Alexandre Oltramari conta a história do empréstimo de R$ 2,4 milhões do BMG ao PT. A operação foi avalizada por José Genoino, Delúbio Soares e Marcos Valério. O empréstimo, de fevereiro de 2003, não foi quitado pelo PT. O partido acabou socorrido por Valério. O empresário pagou uma das parcelas da dívida, no valor de R$ 350 mil. De posse dos documentos que comprovavam a transação, Veja perguntou ao presidente do PT se Marcos Valério assinou aval para o partido. Com a palavra, José Genoino: - Não sei de nada disso, não. Eu tenho de me informar. Acabei de descer do avião... Acho que não tem isso. Vou me informar. Me liga em uma hora. Uma hora depois, na sede do PT em São Paulo: - Olha, não tem isso, não. O que temos com o Marcos Valério são dívidas de campanha de políticos que ele fez para a gente como publicitário. - Ele nunca foi avalista do PT em alguma operação bancária? - Nunca. Ele nunca foi avalista do PT. Não tem isso, não. A transação é comprometedora porque as agências de publicidade de Marcos Valério, como se sabe, dispõem de contratos com o Governo Federal avaliados em R$ 144,4 milhões. Da reportagem: “Isso mostra a existência de um ciclo conhecidíssimo, mas que raramente se consegue trazer à luz com tanta nitidez como agora: o dinheiro sai dos cofres públicos, faz uma escala na conta da agência de publicidade e acaba aterrissando no caixa do PT.” Para entender melhor: “No início do ano passado, a empresa de participações de Valério, a Graffiti, que controla a agência de publicidade DNA, contraiu um empréstimo de mais de R$ 15 milhões e deu como garantia a receita de um contrato publicitário que, pouco antes, fora firmado entre a SMPB e os Correios.” O repórter quis ouvir Valério. Ele havia negado em entrevista anterior que dera aval ao PT. Quem fala, porém, é o advogado e sócio, Rogério Tolentino: - Por orientação dos advogados, ele não vai fazer nenhuma afirmação que possa conflitar 93 com a defesa. Por isso, ele não pode confirmar, desmentir nem dar nenhum esclarecimento. A direção do BMG também foi procurada, para explicar por que o banco não executou as garantias do empréstimo. Afinal, a operação não fora quitada pelo PT. A explicação, em nota: “A direção do BMG não pode comentar as informações levantadas pela revista em respeito à lei do sigilo bancário.” As investigações mostram Marcos Valério no olho do furacão. Coincidem os saques de dinheiro no Banco Rural e o troca-troca partidário. O dinheiro saia do Banco Rural, os deputados deixavam a oposição e ingressavam na base aliada do governo Lula, em quatro partidos: PTB, PL, PP e o próprio PT. Dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) indicam retiradas de R$ 6,4 milhões, entre agosto e outubro de 2003. Foi um período de grande migração partidária. As bancadas dos quatro partidos governistas ganharam 16 deputados. O crescimento da base aliada prosseguiu depois. A bancada do PL subiu de 26 para 52 parlamentares. A do PTB, de 26 a 47. E a do PP, de 49 a 55. 51 3/7/2005 O programa Fantástico, da TV Globo, conta a história de uma mala de dinheiro entregue ao deputado José Borba (PMDB-PR), líder do partido na Câmara. José Borba esteve na agência do Banco Rural no Brasília Shopping em dezembro de 2003, quando ocorreram saques em dinheiro vivo. Relato da secretária Fernanda Karina Ramos Somaggio, entrevistada pelo Fantástico: Marcos Valério se encontrou com Borba três ou quatro vezes, em Brasília. E levou uma mala de dinheiro para o deputado. Diz Fernanda Karina: - Uma vez, eu me lembro que o senhor Marcos saiu com uma mala e foi para Brasília no avião do Banco Rural. E eu sabia que nessa mala tinha dinheiro. Ele pediu para eu ligar para o José Borba e depois para Delúbio ou Silvio Pereira, para dizer que estava indo para Brasília encontrar José Borba. José Borba nega conhecer Marcos Valério: - Nunca houve contato, nenhum encontro. 52 4/7/2005 Cai Silvio Pereira, o secretário-geral do PT. “Silvinho”, como é conhecido, disfarça o afastamento do partido com um pedido de licença. Entre outras coisas, ele foi acusado de organizar a distribuição de cargos no governo Lula, embora nunca tenha ocupado posição pública na administração federal. Costumava despachar dentro do Palácio do Planalto. É do grupo do deputado José Dirceu, o Campo Majoritário, corrente do PT que também abriga Lula. Silvinho ganhou notoriedade ao defender a permanência do governador Flamarion Portela (RR) no PT, apesar das acusações de desvio de verba que pesavam contra ele. O governador acabou cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). É possível que o afastamento de 94 Silvinho já tenha a ver com a história do jipe Land Rover que o secretário-geral ganhou de presente de uma empresa contratada pela Petrobras. O assunto ainda não é público. A imprensa põe as mãos em relatório de prestação de contas do PT, do ano de 2004. O documento foi registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Em dois anos, o partido do presidente Lula reconheceu que fez empréstimos de R$ 28,1 milhões junto ao Banco do Brasil, Banco Rural e BMG. O BMG entrou com R$ 2,4 milhões, e os detalhes foram revelados pela revista Veja. O Banco Rural, com outros R$ 5,1 milhões. E o restante, R$ 20,6 milhões, veio do Banco do Brasil, sendo a maior parte em contratos de leasing, para supostamente comprar 10 mil computadores e impressoras para o partido. A oposição estranha a relação entre o partido do presidente da República e o Banco do Brasil, que se recusa a divulgar garantias, avalistas, taxas de juros ou quaisquer dados sobre os contratos assinados com o PT. O Banco do Brasil também se nega a informar se as parcelas do empréstimo vêm sendo honradas pelo partido. Alega sigilo bancário. Balanço do próprio PT acerca do patrimônio líquido da sigla no final de 2004, porém, registra um resultado de R$ 24 milhões negativos. Outra revelação: apesar de o PT não ter saldado a operação de crédito de R$ 2,4 milhões feita em 2003, o BMG destinou no ano seguinte mais da metade das suas doações às campanhas eleitorais do partido do presidente da República. Os dados são do TSE. Dos 26 candidatos que receberam R$ 795 mil do BMG, 20 pertenciam ao PT. Ficaram com R$ 505 mil da bolada. Mais Marcos Valério. A Folha de S.Paulo apura que as agências DNA Propaganda e SMPB Comunicação, de Marcos Valério, registraram depósitos bancários de R$ 500 milhões em 2004: “Especialistas do meio publicitário ouvidos pela reportagem calculam, com base em estimativas de gastos das duas agências com a compra de espaço para veiculação de comerciais, que os ingressos de recursos nas contas da DNA e da SMPB são três vezes superiores ao que poderia ser justificado com a atividade de publicidade e propaganda em 2004.” No editorial “O amigo publicitário”, a Folha afirma que “a promiscuidade entre a vida financeira das empresas de Valério e a do PT tornou-se flagrante”: “O episódio não é apenas constrangedor. Trata-se de uma acintosa violação aos mais elementares princípios republicanos. O fato de um publicitário responsável por contas de órgãos governamentais pagar dívida do partido do presidente da República já é, em si, um escândalo.” A Agência Reuters divulga tabela com o cruzamento de dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda). Existem coincidências entre votações importantes no Congresso Nacional, para aprovar projetos de interesse do governo Lula, e saques de dinheiro das contas das empresas de publicidade de Marcos Valério. A análise contempla R$ 21 milhões em retiradas, durante dois anos. Média de um mensalão de R$ 30 mil por dia. Nas datas de votação de projetos importantes para o governo, os saques diários subiam para R$ 106 mil. 95 O levantamento: a votação em segundo turno da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados, em 24 de setembro de 2003, coincidiu com retiradas de R$ 1,2 milhão nos dias 23, 25 e 26 daquele mês. Em dezembro de 2003, a Reforma Tributária foi aprovada pelo Senado. Houve um novo pico de saques, no total de R$ 2,8 milhões, em janeiro de 2004. Em março de 2004, o governo Lula precisou de apoio para neutralizar as investigações sobre o caso Waldomiro Diniz. Também queria aprovar Medida Provisória contra as casas de bingo, para sinalizar que não compartilhava das irregularidades. Retiradas no período: R$ 1 milhão. Em seguida, mais R$ 700 mil, nos dias em que o Congresso debatia e aprovava o novo salário mínimo. Mais uma coincidência: a aprovação da Medida Provisória que deu status de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ocorreu em 1º de dezembro de 2004. Graças a ela, Meirelles ficou com foro privilegiado para se defender de denúncias de crime eleitoral, evasão de divisas, sonegação e lavagem de dinheiro. Dois dias antes, saques de R$ 480 mil no Banco Rural. 53 5/7/2005 Cai Delúbio Soares, o tesoureiro do PT acusado de tantas falcatruas. O afastamento é disfarçado de pedido de licença. Delúbio Soares desliga-se do PT, mas trata de proteger o presidente do partido, José Genoino. Isenta-o de qualquer responsabilidade nas decisões da área financeira do partido. E manda a surrada cantilena: acusa “conservadores” e “setores da direita” pelo escândalo do mensalão. Insiste: tudo não passa de manobra, cuja orquestração tem o objetivo de aprovar o impeachment de Lula. Integrante do Campo Majoritário do PT, Delúbio Soares é considerado por correligioná- rios e gente do próprio governo um “homem-bomba”. Sabe demais. Sempre teve fortes ligações com Lula. A amizade com o presidente vem dos tempos de sindicalismo. Foi dirigente da CUT. Em 2000, entrou para a direção executiva do PT. Lula era o presidente de honra do PT. Participou de reuniões no Palácio do Planalto. Sem ocupar cargo no governo, foi convidado para eventos oficiais. Esteve na comitiva de Lula em viagem à África. O líder do PMDB na Câmara, deputado José Borba (PR), volta atrás e agora admite conhecer Marcos Valério. José Borba, aliado do governo Lula, divulga nota à imprensa para refutar qualquer comportamento ilegal. O resultado é desastroso. Termina acusando Marcos Valério de negociar cargos no governo. A repercussão do caso faz Borba perder o cargo de líder do PMDB. A nota: “Nunca recebi do senhor Marcos Valério qualquer numerário ou recursos financeiros, limitando-se o relacionamento ao fato de que o mesmo fazia parte do grupo do PT, que exercia efetiva influência político-administrativa junto ao Governo Federal.” E mais: “O meu relacionamento com líderes do PT, integrantes de sua executiva nacional e o senhor Marcos Valério sempre foram delimitados pela tratativa da ocupação de cargos públicos, em razão de pleitos de integrantes de nossa bancada, sendo leviana e politiqueira qualquer especulação de favorecimento financeiro a deputados do PMDB”. E, por fim: “O que discuti com dirigentes do PT e o senhor Marcos Valério é o que 96 lideranças partidárias discutem hoje e sempre discutiram em todos os governos, a nomea- ção de seus partidários para cargos na administração”. O Congresso instala a CPI do Mensalão. Mais uma derrota do governo. Durante dez dias, a bancada governista, orientada pelo Palácio do Planalto, tentou impedir a comissão de inquérito. Em seu lugar, propunha apurar a compra de votos, com a alegação de que era preciso investigar a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), ocorrida em 1998. Agora, com três CPIs em funcionamento, muda a tática do governo. A base aliada parte para confundir as investigações, tumultuar os processos, dispersar os trabalhos e cansar a opinião pública. Desmoralizar as CPIs. Relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) em poder da CPI dos Correios indica que a agência DNA Propaganda recebeu, durante os primeiros dois anos e meio da era Lula, R$ 419,2 milhões em depósitos, numa conta do Banco do Brasil em Belo Horizonte. A metade do dinheiro, R$ 219 milhões, foi depositada irregularmente, sem identificação da origem dos recursos. O expediente contraria a legislação de combate à lavagem de dinheiro, que obriga os bancos a obter declarações dos clientes sobre a origem de depósitos com valores superiores a R$ 100 mil. Além disso, a informação sobre os depósitos precisa ser registrada no Banco Central. O relatório do Coaf também identificou, no último ano, uma movimentação de R$ 5,5 milhões, em dinheiro vivo. A quantia passou por uma conta da SMPB Comunicação, em agência do Banco Bradesco de Belo Horizonte. Marcos Valério obtém habeas-corpus para depor na CPI dos Correios sem correr o risco de ser preso. Investigações mostram que Jacinto Lamas, tesoureiro do PL, esteve 15 vezes na agência do Banco Rural no Brasília Shopping, nos dois primeiros anos do governo Lula. As visitas foram registradas no sistema de segurança do edifício. Em nove das 15 vezes, houve saques que totalizaram R$ 2,3 milhões. Jacinto Lamas frequentava o Banco Rural nos horários em que as agências bancárias estão fechadas, no começo da manhã ou no período noturno. O sistema de segurança também registrou o nome de Alexandre Chaves Rodrigues, motorista do então presidente do PTB, José Carlos Martinez. Esteve na agência em 14 de janeiro de 2004, dia de um saque de R$ 250 mil. 54 6/7/2005 Marcos Valério depõe na CPI dos Correios. Nega conhecer o mensalão. Nega envolvimento em quaisquer irregularidades. Não satisfaz. Alega que pagou “fornecedores” com saques em dinheiro vivo de R$ 20,9 milhões. Tampouco convence quando diz que “a amizade por Delúbio” foi o motivo que o levou a ser avalista do empréstimo bancário de R$ 2,4 milhões ao PT. Parlamentares fazem graça da versão. Temendo a execução da dívida, Valério resolvera pagar uma parcela do empréstimo, no valor de R$ 350 mil. 97 Valério admite ter se reunido com o presidente do Banco Rural e o ministro José Dirceu (PT-SP) no Palácio do Planalto. Rechaça a hipótese de ter sido beneficiado em licitação que escolhia agência de publicidade para atender os Correios. E responde se fez doações a campanhas eleitorais: - Se fiz alguma doação, foi dentro da lei... Doação, que me lembre, não. Como pessoa física, não fiz nenhuma doação. Os empréstimos de R$ 20,6 milhões do Banco do Brasil para o PT derrubam dois dirigentes do banco. Caem os vice-presidentes de Finanças, Luis Eduardo Franco de Abreu, ligado ao PT, e o de Varejo, Edson Monteiro. De novo o Coaf. Vem à tona que um procurador da Fazenda Nacional, Glênio Guedes, recebeu R$ 902 mil de Marcos Valério. Foram duas transferências, no final de 2003: uma de R$ 782 mil, outra de R$ 120 mil. À CPI, Valério disse ter conhecido o procurador num clube. Guedes foi afastado do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Motivo alegado: deu parecer a favor do arquivamento de um processo contra o Banco Rural. O jornalista Gilberto Alípio Mansur admite ter recebido R$ 300 mil da SMPB, por servi- ços prestados à agência de Valério. Suspeita-se que ele intermediou encontro de Valério com a direção da Editora Três, que edita a revista Isto É, para evitar a publicação de entrevista com Fernanda Karina. Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, Carlos Rodrigues (PLRJ), acusado por Roberto Jefferson (PTB-RJ) de ser um dos deputados operadores do mensalão, reconhece que se reuniu com Delúbio Soares e Silvio Pereira para fazer “negociações políticas”. Carlos Rodrigues lista as nomeações que fez no governo Lula: dois diretores da Companhia Docas do Rio, um diretor do Serviço de Patrimônio da União, o diretor-administrativo do Portus, fundo de pensão do sistema portuário, e um diretor do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). 55 7/7/2005 E surge mais um empréstimo guardado em segredo pelo PT. O site da revista Época na internet divulga operação de crédito no Banco Rural, de maio de 2003, no valor de R$ 3 milhões. O PT é o beneficiário e o avalista do empréstimo, mais uma vez, Marcos Valério. Ele assina a transação com o presidente petista, José Genoino, e com o tesoureiro, Delúbio Soares. Da reportagem dos jornalistas Ricardo Mendonça e Eliane Brum: “As novas revelações caíram como um petardo sobre a imagem pública do PT. E, da porta para dentro, o partido implodiu. Quando surgiu o primeiro empréstimo garantido por Valério, no BMG, Genoino negou sua existência depois de consultar o tesoureiro Delúbio Soares. Desmentido publicamente e desgastado, Genoino entrou em depressão e se confessou magoado com Delúbio, que não o teria informado corretamente. Na quinta-feira, quando foi procurado por Época para falar do novo empréstimo, a respeito do qual novamente não tinha o que explicar, o 98 presidente do PT deixou a mágoa de lado e passou a xingar Delúbio pelos cantos do partido, em São Paulo”. Fernanda Karina Ramos Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério, presta depoimento à CPI dos Correios. Reafirma denúncias e trata do relacionamento de Marcos Valério com o deputado José Mentor (PT-SP). O petista foi o relator da CPI do Banestado, uma comissão de inquérito encarregada de investigar remessas ilegais de dinheiro para o exterior, em 2004: - Uma vez, quando Mentor telefonou com uma notícia sobre a CPI do Banestado, o senhor Marcos Valério mandou que eu pegasse as 25 pastas suspensas em que ele guardava notas fiscais e de investimentos e picotasse tudo. Foram feitos quatro sacos de papel picado. O Marcos Valério só saiu da minha frente quando eu tinha picado tudo. Sobre a logística dos saques de dinheiro vivo no Banco Rural, em operações determinadas por Marcos Valério e tocadas por Simone Vasconcelos, pessoa de estrita confiança do empresário: - A Simone ligava, avisando que os boys iam passar no banco e a agência abria mais cedo. Eram dois ou três boys que se dirigiam ao banco para dar garantia, em caso de assalto. Acontecia pelo menos uma vez por semana. O dinheiro era acomodado em valises tipo 007, que ficavam no Departamento de Finanças da agência. O relator da CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), quer a confirmação de que o dinheiro ia mesmo para parlamentares no Congresso Nacional. Fernanda Karina Somaggio descreve o procedimento de Valério: - Ele falava algumas vezes com o Delúbio e depois ligava para outras pessoas, falando: “Olá, deputado. Amanhã vou estar em Brasília”. Um dia que eu o ouvi falando isso teve um saque, e ele viajou no dia seguinte. Movimentação bancária de Marcos Valério intriga a CPI e dá pistas sobre os caminhos da corrupção. Trata-se de um crédito de R$ 2,4 milhões, seguido de um débito no mesmo valor. A operação foi mapeada pela Receita Federal. Ocorreu no BMG, em nome da Graffiti Participações, empresa de Marcos Valério, em 14 de julho de 2004. O curioso é o valor do crédito, o mesmo da dívida de R$ 2,4 milhões contraída em fevereiro de 2003 pelo PT, com o aval de Marcos Valério, no mesmo BMG. Outra coincidência: naquele mesmo 14 de julho de 2004, Marcos Valério pagou R$ 350 mil da dívida do PT junto ao BMG. E mais: o Imposto de Renda da Graffiti não faz menção à origem do dinheiro, nem dá qualquer justificativa para o depósito de R$ 2,4 milhões na conta da empresa. A Câmara dos Deputados rompe contrato com a SMPB. A agência de Marcos Valério havia sido contratada por R$ 9 milhões em 2003, quando o presidente da Câmara era o deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Durante a vigência do contrato, o petista assinou dois aditivos, autorizando acréscimos de R$ 4,7 milhões nos gastos de publicidade. A Prefeitura de Osasco (SP), berço político de João Paulo Cunha e onde o prefeito, Emídio de Souza (PT), é aliado do ex-presidente da Câmara, anuncia o cancelamento de licitação 99 para contratar agência de publicidade. Do certame, no valor de R$ 3 milhões, participavam 17 empresas. Vinha sendo liderado pela SMPB. Marcos Valério já prestara serviços em Osasco durante a campanha eleitoral, por meio da Estratégia Marketing, contratada para assessorar o então candidato Emídio de Souza. Antes de anunciar o fim dos serviços da SMPB, o presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), sucessor de João Paulo Cunha, já havia autorizado mais R$ 8,2 milhões para a agência de Marcos Valério. Em cena, o ministro Luiz Gushiken (PT-SP). O publicitário Alarico Neves Assumpção prestava serviços à agência DNA de Marcos Valério. Aí, assumiu importante cargo na Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da Repúbica, comandada por Luiz Gushiken. Depois, acabou transferido para a SMPB, a outra agência de publicidade do mesmo Marcos Valério. Alarico Neves Assumpção ocupou o posto de diretor de Mídia da Secom. Foi responsá- vel pela supervisão de contas publicitárias do Governo Federal em ministérios e estatais. Antes de ir para a SMPB, atuou no comitê do governo Lula que negociava preços de anúncios e respondia por gastos públicos com propaganda oficial. A força de Luiz Gushiken vem da influência nos fundos de pensão de empresas estatais. O ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini (PT-SP), é aliado histórico de Luiz Gushiken. Foi ele quem indicou o nome de Adacir Reis para chefiar a poderosa SPC (Secretaria de Previdência Complementar). Ela regula os 366 fundos de pensão do País, responsá- veis por 960 planos de previdência complementar. Os fundos atendem 2,3 milhões de pessoas. Negócio de R$ 280 bilhões. Outro aliado de Luiz Gushiken, José Valdir Gomes, foi nomeado na diretoria de Assuntos Atuariais da SPC, para exercer o controle estratégico dos fundos de pensão. Já Sérgio Rosa é presidente da Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, o maior do País. Tem patrimônio de R$ 70 bilhões. Como Luiz Gushiken, Sérgio Rosa começou no Sindicato dos Bancários de São Paulo. Veio de lá também outra indicação de Luiz Gushiken: Wagner Pinheiro, presidente da Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, o segundo maior do País. Patrimônio de R$ 24,9 bilhões. Lula põe fim a boatos sobre a saída do ministro Luiz Gushiken: - Eu quero dizer aqui, para todo o mundo ouvir, que o companheiro Gushiken continuará dirigindo a Secom. O companheiro Gushiken cuida não apenas bem da Secretaria de Comunicação, mas do mundo de assuntos estratégicos, que é uma coisa extremamente importante. Eu acho que nós não podemos, a qualquer insinuação contra qualquer companheiro, a priori, achar que as pessoas são culpadas. O deputado José Dirceu (PT-SP), por sua vez, defende a permanência de José Genoino no comando do PT. Em reunião do Campo Majoritário, a corrente hegemônica do PT, o exministro fala em “conspiração das elites”: - Querem o impeachment do presidente Lula. É disso que se trata. Agora, o loteamento de cargos na Fundação Real Grandeza, fundo de pensão dos funcionários de Furnas, cujo patrimônio é de R$ 4,8 bilhões. A reportagem de Irany Tereza, do 100 jornal O Estado de S. Paulo, aponta um rateio entre os partidos políticos da base aliada do governo Lula: “A presidência do fundo foi entregue a Marcos Antonio Carvalho Gomes, funcionário de Furnas, ex-sindicalista e petista do grupo do deputado Jorge Bittar (PT-RJ), e os demais diretores são indicados pelo PTB, PMDB e PP, num convívio administrativo extremamente conflituoso.” Os investimentos do fundo de pensão estavam concentrados em bancos de segunda linha, como o BMG e o Banco Rural. As aplicações no Banco Santos, quebrado em 2004, provocaram perdas de R$ 153,6 milhões. Os “investimentos” no Banco Santos levaram ao afastamento do gerente de Investimentos do fundo, Benedito Siciliano, da cota do PTB. Ele foi dispensado, apesar dos protestos do diretor de Administração e Finanças, José Dias, nomeado pelo PMDB. De acordo com o Estadão, “aplicações desse tipo, de alto risco, costumam gerar do banco compromissos de elevada rentabilidade. A suspeita é de que parte desse rendimento seria desviada para financiar partidos políticos”. 56 8/7/2005 Os jornais estampam nas primeiras páginas as fotografias de uma bolada de dinheiro. Trata-se do conteúdo de uma maleta com R$ 200 mil e de outros US$ 100 mil, carregados escondidos dentro da cueca do assessor de um deputado do PT. Não qualquer deputado. José Adalberto Vieira da Silva, preso no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, trabalha para o deputado José Nobre Guimarães (PT-CE), líder petista na Assembléia Legislativa do Ceará, integrante do Diretório Nacional do PT e irmão do presidente nacional do partido, José Genoino (SP). Antes de se calar e se recusar a prestar esclarecimentos à Polícia Federal, José Adalberto Vieira da Silva age com rapidez para apagar a memória do telefone celular. Diz ser agricultor. O dinheiro em seu poder, resultado da venda de verduras. Desmascarado, confessa ser assessor do irmão de José Genoino. Usa o paletó para cobrir o rosto e esconder-se dos fotógrafos. José Nobre Guimarães, por sua vez, é um dos 14 parlamentares cujo nome aparece na agenda de Marcos Valério. Em entrevista, o deputado diz não saber por que seu nome está grafado entre os registros de Valério. Também ignora o que o assessor fazia em São Paulo. Deputado do Ceará, José Nobre Guimarães estava na capital paulista, no mesmo dia da prisão. Explicação dele: - Foi tudo uma grande armação para atingir a mim e ao Genoino. Vou desvendar esse mistério. Silvio Pereira, o ex-secretário-geral do PT, depõe na Polícia Federal. Define-se como “dirigente profissionalizado da executiva nacional do PT”. Salário, R$ 9.000 mensais. O delegado Luís Flávio Zampronha de Oliveira considera incompatíveis salário e patrimônio declarado: um apartamento em São Paulo, no valor de R$ 180 mil, uma casa de praia em Ilhabela (SP), avaliada em R$ 400 mil, e um jipe da marca Land Rover, no valor de R$ 80 mil, que, segundo o depoente, foi financiado. Veremos
57 9/7/2005 Caem José Genoino, presidente nacional do PT, e Marcelo Sereno, secretário de Comunicação do partido. Marcelo Sereno é do grupo de José Dirceu. Em 2008, ele voltaria à cena, como principal executivo da Grandiflorum Participações, compradora da refinaria de petróleo Manguinhos, no Rio. Já José Genoino, ligado diretamente a Lula, manteve o PT sempre próximo do Palácio do Planalto. Outro petista afastado: José Adalberto Vieira da Silva, assessor do deputado José Nobre Guimarães (PT-CE), irmão de José Genoino, o homem dos US$ 100 mil na cueca. Lula põe gente de seu primeiro time no PT. O ministro da Educação, Tarso Genro (PTRS), desliga-se do governo e assume a presidência do partido. O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini (PT-SP), vira secretário-geral. E o da Saúde, Humberto Costa (PT-PE), é o novo secretário de Comunicação. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Tarso Genro fala de uma “crise de coerência moral do partido”, com consequência “devastadora”: - O PT vive a pior crise da sua história. 59 11/7/2005 O Jornal Nacional, da TV Globo, leva ao ar conversa telefônica gravada pela Polícia Federal. Foi travada em agosto de 2004, quase dez meses antes de estourar o escândalo do mensalão. A fala é de Maria Auxiliadora de Vasconcellos, auditora fiscal do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social). Ela foi presa sob a acusação de integrar uma quadrilha de fraudadores. Na conversa com outra auditora, Maria Auxiliadora de Vasconcellos insinua que o ministro José Dirceu (PT-SP) e o ex-tesoureiro Delúbio Soares recebiam uma “mensalidade” da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro). Em troca da propina, haveria relaxamento na fiscalização de empresas fluminenses. No diálogo gravado, Maria Auxiliadora de Vasconcellos cita o ex-ministro da Previdência Social do governo Lula, Amir Lando (PMDB-RO): - Chegou às mãos do Almir Lando. Aí foi que ele disse: “Olha, na realidade, o que acontece é o seguinte: eu, no Rio de Janeiro, não vou mexer, porque eu me comprometi a não mexer. O Rio tem um contrato com a Firjan.” Ele mesmo abriu o jogo: “A Firjan dá uma mensalidade, dá não sei o quê, e quem vai buscar é o Delúbio de Souza, sei lá, Soares, para as empresas não serem fiscalizadas”. Outro trecho da gravação: - O Amir Lando é uma pessoa maravilhosa, é uma pessoa acessível, e ele foi muito claro ao dizer: “No Rio de Janeiro, eu realmente não vou mexer porque eu tenho compromisso com o José Dirceu”. O Ministério Público tem três testemunhas do suposto esquema de pagamento de propina para autoridades do Governo Federal por parte da Firjan. Os auditores receberiam ordens para não multar determinadas empresas. Em um caso investigado, houve pressão para anulação de uma multa. Após a autuação, o empresário multado obteria o cancelamento do processo, por interferência política. 102 60 12/7/2005 Caem os ministros Luiz Gushiken (PT-SP), da Secom, e Romero Jucá (PMDBRR), da Previdência Social. Romero Jucá, acusado de desviar dinheiro de um abatedouro de frangos, voltaria a ter forte influência na administração Lula no segundo mandato, como líder do governo no Senado e relator da CPI da Petrobras em 2009. Já Luiz Gushiken, integrante do “núcleo duro” de Lula, assegura por ora um cargo na assessoria do presidente. Vai cuidar de um certo Núcleo de Assuntos Estratégicos. A Secretaria de Comunicação e as verbas de propaganda da Presidência da República ficam por enquanto com a nova ministra da Casa Civil, Dima Rousseff (PT-RS). Em depoimento à CPI dos Correios, Eduardo Medeiros, diretor de Tecnologia dos Correios nomeado por influência de Silvio Pereira, garante: nada sabe sobre cobrança de propina por parte de funcionários da estatal federal, cujo cargo de presidente e seis diretorias, reconhece, foram loteados entre PMDB, PTB e PT. Ele admite que tomou conhecimento em duas ou três ocasiões do vazamento de informações acerca de especificações técnicas de licitações. Era “comum”, segundo ele, a visita de deputados aos Correios, acompanhados de empresários interessados em negócios com a estatal: - A maioria era do PMDB, naturalmente, porque o ministro, o presidente e três diretorias eram do PMDB. Durante o depoimento, surge o caso do empresário Vilmar Martins, da Metalúrgica Gadotti Martins Carrinhos Industriais. Ele denunciou licitação dirigida e a cobrança de propina no valor de 20% do valor da nota fiscal, que deveria ser entregue em dólares, sendo a metade nas mãos do próprio Eduardo Medeiros. A chantagem: se o dinheiro não fosse pago, os Correios não aceitariam a mercadoria e não haveria pagamento. Depois de negar conhecer o empresário, Eduardo Medeiros, pressionado, confessa ter conversado com Vilmar Martins, “dois ou três dias” atrás. Em outro depoimento à CPI, Antonio Osório, ex-diretor de Administração dos Correios, aponta na direção do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Ele teria pedido dinheiro a diretores da estatal indicados pelo PTB. Alegou precisar de recursos para o caixa de campanha do partido. O dinheiro deveria ser fornecido por empresários que mantinham contratos com os Correios. Antonio Osório se reuniu com Roberto Jefferson em mais de 50 ocasiões. A CGU (Controladoria-Geral da União) divulga relatório preliminar. Apurou 18 irregularidades em 69 contratos e licitações dos Correios. Um total de R$ 37,5 milhões em sobrepreços. Prejuízo potencial: R$ 79 milhões. A Polícia Federal faz operações sigilosas de busca e apreensão de documentos nas instalações do Banco Rural em Lagoa Santa (MG) e no Brasília Shopping. Quer comprovar o que disse José Francisco de Almeida Rego, ex-tesoureiro do banco. Ele deu detalhes de como a SMPB remetia dinheiro de Minas Gerais para Brasília. Segundo Almeida Rego, os saques se tornaram usuais desde o início de 2003, no primeiro ano da era Lula, e as retiradas chegaram a ultrapassar R$ 200 mil por operação realizada. O ex-tesoureiro recebia ligações da tesouraria da agência Assembléia do Banco Rural, em 103 Belo Horizonte, onde a SMPB mantinha conta bancária. Eram solicitações para pagamentos em Brasília. Por fax eram indicados os valores e os nomes dos sacadores. O tesoureiro tinha a responsabilidade de cuidar da liberação dos recursos junto ao Banco Central, e dos detalhes para a entrega. O dinheiro não deveria fazer volume. Por isso, vinha em notas de R$ 50 e R$ 100. Era levado para uma sala especial da agência. Ali as cédulas eram colocadas em bolsas que os próprios sacadores traziam. Tudo gente apressada que ia embora, em geral, sem conferir os valores. José Francisco de Almeida Rego relata que Simone Vasconcelos, executiva da SMPB em Belo Horizonte, fazia retiradas na agência do Brasília Shopping. Mas não levava o dinheiro com ela. Assinava recibos e listava os nomes daqueles que passariam depois para receber. Na maioria das vezes eram pacotes de R$ 50 mil ou R$ 100 mil. As pessoas, por determinação dela, não precisavam se identificar. A Polícia Federal confirma que localizou documentos comprovando saques em nome da SMPB na agência do Banco Rural em Brasília, mas estranhou a falta de identificação dos sacadores. 61 13/7/2005 Mais uma versão para o caso do petista preso com R$ 200 mil numa maleta e US$ 100 mil na cueca. No início, José Adalberto Vieira da Silva alegou ser agricultor e o dinheiro, resultado da venda de verduras. Agora, o deputado José Nobre Guimarães (PTCE), chefe dele, envolve outro assessor de seu gabinete, José Vicente Ferreira. Os dois iriam usar o dinheiro para abrir uma locadora de veículos em Aracati (CE), em sociedade com um terceiro petista, Kennedy Moura Ramos. Diz o deputado Guimarães: - Isso comprova que eu não tenho nada a ver com esse caso, nem o PT e muito menos o ex-presidente nacional do partido. José Nobre Guimarães afirma que tudo foi uma “armação” contra o PT. Manifesta-se “decepcionado” e “traído” pelo assessor preso. A primeira pessoa que José Adalberto Vieira da Silva avisou ao ser detido foi Kennedy Moura Ramos. Ele é assessor especial da presidência do BNB (Banco do Nordeste do Brasil). O presidente, Roberto Smith, também pertence às fileiras do PT. Da mesma forma que Kennedy Moura Ramos, assumiu o cargo por conta da amizade e ligação com José Nobre Guimarães, o irmão de Genoino. Kennedy Moura Ramos, ex-marido da presidente do PT do Ceará, Sônia Braga, foi assessor jurídico de José Nobre Guimarães. Kennedy Moura Ramos é responsável pelas finanças do PT no Ceará. Avisou José Nobre Guimarães da prisão do assessor. Pede exonera- ção dos quadros do BNB. Em depoimento à CPI dos Bingos, o empresário de jogos Carlos Augusto Cachoeira, o “Carlinhos Cachoeira”, ataca Waldomiro Diniz. Segundo ele, o ex-subchefe da Casa Civil e assessor direto do ex-ministro José Dirceu (PT-SP) pediu propina de R$ 100 mil a R$ 300 mil, em troca de favorecimento em licitação. Na época, Waldomiro Diniz presidia a Loterj, estatal que administra loterias no Rio. Waldomiro Diniz teria dito que o dinheiro era para financiar campanhas eleitorais. Para Carlinhos Cachoeira, Diniz agia sozinho: - Em todas as conversas, no final, era pedida propina. O Waldomiro dizia: “Quero 1% do 104 contrato bruto”. Ele sempre pedia dinheiro para campanha. Hoje, tenho certeza de que esse dinheiro ficava com ele. 62 14/7/2005 O Jornal Nacional, da TV Globo, noticia que assessores e até familiares de deputados do PT estiveram no Banco Rural, na agência do Brasília Shopping, local de pagamento do mensalão. Anita Leocádia Pereira Costa, assessora do líder do PT na Câmara, deputado Paulo Rocha (PA), foi à agência duas vezes. Reação do deputado Rocha: a funcionária foi fazer consulta médica em uma clínica neurológica, que também funciona no prédio. Márcia Milanésio Cunha, casada com o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), esteve no Banco Rural três vezes. Reação de João Paulo Cunha, por meio de nota à imprensa: a mulher esteve na agência bancária para resolver problema relativo ao pagamento de uma conta de televisão a cabo. O presidente do PT na Bahia, deputado Josias Gomes, foi pessoalmente ao Banco Rural. Explicação dele: - Como havia almoçado no shopping, fui ao banco pedir uma informação. Não fiz saques. Os três não contaram a verdade. Azeda o caso do assessor do deputado José Nobre Guimarães (PT-CE), preso com R$ 200 mil numa maleta e US$ 100 mil na cueca. A matéria vai ao ar pelo Jornal Nacional, da TV Globo. Kennedy Moura Ramos, petista afastado do BNB (Banco do Nordeste do Brasil) em consequencia do escândalo, não gostou de ser envolvido na história pelo deputado José Nobre Guimarães. Não engoliu a versão de que o dinheiro serviria para abrir uma locadora de carros no interior do Ceará. A entrevista ao JN: - Não sei que rancores fizeram com que o deputado me fizesse uma vinculação a uma empresa que nunca ouvi falar. Kennedy Moura Ramos vai além. Relata a conversa com José Nobre Guimarães, padrinho de seu casamento, quando ele lhe pediu para assumir que era o dono do dinheiro. Para Ramos, foi uma “proposta indecente”: - Ele falou que o Adalberto tinha que ser protegido por questões de Estado. Kennedy Moura Ramos também descreve o diálogo com José Nobre Guimarães, quando lhe contou sobre a prisão de José Adalberto da Silva: - Perguntou se ele tinha falado alguma coisa. Disse que não sabia. Ele disse: “Graças a Deus”. Outra contradição: José Vicente Ferreira, assessor de José Nobre Guimarães apontado pelo deputado como participante do negócio da locadora, havia concedido entrevista ao jornal O Povo, do Ceará. Dissera que emprestou um cheque a José Adalberto Vieira da Silva, seu amigo, a fim de que pudesse comprar uma passagem aérea para Recife. José Vicente Ferreira não sabia da viagem a São Paulo. Muito menos de locadora. O Ministério Público investiga a hipótese de Vieira da Silva ter sido um emissário de Kennedy Moura Ramos em São Paulo. A finalidade da viagem, buscar dinheiro de propina 105 repassado por empresários que mantêm negócios com o BNB. No dia anterior à prisão, Vieira da Silva teria se deslocado até o escritório de um empresário do setor de construção civil do Grupo Cavan. A polícia de Minas Gerais apreende restos de 2 mil notas fiscais da DNA Propaganda. Os documentos estavam jogados em 12 caixas de papelão, na casa do ex-policial Marco Túlio Prata, em Contagem (MG). Ele é irmão do contador da agência, Marco Aurélio Prata. Na residência são localizados dois tambores de lata, com notas fiscais carbonizadas. Entre as notas fiscais queimadas, provavelmente registros frios, recibos da DNA relativos a serviços supostamente prestados por empresas terceirizadas ao Banco do Brasil, Eletrobrás e Ministérios do Trabalho e do Esporte. Os policiais também acham documentos carbonizados, nos quais ainda se consegue ler o nome da DNA. Estavam numa rua de terra, sem movimento, bem perto da casa do irmão do contador de Marcos Valério. A papelada queimada encheu cinco sacos. Cai o diretor de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. Ligado ao ex-ministro Luiz Gushiken (PT-SP), dividiu com ele apartamento em Brasília. Na campanha de Lula, Henrique Pizzolato, militante do PT havia 20 anos, trabalhou com Delúbio Soares para captar recursos. Ele tinha relação próxima com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo (PT-PR), e era amigo de Ricardo Berzoini (PT-SP), ex-ministro do Trabalho e secretário-geral do PT. Henrique Pizzolato é desligado da presidência do Conselho Deliberativo da Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil. No governo Lula, Henrique Pizzolato ocupou o posto estratégico de responsável pelos gastos de propaganda do Banco do Brasil. Foram R$ 153 milhões em 2003, e R$ 262 milhões em 2004. Afastado Henrique Pizzolato, o Banco do Brasil rescinde contrato de publicidade com a DNA de Marcos Valério. Henrique Pizzolato também era amigo de Marcos Valério. O ex-diretor de Marketing ficou conhecido por participar do episódio dos R$ 70 mil que o Banco do Brasil deu a um show de arrecadação de fundos, com objetivo de comprar uma sede nova para o PT. Com a divulgação da história, o dinheiro teve de ser devolvido. Ele também foi apontado como responsável por um evento artístico considerado suspeito, no valor de R$ 2,5 milhões, promovido pelo então governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT. Banho de água fria. A base governista impede que a CPI dos Correios quebre os sigilos bancários, fiscais e telefônicos de José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira e do empresário Mauro Dutra, o “Maurinho”, amigo de Lula. O Palácio do Planalto também consegue bloquear a convocação e o depoimento do ex-ministro Luiz Gushiken. 63 15/7/2005 Operação orquestrada. Marcos Valério vem a público por meio de nota e nega mais uma vez a existência do mensalão. Explica que, “em atenção a pedidos de Delúbio 106 Soares”, “contraiu vários empréstimos bancários em nome das agências de publicidade SMPB e DNA, no período de 2003 a 2005”. A nota, estratégia de defesa, diz que o dinheiro, “a título de empréstimos”, foi depositado “na rede bancária para pessoas indicadas pelo então secretário de Finanças do PT, senhor Delúbio Soares”. Em seguida, o empresário menciona que o dinheiro, segundo determina- ção de Delúbio Soares, servia para “saldar dívidas relacionadas a campanhas eleitorais”. O reconhecimento de que Marcos Valério participou de esquema para financiar o PT é manchete dos principais jornais do País. Poucos se dão conta da manobra: desviar as investigações do pagamento de propina. Em vez do mensalão, ou seja, do dinheiro entregue a parlamentares da base aliada do governo, crime grave de corrupção, a estratégia é fazer crer que o dinheiro foi repassado para pagar dívidas de campanha. Apenas um mero crime eleitoral. Em entrevista ao Jornal Nacional, Marcos Valério não fornece nomes, valores, número de operações bancárias, nem formas de ressarcimento do que teria sido emprestado ao PT. Nega a existência de malas para pagar grandes somas e de favorecimentos às suas empresas por parte de gente do governo. A Folha de S.Paulo publica detalhes de alguns depoimentos secretos prestados à Corregedoria da Câmara dos Deputados. A reportagem conseguiu ler transcrições em notas taquigráficas. Num deles, José Genoino admite que Silvio Pereira usava mesmo sala do Ministério da Casa Civil, no Palácio do Planalto, para discutir a divisão de cargos federais entre os partidos da base aliada. Declaração de José Genoino: - Ele conversava com os demais partidos e era o encarregado quando tinha conflitos. E tinha muitos conflitos com os partidos da base aliada. Ele fazia isso ou na sede do PT ou na liderança. Ou então na sala de reuniões ordinárias da Casa Civil. Em outro depoimento, Emerson Palmieri, tesoureiro informal do PTB, afirmou que Marcos Valério havia sido designado pelo PT para obter R$ 20 milhões de empresários. O dinheiro seria repassado ao PTB nas eleições de 2004. O acerto foi feito em reuniões das quais participaram José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira, Marcelo Sereno, Roberto Jefferson e ele próprio, Emerson Palmieri. O tesoureiro também contou detalhes dos R$ 4 milhões entregues por Valério. Foram dois pagamentos. O dinheiro chegou em duas malas “de rodinhas”, em notas de R$ 50, na maioria, e umas “poucas notas de R$ 100”. O jornal Correio Braziliense traz a história do apartamento de Henrique Pizzolato. O diretor de Marketing do Banco do Brasil, afastado do cargo, comprou o imóvel de 160 metros quadrados por R$ 400 mil, em endereço dos mais valorizados do Rio de Janeiro, a uma quadra da praia de Copacabana. Detalhe: neste mesmo dia da revelação do Correio Braziliense, um grupo de auditores da Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, toma depoimento do officeboy Luiz Eduardo Ferreira da Silva. Ele conta que em 15 de janeiro de 2004, cerca de um mês antes da compra do apartamento em Copacabana, sacou R$ 326 mil de conta da DNA Propaganda em agência do Banco Rural do centro do Rio. E levou o pacote diretamente a Henrique Pizzolato. 107 O relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), desabafa durante entrevista em Curitiba: - Nunca imaginei que houvesse algo nesse sentido no País, independentemente de governo. Não significa que não possa ter existido em outros governos, mas na minha ótica pensei que, apesar de tudo o que se diz, nosso País não tivesse tantos tropeços no entrelaçamento entre a administração, políticos e empresas. 64 16/7/2005 Depois de Marcos Valério, a vez de Delúbio Soares apresentar a versão de que não houve o esquema do mensalão, ou seja, pagamentos de propina a parlamentares da base aliada do governo Lula, em troca de apoio no Congresso. O que houve, simples assim, foram repasses para quitar dívidas de campanha, por meio de caixa 2. Delúbio leva a explicação espontaneamente ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. O depoimento de Delúbio vaza em seguida para a imprensa. Faz parte da estratégia. Os jornais dão destaque. Delúbio procurou usar o procurador-geral para passar o recado de que o PT recebera cerca de R$ 40 milhões em empréstimos, mas, de maneira nenhuma, assegurava o tesoureiro, o dinheiro era fruto do desvio de verbas públicas ou teve sua origem no superfaturamento de contratos com estatais. Importante: os milhões, conforme frisara Valério, foram usados para acertar despesas de campanhas eleitorais, tão-somente. A revista Veja não deixa por menos. A reportagem de capa, “Mensalão – quando e como Lula foi alertado”, descreve cinco situações nas quais informações sobre o esquema de pagamento de propina chegaram aos ouvidos do presidente da República. A primeira vez, em 25 de fevereiro de 2004, por meio do deputado Miro Teixeira (RJ), na época filiado ao PT. O episódio ocorreu duas semanas após a queda de Wadomiro Diniz. Escreve o repórter Otávio Cabral: “Waldomiro Diniz, na condição de braço-direito de José Dirceu, era quem cuidava da relação do governo com o Congresso e, com sua demissão, os credores do mensalão entraram em polvorosa. Miro Teixeira, que havia apenas três semanas assumira a liderança do governo na Câmara, começou a ser procurado pela tropa interessada em saber como seria paga a mesada dali em diante. O deputado ficou estupefato. Não sabia o que era mensalão. Entre os dias 17 e 19 de fevereiro, Miro Teixeira recebeu várias sondagens. Numa delas, na manhã do dia 17, a pressão veio em comitiva. Eram três deputados juntos, querendo saber do futuro financeiro: Valdemar Costa Neto, presidente do PL, Sandro Mabel, líder do PL, e Pedro Henry do PP”. Miro Teixeira conversou reservadamente com Lula. Disse que deixaria o cargo de líder do governo por causa do mensalão. A revista Veja documenta: “Lula demonstrou surpresa, disse que nunca ouvira falar naquilo e prometeu conversar com o então ministro José Dirceu para apurar a denúncia – mas não voltou a tocar no assunto. No dia 31 de março, Miro voltou ao Palácio do Planalto e, diante do fato de que nada fora feito a respeito do mensalão, pediu para deixar a liderança. Saiu no dia 6 de abril, sendo substituído pelo Professor Luizinho.” 108 O segundo aviso ao presidente, em 5 de maio de 2004. Quem deu foi o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). O Palácio do Planalto, em comunicado oficial, deu a seguinte explicação à revista: Lula não se recorda de ter ouvido nenhum comentário de Marconi Perillo sobre o assunto. O governador Marconi Perillo, no entanto, chegou a ilustrar a conversa com o presidente da República ao mencionar os casos de dois deputados de Goiás. Um deles virou escândalo. É o da deputada Raquel Teixeira (PSDB), a quem o deputado Sandro Mabel (PL) teria oferecido dinheiro para que se mudasse para o PL. Sobre o outro, o governador não deu detalhes. O motivo: o deputado Enio Tatico, do PSC, aceitou a proposta e se transferiu para o PL. Enio Tatico apresentou justificativa para a mudança: - Mudei de partido porque o líder do PL é de Goiás e é meu amigo. Não recebi proposta. O terceiro episódio. O próprio presidente abordou o assunto, durante viagem oficial à China. Aconteceu em 25 de maio de 2004. Durante um jantar, Lula perguntou ao deputado Paulo Rocha (PT-PA) se ele já ouvira falar sobre o pagamento de mesadas a deputados. Paulo Rocha negou ter ocorrido a indagação do presidente, mas dez deputados estavam na mesa do jantar. Três deles confirmaram a veracidade da conversa. Nos outros dois casos, o aviso foi dado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). No primeiro deles, em 5 de janeiro de 2005, o ministro Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG) testemunhou a conversa. No segundo, em 23 de março de 2005, parte da alta cúpula do governo estava presente, no gabinete de Lula no Palácio do Planalto: José Dirceu (PT-SP), ministro da Casa Civil; Aldo Rebelo (PC do B-SP), ministro das Relações Institucionais; Walfrido dos Mares Guia, do Turismo; Gilberto Carvalho (PT-SP), chefe de gabinete do presidente; Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo na Câmara; e o deputado José Múcio (PTB-PE). A reportagem conclui: “Se soube do assunto e não tomou providências, Lula pode ser acusado de crime de responsabilidade, previsto nos artigos 84 e 85 da Constituição e, também, na Lei nº 1.079, editada em 1950, conhecida como Lei do Impeachment. Pela lei, o presidente, se soube do mensalão, tinha de ter mandado apurar. ‘Se o presidente teve ciência disso, caracteriza-se uma omissão, que é um caso típico de crime de responsabilidade’, afirma o jurista Miguel Reale Júnior, que redigiu a petição que resultou no impeachment de Fernando Collor, em 1992.” 65 17/7/2005 Em surpreendente entrevista concedida na França e exibida no programa Fantástico, da Rede Globo, Lula faz coro às recentes versões sobre a crise política, que foram manifestadas por Delúbio Soares e Marcos Valério. Dessa forma, fecha a manobra para convencer a sociedade brasileira: houve “erros”, sim, mas apenas decorrentes de empréstimos e operações de crédito, usados para pagar dívidas de campanha, por caixa 2. A versão oficial minimiza o escândalo do mensalão à manipulação de verbas não-declaradas. Lula esforça-se para reduzir o problema. Exime-se de qualquer ato indevido, pois “já faz tempo que eu deixei de ser presidente do PT”. Para o presidente da República, “o PT tem que explicar à sociedade brasileira que erros cometeu”: 109 - O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil, sistematicamente. Eu acho que as pessoas não pensaram direito no que estavam fazendo, porque o PT tem na ética uma das suas marcas mais extraordinárias. E não é por causa do erro de um dirigente ou de outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção. A oposição vai para cima. Acusa o governo de engendrar uma nova Operação Uruguai, em alusão ao esquema simulado pelos aliados do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, para tentar explicar a origem do dinheiro que financiava gastos do ex-presidente. Na época, um empréstimo de US$ 3,7 milhões foi forjado para justificar despesas de Fernando Collor. O presidente acabou afastado do cargo, depois de um processo de impeachment. Agora, a farsa contábil é a série de operações de crédito de Marcos Valério. Os falsos empréstimos serviriam para esquentar dinheiro de caixa 2 oriundo de fontes ilegais, usado em acertos com políticos da base aliada. O jornal O Estado de S. Paulo traz uma lista com os nomes de 22 deputados do PP. Testemunha cuja identidade é mantida em segredo aponta-os como destinatários de mensalões, distribuídos a mando do líder do partido, deputado José Janene (PR). Os operadores do esquema seriam João Cláudio Genu, chefe de gabinete de José Janene, e o deputado João Pizzolatti (PP-SC). Os locais de entrega da propina: o apartamento de Janene, em Brasília, e uma sala da Comissão de Minas e Energia, na Câmara dos Deputados. Segundo a denúncia, Pizzolatti circulava com o dinheiro dentro de malas, nos corredores da Câmara, protegido por funcionários da área de segurança do Congresso. Um perfil de Marcelo Sereno, ex-secretário de Comunicação do PT e ex-chefe de gabinete de José Dirceu (PT-SP), de quem também foi assessor especial, é publicado pela Folha de S.Paulo. Para ilustrar a reportagem, a fotografia de um prédio de alto padrão na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, em cuja cobertura mora Marcelo Sereno. É atribuída a ele, ainda, a compra, em março de 2005, de um outro apartamento no Rio, no valor de R$ 700 mil. Marcelo Sereno é acusado de “manipular” o Nucleos, fundo de pensão das estatais de energia nuclear. O objetivo seria levar dinheiro para as campanhas eleitorais do PT. Os repórteres Elvira Lobato e Leonardo Souza ouvem o petista Neildo de Souza Jorge, integrante do Conselho Deliberativo do Nucleos. Ele denuncia operações financeiras lesivas aos fundos de pensão: - A grande mutreta é que eles compravam títulos públicos e depois vendiam com deságio para corretoras. Estas faturavam a corretagem e parte desse dinheiro, pelo que sabemos agora, iria para mensalões, caixas de campanha. 66 18/7/2005 O Brasil debate o caixa 2. É crime de falsidade ideológica prestar informações fraudulentas sobre a arrecadação de dinheiro para campanhas políticas sem declarar os valores à Justiça Eleitoral. Omitir receitas é crime de sonegação fiscal. Para a legislação de crimes contra o sistema financeiro nacional, considera-se fraude a movimentação de 110 recursos de forma paralela, à margem da contabilidade legal. O caixa 2 é crime contra a ordem tributária. Na prática, porém, o uso de caixa 2 em campanhas eleitorais não recebe punição. No máximo, multa. Ninguém fica preso por crime eleitoral. Muito mais grave é dar propina a parlamentares. Neste caso, o crime de corrupção pode condenar a 12 anos de prisão, fora processos e outras penas, caso sejam constatadas formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. E isso sem mencionar a perda do mandato, por crime de responsabilidade ou falta de decoro parlamentar. Por isso o esforço dos envolvidos no escândalo do mensalão para descaracterizar a existência de um esquema de suborno de parlamentares. Ao circunscrever tudo ao rol de crimes eleitorais, os delitos poderiam ser diluídos para um número grande de receptores, se possí- vel anônimos, o que, afinal, dificultaria a comprovação e a responsabilização dos culpados. Cai o presidente da Petrobras, o ex-senador José Eduardo Dutra (PT-SE). Em seu lugar assume José Sérgio Gabrielli, também filiado ao PT. Justificativa do governo para o afastamento: José Eduardo Dutra vai disputar uma vaga no Senado em 2006. Faltam 15 meses para a eleição. Pela legislação, a desincompatibilização precisa ocorrer seis meses antes do pleito. História mal contada. Dutra acabaria derrotado em 2006, mas no ano seguinte voltaria a ocupar cargo importante no sistema Petrobras, o de presidente da BR Distribuidora. Em 2009, apoiado por Lula, seria eleito presidente do PT. Outras mudanças no governo: Antônio Batista Brito, diretor Comercial da Brasil Veí- culos, e Josenilton Andrade, do Centro Cultural Banco do Brasil, são afastados do Banco do Brasil. Motivo: reportagem do Correio Braziliense mostrou os dois pressionando um funcionário de baixo escalão. O episódio ocorreu no apartamento do petista Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, que participou da ação. Os três tentaram fazer o boy Luiz Eduardo Ferreira da Silva assumir a responsabilidade pelo saque de R$ 326 mil, o mesmo que motivou a saída de Henrique Pizzolato do Banco do Brasil. O dinheiro foi retirado pelo boy no Banco Rural, de conta bancária da agência de publicidade DNA, de Marcos Valério, e entregue a Henrique Pizzolato. Depois, o petista comprou um apartamento. O boy resistiu. Em entrevista à Rádio Jovem Pan, de São Paulo, o respeitado senador Pedro Simon (PMDB-RS) comenta as acusações do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Para Pedro Simon, o escândalo do mensalão vem sendo comprovado por fatos novos, todos os dias, e é mais grave do que aquele que vitimou o ex-presidente Fernando Collor de Mello: - A coisa lá, a Operação Uruguai e tudo mais, foi bem inferior. Lá eles usaram dinheiro das empresas, fizeram garantias, só que isso aconteceu com eles fora do governo. Agora, o partido está dentro do governo, e foram usadas empresas públicas como o Correio e Furnas para fazer transações ilícitas. Favoreceram essas empresas em troca do dinheiro dado ao partido. O nome disso é peculato, é formação de quadrilha. De Roberto Busato, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil): - Valério e Delúbio são personagens menores, nessa comédia infame que estarrece a 111 nação. Valem menos pelo que são e mais pelos personagens que buscam inutilmente ocultar e aos quais serviram, com ações criminosas nos subterrâneos da política. 67 19/7/2005 O escândalo do jipe Land Rover. Silvio Pereira está na CPI dos Correios, com habeas-corpus para não ser preso. Não precisa responder, se não quiser. Pode evitar perguntas, e mesmo cair em contradição. Não sairá algemado. Show de cinismo. O ex-secretáriogeral do PT nunca ouviu falar em mensalão. Não tem ideia sobre empréstimos de Marcos Valério ao PT. O que fez “Silvinho”? Segundo a sua própria versão, apenas um banco de dados, com mais de 5 mil nomes, todos de pessoas prontas a assumir postos no governo Lula. Gentilmente, Silvinho informa aos integrantes da CPI: existem 1.400 cargos ocupados por filiados do PT na administração federal. O secretário-geral não se lembra se viajou no avião de César Roberto Santos Oliveira, vice-presidente da GDK, empresa contratada da Petrobras: - Eu mantinha contatos institucionais com César Oliveira, mas repito que não intermediei interesses da empresa. Silvinho cala-se. Recusa-se a dizer se ganhou um jipe Land Rover da GDK: - Não falo sobre meu patrimônio, por orientação dos advogados. O Jornal Nacional, da TV Globo, localiza o vendedor do jipe. O carro está em nome de Silvio Pereira. Um telefonema para o homem que fez o depósito, de R$ 73.500. Confirmado: ele é funcionário da GDK. José Paulo Boldrin, dono da revendedora de automóveis Eurobike, de Ribeirão Preto (SP), comprova o negócio. Recebeu o depósito de R$ 73.500 e vendeu o jipe, um Land Rover modelo Defender 90-SW, ano 2003. O carro já saiu da Eurobike em nome de Silvinho. E foi entregue na residência do secretário-geral do PT, na cidade de São Paulo. A GDK doou R$100 mil para a campanha de Lula. Em 2003, primeiro ano de governo, faturou R$ 145 milhões em contratos com a Petrobras. Em 2004, venceu dez licitações promovidas pela estatal. Total em jogo: R$ 512 milhões. O maior contrato foi para reformar a plataforma de extração de petróleo P-34, no valor de US$ 88 milhões. Em 2005, mais cinco contratos celebrados com a Petrobras, no valor de R$ 272 milhões. Na campanha eleitoral de 2004, a GDK só deu dinheiro para uma campanha política. Foi a de Osasco (SP), justamente o berço político de Silvinho. Doou R$ 400 mil para o candidato Emídio de Souza (PT), e com isso foi a maior doadora daquela campanha. O petista foi eleito. Silvinho desliga-se do PT. Evidências do mensalão. Deputados fizeram saques de dinheiro de contas das empresas de Valério, em agências do Banco Rural de Belo Horizonte e de Brasília. Documentos em poder da CPI dos Correios mostram autorizações de retiradas, beneficiando três deputados do PT, um do PP e um do PL. Márcia Milanésio Cunha, mulher do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara dos Deputados, sacou R$ 50 mil. Anita Leocádia Pereira Costa, assessora do 112 deputado Paulo Rocha (PT-PA), o então líder do PT na Câmara, retirou R$ 470 mil. O deputado Josias Gomes (PT-BA) sacou duas vezes. Ele próprio, em pessoa, R$ 50 mil de cada vez. João Cláudio Genu, chefe de gabinete de José Janene (PR), líder do PP, levou R$ 1,1 milhão. Em nome do deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ) saíram R$ 150 mil. Simone Vasconcelos, funcionária executiva de Marcos Valério e autora de vários dos pagamentos do mensalão, fez saques de R$ 6,1 milhões. Em outubro de 2003, em Brasília, Simone Vasconcelos efetuou duas retiradas, sendo uma de R$ 800 mil e outra de R$ 650 mil. O dinheiro foi entregue em carro-forte no escritório da SMPB na capital federal. Tem mais: Jacinto Lamas, tesoureiro do PL, retirou R$ 1,3 milhão. As seguintes pessoas também fizeram saques: Vilmar Lacerda, presidente do PT do Distrito Federal. Total: R$ 100 mil. Raimundo Ferreira da Silva Júnior, assessor do deputado Paulo Delgado (PT-MG). Total: R$ 100 mil. Roberto Costa Pinho, ex-assessor, com currículo extenso: trabalhou para os ministros da Cultura e da Fazenda, Gilberto Gil e Antônio Palocci (PTSP), e para o senador Delcídio Amaral (PT-MS), presidente da CPI dos Correios. Total: R$ 350 mil. José Luiz Alves, secretário de Governo da Prefeitura de Uberaba (MG). Total: R$ 150 mil. O prefeito de Uberaba, Anderson Adauto (PL), aliás, foi ministro dos Transportes de Lula. E Solange Pereira de Oliveira, funcionária da tesouraria do PT de São Paulo. Total: R$ 100 mil. Brasília vive um corre-corre. João Paulo Cunha (PT-SP) não comenta. Sai-se com um “tudo tem explicação”. O deputado Professor Luizinho (PT-SP) defende João Paulo Cunha: - A informação que tenho, do próprio João Paulo, é de que a Márcia esteve no Rural para resolver problema da televisão a cabo. O ex-ministro Anderson Adauto não foge da briga. Segundo ele, Delúbio Soares, o tesoureiro do PT, o ajudou a pagar uma dívida de campanha: - Encerrei 2002, quando me elegi deputado federal, com uma dívida de campanha. Então, pedi para o Delúbio e ele me ajudou. Não sei precisar a quantia, mas foi entre R$ 100 mil e R$ 150 mil. Foram R$ 150 mil, e Anderson Adauto era o ministro dos Transportes: - Não vejo nenhuma irregularidade em ser ajudado para pagar dívidas de campanha. Nas fileiras do PT, algumas “explicações”: Vilmar Lacerda recebeu dinheiro para pagar dívidas de campanha. Solange Pereira de Oliveira, do Diretório de São Paulo, não quer comentar. E Raimundo Ferreira da Silva Júnior, que também é vice-presidente do PT do Distrito Federal, cumpriu ordens de Delúbio Soares. Buscou o envelope, mas não sabia quanto tinha dentro: - O Delúbio me ligou de São Paulo e pediu para que eu fosse até a agencia do Rural, onde deveria pegar um dinheiro que ele estava precisando para umas despesas. Ele me disse que precisava de alguém de confiança para buscar o pacote. Como sou amigo dele, nada mais natural. Cai Marco Antônio Silva, diretor de eventos da Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Era um dos mais importantes auxiliares do ex-ministro Luiz Gushiken (PT-SP). Militante do PT, foi acusado de favorecimento ilícito e tráfico de influ- ência. É casado com Telma dos Reis Menezes da Silva, funcionária da Multi Action, empre- 113 sa de organização de eventos de Marcos Valério. Em um ano de governo Lula, a Multi Action movimentou R$ 28 milhões. Marco Antônio Silva integrou a comissão julgadora da licitação que escolheu a agência de publicidade contratada pelos Correios. Venceu a SMPB, de Marcos Valério. Contratada a SMPB, a Multi Action foi chamada para prestar serviços aos Correios. 68 20/7/2005 Mais evidências do mensalão. A CPI dos Correios usa os dados da quebra do sigilo bancário de Marcos Valério para identificar o caminho do dinheiro. Surge Zilmar Fernandes da Silveira, sócia do publicitário Duda Mendonça. Foi identificada retirada de Zilmar Fernandes da Silveira de R$ 250 mil. Duda Mendonça foi o responsável pela campanha eleitoral de 2002, que elegeu Lula pela primeira vez. Além de orientar ações do presidente, Duda Mendonça gerencia contratos de publicidade da Petrobras, Ministério da Saúde e Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Rodrigo Barroso Fernandes, assessor do prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), sacou R$ 274 mil. Com a notícia, é desligado da Prefeitura. E começa a novela de um tal Roberto Marques, amigo de José Dirceu (PT-SP) que fugiu feito o diabo da cruz para não esclarecer determinada retirada de R$ 50 mil. Outros nomes: Paulo Menegucci, diretor dos Correios. Recebeu R$ 205 mil. Jair dos Santos, motorista do ex-presidente do PTB, Flávio Martinez. Sacou R$ 300 mil. Nestor Francisco de Oliveira, assessor do deputado Roberto Brant (PFL-MG). Pegou R$ 102 mil no banco. Cantídio Cotta Figueiredo, candidato a deputado pelo PTB. Sacou R$ 68 mil. Luiz Carlos de Miranda Faria, outro candidato do PTB. Fez retirada de R$ 68 mil. Benoni Nascimento de Moura, da corretora Bônus-Banval. Pôs a mão em R$ 255 mil. E Luiz Carlos Masano, também ligado à Bônus-Banval, recebeu R$ 50 mil. Suspeita-se das ligações da Bônus-Banval com o deputado José Janene (PP-PR). Chamam a atenção, ainda, os saques atribuídos a David Rodrigues Alves, um policial mineiro, no valor de R$ 4,9 milhões. Localizado, o policial explica que foi contratado por Cristiano de Mello Paz, sócio de Marcos Valério. A versão dele: recebia entre R$ 50 e R$ 100, sempre que ia buscar dinheiro no Banco Rural. Levava a grana diretamente a Cristiano de Mello Paz, na SMPB em Belo Horizonte. Diz o policial: - Os pacotes já estavam prontos nas agências, eu apenas assinava o recebimento. Meu trabalho era retirar o dinheiro e entregar na SMPB. Quero deixar claro que eu fazia a retirada do dinheiro do banco. Eu não sacava e não sei de quem era o dinheiro. Cristiano de Mello Paz, o sócio de Marcos Valério, informa, por meio da assessoria, que não conhece o policial. David Rodrigues Alves devolve, à altura: foi apresentado a Cristiano Paz por um doleiro, Haroldo Bicalho. Chega ao Conselho de Ética da Câmara o teor de um depoimento prestado à Polícia Federal. É de Simone Vasconcelos, apresentada como diretora administrativa e financeira da SMPB, a agência de publicidade de Valério. 114 A confissão de Simone Vasconcelos choca. Sozinha, ela sacou R$ 6,1 milhões de contas de Valério no Banco Rural. Os números foram apurados pela CPI dos Correios e são irrefutáveis. Simone Vasconcelos entregou pacotes de dinheiro a desconhecidos. Ela pagava o mensalão a pessoas mandadas por Valério à agência do Rural em Brasília. Os apressados pegavam os pacotes, sem conferir, e punham o conteúdo em pastas executivas. Simone Vasconcelos não tem a mínima ideia do destino do dinheiro, mas confessa: sentia-se “constrangida e preocupada de estar sendo identificada por desconhecidos”, e também por estar “entregando altas somas de dinheiro para estes, sem ao menos saber quem eram”. Numa ocasião, Marcos Valério queria saber a cor da blusa de Simone Vasconcelos, “para que fosse identificada pelo estranho que deveria receber o dinheiro”. Os valores variavam de R$ 50 mil a R$ 300 mil, sendo que, em algumas ocasiões, ela teve de levar altas somas até as mãos de Valério, em hotéis de luxo. Uma vez, carregou o dinheiro até um táxi que já a esperava na frente de um centro de compras em Brasília. Mais números contra Marcos Valério. Dos R$ 836 milhões faturados nos últimos seis anos pelas 14 empresas nas quais o nome do empresário aparecia como sócio, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) descobre: R$ 500 milhões não tiveram origem identificada. E surge mais um braço financeiro de Marcos Valério: o BRB (Banco de Brasília), pelo qual passaram, em dois anos, R$ 100 milhões. É dinheiro atribuído às chamadas “contas lavanderia”. As movimentações são descritas como atípicas. Depósitos e transferências imediatas, que vão de R$ 20 mil e R$ 120 mil cada uma, feitas pelo sistema TED (Transferência Eletrônica Direta). O dinheiro é posto instantaneamente nas contas dos beneficiados. Em cinco anos, Valério pagou R$ 26 mil de Imposto de Renda. Dinheiro para comprar um carro popular. Nada. Para o fisco, o empresário tem renda média mensal pouco superior a R$ 5.000. O patrimônio declarado de Valério, porém, é de R$ 18,5 milhões. 80% dos bens, nos nomes da mulher, Renilda de Souza, e dos filhos do casal. Em 2004, Valério pagou apenas R$ 2.800 em impostos. Em 2005, R$ 3.000. Um espanto. Com estrela do PT na lapela, o tesoureiro Delúbio Soares depõe à CPI dos Correios. Protegido por habeas-corpus, não pode ser preso. Ao longo de todo o escândalo, como se verá, Delúbio Soares agiu sempre como um grande escudo, protegendo Lula e a cúpula do PT. Ele isenta o governo e integrantes do PT de quaisquer responsabilidades pelas transa- ções financeiras com Marcos Valério. Assume todos os eventuais erros. Mata no peito. Orientado por advogados, evita falar em caixa 2: - Não existe caixa 2, existe dinheiro não-contabilizado. Delúbio Soares nega a existência do mensalão. Deixa dúvidas: - Eu definia quem iria receber o dinheiro. Quem definia o método de pagamento do dinheiro era o Marcos Valério. Eu não sei como era feita a entrega do dinheiro. E foi assim que tudo começou, segundo a versão de Delúbio Soares: Marcos Valério se ofereceu para pagar as dívidas de campanha, “eu concordei”. Simples assim. Tudo “na base 115 da confiança”. Sem documentos ou contratos, sem que ninguém do partido tivesse conhecimento. E como devolver os quase R$ 40 milhões que foram emprestados dos bancos? O tesoureiro do PT provoca risos dos parlamentares presentes à sessão com a resposta que dá: - Estou diante de um grande problema, e preciso resolvê-lo o mais rápido possível. Delúbio Soares esquiva-se de responder sobre a quantia de R$ 29.436,26, dinheiro emprestado pelo PT ao presidente Lula, em 2003. O dinheiro vai dar muito pano para manga. Por ora, a informação: no livro-caixa do PT, oficialmente entregue ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o dinheiro foi quitado em quatro parcelas. Diz o tesoureiro: - Nossa prestação de contas é rigorosa. Questionado sobre a legalidade do ato, encerra o assunto: - Não convém me pronunciar. Depoimento à Comissão de Ética da Câmara dos Deputados. Maria Christina Mendes Caldeira, ex-mulher do deputado Valdemar Costa Neto (SP), presidente do PL, faz relato sobre a conversa telefônica entre o ex-marido e o deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ), na qual os dois trataram de operação financeira para atrair deputados à bancada do PL. - Ouvi a conversa e vi o dinheiro, guardado no cofre da nossa casa. Ela testemunhou a entrega de uma mala repleta de dólares ao deputado maranhense Remi Trinta. Ouviu o diálogo em que Valdemar pediu para Jacinto Lamas, o tesoureiro do PL, pegar “várias malas” em Belo Horizonte: - Ele era como o boy do Valdemar. Além de movimentar altas somas, o ex-marido tinha o costume de andar de jatinho e torrar milhões em cassinos. Em uma noite, perdeu US$ 500 mil numa casa de jogo do Uruguai. Outra vez, foram US$ 300 mil em Las Vegas, nos Estados Unidos. - Na volta de uma viagem acabei trazendo, sem saber, uma mala de dinheiro. O deputado João Paulo Cunha (PT-SP) admite nos bastidores renunciar ao mandato. A mulher dele, Márcia Milanésio Cunha, sacou mesmo R$ 50 mil do valerioduto, no Banco Rural. Cunha chegou a escrever a carta de renúncia, mas José Dirceu (PT-SP) e os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, convencem-no a recuar. Cunha não comenta a quase-renúncia. A assessoria, porém, já está pronta para rebater: os R$ 50 mil foram gastos integralmente na campanha eleitoral de Osasco (SP). Com o tempo, a versão vai ser aprimorada. E o deputado? Viajou com a família para destino ignorado. Por dez dias. O Congresso Nacional instala a CPI do Mensalão. O governo tem o controle da comissão, com a nomeação do senador Amir Lando (PMDB-RO) para presidente, e do deputado Abi-Ackel (PP-MG) para relator. Amir Lando foi ministro da Previdência Social de Lula, é peemedebista fiel ao Planalto. Quem o banca é o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Abi-Ackel foi ministro da Justiça do presidente João Figueiredo (1979- 1985), o último da ditadura militar. Aloizio Mercadante define Abi-Ackel: - É um deputado acima de qualquer suspeita. 116 69 21/7/2005 Mais um deputado do PT no escândalo do mensalão. José Mentor (SP), ligado a José Dirceu (PT-SP) e à ex-prefeita Marta Suplicy (PT-SP), da qual foi líder de governo na Câmara Municipal de São Paulo, recebeu dois cheques, no total R$ 120 mil. Os comprovantes das transações estão entre aqueles que fazem referência aos R$ 50 milhões transferidos de contas atribuídas às empresas de Marcos Valério, via Banco do Brasil. Os R$ 120 mil vieram da 2S Participações, empresa ligada a Marcos Valério, que movimentou R$ 26,4 milhões em dois anos. O dinheiro foi transferido para o escritório de advocacia de José Mentor. O deputado vincula a soma a serviço jurídico prestado a Rogério Tolentino, sócio de Valério. No escritório de José Mentor não há cópias do parecer que diz ter sido elaborado. José Mentor foi identificado por causa de um cheque nominal. Na maioria dos casos, porém, os cheques do Banco do Brasil em poder da CPI dos Correios mencionam números sigilosos, das contas bancárias dos favorecidos. Detalhe importante: em julho de 2004, quando José Mentor pôs as mãos nos dois cheques, ele ocupava o cargo estratégico de relator da CPI do Banestado. A comissão investigava lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Suspeita-se que Mentor poupou o Banco Rural, ligado a Valério, no relatório final da CPI. O deputado Paulo Rocha (PT-PA), líder do PT na Câmara dos Deputados, afasta-se do cargo. Ligado a José Dirceu (PT-SP), foi tesoureiro do PT do Pará e presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores, ligada ao PT) paraense. Sai sem explicar saques de R$ 470 mil, feitos pela assessora Anita Leocádia Costa. O dinheiro foi retirado de contas bancárias de Valério, no Banco Rural. Rocha promete conceder entrevista, mas some do gabinete. A nota da assessoria de Paulo Rocha, coerente com as explicações de Lula, Delúbio Soares e Marcos Valério, mas contradizendo o que ele mesmo dissera anteriormente: o deputado pedira R$ 300 mil a Delúbio Soares para quitar gastos de campanha eleitoral no Pará. Não há menção sobre os R$ 170 mil restantes. Como se verá adiante, há mais dinheiro envolvido. “Escárnio à nação” é o título do editorial da Folha de S.Paulo. Fala dos saques nas contas das empresas de Marcos Valério, que “indicam que o dinheiro não servia apenas para financiar ou saldar dívidas de campanhas, mas para complementar salários”: “Vai ficando cada vez mais claro que os desvios praticados pelo Partido dos Trabalhadores não dizem respeito a um esquema pelo qual irregularidades seriam cometidas em nome de uma causa política - o que, de qualquer forma, caracterizaria corrupção e crime.” Outro trecho: “Perplexos, os brasileiros que acompanham o desenrolar dos depoimentos e das revela- ções da imprensa vão assistindo ao desvelamento de um amplo esquema de apropriação da máquina pública e movimentação irregular de recursos orquestrado pela cúpula do PT, com evidentes ramificações no Governo Federal.” 117 A Polícia Federal avança no caso da cueca milionária. Reúne indícios sobre a origem dos R$ 200 mil encontrados na maleta e os US$ 100 mil escondidos nas partes íntimas, tudo transportado por José Adalberto Vieira da Silva, assessor do deputado José Nobre Guimarães (PT-CE), irmão de José Genoino. A investigação aponta para propina. A suspeita vem do fato de Vieira da Silva ter se encontrado com o dono de uma empreiteira. Do procurador Márcio Torres, sobre o depoimento de Vieira da Silva ao Ministério Público Federal: - Ele confirma que esteve com o empresário José Petronilho de Freitas. Disse que foi fazer uma visita e conversaram amenidades, nada a ver com o dinheiro. O empresário é ligado ao grupo Cavan. Está em jogo um negócio de R$ 450 milhões. O sistema de transmissão de energia elétrica do Nordeste previa a construção de um linhão de 550 quilômetros ligando Teresina a Fortaleza. O empreendimento recebeu financiamento do BNB (Banco do Nordeste do Brasil) e envolve a Chesf (Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco). Recapitulando: ao receber a ordem de prisão no aeroporto de Congonhas, após ser flagrado com a dinheirama, Vieira da Silva telefonou ao amigo petista e assessor especial do BNB, Kennedy Moura, que seguiu para São Paulo. A propósito: José Nobre Guimarães também estava na capital paulista. Foi ele, aliás, quem indicou Kennedy Moura para o BNB de Lula. Vieira da Silva seria apenas “mula”, alguém incumbido de transportar dinheiro. Lula demite Olívio Dutra (PT-RS), ministro das Cidades. É um acordo para dar espaço ao PP. Em seu lugar assume Márcio Fortes (RJ), uma indicação do presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE). Olívio Dutra não esconde o ressentimento: - O PT tem problemas muito sérios, que acabam respingando no governo. Para Olívio Dutra, “disputa” e “concentração de poder no governo” deram espaço para o crescimento da “erva daninha” da corrupção. Ele não explica nem cita nomes, mas acrescenta, com gravidade: - O problema foi provocado por figuras e políticos que predominaram por certo tempo dentro do nosso partido. 70 22/7/2005 A dívida de R$ 29.436,26 do presidente Lula. Durante cinco dias, o jornal Folha de S.Paulo solicitou explicações do Palácio do Planalto. A reportagem queria saber como o débito fora pago. O governo, finalmente, emitiu nota oficial: “A Presidência da República não tem conhecimento dessas informações, que devem ser buscadas junto ao Partido dos Trabalhadores”. O jornal recorda: no segundo dia, o Palácio do Planalto ainda respondeu que o dinheiro se referia a viagens de Lula, como presidente de honra do PT. Em seguida, estranhamente, retirou a informação. Ou seja, ela não procederia. Depois disso, nenhuma nova manifestação. Dos dados da prestação de contas do PT, assinados pelo então tesoureiro Delúbio Soares e entregues ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral): a primeira das quatro parcelas que quitou 118 a dívida de R$ 29.436,26 foi de R$ 12 mil, e o depósito efetuado em 30 de dezembro de 2003, ao final do primeiro ano do governo Lula. No mesmo dia, coincidência! Extratos bancários do PT encaminhados ao mesmo TSE revelam um depósito on line na conta do Diretório Nacional. Nos extratos aparece o nome da funcionária Solange Pereira Oliveira, da tesouraria do PT. O nome dela também faz parte da lista dos sacadores de dinheiro das contas de Marcos Valério. Retirou R$ 100 mil, em dinheiro vivo. A grande dúvida, que perdurava: a dívida de Lula teria sido paga com dinheiro de caixa 2, das contas de Valério? Outra informação, apurada pelos repórteres Marta Salomon e Rubens Valente: no mesmo dia 30 de dezembro de 2003, um saque na conta da SMPB de Valério. Não há identificação a respeito. O nome do sacador desapareceu do interior da sala da CPI dos Correios. Intrigante. Quem desapareceu também foi Solange Pereira Oliveira. Sumiu da sede do PT. A nova direção do PT não se manifesta a respeito. Surgem indícios contra mais um deputado do PT. O Professor Luizinho (PT-SP) também usufruiu os serviços de caixa 2 de Marcos Valério. Ex-líder do governo Lula na Câmara dos Deputados, Luizinho é ligado a José Dirceu (PT-SP). O parlamentar, no entanto, manda Rosana Lima, sua solícita chefe de gabinete, negar qualquer problema: José Nilson dos Santos, identificado entre os sacadores do esquema do mensalão, não é o José Nilson dos Santos que trabalha para o Professor Luizinho. Trata-se de um homônimo. O José Nilson dos Santos assessor, segundo a chefe de gabinete, trabalha em Santo André (SP). “Nunca esteve em Brasília com a finalidade de sacar dinheiro no Rural. Não sacou R$ 20 mil de forma alguma”. O deputado José Borba (PMDB-PR) vai para o noticiário. Ele não aparece como sacador, nem funcionários dele aparecem como sacadores. Mas José Borba esteve no Banco Rural em Brasília, no mesmo dia e horário que Simone Vasconcelos, a fiel executiva de Marcos Valério. Em 26 de novembro de 2003, Simone Vasconcelos fez quatro saques, num total de R$ 400 mil. De acordo com o sistema de controle, José Borba entrou no prédio apenas dois minutos antes de Simone Vasconcelos. Saiu cinco minutos depois. Uma semana na frente, em 3 de dezembro: Borba e Simone, novamente. No mesmo dia, no mesmo Banco Rural. Cenas de cinema. Em viagem ao Rio, Lula ridiculariza as investigações sobre o mensalão: - O que o povo quer mesmo é resultado. É saber se, no frigir dos ovos, a sua vida vai estar melhor do que quando nós entramos no governo. Em outras palavras, Lula defende o “rouba, mas faz”. 71 23/7/2005 A revista Época acusa o deputado Abi-Ackel (PP-MG), relator da CPI do Mensalão. Ele teria ligações com Marcos Valério, que doou R$ 100 mil à campanha dele para deputado 119 federal, em 1998. O filho do parlamentar, Paulo Abi-Ackel, recebeu R$ 50 mil de Marcos Valério. Abi Ackel dá entrevista. Não se lembra do fato, ocorrido sete anos atrás. Mas nega que as supostas doações possam prejudicar o trabalho do relator: - Estou apurando o mensalão, que pressupõe uma contribuição periódica para votar com o governo. Em 1998, era outra situação. Em seguida, a explicação: a contribuição de Marcos Valério foi recebida não por ele, mas pelo setor financeiro da campanha de Eduardo Azeredo (PSDB), candidato à reeleição ao Governo de Minas Gerais naquele ano. O depósito teria sido ordenado por Cláudio Mourão, o tesoureiro da campanha. 73 25/7/2005 A CPI dos Correios identifica novos depósitos milionários. Beneficiam a corretora Bônus-Banval, relacionada ao deputado José Janene (PP-PR). Num primeiro momento apareceram saques efetuados no Banco Rural, num total de R$ 305 mil, destinados a pessoas ligadas à empresa. Desta vez a Bônus-Banval aparece por ter recebido R$ 2,9 milhões da empresa 2S, de Valério, por meio de sete transferências eletrônicas do Banco do Brasil. Surgem também depósitos suspeitos de R$ 6 milhões na conta de uma tal Guaranhuns Empreendimentos, Intermediações e Participações. São transferências por meio de cheques do Banco Rural. Para constar: Garanhuns (PE) é a cidade de nascimento do presidente Lula. No endereço registrado da Guaranhuns, em Santana do Parnaíba (SP), apenas um terreno baldio, usado pela garotada do lugar como campinho de futebol. O deputado Romeu Queiroz (PTB-MG) admite o recebimento de R$ 102 mil do valerioduto. O dinheiro veio da conta da SMPB no Banco Rural, em 31 de agosto de 2004. Romeu Queiroz assegura: o repasse não ficou com ele, mas foi transferido para candidatos às eleições daquele ano do interior de Minas Gerais, filiados ao próprio PTB e ao PT. O deputado não fornece nomes. Mais um beneficiário do caixa 2 do PT. É o secretário de Finanças do PT de Minas Gerais, Carlos Magno Ribeiro Costa. Recebeu R$ 90 mil. Jorge Moura, ex-presidente da Refer, o fundo de pensão dos ferroviários, acusa: Marcelo Sereno, homem de confiança de José Dirceu (PT-SP), tentou influenciar investimento de R$ 1,4 bilhão da Refer. Para Jorge Moura, Marcelo Sereno trabalhou para direcionar as aplica- ções do fundo de pensão em benefício dos bancos Rural, BMG, Santos e Pactual. Ele denuncia outras pressões, vindas do deputado Carlos Santana (PT-RJ). A mulher dele, Tânia Santana, ocupava cargo na diretoria da Refer. Do esquema participariam Cristina Montemor, presidente do Conselho Deliberativo da Refer, ligada a Carlos Santana e a Juarez Barroso, integrante do PT e secretário de Administração da Prefeitura de Nova Iguaçu (RJ). 74 26/7/2005 Depoimento à CPI dos Correios. É de Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, mulher de Marcos Valério e sócia das agências de publicidade DNA e SMPB. Ponto 120 alto do que ela diz: o ex-ministro José Dirceu (PT-SP) participou de negociações que culminaram com dois empréstimos concedidos pelos bancos Rural e BMG ao PT. Ambas as operações financeiras foram avalizadas por Marcos Valério. Renilda Santiago dá detalhes: José Dirceu viajou a Belo Horizonte no fim de 2004, para se reunir com dirigentes do Banco Rural e discutir empréstimos para o PT. O encontro foi no hotel Ouro Minas. Segundo ela, o ex-ministro também esteve com diretores do BMG em Brasília. Por meio de nota, José Dirceu admite que manteve encontros com executivos dos dois bancos, mas nega ter tratado de empréstimos ao PT. De acordo com a assessoria de José Dirceu, a conversa com diretores do BMG, no Palácio do Planalto, tratou exclusivamente da conjuntura econômica. A agenda do Ministério da Casa Civil informa, ainda, que houve uma terceira reunião, em agosto de 2003, também em Brasília, com Kátia Rabelo, presidente do Banco Rural. Durante os 30 meses em que permaneceu à frente da Casa Civil, José Dirceu confirma encontros com dirigentes de apenas quatro bancos: Rural, BMG, Bradesco e Citibank. Não foi só o jipe Land Rover de Silvio Pereira. A GDK, contratada da Petrobras, também empregou Mônica Wagner, filha do ministro das Relações Institucionais de Lula, Jaques Wagner (PT-BA). Ela trabalha na empresa desde maio de 2004. Na época, o pai comandava o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, nomeado por Lula. Em 2002, a GDK doou R$ 225 mil para a campanha do PT na Bahia. Jaques Wagner era candidato a governador. Perdeu. Em 2006, Wagner elegeu-se governador. 75 27/7/2005 Apesar das negativas, José Nilson dos Santos é mesmo assessor do deputado Professor Luizinho (PT-SP), ex-líder do governo Lula na Câmara dos Deputados. Sacou R$ 20 mil em dinheiro, de conta bancária da SMPB de Marcos Valério. Foi em 23 de dezembro de 2003, no Banco Rural. Deixou o número do RG na agência. Reação do Professor Luizinho: - Alguém está montando documentação falsa. Vou processar todos. Em Santo André (SP), o assessor confirma o RG, mas se diz surpreso: - Não sei o que aconteceu. Nunca entrei em uma agência do Banco Rural. Nem aqui nem em Brasília. José Nilson dos Santos está na lista de 11 pessoas indicadas pelo PT a Marcos Valério. Todas autorizadas a fazer saques de dinheiro do caixa 2 do partido. Já faz sete anos que José Nilson dos Santos trabalha com Luizinho. Dia seguinte, Luizinho admite, finalmente: José Nilson dos Santos sacou mesmo R$ 20 mil da conta da SMPB, no Banco Rural. Em nota à imprensa, o deputado reconheceu: o assessor se lembrou de um deslocamento para uma agência bancária, em São Paulo, em dezembro de 2003: “No final de 2003, procurei o senhor Delúbio Soares para tratar deste assunto. Ele me orientou que retirasse o valor de R$ 20 mil em uma agência bancária na avenida Paulista. Só fui me dar conta que era o Banco Rural agora.” Luizinho, aguerrido defensor do governo Lula, justifica os R$ 20 mil, dez meses antes das eleições de 2004: 121 - O dinheiro foi usado na preparação de pré-campanhas de vereadores em municí- pios paulistas. O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), envia ofício ao Conselho de Ética da Câmara. Confirma que alertou Lula sobre o esquema de pagamentos a parlamentares, em 5 de maio de 2004. Diz o documento: “Relatei ao senhor presidente que ouvira rumores sobre a existência de mesada a parlamentares em conversas informais em Brasília, porém sem provas concretas. Repeti o inteiro teor das informações que havia recebido. O senhor presidente disse que não tinha conhecimento e que ia tomar as providências que o assunto requeria. Não sei quais foram as providências tomadas.” Marconi Perillo aponta duas testemunhas da conversa. Estavam dentro do carro em que manteve diálogo com Lula o motorista e o chefe da segurança do presidente. Como se sabe, os dois não seriam convocados a depor na CPI. 76 28/7/2005 Análise da movimentação das contas bancárias das empresas de Marcos Valério alimenta as provas do esquema de corrupção. Novas revelações vêm a público: o deputado João Magno (PT-MG) recebeu duas transferências eletrônicas da SMPB, por meio do Banco Rural. Um total de R$ 29 mil, em agosto e setembro de 2004. Por meio da assessoria, explicações, com a mesma ladainha: João Magno nunca teve contato com a SMPB, mas pediu ajuda financeira ao tesoureiro do PT, Delúbio Soares, para saldar compromissos assumidos durante as eleições de 2002. Delúbio autorizou. Outro que se apresenta para tentar explicar, o deputado Romeu Queiroz (PTB-MG). Os R$ 50 mil depositados na conta dele, transferidos eletronicamente em agosto de 2004 da conta da SMPB no Banco Rural, fizeram parte das doações de campanha daquele ano. Vieram da empresa siderúrgica Usiminas, que teria contribuído para a eleição de Queiroz com R$ 102 mil. A SMPB, portanto, apenas teria repassado o dinheiro, imediatamente encaminhado por Queiroz, por sua vez, a candidatos a vereador de seis partidos, em 20 cidades. Quanto aos R$ 50 mil depositados diretamente em sua conta, foi um engano cometido por um assessor. Diz Romeu Queiroz: - Não fiquei com nada. Levantamento identifica novos saques de R$ 300 mil atribuídos a Jacinto Lamas, o tesoureiro informal do PL. O dinheiro foi repassado por meio da conta da SMPB no Banco Rural. Existem R$ 1,6 milhão em retiradas em nome de Jacinto Lamas. O irmão dele, Antô- nio de Pádua Lamas, assessor do PL, também fez um saque, de R$ 350 mil. Esteve no Banco Rural, em Brasília, em 7 de janeiro de 2004, por 14 minutos. Das 14h22 às 14h36. Atualização de somas acrescenta mais R$ 1,6 milhão aos saques atribuídos ao policial mineiro David Rodrigues Alves. Os novos cálculos chegam a R$ 6,5 milhões. Identificados mais R$ 100 mil sacados por Roberto Pinho, assessor do PT. No total, ele retirou R$ 450 mil. Célio Siqueira, assessor do deputado Vanderval dos Santos (PL-SP), sacou outros R$ 150 mil. 122 Dados atualizados mostram que a empresa Guaranhuns recebeu R$ 7,1 milhões. A origem do dinheiro: cheques emitidos por empresas de Marcos Valério via Banco Rural, na agência do Brasília Shopping. Aberta mais uma investigação: a CPI dos Correios suspeita que a Guaranhuns é uma empresa de fachada, utilizada para lavar dinheiro e remeter ilegalmente divisas para o exterior. 99% do capital da empresa estão nas mãos de uma offshore chamada Esfort Trading, sediada no Uruguai. Outra suspeita: os R$ 7,1 milhões foram parar nas mãos do tesoureiro Jacinto Lamas, que repassou a soma ao deputado Valdemar Costa Neto (SP), presidente nacional do PL. Entrevista com o economista Paulo de Tarso Venceslau. Ele relata ao repórter Luiz Maklouf, do jornal O Estado de S. Paulo, esquema de corrupção, de 1995, cujo operador era o advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula. Roberto Teixeira representava a Cpem (Consultoria para Empresas e Municípios). Por ter denunciado a trama, Venceslau foi expulso do PT em 1998. Para ele, Roberto Teixeira era o Marcos Valério da época: - Ele era o grande operador. Ele se apresentava nas prefeituras em nome do Lula, para pegar dinheiro para o PT. Paulo de Tarso Venceslau conversou pessoalmente com Lula, naquele ano de 1995. Queria alertá-lo para os métodos ilícitos de Roberto Teixeira: - Lula foi o primeiro a saber do caso. Sabia do comprometimento do seu compadre, sabia do volume de dinheiro público envolvido, e fez questão não só de acobertar, mas de punir quem tinha descoberto. Definição de Paulo de Tarso Venceslau: Lula é um caudilho, “e o partido se ajoelha diante dele. Esse ajoelhar foi mortal para o PT”: - O poder do Lula passou a ser quase que absoluto diante da máquina partidária. O partido se ajoelhou. Em seguida, o economista fala do deputado José Dirceu (PT-SP): - Até então aparentava manter uma velha amizade comigo, mas passou a ser meu algoz. Naquele momento ele provou ao Lula sua extrema lealdade. Um caudilho com esse poder, um partido de joelhos e um executor como o Zé Dirceu, só podia levar a isso que estamos vendo hoje. - Como pôde ser possível a montagem dessa máquina de dinheiro, o valerioduto, dentro do PT? - Silvio, Delúbio, essas pessoas foram postas no entorno de Dirceu. Silvinho, por exemplo, sempre foi uma pessoa medíocre no PT. Foi alçado a dirigente pelo Zé Dirceu e virou pau-mandado. Assim como o Delúbio. São pessoas que raciocinam muito pouco, não precisam pensar muito. Tinham de executar. - Paus-mandados de quem? - Do Zé Dirceu, que era o grande comandante, o grande chefe desse pessoal. Quem mandava e desmandava era Dirceu. A máquina partidária era controlada a mão-de-ferro por ele. - Delúbio Soares afirma que Dirceu não sabia do esquema. - Isso é conversa para boi dormir. Zé Dirceu controlava o partido, colocava as pessoas 123 nos postos que lhe interessavam, mantinha sob rígido controle. É ingenuidade achar que não sabia a origem dos recursos. Até porque o Delúbio não tem capacidade, nem origem, formação, preparo nem nada para montar um aparelho desse tipo. Vamos ser realistas. É um sindicalista do interior de Goiás, professor de carreira do Estado, neófito em São Paulo, nunca circulou nas rodas do poder e de repente adquire amizade sólida com um grande operador chamado Marcos Valério. É piada achar que fez isso da cabeça dele. Sobre Lula: - O Lula sempre geriu de perto as questões que envolvem sua relação de poder. Claro que não vai estar mandando fazer, mas saber, ele sabia. Não os detalhes. Comparando com a época que estourou o negócio do Teixeira: a primeira pessoa que soube foi Lula. Eu levei para ele, pessoalmente. E o tempo todo fingiu que não sabia. Evidentemente que Lula não operava, assim como não está operando hoje. Mas como ele sabia naquela época, ele sabe hoje, sempre soube. 77 29/7/2005 Depoimento à Polícia Federal. É de João Cláudio Genu, assessor do deputado José Janene (PP-PR). Ele admite que fez vários saques em dinheiro vivo na agência do Banco Rural no Brasília Shopping. De setembro de 2003 e janeiro de 2004, foram R$ 850 mil em retiradas. Genu agiu por determinação de Janene e dos deputados Pedro Corrêa (PPPE) e Pedro Henry (PP-MT). Genu nega que distribuiu dinheiro do mensalão a deputados do PP. Apenas transportou somas, como uma espécie de “mula”. Segundo Genu, ele pegava o dinheiro dentro da agência, em envelopes entregues por Simone Vasconcelos, executiva de Marcos Valério. Tudo ia para dentro de uma pasta tipo 007, sem conferir. Da agência bancária, Genu ia para o anexo do Senado, onde estão a presidência e a sede do PP. Lá funcionava uma espécie de tesouraria do PP. A Polícia Federal monta esquema para proteger a vida de Soraya Garcia. Ela cuidou das finanças da campanha de Nedson Micheletti (PT) à Prefeitura de Londrina (PR) em 2004. Militante do PT, acabou denunciando a sonegação de R$ 6,5 milhões nos gastos da campanha apresentados pelo PT à Justiça Eleitoral. Ela acusa o envolvimento do então deputado Paulo Bernardo (PT-PR), nomeado depois ministro do Planejamento de Lula, e de outro deputado, André Vargas (PT-PR). Declaração do promotor eleitoral Sérgio Correia de Siqueira sobre o caixa 2 que reelegeu Nedson Micheletti, com referências ao ministro Paulo Bernardo e ao deputado André Vargas: - O que ela fala é que eles chegavam de Brasília num dia e o dinheiro aparecia no outro. O dinheiro surgia dentro de sacos plásticos de lixo ou em sacolas de lojas. Oficialmente, a campanha custou R$ 1,3 milhão. De acordo com os números de Soraya Garcia, foram R$ 7,8 milhões. Ela relatou ao promotor que foi incumbida de fazer duas planilhas de despesas. Uma, em letras azuis, a oficial. A outra, em vermelho, mostrava o caixa 2. Depois que os documentos eram impressos, os arquivos tinham de ser apagados do computador. Soraya Garcia põe no rolo o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho (PT-SP). Ele é natural da mesma Londrina. Gilberto Carvalho foi procurado várias vezes 124 para dar socorro financeiro à campanha de Nedson Micheletti. Olha a coisa batendo na porta de Lula, novamente. Em entrevista ao repórter Sérgio Gobetti, do jornal O Estado de S. Paulo, o deputado João Magno (PT-MG), ex-prefeito de Ipatinga (MG), confessa que errou ao receber R$ 50 mil do valerioduto em 2003. Diz que o dinheiro foi usado para pagar dívidas de campanha do ano anterior: - Não declarei. Não digo que a gente não deva respeitar a lei, mas se não jogar as regras do jogo tem de deixar a política. Recebi consciente de que era desvio da lei, mas essa é a regra do jogo no Brasil. João Magno apresentou Marcos Valério, um velho conhecido, aos deputados João Paulo Cunha (PT-SP) e José Mentor (PT-SP). Valério também tinha bom relacionamento com o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG). Agora, essa: para obter dinheiro do caixa 2 do PT, o petista João Magno procurou Valério, e não Delúbio Soares. A confissão: - Foi quando perguntei se era possível ele liberar algum dinheiro, para pagar dívidas da minha campanha. Ele disse que dependia de ter o consentimento do Delúbio. Ele não entregaria dinheiro sem autorização do PT. Em 2002, antes de conversar com Marcos Valério, João Magno já havia ido a Delúbio Soares procurar “ajuda financeira”. É revelador: - Ele disse que ia ver o que era possível fazer. Naquele momento achei uma providência bastante solidária dele. Esse assunto não era discutido no Diretório Estadual, mas cada deputado sabia que existia essa fonte de ajuda. 78 30/7/2005 Um documento do Banco Rural autorizava Roberto Marques, o “Bob”, amigo e uma espécie de ajudante-de-ordens do deputado José Dirceu (PT-SP), a sacar R$ 50 mil. O dinheiro, da SMPB. A matéria está na revista Veja. A prova, um fax, veio em papel timbrado do Banco Rural, endereçado à agência da avenida Paulista, em São Paulo, em 15 de junho de 2004. Bob trabalhava na Assembléia Legislativa de São Paulo, não muito longe da agência da avenida Paulista. O saque vivo dos R$ 50 mil foi no dia seguinte. Mas quem fez foi um certo Luiz Carlos Manzano, sob suspeição de trabalhar como contador na Bônus-Banval. A corretora teria dado um emprego a Michele Janene, filha do deputado José Janene (PP-PR). José Dirceu e Bob negam. Não sabem nada sobre o saque de R$ 50 mil. A revista: “A confirmação de que o Roberto Marques do documento do Rural é o mesmo Bob ajudante de Dirceu foi dada a Veja na última sexta-feira pelo deputado Carlos Abicalil (PTMT). Sub-relator da CPI dos Correios, o parlamentar contou que foi procurado pelo próprio Marques na semana retrasada para tentar esclarecer o aparecimento de seu nome nos documentos contábeis do Banco Rural. Segundo o deputado, o assessor repassou o número de sua identidade e do CPF, para que ele pudesse conferir com os documentos em poder da CPI. O resultado da pesquisa, nas palavras do deputado, foi o seguinte: ‘O número do RG conferia. Só não conferia o saque’, diz.” 125 Publicada a reportagem, Simone Vasconcelos, diretora administrativa e financeira da SMPB, confirma: Roberto Marques, o Bob de José Dirceu, recebeu mesmo autorização para o saque de R$ 50 mil. Carlos Abicalil evita a imprensa e não fala mais sobre o assunto. Deve ter tomado uma bronca. 80 1/8/2005 Marcos Valério faz tremer. Simone Vasconcelos depõe na Polícia Federal, em Brasília. Fornece uma lista elaborada por Valério, com os nomes de 31 pessoas. Traz os sacadores e beneficiários do mensalão. Todos autorizados pelo PT a fazer retiradas em dinheiro. Total que saiu das contas bancárias das empresas de Valério: R$ 55,8 milhões. Um esclarecimento: nem sempre os beneficiários foram pegar quantias em cédulas no banco. Os mais espertos mandaram assessores e familiares. Eis os principais nomes da lista, com os respectivos valores agraciados, por ordem de grandeza: Duda Mendonça, publicitário e marqueteiro de Lula, responsável pela campanha eleitoral vitoriosa de 2002, R$ 15,5 milhões. Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, R$ 10,8 milhões. Diretório Nacional do PT, R$ 4,9 milhões. Deputado José Janene (PP-PR), R$ 4,1 milhões. Deputado Vadão Gomes (PP-SP), R$ 3,7 milhões. Manoel Severino dos Santos, presidente da Casa da Moeda e ligado ao PT do Rio de Janeiro, R$ 2,6 milhões. Emerson Palmieri, tesoureiro do PTB, R$ 2,4 milhões. Tome fôlego: deputado José Borba (PR), líder do PMDB, R$ 2,1 milhões. Marcelino Pies, tesoureiro do PT do Rio Grande do Sul, R$ 1,2 milhão. Anderson Adauto (PL-MG), ex-ministro dos Transportes de Lula, R$ 1 milhão. José Carlos Martinez, falecido ex-presidente do PTB, R$ 1 milhão. Deputado Paulo Rocha (PT-BA), R$ 920 mil, bem mais, portanto, que os R$ 420 mil identificados anteriormente. Rodrigo Barroso Fernandes, ex-secretário do prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT-MG), também está na lista de Marcos Valério, agraciado com R$ 774 mil. Márcio Araújo de Lacerda, secretário-executivo do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PSB-CE), pegou R$ 457 mil. Roberto Costa Pinho, assessor do ministro da Cultura, Gilberto Gil, R$ 450 mil. Deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ), R$ 400 mil. E mais estes aqui, imperdíveis: Raimundo Ferreira da Silva Júnior, do PT do Distrito Federal, R$ 370 mil. Deputado João Magno (PT-MG), R$ 350 mil. Deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), R$ 350 mil. Deputado José Nobre Guimarães (PT-CE), o irmão de José Genoino, R$ 250 mil. Vilmar Lacerda, presidente do PT do Distrito Federal, R$ 235 mil. Deputado Paulão (PT-AL), presidente do PT de Alagoas, R$ 160 mil. Deputado Josias Gomes (PT-BA), R$ 100 mil. Deputado João Paulo Cunha (PT-SP), R$ 50 mil. José Adelar Nunes, tesoureiro do PT de Santa Catarina, R$ 50 mil. E deputado Professor Luizinho (PT-SP), R$ 20 mil. A estratégia de Valério: convencer a Polícia Federal de que a lista dos R$ 55,8 milhões tem origem em empréstimos bancários, e que o dinheiro foi totalmente repassado, por meio de caixa 2, a pessoas indicadas pelo PT. Valério queria um acordo, o benefício da delação premiada. Um abrandamento de penas, para evitar possível condenação. Em troca, forneceria informações. Mais alguns pedidos de Valério: ele não quer ser preso e quer o desbloqueio de R$ 1,8 milhão, aplicado no nome da mulher, Renilda Santiago. 126 Valério mantém pressão sobre o PT. Quer negociar, ser protegido. Por ora, ameaça: pode revelar os detalhes de suposta reunião entre cinco integrantes do PT e o vice-presidente do BMG, Roberto Rigotto. O encontro teria ocorrido durante o período de votação da Medida Provisória 130, que tratou de crédito consignado para aposentados. História enroladíssima, como se verá adiante. De qualquer forma, Valério jamais falou publicamente dos tais detalhes, durante a crise do escândalo do mensalão. Provavelmente, porque conseguiu o que desejava. Com o negócio, o BMG obteve exclusividade para operar créditos consignados, durante alguns meses. Fez um dinheirão. Outro petardo: escancarados bastidores da relação entre Marcos Valério e José Dirceu (PT-SP), o superministro do presidente Lula. A psicóloga Maria Ângela Saragoça, ex-mulher de Dirceu, foi contratada pelo BMG em 2003. Trabalhava meio expediente em uma agência em São Paulo, por R$ 3.265. Um mês depois, obteve empréstimo de R$ 42 mil do Banco Rural. O dinheiro foi usado para pagar parte do apartamento comprado por ela no tranquilo bairro de Perdizes, em São Paulo. Antes de comprá-lo, porém, Maria Ângela teve de vender o antigo imóvel, situado na Vila Madalena. Quem o comprou por R$ 115 mil foi o advogado Rogério Tolentino, sócio de Marcos Valério. Depois, alugou-o a Ivan Guimarães, petista que ocupou a presidência do Banco Popular do Brasil. O apartamento novo custou R$ 150 mil. O vendedor do imóvel concedeu entrevista ao jornal Estado de Minas. Maria Ângela foi comprá-lo com dinheiro vivo, trazido numa sacola. Para anotar: a DNA, de Marcos Valério, fez campanha de lançamento do Banco Popular, braço do Banco do Brasil, sem licitação. Custos da campanha: R$ 25 milhões. O BMG aproveitou os bons ventos no governo Lula e fez lucrativa parceria com a Caixa Econômica Federal e o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) para operar sistema de créditos consignados. Voltando à ex-mulher de José Dirceu. O ministro pediu emprego a Valério para ela, logo após a posse de Lula. A notícia sai no Correio Braziliense. Dirceu não quer falar sobre o assunto. Maria Ângela divulga nota: diz que foi apresentada a Marcos Valério por Silvio Pereira, um velho conhecido, de mais de 20 anos. Dirceu, segundo ela, não tem nada a ver com isso: “Em setembro de 2003, encontrei-o (Silvio Pereira) em companhia do senhor Marcos Valério, a quem fui apresentada. Conversamos sobre minha situação profissional e o publicitário mineiro se colocou à disposição para me indicar alguma empresa que eventualmente necessitasse de meus serviços. Também disse que tinha contatos se eu precisasse de financiamento para a compra do novo apartamento.” Renuncia o deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP). Ele preferiu perder o mandato a correr o risco de ficar inelegível até 2015, caso fosse cassado por envolvimento no escândalo do mensalão. Ficou livre para se candidatar em 2006. Valdemar Costa Neto não abriu mão do cargo de presidente do PL. De Roberto Busato, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil): - A renúncia não pode ser um salvo-conduto para a impunidade. 127 Valdemar Costa Neto profere discurso da tribuna na Câmara dos Deputados. Recebeu, sim, dinheiro do valerioduto, apesar de ter negado anteriormente. Todo o dinheiro do caixa 2 do PT foi usado, segundo ele, para pagar despesas de campanhas eleitorais. Não houve mesadas a deputados: - Fui induzido ao erro quando aceitei receber recursos destinados à campanha, sem a devida documentação que oficializasse a doação. O patrimônio de Valdemar Costa Neto, conforme declaração apresentada por ele ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) em 2002: R$ 2,9 milhões. Em Mogi das Cruzes (SP), base eleitoral de Valdemar, ele é conhecido como “Boy”. De Frederico Augusto, irmão de Valdemar, ao repórter José Maria Mayrink, do jornal O Estado de S. Paulo: - Não entendo como o Boy tem tantos bens, pois nosso pai morreu pobre e não deixou quase nada para os filhos. Em Brasília, o discurso de renúncia do presidente do PL. Menção ao PT: - Não tínhamos razões para suspeitar da origem dos recursos que recebíamos. Em nenhum momento poderíamos colocar sob suspeita as ações de um partido aliado que, junto conosco, venceu as eleições. O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), elogia Valdemar Costa Neto. Severino falou exatamente desse jeito: - Não posso deixar de ressaltar a prova da dignidade da maneira correta como vossa excelência agiu para engrandecer o mandato popular, que espero que São Paulo faça de volta. Daria certo. Valdemar seria reeleito deputado federal em 2006. E o PL, chamuscado pelo escândalo do mensalão, viraria PR (Partido da República). Valdemar continuou forte nos bastidores, durante o segundo mandato de Lula. 81 2/8/2005 José Dirceu (PT-SP) e Roberto Jefferson (PTB-RJ) enfrentam-se em sessão do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Um duelo com ofensas, denúncias para todos os lados e muita ironia. Dirceu trata de proteger Lula, minimizando a influência que teve no governo do presidente. Jefferson rouba a cena. Eis as intervenções de Dirceu, retrucadas por Jefferson: - Tenho consciência da tragédia que se abateu no PT. Sei da gravidade dos erros que setores da direção do PT cometeram na campanha de 2004, mas quero repetir que só respondo pelo que decidi, participei e autorizei. - Tratei de todos os assuntos com vossa excelência, deputado José Dirceu, os republicanos e os não-republicanos. Vossa excelência nos deixava a todos à vontade para qualquer conversa, na ante-sala do presidente da República. - O senhor se desentendeu conosco porque queria capturar vários órgãos públicos e não permitimos as nomeações. - Falei do mensalão para o todo-poderoso José Dirceu, hoje humilde, ele deu um soco na mesa e disse: “Não pode, o Delúbio não está autorizado”. - No caso de se comprovar que o mensalão é realidade, quem vai decidir isso é a Justiça. Por enquanto é um indício, não uma certeza. 128 - O José Genoino era o vice-presidente do PT. O presidente de fato era José Dirceu. Tudo tinha de ser fechado e homologado depois na Casa Civil, pelo José Dirceu. - Não é fato. Não é verdade. - O acordo da Bahia foi fechado na Casa Civil. O acordo de São Paulo, o do Paraná que envolvia a nomeação em Itaipu, foi fechado na Casa Civil. - Não posso ser prejulgado, transformado, como fez o deputado Roberto Jefferson, no chefe de quadrilha ou no chefe do maior esquema de corrupção no País. - Foi o maior tráfico de influência, a maior corrupção política que eu já vi por parte de um partido. O braço desse partido no governo é vossa excelência. - O falecido presidente Martinez recebeu R$ 1 milhão do Marcos Valério. Se esses saques são para o mensalão, como diz o deputado Roberto Jefferson, o PTB também recebeu. - O senhor acusou um homem que não pode se defender, mas eu vou fazer isso por ele. O Martinez me mostrou que havia recebido do PT R$ 1 milhão para pagamento de programas de televisão de campanha, que são caríssimos. - Jamais propus para qualquer deputado, deputada, senador, senadora, para qualquer presidente de partido, qualquer proposta que não fosse lícita, republicana. - Não tem mensalão no Brasil. É conversa da imprensa, todos os jornais mentem, todas as revistas mentem. Os gestos do Delúbio não são de conhecimento de vossa excelência. As atividades de Marcos Valério, que foi 12 vezes à Casa Civil, vossa excelência não viu, não. Comentário da jornalisa Dora Kramer, de O Estado de S. Paulo: “Quem ouvisse pela primeira vez pensaria tratar-se do ministro da Pesca, não do chefe da Casa Civil, poderosíssimo, comandante de uns, integrante de outros e influente em todos os grupos de trabalho governamentais, participante ativo e explícito dos atos do PT nesse período.” Do jornalista Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo: “Que diabo de político mambembe é esse que, tendo participado do alto comando petista por 12 anos, não percebeu que os seus colegas eram capazes de praticar ‘atos’ capazes de gerar o que o próprio Dirceu chamou de ‘tragédia’ do PT?” Rossi acrescentou: “É, diga-se, o mesmo dirigente político que conviveu durante 13 anos com um certo Waldomiro Diniz e, ainda assim, foi incapaz de notar nele qualquer tendência delinquencial, a ponto de levá-lo para o coração do governo, posição a partir da qual negociava com delinquentes”. Roberto Jefferson denuncia: José Dirceu, com o conhecimento e o aval de Lula, articulou uma viagem de Marcos Valério e Emerson Palmieri, tesoureiro do PTB, a Lisboa. O objetivo: negociar a captação de recursos junto à Portugal Telecom, para conseguir “fundos” e pagar dívidas de campanha do PT e do PTB. O ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG), segundo Jefferson, foi quem pediu socorro ao presidente da Repú- blica. O PTB precisava de dinheiro. Nasceu a operação Portugal Telecom. Fatos denunciados: Valério e Emerson Palmieri voaram de primeira classe para a capital portuguesa, em 24 de janeiro de 2005, a fim de se encontrar com representantes do Banco 129 Espírito Santo e com o ministro de Obras Públicas de Portugal, Antonio Mexia, que mantinha ligações com banqueiros. Valério queria se meter numa transferência de US$ 600 milhões do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). O dinheiro estava depositado numa instituição financeira do Reino Unido e com a jogada iria para o Banco Espírito Santo. O banco é um dos principais acionistas da Portugal Telecom. A “comissão” do negócio, de R$ 100 milhões, injetaria recursos de caixa 2 para “salvar” PT e PTB. Ao final, a “solução” acabou descartada, pelo alto risco. Reação de José Dirceu: - Não é verdade, isso não é fato. Nunca tive relação com a Portugal Telecom, de nenhum tipo. Nem administrativa, nem funcional, nunca tratei com a Portugal Telecom, nenhuma matéria. Reação de Marcos Valério: - Havia o rumor de que a Portugal Telecom estava comprando a Telemig Celular. Como a minha agência DNA tinha a conta da Telemig, fui a Portugal atrás de oportunidades de negócios. Palmieri foi comigo a passeio. É amigo e estava estressado. Emerson Palmieri iria negar, como veremos. Reação do Palácio do Planalto: em nota oficial, admitiu as visitas de dois representantes da Portugal Telecom a Lula, em Brasília. Agenda do encontro: “novos investimentos no Brasil”. Da nota: “Em nenhum momento foi tratado qualquer assunto que não se referisse aos empreendimentos da companhia portuguesa no Brasil”. Marcos Valério depõe à Procuradoria-Geral da República. Afirma que se encontrou três vezes com o ex-ministro José Dirceu (PT-SP), no Palácio do Planalto. Ele faz menção a contratos de gaveta, fechados com Delúbio Soares. Uma espécie de garantia para os bancos Rural e BMG, que teriam emprestado R$ 55,8 milhões ao PT. Valério entrega cópia de documento assinado por Delúbio, dirigido ao BMG. O tesoureiro do PT assumia “o compromisso irretratável e irrevogável de garantir, como avalista e devedor solidário”, todas as operações de empréstimos firmadas com o PT e as empresas ligadas a Valério, a saber: DNA, SMPB, Graffiti e Rogério Tolentino Associados. Os procuradores ficam intrigados. Delúbio Soares, um homem sem grandes posses, foi aceito como avalista de empréstimos milionários. O BMG também emprestou R$ 83,4 milhões às empresas de Marcos Valério, entre fevereiro de 2003 e abril de 2004. Um momento do depoimento de Valério chama atenção: o empresário informa que R$ 4,9 milhões foram entregues, em dinheiro vivo, nas sedes do PT em São Paulo e em Brasília. Por fim: os advogados Aristides Junqueira e Pedro Fonseca, contratados para defender o PT no caso da morte do ex-prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel (PT), receberam R$ 185 mil em recursos do chamado valerioduto. O dinheiro que pagou os advogados, portanto, não tinha nada a ver com as tais dívidas de campanha. Cai Márcio Araújo de Lacerda (PSB-MG), secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional. Amigo do ministro Ciro Gomes (PSB-CE), era seu assessor mais importante. Em 2002, foi coordenador financeiro da campanha de Ciro Gomes, então no PTB, 130 à Presidência da República. Em 2008, Márcio Lacerda seria eleito prefeito de Belo Horizonte, apoiado pelo PT e pelo PSDB. O nome de Márcio Lacerda apareceu na lista do valerioduto, beneficiário de R$ 457 mil. Segundo ele, o dinheiro pagou a agência de publicidade que fez a campanha de Ciro a presidente: - A campanha do Ciro terminou sem dívida e, no segundo turno, com o apoio à candidatura de Lula, houve uma junção das equipes na campanha do PT. O pessoal da agência New Trade, responsável pelo marketing de Ciro, integrou-se, a convite de Duda Mendonça, à campanha do PT e dos aliados nos Estados. O dinheiro foi depositado na conta da agência, não podia imaginar que tinha esse esquema todo. O empresário Jacome Einhart, dono da New Trade, confirma e descreve o telefonema que deu ao publicitário Duda Mendonça, responsável pela campanha eleitoral de Lula: - Liguei para o Duda e dei os parabéns pela vitória, e ele me chamou para ajudar no segundo turno. O dinheiro do caixa 2 do PT repassado à New Trade saldou despesas da campanha de Lula à Presidência da República. Fato grave, mas sem os desdobramentos que poderiam ter ocorrido, nem as implicações merecidas. Depoimento do ex-secretário de Segurança Nacional do governo Lula, Luiz Eduardo Soares, à CPI dos Bingos. Ele ouviu do empresário de jogos Sérgio Canozzi, em 2002, que o ex-presidente da Loterj do Rio, Waldomiro Diniz, levantava R$ 300 mil mensais de propina. Sérgio Canozzi também teria oferecido suborno de R$ 10 milhões para a governadora do Rio, Benedita da Silva (PT), num esquema de desvio de dinheiro público. Luiz Eduardo Soares garante que denunciou a “oferta” ao secretário de Coordenação de Governo de Benedita da Silva, Marcelo Sereno, aliado de José Dirceu (PT-SP). Mais: fez três tentativas para contar o caso diretamente à governadora, mas ela desconversou. Waldomiro Diniz continuou na presidência da Loterj. Da governadora Benedita a Luiz Soares: - Você deveria ser mais construtivo, e não ficar me trazendo mais problemas. 82 3/8/2005 A operação Portugal Telecom. Notícia do jornal Expresso, de Lisboa: o ex-ministro de Obras Públicas de Portugal, Antonio Mexia, recebeu Marcos Valério, “na qualidade de consultor do presidente do Brasil”. O encontro, em outubro de 2004, teve caráter “de cortesia”, com duração de 15 minutos. A conversa, “de circunstância”, não teve “tema específico”. Em nota, a Presidência da República nega, “enfaticamente”. Afirma que Marcos Valério não foi autorizado a representar Lula. Mas é fato: Valério foi recebido em audiência pelo ministro José Dirceu (PT-SP), em 11 de janeiro de 2005, 13 dias antes da viagem a Lisboa, em companhia do tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri. Para anotar: Valério foi ao encontro de Dirceu com o representante do Banco Espírito Santo no Brasil, Ricardo Espírito Santo. Ele é primo do presidente do banco, Ricardo do Espírito Santo Salgado. Dados em poder da CPI dos Correios mantêm registro de que Ricardo do Espírito Santo Salgado esteve no Brasil no fim de 2004, para jantar com Delúbio Soares. 131 Mais uma informação que corrobora a denúncia de Roberto Jefferson: o IRB (Instituto de Resseguros do Brasil) confirma que rejeitou proposta para aplicar US$ 100 milhões no Banco Espírito Santo. Não são os números de Jefferson, mas são números milionários. Quem forçou a posição do IRB pela rejeição da proposta, em abril de 2005, foi o diretor de Finanças da estatal, Alberto Pais, o único que não teria sido indicado por partidos políticos. Simone Vasconcelos na CPI dos Correios. A diretora administrativa e financeira da SMPB conta que esteve cerca de 30 vezes em Brasília por determinação de Marcos Valério, em 2003. Foi tratar de retiradas de dinheiro, atendendo interesses de Delúbio Soares. Ela conhece um pouco da história do saque em nome de Roberto Marques, o “Bob”, fiel amigo de José Dirceu: - A Geyza Dias, gerente financeira da SMPB, autorizou o saque de R$ 50 mil do Rural em São Paulo, em nome dele. Mas no dia seguinte enviou outro fax ao Rural, mudando o destinatário. Se foi mudado, foi por ordem do Valério, que deve ter mudado a pedido do Delúbio. Dava muito na cara. Os R$ 50 mil, afinal, foram recebidos por um emissário da corretora Bônus-Banval. Na primeira fase das operações do valerioduto, aliás, o dinheiro era entregue em espécie ou mediante transferências eletrônicas, diretamente aos beneficiados. Depois, Marcos Valério procurou procedimentos mais seguros, dificultando a identificação dos recebedores. Passou a usar os serviços das corretoras Bônus-Banval e Guaranhuns para distribuir o dinheiro. Além de tudo, tinha outro problema: Simone Vasconcelos não aguentava mais lidar com tanto dinheiro. Palavras dela à CPI: - Quando chegava ao Rural em Brasília tinha impressão de que até o guarda sabia que eu ia tirar dinheiro. Não gostava disso, pelo risco pessoal. Achava perigoso. Com o passar de alguns meses, fiquei incomodada, constrangida. Não me ocorreu que fosse ilegal, mas pedi para não fazer mais. De Simone Vasconcelos: - Não me arrependo de nada. Sou muito grata ao Marcos Valério. Ele me deu possibilidade de crescimento profissional. E quando fiquei incomodada por entregar valores, isso mudou. Fiz tudo por determinação do meu patrão. Cai Manoel Severino dos Santos, presidente da Casa da Moeda, órgão subordinado ao Ministério da Fazenda. Manoel Severino dos Santos aparece na lista de Valério como sacador de R$ 2,6 milhões. É um dos fundadores do PT no Rio. Foi secretário da ex-governadora Benedita da Silva (PT-RJ). Exerceu a função de tesoureiro informal do PT e trabalhou na campanha de reeleição de Benedita. É próximo de Marcelo Sereno e Delúbio Soares. Mais denúncias: a DNA pagou R$ 34 mil mensais, entre abril de 2003 e dezembro de 2004, para a IFT (Idéias, Fatos e Texto), empresa do jornalista Luís Costa Pinto, em troca de serviços de comunicação aos deputados Professor Luizinho (PT-SP) e Virgílio Guimarães (PT-MG). A SMPB, outra agência de Marcos Valério, pagou R$ 20 mil mensais a Luís Costa Pinto, pela assessoria ao deputado João Paulo Cunha (PT-SP), na época em que ele presidia a 132 Câmara dos Deputados. A CPI dos Correios descobriu uma transferência de R$ 50 mil das contas de Valério a Luís Costa Pinto. 83 4/8/2005 Mais uma história que passa raspando em Lula. O jornal O Estado de S. Paulo faz nova revelação sobre o caixa 2 do PT. A reportagem é de Christiane Samarco. Trata-se de R$ 2,1 milhões do valerioduto que foram entregues ao líder do PMDB na Câmara, deputado José Borba (PR), em 2004. Segundo o próprio José Borba, boa parte dos R$ 2,1 milhões foi repassada a Carlos Roberto Massa, o “Ratinho”, apresentador do Programa do Ratinho, do SBT. Bancou uma entrevista-churrasco com Lula no programa de televisão. Foram cinco horas de gravação na Granja do Torto com Lula, registradas por seis câmeras do SBT. O programa foi ao ar em 30 de abril de 2004. José Borba relatou a história a dois integrantes da cúpula do PMDB. José Borba intermediou pessoalmente o pagamento. Deu a entender que poderia renunciar ao mandato. Iria preferir isso a contar a verdade. Afinal, Ratinho é compadre e velho amigo. Financiara a campanha de José Borba a deputado em 2002, incluindo o empréstimo de um jatinho para ele percorrer o Paraná. O Palácio do Planalto e Ratinho negam o pagamento. Da reportagem: “Foi justamente a eleição de 2002 que aproximou Ratinho, que já foi deputado, e o candidato Lula, apoiado pelo PMDB de Borba no Paraná. Os contatos entre eles se estreitaram a ponto de a grande entrevista exclusiva ter sido acertada pelos dois em um café da manhã em Brasília, um mês antes do churrasco no Torto. A entrevista teria custado caro porque incluiu a participação da dupla sertaneja Bruno e Marrone, que cantou com Lula.” Em depoimento à CPI do Mensalão, Roberto Jefferson (PTB-RJ) conta detalhes da operação Portugal Telecom. Foi procurado por Marcos Valério, em março de 2005, para tratar do negócio com o Banco Espírito Santo, acionista da Portugal Telecom. Valério queria que Jefferson conseguisse uma transferência de US$ 600 milhões para o Banco Espírito Santo, cuja sede fica em Portugal. O dinheiro era do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil) e estava aplicado na Europa. Além disso, Jefferson teria de atuar junto à Eletrobrás. A estatal federal precisaria reestatizar linhas de transmissão de energia. O Banco Espírito Santo providenciaria financiamento de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões para isso. A comissão proposta para a trama era de 3%. Isso renderia uma bolada entre R$ 90 milhões e R$ 120 milhões, dinheiro que iria irrigar os cofres do PT e do PTB. Na época, o IRB e a Eletrobrás estavam na área de influência do PTB. Havia outro negócio, proposto pelo então ministro José Dirceu (PT-SP). Renderia R$ 24 milhões por fora, também para PT e PTB. Esse o motivo da viagem de Valério e do tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri, a Lisboa. Rogério Tolentino, sócio de Valério, também foi a Portugal. Segundo Jefferson, Dirceu disse que a Portugal Telecom oferecera a bolada em nome de uma antecipação de recursos para futuras campanhas eleitorais. Jefferson afirma que Valério, Tolentino e Delúbio Soares viajavam com frequência a Portugal. 133 Em seu depoimento, Jefferson aponta a origem da crise política: dificuldades do PT e do PTB para pagar dívidas: - Se as operações tivessem dado certo, as crises estariam sanadas. As tensões seriam superadas. Para ele, os problemas começaram quando tomou a decisão de contar a Lula sobre o pagamento de mensalões. Jefferson acusa o ministro da Justiça: - Passaram a perseguir a mim e ao PTB. O ministro Márcio Thomaz Bastos disse que divulgaria corrupção em três órgãos administrados pelo PTB, o IRB, os Correios e a Eletronorte. Roberto Jefferson acrescenta: - Procurei o José Dirceu e pedi que ele não “viajasse”, mas ele não me deu ouvidos. Depois fiquei sabendo que os arapongas da Agência Brasileira de Inteligência estavam lá nos Correios, querendo me pegar. Um “acordo” na CPI dos Correios impede a abertura dos sigilos bancários e fiscais de 11 fundos de pensão de empresas estatais. A alegação: a investigação iria gerar clima de instabilidade na economia, e prejudicar investimentos no Brasil. Deputados e senadores abrem mão da apuração das irregularidades num veio importante de abastecimento do caixa 2. Do deputado Maurício Rands (PT-PE): - Os investimentos dos fundos são ativos da escala de bilhões. Temos de ter responsabilidade com a economia do País. Com a decisão, o inquérito restringe-se a um pedido de informações à Secretaria de Previdência Complementar, do Ministério da Previdência Social. A CPI dos Correios ouve o policial David Rodrigues Alves, autorizado a sacar R$ 6,5 milhões das contas das empresas de Marcos Valério, em agências do Banco Rural em Belo Horizonte. Ele confirma: o dinheiro ficava separado no banco, em maços lacrados. Transportava os valores para a SMPB, em caixas de sapato, caixas de camisa ou de celular, dependendo da quantia. Fazia até três viagens por dia, carregando de R$ 50 mil a R$ 150 mil. Em troca, recebia pagamento de R$ 50 a R$ 100 por viagem, mais o dinheiro do táxi. Na CPI dos Bingos, Antonio Carlos Lino da Rocha, ex-presidente da multinacional Gtech no Brasil, e Marcelo Rovai, ex-diretor de Marketing da empresa. Os dois acusam o advogado Rogério Buratti e Waldomiro Diniz, ex-subchefe do Ministério da Casa Civil. Ambos teriam tentado extorquir R$ 20 milhões da Gtech, em abril de 2003. A exigência caiu depois para R$ 6 milhões. Em troca, o Governo Federal facilitaria a renovação de um contrato da multinacional norte-americana com a Caixa Econômica Federal. Rogério Buratti foi secretário de Governo do ministro da Fazenda, Antonio Palocci (PT-SP), quando ele era prefeito de Ribeirão Preto (SP). A história de Marcelo Rovai: ele aceitou conversar com Waldomiro Diniz, porque lhe informaram que o assessor de José Dirceu (PT-SP) era o terceiro homem mais importante do governo Lula. Quanto a Buratti, era poderoso o suficiente para impedir a assinatura do 134 contrato. Afinal, já assessorara três petistas de peso: Palocci, José Dirceu e o deputado João Paulo Cunha (SP). Os ex-dirigentes da Gtech negam o pagamento da propina. Senadores acreditam que, para evitar o rompimento do contrato de processamento de loterias, o dinheiro foi pago, e por isso a prorrogação, um negócio de R$ 650 milhões, recebeu sinal verde. Não ficou por aí a boa relação Gtech/governo Lula. Houve a criação de mais um jogo, a Loto Fácil, e o aumento de 50% no preço de outro, a Mega Sena, que também beneficiaram a Gtech. Outra indicação do suborno: as ligações telefônicas entre Marcelo Rovai e Rogério Buratti. O ex-diretor da multinacional negou os telefonemas, mas a quebra de sigilo telefônico mostrou que os dois se falavam com frequência. É fato: a Caixa Econômica Federal prorrogou o contrato de US$ 100 milhões com a Gtech por mais um ano. 84 5/8/2005 A operação Portugal Telecom. O jornal português Público informa que Ricardo Espírito Santo Salgado, presidente do Banco Espírito Santo, confirmou o encontro mantido com Marcos Valério em Lisboa, no final de 2004. Na audiência, o banqueiro comentou que tinha dificuldade para marcar uma reunião com altos funcionários do governo Lula. De volta ao Brasil, Valério marcou o encontro, sem problemas. Em dois dias estava agendado. A reunião ocorreu em 11 de janeiro de 2005. Ricardo Espírito Santo, representante do banco português no Brasil, foi recebido pelo ministro da Casa Civil, José Dirceu (PT-SP). Valério também estava na audiência. O banqueiro e Valério confirmaram, embora Dirceu tenha informado que não se lembrava da presença de Valério na reunião. Outro diário português, o Jornal de Negócios, publica entrevista com o presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa. Ele também se reuniu com Valério, “grande empresário de Minas Gerais”, em Lisboa. Em outubro de 2004, em audiência oficial realizada no Palácio do Planalto, ocorreu encontro entre Lula e Miguel Horta e Costa. Em entrevista ao repórter Expedito Filho, do jornal O Estado de S. Paulo, Marcos Valério descreve José Dirceu como “avalista político” dos empréstimos bancários do Banco Rural e do BMG ao PT: - Por que você acha que os bancos emprestaram? Algum banqueiro deste País daria o aval para Delúbio e Valério? Os bancos só deram aval porque sabiam que por trás tinha um conforto, uma garantia. Segundo Valério, Delúbio Soares avisava José Dirceu sobre todas as transferências de dinheiro do valerioduto: - Delúbio tinha fidelidade canina e não fazia nada sem conversar com Dirceu. Mais bastidores do mensalão, na versão de Valério: - Nos dois últimos anos, eu fui a pessoa mais íntima do Delúbio. Ele me disse que Zé Dirceu sabia das dívidas do partido, que Zé Dirceu sabia dos compromissos com os outros partidos da base. Delúbio assumiu mais compromissos do que realmente poderia. Além de Zé Dirceu, todo mundo na cúpula do PT sabia dos empréstimos de Delúbio e das transferências para diretórios do PT e para partidos aliados. 135 - Eu via a maneira como Silvinho Pereira respeitava o Delúbio, o Delúbio ao Genoino, e todos ao Dirceu. Tudo começou no segundo turno da eleição para presidente da República, em 2002. Valério se aproximou de um velho amigo, o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), conterrâneo dele da cidade de Curvelo (MG). Conheceu José Dirceu e a cúpula do PT. As operações de empréstimo e transferências começaram depois da eleição: - No PP, os saques eram autorizados para João Cláudio Genu, chefe do gabinete da liderança, e distribuídos para os deputados pelo líder, deputado José Janene. O PL, primeiro partido a receber, tinha como distribuidor o deputado Valdemar Costa Neto, embora os saques fossem feitos pelo tesoureiro Jacinto Lamas. No PMDB, quem sacava era Maria Sebastiana, e o Borba distribuía. Valério lembra-se de conversa que ouviu na sede do PT em Brasília, no edifício Varig. Era a respeito de uma discussão entre o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) e o tesoureiro Delúbio Soares: - Jefferson queria grana, chantageou e ameaçou o Delúbio. Ele me disse: “Vamos ter problemas com o Roberto Jefferson”. O publicitário Duda Mendonça emite nota para repudiar, “com veemência e indigna- ção”, o que chama de “tentativas absurdas e absolutamente improcedentes” de Marcos Valério. Duda Mendonça não aceita que ele e a sócia, Zilmar Fernandes da Silveira, sejam envolvidos no “inexplicável esquema de distribuição de dinheiro”. Duda Mendonça foi apontado como o destinatário de R$ 15,5 milhões, por meio de cinco cheques lançados entre fevereiro e novembro de 2003. A Polícia Federal indicia o coordenador financeiro da campanha de Fernando Pimentel (PT) a prefeito de Belo Horizonte. Chamado a depor, Rodrigo Barroso Fernandes prefere não se manifestar sobre os R$ 274 mil que recebeu, por meio do caixa 2 do PT. Com o nome na lista dos recebedores de dinheiro do valerioduto, Rodrigo Barroso Fernandes já havia pedido demissão da Prefeitura de Belo Horizonte. 85 6/8/2005 O PT decide suspender Delúbio Soares por tempo indeterminado, mas rejeita a abertura de processo de investigação sobre as atividades do tesoureiro. Do deputado Chico Alencar (PT-RJ), que depois se transferiria para o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade): - Delúbio sabe de muita coisa. Ele não faria operações milionárias de moto próprio, e por isso tem que ter blindagem, proteção. O partido não quer ser melindrado. O Campo Majoritário está vivo e José Dirceu, trabalhando firme. Para o deputado Mauro Passos (SC-PT), o receio é um só. Delúbio Soares poderia contar tudo o que sabe: - Tornou-se perigoso, do ponto de vista que pode liquidar figuras do nosso partido e do nosso governo. Imagino o esforço para que não abra o verbo. O jornal O Estado de S. Paulo comenta a decisão do PT, no editorial “Pizza no Diretório do PT”. Critica a influência de José Dirceu e classifica Delúbio Soares como o “parceiro de 136 falcatruas de Valério”, autor de “negócios escabrosos”, no “maior escândalo de corrupção de que se tem notícia no País.” A revista Época publica fotografia de casa ampla, de bom gosto, avaliada em R$ 600 mil. Recém-construída por José Dirceu. Fica no condomínio Vale de Santa Fé, em Vinhedo (SP). Tem 431 metros quadrados de área construída, piscina e churrasqueira, num belo terreno de 1.680 metros quadrados. Análise da CPI dos Correios sobre operações financeiras. É de envolvidos no escândalo do mensalão. Traz dúvidas sobre movimentações de José Dirceu. Cerca de R$ 535 mil, transferidos ao ex-ministro entre os anos de 2000 e 2005, não dispõem de identificação. Não se sabe quem foram os depositantes. Para a assessoria de José Dirceu, o deputado está protegido por sigilo bancário, e não fará comentários sobre o assunto. A operação Portugal Telecom. Quem se manifesta agora é o ex-diretor de Finanças da Embratur no governo Lula, Emerson Palmieri. O tesoureiro informal do PTB contesta a versão apresentada por Marcos Valério, segundo a qual ele, Palmieri, fora a passeio a Lisboa por estar estressado e ser amigo de Valério. Palmieri fala ao repórter Rubens Valente, da Folha de S.Paulo: - Não sou amigo dele, não tenho nada com ele, eu o conheço há poucos meses. Emerson Palmieri aproximou-se de Marcos Valério “por contingência”. Foi a Portugal em “missão partidária”, mas não há clareza sobre o encontro de Marcos Valério com representantes da Portugal Telecom: - O Jefferson tinha combinado com José Dirceu e que era para eu acompanhar, para saber se iria ocorrer a reunião. Mais nada, eu não tinha detalhes disso. Na explicação confusa, Palmieri diz ter sido convocado por Roberto Jefferson para a viagem. O deputado não explicou o motivo da ida a Portugal. Refere-se assim ao encontro entre Valério e diretores da empresa portuguesa: - Ele não permitiu que eu entrasse na reunião, disse apenas que “provavelmente vamos equacionar em 20 dias o problema do PT e do PTB”. 88 9/8/2005 Surge Paulo Okamotto, presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), nomeado por Lula para o cargo. Apresenta-se como autor do pagamento da dívida de R$ 29.436,26 do presidente da República junto ao PT. Okamotto foi tesoureiro da campanha de 1989, a primeira em que o líder petista disputou a Presidência da República. A CPI dos Correios investiga se teve dinheiro de caixa 2 no pagamento da dívida. No Sebrae, Okamotto administra orçamento anual de R$ 900 milhões. Ele diz que pagou a dívida em quatro parcelas, mas não contou ao presidente: - Tirei recursos da minha conta pessoal. Okamotto não tem provas de que pagou. Não tem recibos, nada. A história não tem lógica. Ele diz que sacou dinheiro vivo em caixas eletrônicos em Brasília, e enviou os 137 valores em espécie para São Paulo. Na capital paulista, aconteceram os depósitos em conta bancária do PT, feitos de quatro agências diferentes do Banco do Brasil. Em depoimento à CPI do Mensalão, Marcos Valério confirma que destinou R$ 15,5 milhões das contas bancárias de suas agências para pagar o publicitário Duda Mendonça. O dinheiro foi entregue à sócia de Duda, Zilmar Fernandes da Silveira, e a outras pessoas autorizadas por ela. Zilmar é íntima da família presidencial. Cuida pessoalmente da imagem de Lula e da primeira-dama, Marisa Letícia. Faz isso desde a eleição de 2002. Sugere roupas novas para o presidente, e tratamentos estéticos para dona Marisa. No mercado publicitário, é tida como próxima de Delúbio Soares. Em depoimento à CPI dos Bingos, o advogado Rogério Buratti diz que foi procurado por emissários da multinacional norte-americana Gtech, em abril de 2003. Eles queriam que Buratti fosse intermediário dos interesses da empresa junto ao ministro Antonio Palocci (PT-SP), para que houvesse a renovação de um contrato de R$ 650 milhões com a Caixa Econômica Federal. Em troca da influência, Buratti receberia uma comissão milionária de R$ 16 milhões. Rogério Buratti garante que não aceitou a proposta, e isenta o ministro da Fazenda de qualquer irregularidade. A Gtech teve o contrato renovado. Buratti nega tráfico de influência, mas não desmente a amizade com Antonio Palocci. E desvia o foco do ministro. Diz suspeitar que a Gtech contratou, por R$ 5 milhões, a MM Consultoria. A empresa, esta sim, teria ajudado na obtenção do novo contrato. A MM seria ligada ao advogado Marcelo Coelho Aguiar, que foi assessor de Luiz Gushiken (PT-SP) na Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República. A história teria desdobramentos. Em Brasília, outra história eletrizante: o sacador do valerioduto que passou recibo. É Charles dos Santos Dias, assessor do ex-senador Ademir Andrade (PSB-PA), candidato ao Governo do Pará em 2002, derrotado no primeiro turno. Dos R$ 920 mil do caixa 2 do PT em nome do deputado Paulo Rocha (PT-PA), R$ 300 mil foram retirados de conta da SMPB, em dinheiro vivo, na agência Assembléia do Banco Rural, em Belo Horizonte. Dias fez o saque. O dinheiro teria sido usado para comprar o apoio político do ex-senador. Em troca da bolada, ele teria ficado ao lado de Maria do Carmo (PT-PA), candidata a governadora no segundo turno das eleições do Pará naquele ano. Ela também foi derrotada. De qualquer forma, Charles dos Santos Dias descontaria três cheques de R$ 100 mil cada um, em 6 de maio de 2003. Assinou recibo, deixou rastro: os números do RG, CPF e do telefone celular. Do ex-senador Ademir Andrade, ao jornal O Estado de S. Paulo: - Tenho 30 anos de vida pública dedicada à luta do povo, sempre na esquerda, defensor dos sem-terra. Nunca me servi de qualquer coisa de governo, tive sempre comportamento absolutamente impecável, e de repente me vejo envolvido em situações como essa. 89 10/8/2005 Na CPI do Mensalão, o vice-presidente da comissão, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), trata de “esquentar” lista de sacadores das contas de Marcos Valério, numa jogada 138 para envolver parlamentares de oposição no escândalo do mensalão. Um documento, supostamente apócrifo, relacionava 128 nomes para os quais teriam sido entregues R$ 10,8 milhões na campanha de reeleição do governador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) em 1998. Eduardo Azeredo perdeu aquele pleito para Itamar Franco (PMDB-MG). No primeiro momento, Paulo Pimenta afirma que “achou” a lista com os nomes em cima da mesa de trabalhos da CPI. Diz supor que Marcos Valério a deixou ali, por distração, ao prestar depoimento à comissão. Mas Paulo Pimenta foi visto ao lado de Valério após o final do depoimento, na madrugada anterior, caminhando em direção à garagem do Senado. Paulo Pimenta apressa-se em dar uma segunda versão. Foi mesmo até o carro de Valério pegar a tal lista, mas com o advogado de Valério. A história não prospera. O advogado, Marcelo Leonardo, nega. E, pior, fica provado que Pimenta saiu do Senado, naquela madrugada, dentro do carro de Valério. Do jornalista Janio de Freitas, na Folha de S.Paulo: “Assim tem agido a tropa de choque petista. Procura esvaziar tudo o tempo todo, sem decência no trato dos fatos, sem dignidade política e sem compostura pessoal. Disso só pode resultar a sua associação moral a Marcos Valério e a quantos acusados haja. E, como o PT domina as CPIs ao somar-se a seus aliados da ‘base governista’, as inquirições e investigações ficam prejudicadas, particularmente as referentes ao mensalão.” Paulo Pimenta renuncia à vice-presidência da CPI do Mensalão. Depoimento à CPI dos Correios de Cristiano Mello Paz, sócio de Marcos Valério na agência de publicidade SMPB. Ele afirma que assinou “pilhas” de cheques identificados apenas como “assunto PT/Marcos Valério”, sem saber o destino do dinheiro. Diz Cristiano Mello Paz: - Marcos Valério fez uma reunião conosco em que falou da importância da aproximação com o partido. Toda agência de publicidade tem interesse em estar próxima. Não vejo nada de ilícito nisso. Cristiano Mello Paz defende o sócio: - Valério colocou a importância de ter bom relacionamento com o PT. Disse que queria se aproximar do PT e tomou a decisão de fazer o empréstimo, se nós concordássemos. Assinei na confiança e achei que deveria assinar. Os cheques da “conta PT” vinham separadamente. Não eram nominais. Eram ao portador ou endereçados a determinadas empresas. - Todas as vezes que os cheques chegavam na minha mesa eram pilhas desse tamanho, até me incomodava. Eu não tinha tempo para ficar conferindo. Os parlamentares estranham. Que motivos teriam levado a agência a assumir riscos, emprestando dinheiro a um partido político? Justificativa de Paz: - Senti desconforto por causa da dívida da empresa. O Valério dizia: “Não se preocupe, o PT vai pagar”. Achei que tudo seria cumprido. Hoje vejo que foi um erro. A Polícia Federal entrega à CPI dos Correios laudo apontando suspeitas de manipulação em números e informações do Banco Rural. Há indícios de transações que foram apagadas 139 ou modificadas nas operações de crédito, débito, transferências bancárias e saques atribuí- dos às empresas de Valério. Os peritos da Polícia Federal desconfiam de modificações feitas intencionalmente na contabilidade eletrônica do banco, para que coincidissem com as versões dos saques. As mudanças poderiam escamotear falsificações de valores, omitir sacadores e até incluir operações fantasmas. De acordo com dados da CPI, não há identificação sobre a origem de R$ 11,8 milhões, referentes a 50 movimentações das empresas de Valério no Banco Rural. 90 11/8/2005 A crise assume aspectos ainda mais chocantes. Duda Mendonça e Zilmar Fernandes da Silveira depõem na CPI dos Correios. O marqueteiro de Lula aparece sem ser convocado. Confessa que recebeu R$ 11,9 milhões em caixa 2, de Marcos Valério. O dinheiro pagou serviços prestados na campanha de 2002, que elegeu Lula. Pior: R$ 10,5 milhões do total foram depositados no exterior, segundo Duda Mendonça, por orientação de Marcos Valério. Duda Mendonça teria sido obrigado a constituir uma empresa offshore, cuja característica principal é a ausência de identificação dos donos. Nasceu a Dusseldorf, nas Bahamas. De acordo com a versão, Marcos Valério fez seguidos depósitos à Dusseldorf em 2003, por meio dos bancos BAC Flórida Bank, Banco Rural Europa, Israel Discount Bank de Nova York e a empresa Trade Link. Duda Mendonça não fornece senha ou extratos para permitir a análise da movimentação. Diz o marqueteiro de Lula: - Esse dinheiro era claramente de caixa 2, a gente não é bobo. Nós sabíamos, mas não tínhamos outra opção, queríamos receber. Não vou dar uma de santinho. Ou eu recebia daquele jeito, ou tomava cano. Além dos R$ 10,5 milhões na Dusseldorf, Marcos Valério repassou R$ 1,4 milhão em dinheiro vivo, em várias parcelas. Duda Mendonça recebeu tudo. Os primeiros R$ 300 mil foram na agência do Banco Rural da avenida Paulista, em São Paulo. Zilmar Fernandes da Silveira foi buscá-lo: - Cheguei na tesouraria do Rural e o rapaz me trouxe um pacote de dinheiro. Eu me assustei, porque pensei que ia receber um cheque administrativo. A sócia de Duda Mendonça acostumou-se. Voltou à mesma agência nos dias seguintes para pegar mais duas boladas de R$ 300 mil cada uma, em dinheiro vivo. E depois fez outras duas retiradas, também em espécie, de R$ 250 mil cada. Total: R$ 1,4 milhão. Só parou porque disse ter sido assaltada. Aí um doleiro teria sido incumbido de fazer os saques na agência. O depoimento de Duda abala o País. Além do marketing de Lula, o publicitário cuidou das campanhas dos candidatos do PT aos governos de São Paulo e do Rio, José Genoino e Benedita da Silva, e do senador Aloizio Mercadante (PT-SP). Recebeu R$ 11,9 milhões de Valério, e outros R$ 3,6 milhões de Delúbio. Todos os R$ 15,5 milhões “por fora”, sem nota fiscal. As televisões transmitem o depoimento de Duda Mendonça. O publicitário escancara a promiscuidade entre público e privado nas relações do Governo Federal. Segundo ele, o pacote fechado com o PT para as eleições de 2002 era de R$ 25 milhões. Faltou o acerto de R$ 9,5 milhões do combinado, mas Duda Mendonça voltou a trabalhar para o partido do 140 presidente Lula em 2004. Foi responsável pelas campanhas eleitorais em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Recife e Goiânia. Duda detém contas milionárias de publicidade do governo Lula, a saber: Petrobras, Secom e Ministério da Saúde. Juntas, renderam faturamento de R$ 120 milhões em 2003 e 2004. O acesso de Duda à esplanada dos Ministérios e ao ministro Luiz Gushiken (PT-SP) é constante. Recebeu o apelido de ministro da propaganda. Ao depor à CPI, Duda Mendonça quer se livrar da acusação de evasão de divisas. O crime teria sido cometido por quem enviou o dinheiro ao exterior. Não ele. Duda apenas o recebeu e, portanto, seria autor de crime mais leve, de sonegação fiscal. Caso fizesse acerto com a Receita Federal antes da denúncia do Ministério Público, ficaria livre de processo criminal. Repercussões do depoimento de Duda Mendonça: para o jornal Folha de S.Paulo, em editorial, “o presidente Lula perde o pouco de autoridade que lhe restava: como pode o governo exigir dos cidadãos e das empresas o cumprimento de obrigações fiscais se o mais alto magistrado da República chegou ao poder valendo-se de operações fraudulentas?” O jornalista Clóvis Rossi, na mesma Folha, escreve que o depoimento do “publicitário do rei” mostra que não foram apenas deputados os beneficiados pelo valerioduto. “Foi o próprio presidente da República, cuja propaganda foi paga com esse dinheiro. Pior: não foram pagamentos feitos durante a campanha e, portanto, antes da presidência de Lula, mas depois da posse e depois de a agência de Duda ter obtido contratos de publicidade do governo”. O presidente do PT, Tarso Genro (RS), defende Lula: - Não há nenhuma legitimação moral e jurídica para a proposta de impeachment. Vamos fazer todos os movimentos políticos, jurídicos e sociais para defender o mandato do presidente. Da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL): - Agora se fecham todos os indícios de crime. E esse dinheiro não veio de empréstimo. Veio de licitações fraudadas, de investimentos de fundos em bancos que depois retribuíam. Tudo que o Código Penal diz que dá cadeia eles fizeram. O deputado José Dirceu (PT-SP) alerta para “convulsão social”, em caso de impeachment de Lula: - Vocês acham que não vai acontecer nada no País se fizerem isso? Enquanto Duda Mendonça depunha à CPI dos Correios, Marcos Valério comparece à CPI do Mensalão. Ele tampouco fora convocado. O depoimento não tem a mesma repercussão, mas cria um problema. Segundo Valério, foi o próprio Duda quem pediu para o dinheiro ser depositado no exterior: - Fui procurado pelo Delúbio, que me incumbiu de pagar o Duda, por intermédio da Zilmar. Fiz os pagamentos à pessoa que ela indicou, o consultor financeiro de nome Jader. A grana foi sacada pelo doleiro Jader Kalid Antônio, autor de 22 operações de retirada de dinheiro da SMPB. Diz Valério: - Fui usado pelo PT e cuspido para fora. É muito mais fácil acusar o publicitário Valério do que o marqueteiro Duda Mendonça. É mais fácil falar em valerioduto do que em dirceuduto ou ptduto. 141 Ex-diretores do Banco Central são entrevistados pelos repórteres Fernando Dantas e Suely Caldas, do jornal O Estado de S. Paulo. Os pagamentos a Duda Mendonça no exterior seriam mais uma evidência de que os empréstimos dos bancos Rural e BMG ao PT e ao empresário Marcos Valério foram obras de ficção. As operações de crédito fariam parte, portanto, de estratégia para camuflar doações prévias, depositadas por empresas em contas bancárias no exterior, e cujos titulares seriam os próprios bancos envolvidos no esquema. Os empréstimos serviriam para cobrir as doações, e não eram para ser pagos. Segundo a análise, não faria sentido aprovar empréstimos de milhões de reais, em opera- ções avalizadas por dirigentes do PT, políticos com baixo patrimônio. A suspeita é de que os empréstimos não deveriam ser quitados e nem cobrados, pois já haviam sido pré-pagos com depósitos no exterior. Em outro texto, Suely Caldas explica que os empréstimos foram inventados para “esquentar” dinheiro depositado no Banco Rural em paraíso fiscal: “A empresa interessada em doar dinheiro ao governo Lula deposita, digamos, US$ 5 milhões na conta do Banco Rural, lá no paraíso fiscal. Feito isso, o Rural concede um empréstimo do mesmo valor, no Brasil, à SMPB, empresa de Marcos Valério. Em seguida, a SMPB repassa o dinheiro do ‘crédito’ aos ‘protegidos’ indicados por Dirceu/Delúbio (por enquanto, deputados do PT e de partidos aliados).” A suspeita sobre a verdadeira face do esquema vinha do fato de o Banco Rural ter levado calote de R$ 6,5 milhões de Marcos Valério em 1998. Na época, Valério teria engendrado operação semelhante para a campanha de reeleição do governador de Eduardo Azeredo (PSDB-MG). O esquema ficaria conhecido como mensalão mineiro. “Que banco sério premia o insistente e reincidente caloteiro com tantos outros milionários empréstimos?” Da repórter Suely Caldas: “Além de comissões polpudas faturadas por eles, o Rural provisiona no balanço o ‘prejuízo’ decorrente do calote dos ‘empréstimos’, obviamente concebidos para se transformar em ativos podres. Com isso, o banco reduz ‘seu lucro’ e se livra do Imposto de Renda referente à parcela do falso ‘prejuízo’”. O repórter Lourival Sant’Anna, do mesmo Estadão, obtém informações de bastidor, de fonte próxima a Delúbio Soares. Os gastos com a campanha de Lula, em 2002, teriam alcançado R$ 200 milhões. O PT admitiu despesas de R$ 21 milhões, quase dez vezes menos. Os R$ 21 milhões teriam sido suficientes para todas as despesas, e havia ainda uma sobra de R$ 11 mil. Nos números de verdade, ficaria uma dívida de caixa 2, de mais de R$ 20 milhões. E a arrecadação não-contabilizada teria sido de quase R$ 160 milhões. A CPI dos Bingos recebe informações do Ministério Público de São Paulo. O advogado Rogério Buratti manteve relações próximas com Antonio Palocci (PT-SP), ministro da Fazenda, pelo menos até fevereiro de 2004. Mentira à CPI ao dizer que não tinha contato com Palocci. O ministro também negara. Rogério Buratti foi secretário de Governo de Ribeirão Preto (SP), no período em que o prefeito da cidade era Antonio Palocci. Foi afastado por suspeita de corrupção. Motivo: fita gravada pelo próprio Rogério Buratti continha indícios de acerto ilegal com um empresário. A gravação, furtada por integrante do PT e divulgada, inviabilizou a permanência de Rogé- 142 rio Buratti na Prefeitura. Saiu do PT, e não teria mais convivido com Antonio Palocci. Agora, sabe-se que ligou duas vezes de um telefone fixo, em 7 de fevereiro de 2004, para a casa do ministro, em Brasília. E no dia 21 daquele mês, mais uma vez, de um celular. Além disso, manteve contatos telefônicos com Juscelino Antonio Dourado, chefe de gabinete de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda. E fez outras 99 ligações para Ralf Barquete, um consultor da Caixa Econômica Federal. Os telefonemas ocorreram no período da renovação do contrato entre a Caixa e a multinacional Gtech. Ralf Barquete também foi secretário de Antonio Palocci na Prefeitura de Ribeirão Preto. Rogério Buratti minimiza a importância dos telefonemas ao ministro. Segundo o advogado, as conversas tiveram “caráter pessoal”: - Nunca disse que não conheço Palocci e não converso com ele. Disse que não tenho intimidade com ele. Foi isso que eu falei. Antonio Palocci insiste na versão furada. Em nota emitida por sua assessoria, afirma que “eventuais telefonemas foram provavelmente tentativas de contato que não prosperaram”. Sobre os contatos com Rogério Buratti nos últimos anos, “apenas sociais, eventuais e esporádicos”. Muita água ainda vai passar por baixo dessa ponte. 91 12/8/2005 Lula improvisa em reunião ministerial no Palácio do Planalto: - Eu não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas. O presidente não diz com clareza a que se refere. Nem aponta os culpados: - Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o País. Lula não menciona que fora alertado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) para a existência do esquema de distribuição de mensalões: - Se estivesse ao meu alcance, já teria identificado e punido exemplarmente os responsá- veis por esta situação. O presidente jamais iria apontar os responsáveis pela suposta traição. 92 13/8/2005 A revista Veja traz entrevista com o jurista Hélio Bicudo, um dos quadros mais respeitáveis do PT. Ele diz à repórter Lucila Soares que o partido chegou ao governo sem projeto, tratou de aparelhar o Estado e adotou a “tática de alcançar resultados pela corrupção do Congresso Nacional”: - Não posso admitir que dentro da história que venho construindo, muitas vezes penosamente, eu possa ser considerado partícipe do que está acontecendo. - O senhor acredita que o presidente Lula sabia dos fatos que estão vindo a público? - Lula é um homem centralizador. Sempre foi presidente de fato do partido. É impossível que ele não soubesse como os fundos estavam sendo angariados e gastos e quem era o responsável. Não é porque o sujeito é candidato a presidente que não precisa saber de dinheiro. Pelo contrário. É aí que começa a corrupção. 143 - Por que o presidente não tomou nenhuma atitude para impedir que a situação chegasse aonde chegou? - Ele é mestre em esconder a sujeira embaixo do tapete. Sempre agiu dessa forma. Em outro trecho, Hélio Bicudo trata de um caso que envolveu Lula: - Em 1997, presidi uma comissão de sindicância do PT para apurar denúncias contra o empresário Roberto Teixeira, que estava usando o nome de Lula para obter contratos de prefeituras em São Paulo. A responsabilidade dele ficou claríssima. Foi pedida a instalação de uma comissão de ética, e isso foi deixado de lado por determinação de Lula, porque o Roberto Teixeira é compadre dele. - Em que momento o senhor começou a perceber que o partido estava no caminho errado? - Quando a direção passou a tomar a frente das campanhas políticas. No início, a militância era a grande força eleitoral. Isso foi mudando na medida em que o partido começou a abandonar os princípios éticos. A partir da campanha eleitoral de 1998 instalou-se definitivamente a política de atingir o poder a qualquer preço. Hélio Bicudo abandona o PT. O Jornal Nacional, da TV Globo, entrevista a mulher do doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o “Toninho da Barcelona”. Ela não é identificada, por segurança. Diz temer pela vida do marido, preso na penitenciária de segurança máxima de Avaré (SP): - Ele se transformou num arquivo vivo. Em cartas endereçadas à família, Toninho da Barcelona contou que remeteu dinheiro ao exterior, por solicitação do PT, desde a primeira campanha de Lula a presidente, em 1989. Segundo ele, as remessas se multiplicaram na década de 90 e foram concentradas na empresa Trade Link, ligada ao Banco Rural, nas Ilhas Cayman, e em outra offshore situada no Panamá. A mulher de Toninho da Barcelona fala ao Jornal Nacional de ameaças ao marido. Teriam sido feitas por supostos advogados que o procuraram na prisão, a mando do deputado José Mentor (PT-SP): - Ele falou para mim que os advogados perguntaram se ele tinha mesmo revelações a fazer sobre as remessas do partido. Toninho da Barcelona perguntou aos advogados o que ganharia para responder a pergunta. A resposta foi a seguinte: - Temos três reis e um ás que podem ajudá-lo a sair daqui. A revista Veja aborda o assunto. Para a publicação, as cartas de Toninho da Barcelona dão pistas sobre os caminhos do dinheiro: “Os doleiros, normalmente, recebem dinheiro frio no Brasil - das mãos do dono do dinheiro ou de seu representante – e se encarregam de enviá-lo ao exterior, por meio de uma cadeia de laranjas.” 94 15/8/2005 Técnicos da CPI dos Correios suspeitam da versão de Duda Mendonça. O publicitário disse ter sido obrigado a abrir empresa em paraíso fiscal para ser remunerado pela 144 campanha que elegeu Lula em 2002. O problema: remessas de R$ 8,8 milhões à offshore Dusseldorf, nas Bahamas, foram feitas nos dias seguintes a saques em contas de Marcos Valério. A coincidência de datas é considerada forte indicador de que o dinheiro dos depósitos teve origem no Brasil. Depois de sacado, os valores seriam depositados por doleiros em contas no exterior, até chegarem a offshores como a Trade Link, ligada ao Banco Rural, nas Ilhas Cayman. De lá, seguia transferência para a Dusseldorf. Como evidência, os técnicos apontam 35 dos 40 depósitos em dólares na conta de Duda Mendonça no BankBoston de Miami, cuja origem teriam sido recursos retirados do Banco Rural no Brasil. Os dados: em 11 de março de 2003 sacaram-se R$ 300 mil do Banco Rural, em Belo Horizonte. No dia seguinte, a Trade Link autorizou uma transferência de US$ 83,6 mil (equivalente a R$ 300 mil, menos as comissões) para a Dusseldorf. No dia 12 de março de 2003, um dia depois, sacaram-se outros R$ 300 mil do Banco Rural de Belo Horizonte. Mais um dia, novo depósito em dólares, de valor equivalente, no BankBoston de Miami. Para os técnicos da CPI, a exigência de Marcos Valério para que Duda Mendonça abrisse uma offshore em paraíso fiscal só faria sentido se o dinheiro já estivesse no exterior, sem a possibilidade de ser “internalizado” no Brasil, o que, aparentemente, não ocorreu. Em entrevista a Lourival Sant’Anna, repórter de O Estado de S. Paulo, Roberto Busato, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), aponta motivos para a abertura de processo de impeachment contra Lula. Roberto Busato denuncia falhas da Polícia Federal e do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) para detectar movimentações de dinheiro do valerioduto. Diz Roberto Busato: - Não é possível que esse Banco Rural tenha praticado tantos fatos que não foram detectados pela análise sistêmica que o Banco Central é obrigado a fazer. Onde estava a Receita Federal, com todos esses ilícitos tributários declarados? É incrível a inoperância de instrumentos do Estado brasileiro para evitar ou estancar uma corrupção sistêmica que estava ocorrendo dentro do governo Lula. Temos de reexaminar a legislação e as instituições. - Os membros do PT envolvidos na corrupção fazem uma separação entre erro e corrupção, entendendo que em benefícios para o partido não há delito, mas erro. E que delito é apenas o aproveitamento próprio das verbas desviadas. Isso é desvio de conduta muito grave. Agiram criminosamente. O presidente da OAB justifica o pedido de impeachment: - O presidente é a expressão máxima do PT. Portanto, não me parece lógico que ele desconhecesse as práticas que seu partido estava adotando na sua própria campanha e, depois, dentro do seu governo. Havia denúncias a partir do caso Waldomiro Diniz. E o presidente da República nunca veio a público demonstrar transparência na solução desses problemas. Esses indícios todos autorizam juridicamente um pedido de impeachment do presidente. A CPI dos Correios inicia o processo de notificação de 18 deputados envolvidos no escândalo do mensalão. Todos são convocados a apresentar suas defesas por escrito. A lista dos que podem ser cassados tem sete deputados do PT, quatro do PP, três do PL, dois do PTB, um do PMDB e um do PFL (Partido da Frente Liberal, cujo nome é alterado para 145 Democratas durante o segundo mandato de Lula). Os nomes: José Dirceu (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP), José Mentor (PT-SP), Professor Luizinho (PT-SP), Paulo Rocha (PTBA), Josias Gomes (PT-BA), João Magno (PT-MG), José Janene (PP-PR), Pedro Corrêa (PP-PE), Pedro Henry (PP-MT), Vadão Gomes (PP-SP), Sandro Mabel (PL-GO), Carlos Rodrigues (PL-RJ), Wanderval Santos (PL-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ), Romeu Queiroz (PTB-MG), José Borba (PMDB-PR) e Roberto Brant (PFL-MG). 95 16/8/2005 Uma comissão de 12 parlamentares da CPI dos Correios desloca-se a São Paulo para ouvir o doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o “Toninho da Barcelona”. Ele se diz disposto a colaborar com as investigações, em troca de proteção e da revisão da condenação a 25 anos de prisão. Fornece os nomes de quatro expoentes que fizeram operações de remessa de dinheiro ao exterior: José Dirceu (PT-SP), Delúbio Soares, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Diz mais: a corretora Bônus-Banval fez operações para o líder do PP, deputado José Janene (PR), e também para José Dirceu. Fala de grandes quantias em moeda nacional, trocadas por dólares. Foi pedido do deputado José Mentor (PT-SP). Informa conhecer detalhes de operações em Santo André (SP), feitas por doleiros que prestavam serviços ao PT. Cita o envolvimento do MTB Bank no esquema de remessa de divisas ao exterior, e relata operações cruzadas entre o Banco Rural e o BankBoston no exterior. Em agosto de 2004, Toninho da Barcelona vendeu US$ 134 mil para o superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Francisco Baltazar da Silva. Ele foi indicado para o cargo por Lula, depois de coordenar a equipe de segurança de Lula nas quatro eleições presidenciais disputadas pelo petista. Com o escândalo, Francisco Baltazar da Silva deixou o cargo. O ministro Márcio Thomaz Bastos admite remessas de dinheiro e aplicações financeiras no exterior, mas ressalva: as operações, feitas pelo Unibanco, foram legais, por contratos de câmbio e registradas no Banco Central. A Folha de S.Paulo reporta que duas diretoras uruguaias da Guaranhuns, empresa apontada como intermediária no esquema de distribuição de dinheiro do mensalão, foram denunciadas por lavagem de dinheiro pelo DEA (Departamento de Combate ao Narcotráfico, dos Estados Unidos). Elas teriam atuado com o Cartel de Juarez, uma organização de drogas mexicana. Em depoimento à CPI do Mensalão, Emerson Palmieri, tesoureiro informal do PTB, dá detalhes sobre a reunião em que o PT se comprometeu a repassar R$ 20 milhões para a campanha eleitoral do PTB em 2004: - Estávamos eu e o deputado Roberto Jefferson, com José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira e Marcelo Sereno. Genoino disse que a contribuição seria de partido para partido, e os recibos seriam providenciados depois. Seriam cinco parcelas de R$ 4 milhões. Depois disso, Genoino levantou-se e disse que ia ligar para José Dirceu. As negociações com o PT, segundo o tesoureiro do PTB, eram conduzidas principalmente por José Genoino e o tesoureiro Delúbio Soares. 146 - Depois, Delúbio nos apresentou Valério e passamos a tratar com ele. Das cinco parcelas de R$ 4 milhões, só uma teria sido paga. Veio em duas etapas, em dinheiro vivo, no início de julho de 2004. Uma de R$ 2,2 milhões, outra de R$ 1,8 milhão. Palmieri foi encarregado por Roberto Jefferson de dividir o dinheiro em “bolos” de R$ 150 mil e R$ 200 mil. Do tesoureiro: - Não coube tudo no cofre do partido, passei uma parte para um armário ao lado. Entreguei a chave ao deputado Roberto Jefferson e ele me pediu sigilo. Poucos dias depois, disse a ele que deveríamos providenciar um segurança para tomar conta daquela dinheirama. Ele me respondeu: “O dinheiro já não está mais aqui no PTB”. Não sei para onde ele levou. Acho que Jefferson não distribuiu o dinheiro. Jacinto Lamas, o ex-tesoureiro do PL, também depõe na CPI do Mensalão. Afirma ter ido buscar, por determinação do ex-deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP), “pacotes”, “envelopes” e “encomendas”, sempre em dinheiro vivo, na sede da SMPB em Belo Horizonte, e na agência do Banco Rural no Brasília Shopping. Confessa também o recebimento em hotéis. Neste caso, Simone Vasconcelos, diretora da SMPB, entregava o dinheiro. - Era sempre um acerto entre o Valdemar e o Delúbio. 96 17/8/2005 Preso o advogado Rogério Buratti, ex-secretário de Antonio Palocci (PT-SP) na Prefeitura de Ribeirão Preto (SP). Acusado de tentar destruir contratos de venda de imóveis e cheques, documentos que o incriminariam em negócios suspeitos, Rogério Buratti é denunciado pelo Ministério Público por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, num esquema de compra e venda de fazendas e de duas empresas de ônibus. Preso também o corretor de imóveis Claudinet Mauad, envolvido nas transações de Rogério Buratti. Investigações sustentam que Rogério Buratti comprou três fazendas nos últimos dois anos. Por uma propriedade em Ituverava (SP), pagou R$ 280 mil. Em seguida, trocou-a por terras em Pedregulho (SP), que custaram R$ 600 mil. Em novo negócio, vendeu a fazenda de Pedregulho e comprou uma outra em Buritizeiro (MG), por R$ 1,2 milhão. Mais recentemente, teria se desfeito da última propriedade, e comprado duas empresas de ônibus por R$ 2,6 milhões, nas cidades de Rancharia (SP) e Presidente Venceslau (SP). Para o Ministério Público, os negócios evidenciam operações de lavagem de dinheiro. Teriam sido firmados por meio de contratos de gaveta. As empresas de ônibus estariam em nome de terceiros. Interceptação telefônica autorizada pela Justiça indicaria que Buratti já comprara nova fazenda, em Catalão (GO). Em 1992, Rogério Buratti chegou a Ribeirão Preto para coordenar a campanha vitoriosa do então candidato a prefeito, vereador Antonio Palocci. Chegou sem nada, dirigindo um fusca. O petista Palocci governou Ribeirão Preto de 1993 a 1996. Em 2000, foi eleito prefeito pela segunda vez. Em 2005, o patrimônio de Buratti ultrapassaria R$ 3 milhões. Ele acabou afastado da Prefeitura de Ribeirão por se meter com uma empreiteira. Veio a público a gravação de uma conversa suspeita entre Buratti e um empresário. Em seguida, Buratti trabalhou como assessor da Prefeitura de Matão (SP), na época também sob comando do PT. 147 De lá foi para a empreiteira Leão Leão, que havia sido a principal doadora da segunda campanha de Antonio Palocci a prefeito de Ribeirão. Buratti tinha o cargo de vice-presidente da Leão Leão em 2004, quando foi forçado a sair da empreiteira. Palocci era ministro da Fazenda de Lula e Buratti estava metido em novo escândalo, o da suposta extorsão de dinheiro da multinacional Gtech. A empresa norte-americana queria renovar um contrato com a Caixa Econômica Federal, subordinada justamente ao Ministério da Fazenda. Waldomiro Diniz também teria participado da operação. Buratti é indiciado por suspeita de envolvimento em esquema de fraude em licitações e contratos irregulares de limpeza pública em Ribeirão e outras nove cidades de São Paulo e Minas Gerais, em benefício da Leão Leão. Palocci não comenta a prisão. Buratti fecha acordo com o Ministério Público. Iria colaborar com a Justiça nas investigações, em troca de redução da pena. 97 18/8/2005 Em depoimento à CPI do Mensalão, Delúbio Soares sai-se com evasivas. Além da sucessão de negativas, o ex-tesoureiro do PT não se lembra de mais nada. E os empréstimos de Marcos Valério ao partido? “Tem que verificar se foram R$ 55 milhões, R$ 56 milhões, R$ 58 milhões”. Do dinheiro repassado ao publicitário Duda Mendonça, “não sei se são R$ 12 milhões, R$ 16 milhões, R$ 17 milhões”. Sobre a grana que o PT ficou de dar ao PL pelo apoio em 2002, “algo em torno de R$ 9 milhões a R$ 10 milhões”. De acordo com Delúbio Soares, ele “não tinha nenhum tipo de controle sobre quanto foi pago, e a quem”. Também nega a existência de documentação sobre empréstimos feitos por Marcos Valério: - Não fizemos contabilidade nenhuma. Eu falava com o Marcos Valério, ele fazia o empréstimo. Não temos nem contabilidade de caderneta. Delúbio Soares tem precisão cirúrgica, no entanto, quando interessa: - O PT nunca comprou voto, nunca comprou deputados, nunca comprou votação. O deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) introduziu Marcos Valério: - Quando o Virgílio me apresentou ao Marcos Valério, disse que ele tinha experiência em campanhas. Ao falar de experiência, quero dizer alguém que sabe trabalhar com recursos, que não faz mutreta. Dos repasses de dinheiro do PT a partidos aliados: - Parte do dinheiro era para resolver débitos de 2002. Uma parte para planejar, em 2003, as campanhas eleitorais de 2004. E uma parte para a eleição de 2004. Sei que foi uma ilegalidade. Pagar dívida de outro partido com dinheiro não-contabilizado é proibido pela lei eleitoral. Apesar de se definir como “pessoa fiel”, incapaz de delatar as pessoas, enumera parceiros com quem manteve negociações: - No PMDB, rachado em relação ao apoio ao governo, o contato era feito com o deputado José Borba. No PTB, o contato inicial foi com o ex-presidente José Carlos Martinez e, depois da sua morte, com o deputado Roberto Jefferson. No PL, as conversas eram com o presidente, Valdemar Costa Neto. No PP, com o deputado José Janene. 148 O tesoureiro lista os diretórios do PT que receberam recursos de caixa 2. Cita São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal. - Pedi para o Marcos Valério resolver com esses Estados. Delúbio se atrapalha ao ser inquirido pelo deputado Júlio Redecker (PSDB-RS). O deputado procura esclarecer a transferência de R$ 457 mil do valerioduto para Márcio Lacerda, ex-secretário executivo do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PSB-CE). O dinheiro teria sido usado para quitar dívida com a agência New Trade, do publicitário Einhart Jacome Paz. Depois de trabalhar para Ciro no primeiro turno de 2002, o publicitário prestou serviços à campanha de Lula no segundo turno. O diálogo é tenso: - O dinheiro foi enviado para Ciro Gomes? - Sim. - Pagou despesas de campanha de Ciro ou de Lula? - De Ciro. - Mas Ciro disse que foi serviço prestado pelo marqueteiro dele no segundo turno à campanha de Lula. - Não foi. O dinheiro pagou serviços prestados pelo Einhart à campanha de Ciro no segundo turno. - Mas Ciro não foi candidato no segundo turno. Ele apoiou a candidatura de Lula. - O Einhart trabalhou com o Duda Mendonça. Eles filmaram o Ciro para o programa de Lula no segundo turno, o dinheiro pagou despesas que o Ciro teve no segundo turno. - Então o dinheiro de Valério, de caixa 2, pagou despesas de campanha de Lula no segundo turno. Delúbio silencia. 98 19/8/2005 Em depoimento na Delegacia Seccional da Polícia Civil de Ribeirão Preto (SP), Rogério Buratti admite esquema irregular de financiamento da campanha de Lula em 2002, com dinheiro de caixa 2 de casas de bingo de São Paulo e do Rio de Janeiro. A operação rendeu R$ 2 milhões à campanha, o que lhe foi confidenciado por Ralf Barquete, secretário da Fazenda do então prefeito de Ribeirão Preto, Antonio Palocci (PT). Para lembrar: o prefeito Palocci virou coordenador de campanha de Lula em 2002, substituindo o prefeito petista Celso Daniel, de Santo André (SP), assassinado. Ralf Barquete também morreu, vítima de câncer. Rogério Buratti relata que as casas de bingo tinham interesse na regularização do jogo no Brasil. A Medida Provisória que regulamentava a atividade, elaborada a pedido do ministro José Dirceu (PT-SP), foi abandonada depois de divulgada a gravação em que Waldomiro Diniz aparecia pedindo propina ao empresário de jogo “Carlinhos Cachoeira”. De Buratti aos seis promotores do Ministério Público que tomaram o depoimento: - Em relação à exploração dos bingos no País, tenho conhecimento de que houve duas contribuições em 2002 para a campanha do presidente Lula, que foram efetivadas por dois grupos. Um do Rio, cujo nome desconheço, outro de São Paulo. O grupo de São Paulo ofereceu R$ 1 milhão. Não sei o montante oferecido pelo grupo do Rio. Acredito que seja 149 em torno de R$ 1 milhão ou mais. A contribuição foi encaminhada diretamente ao comitê financeiro da campanha, na sede nacional do PT. O comitê era coordenado por Delúbio Soares, ele tinha conhecimento. O interesse dessas contribuições era a regulamentação do jogo de bingo no Brasil, o que não aconteceu. O economista César Queiroz Benjamim, fundador do PT. Em entrevista ao repórter Wilson Tosta, do jornal O Estado de S. Paulo, ele afirma que tomou conhecimento de financiamentos irregulares de bancos e empreiteiras ao PT, durante a campanha presidencial de 1994. O dinheiro beneficiava o candidato Lula, derrotado por Fernando Henrique Cardoso (PSDBSP). Na época, César Queiroz Benjamin fazia parte da coordenação da campanha do PT: - Tentei discutir na direção nacional, não houve possibilidade, e resolvi levar ao encontro nacional do PT de 1995, que era o primeiro na sequência da eleição. E aí ficou claro para mim que já estava havendo no PT o início do esquema que agora vem à luz, inclusive com os mesmos personagens. Eu tive a percepção de que isso continha um perigo extraordinário, que era a entrada no PT, pesadamente, de esquemas de financiamento que teriam um impacto grande na vida interna do partido. O Dirceu foi eleito para a presidência, esse grupo que agora está nas manchetes assume cargos-chave, e fica claro que o PT tinha tido uma inflexão para pior. A direção passava a gerenciar interesses. Segundo César Queiroz Benjamin, o processo de corrupção no PT talvez tenha começado antes, com esquemas de financiamento montados por Delúbio Soares. O tesoureiro petista representara a CUT (Central Única dos Trabalhadores, ligada ao PT) no FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador): - Até essa época, a Articulação, que é o grupo do Lula e do Dirceu, ainda disputava a hegemonia no PT, cabeça com cabeça. A minha interpretação é a de que esse grupo usou esquemas de financiamento heterodoxos para fortalecer a Articulação. Porque o FAT faz convênios com sindicatos. E assim fortaleceu as finanças da Articulação, que passa a manejar poder financeiro que é uma arma nova na luta. Passa a ter capacidade de financiar candidaturas, trazer pessoas, estabelecer pontes. Delúbio se tornou figura paradigmática. Foi tesoureiro da CUT, foi para o PT como tesoureiro. E esse grupo começa a ser conhecido como “os operadores”. Para César Benjamin, Lula “dissolveu por dentro os valores da esquerda”: - O Lula garante que foi traído, que não sabia. Mas eu não acredito nisso. Foram práticas sistemáticas durante mais de dez anos, do grupo que era mais próximo dele. Parece completamente inverossímil que ele fosse o único a não saber. Eu, que já estava fora do PT, sabia. Como o Lula poderia não saber? - O grande legado do Lula é essa disseminação do antivalor. O valor da esperteza, o valor de se dar bem, de não estudar, ter orgulho de não estudar... Eu diria que o Lula sempre foi um grande guarda-chuva para os oportunistas no PT. Uma coisa é o partido ter um líder que é honesto, honrado. Então, quem quer ser picareta fica meio acuado. Pode até querer ser picareta, mas não é a regra. Outra coisa é você estar num ambiente em que veio de cima o exemplo. Então, sob a liderança do Lula, eu diria que se formou a pior geração de militantes da esquerda brasileira de toda a sua história: pragmática, oportunista, individualista, carreirista. 150 99 20/8/2005 A revista Veja obtém informações exclusivas do doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o “Toninho da Barcelona”. Ele responde a uma lista de 20 perguntas do repórter Policarpo Junior. Relata o envolvimento do PT com o mundo das remessas de divisas para o exterior, as trocas de dólares por reais e outras transgressões. Fala de uma conta clandestina do PT operada pelo Trade Link Bank, uma offshore ligada ao Banco Rural, nas Ilhas Cayman. O esquema funcionava para o PT sacar dinheiro do exterior e usá-lo no Brasil. Segundo Toninho da Barcelona, a operação era conduzida por Dario Messer, um doleiro do Rio. O Trade Link remetia o dinheiro para a offshore de Dario Messer, no Panamá. Ao mesmo tempo, uma quantia correspondente era liberada, em reais, no Banco Rural, em Belo Horizonte. Do repórter: “O esquema é uma forte evidência de que os R$ 28 milhões que Valério diz ter obtido na forma de dois empréstimos junto ao Banco Rural sejam simplesmente recursos internados pelo PT a partir de sua conta clandestina no exterior.” Conforme a reportagem, “os cofres do PT viviam abarrotados de dólares. Em 2002, no auge da campanha presidencial, a casa de câmbio do doleiro Antonio Oliveira Claramunt, a Barcelona, chegou a fazer trocas de moeda em ritmo quase diário”. A revista implica o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), há 30 anos amigo de Lula: “As trocas de dólares por reais, que se materializavam no gabinete do então vereador e hoje deputado Devanir Ribeiro, integram outro braço do esquema petista. Neste caso, o partido mantinha volumes consideráveis de dólares em dinheiro vivo, escondido em cofres ou malas ou cuecas, e acionava a casa de câmbio quando precisava convertê-los em reais. Em geral, quem ligava para a casa de câmbio Barcelona era o assessor legislativo da Câmara dos Vereadores, Marcos Lustosa Ribeiro – que vem a ser filho do deputado Devanir Ribeiro. No telefonema, Marcão, como é conhecido, perguntava a cotação de venda e informava quanto queria trocar. No início de 2002, as trocas eram esporádicas e ocorriam a cada dez ou 15 dias. No meio do ano alcançaram ritmo alucinado. ‘Com a aproximação das eleições tornaram-se quase diárias’, lembra o doleiro.” O repórter entrevista Marcelo Viana, responsável pelas operações de balcão da Barcelona na época. As trocas de dólares por reais chegaram à casa dos R$ 500 mil semanais. Dependendo do volume, as somas eram entregues em sacolas ou envelopes, no gabinete do vereador Devanir Ribeiro. Diz Viana: - Mas também já levei dinheiro preso às meias e debaixo da roupa. Marcos Lustosa, o filho de Devanir, não nega. Ressalva, para livrar o pai: - Não era dinheiro de política, meu pai não tinha nada a ver com isso. Era dinheiro que eu ganhava com serviços de informática que fazia na Câmara, e trocava por dólar. Coisa pequena, para meu uso mesmo. O pai, convenientemente, esconde-se atrás do filho: - Se o Marcos trocou dinheiro com Toninho da Barcelona, o problema é dele. O Marcos é maior de idade, casado, vacinado e cuida da vida dele. Outro esquema relatado por Toninho da Barcelona funcionou em Santo André (SP), durante a administração do prefeito Celso Daniel (PT). Movimentou dinheiro a ponto de acambista Nelma Cunha ter de acionar Toninho da Barcelona por não dispor das quantias solicitadas. Sobre a corretora Bônus-Banval, de São Paulo: “Um dos esquemas mais complexos – mas igualmente clássico – do PT funcionava na corretora Bônus-Banval. Toninho da Barcelona conta que a corretora era usada pelo partido para intermediar operações fraudulentas e, assim, tornou-se uma das principais fontes de pagamento do mensalão. Sua especialidade eram as operações de ‘esquentaesfria’, nas quais os prejuízos eram sempre dos fundos de pensão das estatais. ‘As liga- ções entre o PT e a Bônus são estreitas. Os sócios são amigos íntimos de José Dirceu’, acusa o doleiro.” 101 22/8/2005 Cai Marcos Antonio Carvalho Gomes, presidente do fundo de pensão Fundação Real Grandeza, dos funcionários de Furnas Centrais Elétricas e da Eletronuclear. Filiado ao PT, ele teria investido irregularmente R$ 151 milhões em certificados de depósitos bancários do Banco Santos. Do total aplicado, R$ 131 milhões não foram mais recuperados. 102 23/8/2005 Em depoimento à CPI do Mensalão, o ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP), presidente do PL, dá explicações. Recebeu R$ 6,5 milhões em recursos do caixa 2 do PT, entre janeiro de 2003 e setembro de 2004. Pagou despesas com material de campanha do presidente Lula, no segundo turno das eleições de 2002. O jogo de Valdemar Costa Neto: - A situação em São Paulo era difícil. Lula tinha vencido José Serra no primeiro turno por apenas 100 mil votos. Tínhamos que entrar com força. Encomendei o material e o dinheiro foi gasto para pagar os fornecedores. Valdemar Costa Neto foi autorizado a fazer os gastos pelo tesoureiro Delúbio Soares, “porque ele estava cheio de dívidas e não podia mais procurar os fornecedores”. Mas Valdemar não tem como comprovar os dispêndios: - Só tenho recibos de R$ 1,7 milhão. Os outros R$ 4,8 milhões foram entregues sem comprovação. Estou tentando pegar alguns recibos no PT. Ivan Guimarães, ex-presidente do Banco Popular, depõe na CPI dos Correios. Braço do Banco do Brasil, o Banco Popular foi criado em 2003 para fomentar a concessão de microcréditos. Em 2004, Ivan Guimarães alugou apartamento de Rogério Tolentino, sócio de Marcos Valério. Imóvel vendido por Ângela Saragoça, ex-mulher de José Dirceu (PT-SP). No primeiro ano de funcionamento, o Banco Popular gastou R$ 29,7 milhões com propaganda, mais que os R$ 21,3 milhões liberados para a concessão de microcréditos. Diz Ivan Guimarães: - Os gastos de marketing são mais elevados no primeiro ano, porque é preciso construir a imagem da instituição. Em seu depoimento, ele atribui toda a responsabilidade pelas despesas e decisões sobre gastos de propaganda à diretoria de Marketing do Banco do Brasil, chefiada por Henrique Pizzolato. 152 - Remetíamos os recursos ao Banco do Brasil e eles efetuavam os dispêndios. Não tínhamos contato com agências de publicidade. O Banco Popular contratou, sem licitação, a Lumens Serviço de Informação. Por R$ 35 mil por mês, a empresa de consultoria faria o “desenvolvimento de suporte à estrutura e gestão de serviços”. A Lumens é de Bonerges Ramos Freire. Ele é casado com Patrícia Valente, irmã de Mônica Valente, mulher de Delúbio Soares. O negócio foi encerrado em abril de 2005. 103 24/8/2005 Depois de quase dois meses, o ex-líder do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Rocha (PA), admite publicamente que a assessora Anita Leocádia Pereira Costa sacou R$ 620 mil do valerioduto. O dinheiro, explica o deputado, foi usado para pagar dívidas da campanha eleitoral no Pará, apesar de nada ter sido informado ao Tribunal Regional Eleitoral. Em relação aos outros R$ 300 mil atribuídos a Paulo Rocha na lista de Marcos Valério, o parlamentar informa que foram entregues ao PSB paraense. Paulo Rocha, presidente do diretório do PT no Pará, considera o ato da assessora “irregular, mas não estranho”. Afinal, justifica o deputado, Ana Leocádia Pereira Costa fez as retiradas “na condição de militante” do PT. Paulo Rocha não vê motivos para ser cassado: - Não cometi nenhum crime. Não matei, não roubei. Cumpri meu dever de presidente regional do PT. Em Passo Fundo (RS), o escritor Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, amigo histórico de Lula, afirma que um pequeno grupo de dirigentes do PT “atola pé e alma na corrupção”, e compromete todo um projeto. Frei Betto, nomeado para trabalhar no Palácio do Planalto como assessor especial de Lula, pediu para deixar o cargo depois de um ano. Ele concede entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo: - Nem sob os anos da ditadura a direita conseguiu desmoralizar a esquerda como esse núcleo petista fez em tão pouco tempo. Na ditadura, apesar de todo sofrimento, persegui- ções, prisões e assassinatos, nós saímos de cabeça erguida e certos de que tínhamos contribuído para a redemocratização do País. Agora, não. Esses dirigentes desmoralizaram o partido e respingaram lama por toda a esquerda brasileira. 105 26/8/2005 O Ministério Público do Rio de Janeiro conclui inquérito que investigou grava- ção clandestina de conversa entre o empresário de jogos Carlos Augusto de Almeida Ramos, o “Carlinhos Cachoeira”, e o então presidente da Loterj, a estatal fluminense de loterias, Waldomiro Diniz. A divulgação da fita, em fevereiro de 2004, provocou um escândalo. Em consequência, Waldomiro Diniz pediu demissão do Ministério da Casa Civil, onde era importante assessor de José Dirceu (PT-SP). Note-se: ele não foi demitido. Na gravação, Waldomiro Diniz e Carlinhos Cachoeira aparecem negociando contratos e propina, durante reunião realizada em 2002. 153 A Polícia Federal fez perícia na fita e não detectou montagem ou edição fraudulenta. O diálogo trata da doação de dinheiro do empresário a campanhas eleitorais, em troca de vantagens em contratos da Loterj. Waldomiro Diniz pede comissão de 1% sobre os negócios aprovados. O Ministério Público requer que a Justiça obrigue o ressarcimento aos cofres públicos, aplique multa e o puna com a perda dos direitos políticos. Note-se bem: Waldomiro Diniz não foi demitido do governo Lula. Pediu para sair. Extrato bancário do PT na CPI dos Correios. É do período de 15 de dezembro de 2003 a 31 de maio de 2004. Mostra 23 depósitos ao partido, num total de R$ 3,2 milhões. Os depósitos têm valores redondos, e variam de R$ 20 mil a R$ 300 mil, como se fossem mensalinhos, mensalões e supermensalões. Era a época de glória da relação PT/Marcos Valério, com saques e pagamentos sem fim. Além dos valores redondos, chama a atenção que apenas dois dos 23 depósitos têm identificação. Um dos depositantes, Carlos Alberto Timóteo, é funcionário do PT. Mas não confirma a operação. 106 27/8/2005 A revista Época traz a reportagem “Lavanderia mensalão”. Denuncia operações suspeitas de mais de R$ 100 milhões, com recursos dos fundos de pensão. De acordo com a revista, o dinheiro dos fundos foi parar nas mãos de operadores do mensalão e, em parte, acabou desviado e levado ao exterior, principalmente para paraísos fiscais do Caribe. O texto é assinado pelos repórteres Ricardo Grinbaum, Leandro Loyola e David Friedlander: “O esquema foi executado em 2003 e 2004 e envolve pelo menos cinco fundos de pensão de empresas estatais. Os fundos, que são os investidores mais ricos do País, teriam perdido dinheiro - fraudando os associados de propósito.” A suspeita é de que dirigentes dos fundos, donos de cargos políticos, aplicavam os recursos, de forma intencional, em investimentos sabidamente perdedores. O prejuízo ficava com os trabalhadores que, supostamente, deveriam ter as suas poupanças administradas com eficiência, para não lhes faltarem recursos na hora de receber as pensões, no futuro. A maracutaia é justamente o rateio do dinheiro perdido, entre especuladores e políticos: “A simulação da aposta no mercado financeiro servia para justificar a saída do dinheiro dos fundos. No mercado financeiro esse tipo de golpe é muito popular, até pela dificuldade em incriminar os responsáveis. Como as operações na BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros) são muito complicadas e todo dia há gente ganhando e perdendo milhões, quando alguém é apanhado em delito financeiro costuma se defender dizendo que errou na hora de aplicar e que isso faz parte do jogo.” 107 28/8/2005 O jornal O Globo, do Rio, traz reportagem mostrando o resultado de trabalhos de auditoria realizados em contratos firmados pelos Correios no valor de R$ 7 bilhões, em 2003 e 2004. O assunto é grave. Foram constatados 525 tipos de irregularidades, a maior parte considerada de “alto risco” para os cofres públicos. O repórter José Casado mergulhou num mundo de licitações dirigidas, orçamentos irreais, pagamentos sem cobertura contratual, reajustes indevidos e pregões eletrônicos distorcidos. 154 A força tarefa que examinou os contratos de 40 departamentos da estatal foi formada por técnicos do TCU (Tribunal de Contas da União) e da CGU (Controladoria-Geral da União). A maior distorção ocorreu no chamado “correio híbrido postal”, sistema de correspondência eletrônica para grandes clientes. O projeto estava pronto em 2002, por R$ 861 milhões. A licitação foi suspensa. Reapareceu em 2004, com orçamento de R$ 4,4 bilhões. “Variação injustificada”. Exigência de “capacidade tecnológica de impressão de 100 milhões de páginas por mês” direcionaria o certame à American Bank Note. Os auditores descobriram gastos fraudulentos de R$ 1,2 bilhão para comprar equipamentos, num projeto feito sem estudo de viabilidade, sem comprovação de gastos e sem informações adequadas sobre custos. Os resultados foram máquinas ociosas e softwares desperdiçados. O projeto foi definido como exemplo de “ineficiência e antieconomicidade”. A inspeção detectou vários rombos, como gastos de R$ 100 milhões em produtos dispensáveis. Houve despesas irregulares da ordem de R$ 175 milhões, no projeto “rede corporativa”. Outros R$ 90 milhões, aplicados em “estudos de viabilidade”, foram considerados “ineficientes e desatualizados”. 108 29/8/2005 A semana começa quente no Congresso Nacional. Pronto o parecer que recomenda a cassação do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), autor das denúncias do escândalo do mensalão. Para o relator, deputado Jairo Carneiro (PFL-BA), Jefferson comportou-se de forma incompatível com a ética e o decoro parlamentar. Jairo Carneiro acusa-o por receber dinheiro de caixa 2 na campanha de 2004 e por tráfico de influência em empresas estatais. O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), não aceita a tese de que houve pagamentos de mensalões. Fazendo coro ao discurso governista, fala em dinheiro repassado com a finalidade de quitar dívidas eleitorais, algo “menos grave”. Severino Cavalcanti sugere apenas censura ou repreensão para os envolvidos, não a perda de mandatos. O senador Delcídio Amaral (PT-MS), presidente da CPI dos Correios, admite ter havido distribuição de “recursos” a deputados, mas não aconteceu, necessariamente, em cotas mensais: - Dependeu de migração partidária, das grandes votações. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) não usa meias palavras: - Qual a diferença entre um deputado que recebeu recursos mensalmente e outro que recebeu para pagar despesa de campanha? Nenhuma. Ambos ficam comprometidos com o governo. Fernando Gabeira (PV-RJ) critica a tese de que não-registro de dinheiro de campanha é crime menor: - Não é só caixa 2. E tampouco importa se houve mensalão ou semestrão. Houve suborno. De Ricardo Izar (PTB-SP), presidente da Comissão de Ética da Câmara: - Existem provas cabais, e não meros indícios, de que houve pagamentos e retiradas irregulares de dinheiro, por parte de alguns parlamentares, oriundos das empresas do senhor Marcos Valério, via Banco Rural e outros meios. Algumas retiradas foram, inclusive, cíclicas, o que é um indício de um esquema de pagamento mensal e sistemático de deputados. 155 O deputado André Costa (PT-RJ) anuncia o seu desligamento do PT. Em nota, acusa a decadência moral e ética: - O aparelhamento do partido, sob o rígido controle de uma oligarquia, tem produzido uma inaceitável corrupção de valores e práticas. Também se desliga do PT o senador Cristovam Buarque (DF). 109 30/8/2005 Em depoimento à CPI do Mensalão, o operador de mercado José Carlos Batista, dono da empresa Guaranhuns. Diz ter sido contratado por Valério em novembro de 2002. Deveria intermediar entregas de dinheiro à coligação PT-PL. Ao PL, repassou R$ 4,5 milhões. Já foram identificados 63 depósitos da SMPB à Guaranhuns, no valor de R$ 6 milhões. Relata Batista: - A partir de 2002, quase toda a semana eu levava em espécie dinheiro para os representantes da coligação com o PL. O empresário conta mais uma história. Foi chamado por Valério para intermediar a aquisi- ção de R$ 10 milhões em certificados de reflorestamento. A compra de títulos iria lavar dinheiro para pagar dívidas do PT e do PL. A Guaranhuns e a Bônus-Banval trabalharam juntas. Teriam sido criadas para atuar no financiamento de partidos políticos. No meio do depoimento, Batista resolve recuar. Desdiz o que afirmara, porque entende que iria se complicar. - Se algum erro cometi, foi o de acreditar na hipnose coletiva que colocava o PT como partido da honestidade, da ética e da transparência. Para o deputado José Rocha (PFL-BA), José Carlos Batista é um “laranja”: - Tudo indica que a Guaranhuns é uma empresa de fachada, usada para dificultar o rastreamento do dinheiro que saía das empresas do senhor Valério. Em desabafo ao repórter Expedito Filho, de O Estado de S. Paulo, Valério: - Minha vida virou um molambo. Eu virei um molambo. Fui usado e abandonado pelo PT, um partido de pessoas sem coração. Somente eu e Delúbio somos responsabilizados por tudo. Cadê José Dirceu? José Genoino? Silvinho Pereira? Antonio Palocci? Todos sumiram e só se fala em Marcos Valério como o responsável por tudo. Estão preparando uma pizza. Marcos Valério se diz amigo de Delúbio Soares. Para ele, o ex-tesoureiro “não fez nada sem a ordem e orientação do ex-ministro José Dirceu”: - Delúbio não conta tudo o que sabe porque é um idiota. Ele tem uma fidelidade canina e é o único por quem eu tenho amizade. Mas eu tenho raiva do PT e gostar do Delúbio e odiar o PT pode parecer um paradoxo. Mas o Delúbio foi afastado, expulso e, como eu, abandonado. 110 31/8/2005 Entrevista de Soraya Garcia, assessora financeira do PT na campanha de reelei- ção do prefeito de Londrina (PR), Nedson Micheletti (PT), em 2004. Ela fala ao repórter José Maschio, da Folha de S.Paulo. Acusa o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu (PTSP), de carregar dinheiro vivo para Londrina, onde circulou num automóvel blindado da marca BMW: 156 - O ministro José Dirceu veio a Londrina em 18 de setembro. Era um sábado e durante a semana todo o mundo no comitê financeiro reclamava de dificuldades para pagar contas de campanha. Na segunda-feira o comitê tinha R$ 300 mil em caixa. Todo esse dinheiro era em notas de R$ 100 e com lacre do Banco do Brasil. O Dirceu veio em um jatinho particular, chegou às 15h30 e foi embora antes das 17 horas. Soraya Garcia menciona o coordenador da campanha de Nedson Micheletti, Augusto Dias Júnior. Ele confirmou, na época, que José Dirceu trouxera o dinheiro. Filiada ao PT, Soraya Garcia decidiu denunciar o que viu em razão do desencanto com a forma como o PT fez política em Londrina. Mais dois envolvidos por Soraya Garcia: Gilberto Carvalho (PT-SP), chefe de gabinete de Lula, e a irmã dele, Márcia Lopes, vereadora licenciada do PT em Londrina e secretáriaexecutiva do Ministério do Desenvolvimento Social: - Eu nunca vi o Gilberto Carvalho trazer dinheiro pessoalmente a Londrina. Mas todas as vezes que existiam dificuldades de caixa, o Augusto Dias Júnior e o Jacks falavam que era preciso ligar para ele. E o dinheiro surgia. Jacks Aparecido Dias é presidente do PT de Londrina. Sobre Márcia Lopes: - Tinha também a Márcia Lopes, que era acionada para despesas em eventos. O Jacks e o Augusto me avisavam que eventos no Buffet Carvalho eram problema da Márcia Lopes. Aconteceram vários eventos desse gênero. Soraya Garcia cita mais dois: o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo (PT-PR), e o presidente do PT do Paraná, deputado André Vargas. Ambos participaram de reunião para decidir a contratação de cabos eleitorais: - O Jacks disse que tinha reunido 2 mil pessoas que seriam contratadas por R$ 100 ao dia. O André Vargas perguntou ao Paulo Bernardo se o número de cabos eleitorais estava bom e se havia como pagá-los. O Bernardo falou que estava bom e que existia lastro para isso. Lastro era dinheiro. Além dos três, estavam na reunião o Augusto Dias Júnior, coordenador da campanha, e os candidatos a vereador Gláudio Renato Lima e Eloir Valença. Eu assisti à reunião, estava separando dinheiro para pagar despesas de campanha. Depoimento à CPI dos Correios. É de Enivaldo Quadrado, dono da corretora BônusBanval. Ele conta que atendeu pedidos de Marcos Valério. Mandou um funcionário fazer três retiradas de dinheiro na agência do Banco Rural da avenida Paulista, em São Paulo, num total de R$ 605 mil. Dá como exemplo um dos saques, ocorrido em março de 2004, no valor de R$ 255 mil: - Não havia saque de cheque. Era só chegar na agência do Rural, procurar o senhor Guanabara na tesouraria, e já estava tudo separadinho. O dinheiro foi entregue integralmente ao Valério. Segundo Enivaldo Quadrado, Valério pediu indicações de investimentos para fundos de pensão. Na CPI, suspeita-se que os fundos abasteceram indiretamente o caixa 2 do PT. Faziam aplicações em instituições como o Banco Rural e o BMG, e em troca os bancos autorizavam empréstimos para as empresas de Marcos Valério, cientes de que o dinheiro não seria devolvido. O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) entrega relatório à CPI dos Correios. O documento classifica de “operações atípicas”, com 157 “movimentações incompatíveis” e “sistemáticas contabilizações de prejuízos”, as opera- ções do fundo Geap, ligado a vários Ministérios, e o Portus, fundo de pensão vinculado a companhias portuárias. O Geap tem faturamento bruto anual de R$ 1,1 bilhão. Movimentou R$ 55 milhões entre janeiro de 2003 e março de 2005. Teve perdas de R$ 1,3 milhão nas transações. Além disso, efetuou dois saques suspeitos, em dinheiro, nos valores de R$ 201 mil e de R$ 144 mil. O Portus tem faturamento bruto anual de R$ 1 bilhão. Girou R$ 26,5 milhões e acumulou prejuízo de R$ 747 mil. 111 1/9/2005 Em sessão conjunta, as CPIs dos Correios e do Mensalão aprovam, por unanimidade, relatório denunciando 18 deputados federais por “um amplo conjunto de crimes políticos”. O documento solicita a abertura de processos de cassação de mandatos contra os citados. Os parlamentares fazem parte da lista de beneficiários dos saques das contas de Marcos Valério. Entre os crimes, improbidade administrativa, corrupção ativa e passiva, prevaricação, infração à legislação eleitoral e sonegação fiscal. O relatório vai para o Conselho de Ética da Câmara. Do relator da CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR): - Não será fácil alguém se contrapor a algo tão evidente, aos fatos documentados. O que fizemos foi reunir provas. Da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL): - Deve ficar claro que esses 18 são insignificantes perto do número de parlamentares que receberam dinheiro para ser base de bajulação do governo. Do relatório: “Em 2003, com a posse do novo governo, vivia-se um sonho de um Brasil diferente, com inclusão social, participação popular, boa escola e salário digno. Hoje, ao contrário, percebe-se um sentimento generalizado, misto de decepção e indignação por conta da corrupção política praticada pelos dirigentes de alguns partidos políticos e pelas suspeitas que pairam sobre membros do Congresso.” O documento refere-se ao deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ): “Ninguém melhor do que quem, diuturnamente, compartilhava o exercício do poder, para destrinçar-lhe as entranhas. O parlamentar comandava, através de indicados, cargos nos Correios, IRB, Dnit, Eletronorte, etc.” “A ninguém convence a versão de que Valério tenha garantido os empréstimos do Banco Rural e do BMG ao PT apenas em nome da amizade com Delúbio Soares. Mais difícil ainda de acreditar é a alegação de que essa amizade justifica os empréstimos para financiar partidos.” Outro trecho do relatório: “Cabe constatar a migração exagerada em direção a determinados partidos e os métodos de cooptação utilizados. Para explicar esse nebuloso esquema, é perfeitamente plausível a tese de que os empréstimos foram simulados para dar aparência lícita a dinheiro de origem ilícita, que seria destinado ao bolso de políticos sob o falso argumento de dívidas passadas. 158 O que resta inconteste é o recebimento de dinheiro por parlamentares e dirigentes de partidos da base do governo na Câmara.” Agora, aborda o mensalão: “O que menos interessa, a esse respeito, é a periodicidade dos pagamentos. O fato importante, do qual não podemos nos afastar, é o recebimento de vantagens indevidas.” Sobre estatais, acusa a “utilização de diretorias como forma de empresas contratadas pela administração pública contribuírem para partido, como se isso não fosse adicionado ao custo dos serviços, onerando a população”. O relatório traz críticas à prática do caixa 2: “Quem admite o caixa 2 confessa ilícito eleitoral, o que, só por si, é merecedor de severa reprimenda, porque aceita a burla à eleição. Nada mais compromete a democracia que uma eleição viciada. Daí a necessidade de punição.” “Não há legitimidade em mandato financiado com caixa 2. A utilização de meios ilícitos para ganhar eleições, não como instrumento do interesse público, mas particular ou partidá- rio, são condutas que atentam contra o princípio do estado democrático.” Os 18 deputados denunciados: José Dirceu (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP), José Mentor (PT-SP), Professor Luizinho (PT-SP), Paulo Rocha (PT-PA), João Magno (PT-MG), Josias Gomes (PT-BA), José Janene (PP-PR), Pedro Corrêa (PP-PE), Pedro Henry (PPMT), Vadão Gomes (PP-SP), Wanderval Santos (PL-SP), Carlos Rodrigues (PL-RJ), Sandro Mabel (PL-GO), José Borba (PMDB-PR), Roberto Brant (PFL-MG), Romeu Queiroz (PTBMG) e Roberto Jefferson (PTB-RJ). O Conselho de Ética da Câmara aprova, por unanimidade, pedido de cassação de Roberto Jefferson. Ele é acusado de confessar o recebimento de R$ 4 milhões do PT por meio do valerioduto, e de fazer indicações partidárias para obter benefícios financeiros ao PTB. O processo segue para votação final e secreta no plenário da Câmara. Diz o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR): - Jefferson confessou ter quebrado o decoro parlamentar ao participar, como beneficiário, do mais vergonhoso esquema de submissão do Legislativo ao Executivo. Do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ): - Ele não é um paladino da ética, mas um sócio dissidente de um esquema. Do deputado Josias Quintal (PMDB-RJ): - Jefferson prestou um serviço ao País e ao parlamento. Ele permitiu desvendar o esquema de corrupção. Os principais jornais do País publicam fotografias de Lula ao lado do presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE). As imagens mostram solenidade em Brasília. Lula preside a cerimônia. Condecora Severino com a Ordem de Rio Branco, no grau de Grã- Cruz, a mais alta condecoração do Itamaraty. Os dois estão juntos, mais que nunca. Criticado por defender punição branda aos envolvidos no escândalo do mensalão, Severino passa o dia ao lado de Lula. Além do evento no Itamaraty, se faz presente em solenidade no Palácio do Planalto e, depois, reúne-se com Lula, no gabinete presidencial. Para atrair 159 Severino como aliado, Lula demitiu Olívio Dutra (PT-RS) e nomeou Márcio Fortes (PP-RJ) ministro das Cidades. 112 2/9/2005 Com a reportagem de capa “O mensalinho de Severino”, a revista Veja denuncia esquema pelo qual o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), cobrou propina de R$ 10 mil mensais, de março a novembro de 2003, do empresário Sebastião Augusto Buani, concessionário do restaurante Fiorella, instalado no 10º andar do prédio da Câmara. O repórter Alexandre Oltramari teve acesso ao texto no qual o empresário relata a extorsão. Sebastião Buani afirma que entregava envelopes com o dinheiro exigido pelo deputado às duas secretárias de Severino Cavalcanti, Gabriela Kênia Martins e Rucely Paula Camacho. Algumas vezes, a propina ia diretamente às mãos de Severino. Um cheque foi descontado pelo motorista do deputado, numa agência do Bradesco. A gerente Jane de Albuquerque confirmou a operação. Em agosto, Sebastião Buani, em dificuldade, despachou envelope com apenas R$ 6 mil. O resultado: - Levei uma bronca do deputado por telefone. A partir de dezembro de 2003, o empresário não conseguiu mais pagar a propina. Em dois meses, perdeu seis das oito concessões de restaurantes e lanchonetes que tinha no Congresso. O repórter procurou o presidente da Câmara. Reação de Severino Cavalcanti, dando tapas na mesa, ao lado de um advogado, três assessores de imprensa e dois funcionários: - Isso é uma mentira. Ele é um canalha, safado! Esse homem não merece as calças que veste. Da reportagem: “A defesa de Severino tem muito adjetivo, e pouca substância. O contrato de concessão de Buani para explorar o restaurante encerrou-se em janeiro de 2003, depois da quarta e necessariamente última prorrogação. Buani, no entanto, não foi convidado a se retirar. O deputado Severino mandou que fosse feita uma licitação para escolher o novo concessioná- rio, mas a licitação não se realizou, e ficou tudo por isso mesmo. De tal modo que Buani operou seu restaurante ao longo de todo o ano de 2003 sem nenhum amparo legal.” O esquema teria começado no início de 2002. Sebastião Buani queria prorrogar a licença de funcionamento do restaurante. Procurou Severino, na época o primeiro-secretário da Câmara, responsável pela administração da Casa. O empresário foi obrigado a desembolsar R$ 40 mil, dinheiro que foi dividido, segundo Buani, entre Severino e o deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE). O empresário obteve a prorrogação. A reportagem afirma: “É o documento mais escandaloso e comprometedor de toda essa história. Ali, num clandestino ato de ofício, Severino prorroga a licença de Buani até 2005. Severino não tinha poderes para isso e, ao fazê-lo, produziu uma prova cabal das relações promíscuas que manteve com Buani.” Explicação de Severino: - Eu sou um homem experimentado. Tenho mais de 40 anos de vida pública, mas não tenho a menor lembrança de ter assinado esse documento dando a prorrogação. O que pode 160 ter acontecido é ter juntado esse negócio, ou alguém ter botado no meio dos documentos e eu ter assinado sem ler. A revista Veja também relata o episódio da nomeação do deputado Augusto Nardes (PPRS) como ministro do TCU (Tribunal de Contas da União). Aliado de Severino Cavalcanti, Augusto Nardes era suspeito de crime eleitoral, peculato e concussão. Quando soube da ficha do protegido do presidente da Câmara, Adylson Motta, presidente do TCU, pediu a Lula para não sancionar a nomeação, devido à “inobservância do requisito constitucional da reputação ilibada e idoneidade moral”. Lula assinou. 113 3/9/2005 A Folha de S.Paulo publica detalhes de reunião do Campo Majoritário do PT realizada na véspera, em São Paulo. A repórter Catia Seabra obtém informações de bastidor. O destaque foi o discurso do deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Ele é um dos acusados de envolvimento no escândalo do mensalão. Fez desabafo “repleto de ameaças veladas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, afirma o texto. Reclamou de ingratidão e hipocrisia: - Quem tomou a decisão de fazer alianças? Foi o Zé Dirceu? Quem exigiu o contrato com Duda Mendonça? Fica implícito que, para João Paulo Cunha, Lula é o responsável. Lula é o chefe. A aliança PT-PL, aponta o deputado, foi “quase uma exigência do Lula”. O mensaleiro insistiu, sempre se referindo ao presidente da República: - Éramos nós que dizíamos ser amigos do Duda Mendonça? Que frequentávamos a casa de praia do Duda Mendonça? João Paulo Cunha também condenou a cassação de mandatos: - Ninguém agiu por interesse pessoal. Se houve erro, não adianta crucificar o Zé Dirceu. 115 5/9/2005 Lula sai em defesa do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE). Pede ajuda ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Quer evitar que Severino seja obrigado a deixar a presidência da Câmara. Afinal, o deputado pernambucano se revelou um fiel aliado do governo na crise política. O ministro Jaques Wagner (PT-BA), das Relações Institucionais, recebe orientação de Lula para atuar ao lado de Severino Cavalcanti, contra o afastamento pretendido pela oposição. Ao longo do dia, Jaques Wagner conversa com dirigentes petistas e integrantes da base aliada do governo. Pede a todos para que não critiquem Severino Cavalcanti. Enquanto Jaques Wagner pressiona, circulam em Brasília cópias de um texto escrito por Sebastião Buani, o dono do restaurante Fiorella. Traz o título sugestivo “A história de um mensalinho”. Em duas páginas, a denúncia de que Severino Cavalcanti recebeu 13 pacotes de dinheiro em 2003, num total de R$ 84 mil. O presidente da Câmara chegou a ligar até seis vezes num mesmo dia, para cobrar o pagamento da propina de R$ 10 mil mensais que estava atrasado. O dinheiro era uma exigência dele em troca de um contrato forjado de 161 concessão, instrumento que permitiu o funcionamento do Fiorella, outros dois restaurantes e seis lanchonetes nas dependências do Congresso. 116 6/9/2005 A CPI dos Correios conclui análise de documentos provenientes da quebra dos sigilos telefônicos de duas estrelas do escândalo do mensalão. Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, fez 121 telefonemas para o Palácio do Planalto, sede do Governo Federal, em 2003 e 2004. Do total, 59 foram para o Ministério da Casa Civil, sob comando de José Dirceu, inclusive para Waldomiro Diniz, no período que antecedeu o seu afastamento. As empresas de Marcos Valério, por sua vez, fizeram 129 ligações para a Presidência da República, no período em que a DNA e a SMPB disputavam licitações pertinentes a contratos publicitários com o Banco do Brasil, no valor de R$ 111 milhões, e com os Correios, no total de R$ 23 milhões. Foi entre agosto e dezembro de 2003. Do total de 268 chamadas das empresas de Marcos Valério sob suspeita, a grande maioria foi para a Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, sob comando do ministro Luiz Gushiken (PTSP). O mesmo Luiz Gushiken que sempre negou qualquer interferência em contratos de publicidade de empresas estatais. Em depoimento à Polícia Federal, Marcos Valério reafirma ter repassado R$ 15,5 milhões para Duda Mendonça, o marqueteiro de Lula, atendendo a pedido de Delúbio Soares. Mas nega ter depositado o dinheiro no exterior e refuta a acusação de que orientou Duda Mendonça a abrir conta fora do País, como condição para receber o pagamento por serviços prestados ao PT. Segundo Marcos Valério, o dinheiro fazia parte do caixa 2 do PT e as parcelas eram sacadas por Zilmar Fernandes da Silveira. A sócia de Duda fazia as retiradas em agência do Banco Rural, em São Paulo. Ela teria sido assaltada e, a partir daí, solicitou que os cheques fossem entregues ao doleiro Jader Kalid, em Belo Horizonte. Diz Marcos Valério: - Zilmar falou que Jader seria seu consultor financeiro e ficaria encarregado de descontar os cheques emitidos para pagar Duda. Explicação de Marcos Valério: - A Zilmar afirmou que não poderia contabilizar os recebimentos, motivo pelo qual solicitou que os cheques fossem nominais à SMPB. No depoimento, Valério cita o deputado José Janene (PP-PR), integrante da base aliada do governo Lula e suspeito de ser um dos operadores do mensalão. Segundo Valério, Janene foi o responsável pela indicação da corretora Bônus-Banval para intermediar pagamentos de dinheiro. Por meio da corretora, R$ 10 milhões foram repassados para PP, PL e PT, da seguinte forma: R$ 900 mil para o PL, R$ 1,2 milhão para o PP e R$ 7,9 milhões para o PT. Em outro depoimento à Polícia Federal, o deputado José Mentor (PT-SP) tenta justificar o recebimento de R$ 120 mil de Marcos Valério. Alega que o dinheiro foi pagamento por “estudos jurídicos” feitos por seu escritório de advocacia, a pedido de empresas de Valério. José Mentor não apresenta documentos. Diz que o contrato foi verbal e que os tais estudos jurídicos não podem ser revelados, “por questões de sigilo profissional”. A suspeita: José 162 Mentor recebeu propina para favorecer o Banco Rural, ligado a Marcos Valério, durante a CPI do Banestado. Também depõe à Polícia Federal Izeílton Carvalho de Souza, ex-gerente do restaurante Fiorella. Ele confirma: o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PPPE), recebeu propina de R$ 10 mil mensais em 2003, para que as portas do restaurante ficassem abertas. O dinheiro era entregue em envelopes ou em cheques. O pagamento ficou a cargo da diretora do restaurante, Gisele Buani, filha do dono, Sebastião Buani. 117 7/9/2005 Em Nova York, em viagem oficial para representar o Brasil em evento da União Interparlamentar, o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) está transtornado. Nas entrevistas concedidas, dá versões divergentes para tentar explicar o caso do mensalinho. Na primeira manifestação, pela manhã, nega a existência da propina. Mas faz uma ressalva: - Eu não assinei esse contrato. E, se assinei, é um contrato normal, que deve estar junto com toda a documentação. Minutos depois, se diz reticente: - Tenho de ver o original. O ônus da prova cabe a quem denuncia. No período da tarde, Severino volta a ser questionado. E volta a dizer que o contrato não existiu. - Aquele documento não existe. Mas, se existe, é uma falsidade. Documento como aquele eu não assinei. Só pode ser um documento falso. 118 8/9/2005 O empresário Sebastião Buani concede entrevista coletiva. Ao lado de 50 funcionários e da mulher, Diana, revela os detalhes do escândalo do mensalinho de Severino Cavalcanti. Informa que entregou R$ 110 mil de propina ao deputado em 2002 e 2003, em troca de autorização para operar restaurantes e lanchonetes no Congresso. Tudo começou ao pedir ajuda ao deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE) a fim de prorrogar contrato de funcionamento do Fiorella. Na época, Severino era o primeiro-secretário da Câmara. A conversa ocorreu nos corredores do Congresso: - Comentei com ele: “Estou com um pedido lá na mesa do primeiro-secretário e o senhor, que é amigo dele, poderia ver se pode dar uma decisão final, ou pode ou não pode, ou é lei ou não é”. Pouco tempo depois, recebi um telefonema para comparecer ao gabinete de apoio do primeiro-secretário. Na conversa, o primeiro-secretário me disse: “Você sabe, eu sou um homem que não tenho empresas, e neste ano de eleição a gente precisa de uma ajuda”. Severino Cavalcanti pediu R$ 60 mil para renovar o contrato. Sebastião Buani recusou. Severino propôs R$ 50 mil. Nova recusa e o valor acabou fixado em R$ 40 mil, metade para Severino e metade para Gonzaga Patriota. O dinheiro foi pago, o empresário recebeu em abril um termo assinado por Severino, prorrogando a concessão por cinco anos. Em outubro de 2002, porém, surgiu um problema. Sebastião Buani recebeu correspondência da direção da Câmara dos Deputados perguntando se ele tinha interesse em renovar 163 a concessão, em caráter de emergência, por mais um ano. O empresário se sentiu enganado por Severino Cavalcanti. Concluiu que o documento assinado pelo deputado, colocado dentro de um processo administrativo, não tinha validade. Diz Sebastião Buani: - Esse documento foi colocado dentro do processo e foi me dada uma cópia do processo com essa via dentro. Não existe isso de “não vi o documento”, “não existe documento”. Mas quando a gente abriu o processo, no lugar daquele papel prorrogando o contrato, havia outro do próprio Severino, dizendo que indeferia o processo por isso e aquilo. Pensei, então, “não estou acreditando”, “fui enganado de uma forma... como eu caí numa dessa?” Dinheiro ganho suado, com dificuldade, por documento que não valia nada? Inconformado, o empresário procurou Severino Cavalcanti para reclamar. Recebeu garantias de que não haveria problemas: - Fui direto ao Severino e ele me disse: “Não se preocupe, enquanto eu estiver na Mesa Diretora você estará na Casa”. Sebastião Buani achou que estava tudo resolvido. Em janeiro de 2003, no entanto, Severino Cavalcanti o procurou novamente para dizer que seria assinado um contrato emergencial, com a prorrogação do contrato por um ano. De fato, a prorrogação de cinco anos, assinada anteriormente pelo deputado, não valia nada. Severino Cavalcanti disse: - Quero que você ganhe muito dinheiro, porque você merece. Foi aí que surgiu o acerto do mensalinho. Sebastião Buani já havia recebido autoriza- ção para aumentar em quase 40% o valor das refeições. Severino Cavalcanti pediu R$ 20 mil mensais para prorrogar o contrato. O empresário reclamou. A conversa teria demorado quatro horas: - Ele bateu o pé, mas depois de muita negociação ficou por R$ 10 mil. O mensalinho foi pago de fevereiro a agosto de 2003. - O dinheiro era entregue em envelopes pardos, nós saíamos pelos corredores com o dinheiro nas mãos, eu e ele andando pelos corredores. Sebastião Buani diz que resolveu interromper o pagamento da propina atendendo ao pedido da filha, Gisele, diretora da empresa. - Um dia minha filha me viu contando dinheiro numa quarta-feira para pagar a propina, e disse: “Pai, sai dessa vida porque a gente não precisa disso. O senhor está deixando de pagar funcionários que moram longe e ganham pouco para pagar propina”. Suspenso o mensalinho, vieram os problemas. Sebastião Buani foi perdendo, uma a uma, as concessões para operar restaurantes e lanchonetes na Câmara. Só restou o restaurante Fiorella, agora com os dias contados. Ainda em Nova York, Severino Cavalcanti reage à entrevista de Buani: - É mentira, é mentira, é mentira. Anunciada a demissão de Maurício Marinho, o funcionário dos Correios que foi pivô do escândalo do mensalão. Mas o homem filmado ao receber propina de R$ 3 mil continuará recebendo salário, de R$ 10 mil mensais, enquanto estiver em licença médica, cuja prorrogação pode se estender por nove meses. 164 120 10/9/2005 A revista Isto É denuncia que parte do dinheiro pago pelo PT ao publicitário Duda Mendonça veio de recursos públicos da Prefeitura de Belo Horizonte. Duda trabalhou na campanha de reeleição do prefeito da capital mineira, Fernando Pimentel (PT), em 2004. Segundo o repórter Amaury Ribeiro Jr., convênio de R$ 14 milhões foi assinado entre a municipalidade e o CDL (Clube dos Diretores Lojistas de Belo Horizonte) para comprar e instalar cerca de 300 câmeras de segurança e filmar as ruas centrais da cidade. O convênio recebeu a chancela do prefeito Fernando Pimentel e do empresário Glauco Diniz Duarte, diretor do CDL e dono da GD International, empresa que teria transferido o equivalente a R$ 2 milhões dos recursos municipais a uma conta do banco BAC Flórida. De lá, o montante teria sido encaminhado para a conta Dusseldorf, de Duda Mendonça, no BankBoston das Bahamas. O Ministério Público investiga as suspeitas de fraude, contrabando, superfaturamento e participação de empresas fantasmas. 121 11/9/2005 O ministro Jaques Wagner (PT-BA), das Relações Institucionais, reúne-se reservadamente com Severino Cavalcanti (PP-PE). O encontro ocorre na residência oficial do presidente da Câmara, antes de uma entrevista que seria concedida por Severino. Durante o encontro, Jaques Wagner pede-lhe que tenha cautela nas declarações aos jornalistas. Quer evitar desmentidos posteriores. O governo Lula continua dando respaldo a Severino. Do ministro: - O governo decidiu que não vai fazer prejulgamento e vai esperar a apuração da denúncia. Trecho da entrevista de Severino Cavalcanti: - O governo tem certeza absoluta de que não estou dentro desse enlameado que tentaram lançar em meu nome. Reação do empresário Sebastião Buani, ao dizer que até pouco tempo atrás era bemvindo no gabinete de Severino Cavalcanti: - Ele não falou da ligação que tinha comigo, por que ia lá no restaurante, o tanto que me ligava. Se quebrarem o sigilo telefônico, vão estranhar por que um primeiro-secretário liga tanto para um concessionário. A CPI dos Correios divulga levantamento parcial obtido com a quebra de sigilos telefô- nicos de 2003 a 2005. Os dados apontam três deputados envolvidos no escândalo do mensalão, trocando telefonemas com a SMPB, a agência de Marcos Valério usada para repassar dinheiro de caixa 2. São eles: Professor Luizinho (PT-SP), com 13 ligações telefônicas, inclusive no dia 23 de dezembro de 2003, data do saque de R$ 20 mil atribuído a ele, na agência da avenida Paulista do Banco Rural, em São Paulo. Sandro Mabel (PL-GO) manteve nove conversas telefônicas. Ele é acusado de ter oferecido dinheiro para a deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) mudar de partido. E José Janene (PP-PR) teria usado telefone celular para conversar com Valério. 165 122 12/9/2005 Renuncia o deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ). Ele abre mão do mandato para evitar processo de cassação e eventual inelegibilidade. É acusado de ter recebido R$ 400 mil do valerioduto. Nega. Diz ter sacado R$ 250 mil, apenas para quitar dívidas referentes ao segundo turno da campanha que elegeu Lula em 2002. Na época, Carlos Rodrigues era presidente do PL no Rio. Ele faz referência ao presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto (SP), que também renunciara: - Fui chamado pelo Valdemar para apoiar o presidente Lula. Apoiei, fiz dívida do partido, e o Valdemar mandou eu receber o dinheiro em dezembro de 2003. Depois de almoçar com Lula, o ministro Jaques Wagner (PT-BA) desmente boatos de que o governo iria pedir ao PT e ao aliado PSB para não assinarem representação contra o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE): - Não vou pedir. A decisão cabe a cada presidente de partido. No período da tarde, o líder do PT, deputado Henrique Fontana (RS), que já anunciara a decisão de assinar representação contra Severino, tem encontro com Jaques Wagner e o líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). Henrique Fontana volta atrás. Diz o ministro Wagner: - Prevaleceu o bom senso. O deputado José Janene (PP-PR) não usa meias palavras: - Severino tem o apoio integral, solidário e irrestrito da bancada do PP. O empresário Sebastião Buani entrega à Polícia Federal extrato de sua conta bancá- ria. Mostra um saque de R$ 40 mil, efetuado em 4 de abril de 2002. O dinheiro teria sido usado para pagar propina ao deputado Severino Cavalcanti. A retirada foi no mesmo dia em que Severino assinou documento com autorização para o funcionamento do restaurante Fiorella. Em depoimento à Polícia Federal, três empregados do Fiorella confirmam que levaram dinheiro para as secretárias de Severino, a pedido de Sebastião Buani. O maître José Ribamar da Silva fez duas entregas. Ele cita a filha do empresário, Gisele Buani: - Levei pacotes com dinheiro para a secretária. Não sabia quanto, porque estava lacrado, mas Gisele pedia para ter cuidado porque continha dinheiro. O garçom Hélio Antônio da Silva levou três “encomendas”: - Não posso dizer que era para Severino, mas a recomendação foi que eu entregasse na primeira-secretaria. O garçom Rosenildo Francisco Soares fez o serviço uma vez: - Sabia que era dinheiro, mas para que, eu não sabia. 123 13/9/2005 O publicitário Duda Mendonça anuncia o pagamento de R$ 4,3 milhões para regularizar a situação dele junto à Receita Federal. A quantia seria o total de tributos sonegados pela Dusseldorf, a empresa offshore aberta pelo marqueteiro de Lula no paraíso fiscal das Bahamas. Com o envio da declaração retificadora do Imposto de Renda, o publicitário pretende impedir eventual condenação por crime de sonegação fiscal. 166 124 14/9/2005 A Câmara dos Deputados cassa Roberto Jefferson (PTB-RJ). A interrupção do mandato do deputado, autor da denuncia do mensalão, é endossada por 313 parlamentares. Outros 156 votam contra. Há ainda 13 abstenções, cinco votos em branco e dois nulos. O petebista fica inelegível até 2015. Em discurso de 42 minutos, Roberto Jefferson acusa Lula de ser um presidente relapso. “Se ele não praticou o crime por ação, pelo menos por omissão”. Roberto Jefferson afirma que tomou providências, assim que soube do esquema de pagamento da propina a deputados: - Fiz uma peregrinação. Ao José Dirceu, como ministro-chefe da Casa Civil, falei isso umas dez vezes. Falei ao Ciro. Depois nós descobrimos que o Márcio, secretário-executivo do Ministério, tinha recebido do Marcos Valério R$ 500 mil para saldar contas de campanha. Mas falei ao Ciro, com lealdade. Ele disse: “Eu não acredito nisso”. Falei ao ministro Miro Teixeira. Falei com o presidente. Com a língua afiada, sua melhor característica, Roberto Jefferson ataca: - Tirei a roupa do rei, mostrei ao Brasil quem são esses fariseus, mostrei ao Brasil o que é o governo Lula. - Rufiões da pátria, proxenetas do parlamento. Este é o governo mais corrupto que testemunhei nos meus 23 anos de mandato, o mais escandaloso processo de aluguel de parlamentar. - Meu conceito do presidente é que ele é malandro, preguiçoso. O negócio dele é passear de avião. Governar que é bom, ele não gosta. Roberto Jefferson não perdoa o ex-ministro José Dirceu (PT-SP): - O PT não tem projeto de governo. Eu quero dizer o PT, esse Campo Majoritário e essa cúpula que assaltou o Brasil. Rato magro, hein? Quem nunca comeu mel quando come se lambuza. Rato magro. PC Farias é aprendiz de feiticeiro ante essa gente que assaltou o Brasil. Rato magro. Mas eu nunca bati no peito para dizer que eu sou o paladino da ética e o campeão olímpico da moralidade. Todo fariseu e farsante emprega culpa ao adversário como se fosse um biombo para esconder os seus defeitos. - O presidente escolheu o ministro José Dirceu como uma espécie de Jeany Mary Corner, o rufião do Planalto, para alugar prostitutas, algo que ele entendia poder fazer na Câmara dos Deputados. Tratou esta Casa como se fôssemos um prostíbulo. O empresário Sebastião Buani apresenta prova contra o presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti (PP-PE). Entrega à Polícia Federal cópia de um cheque de R$ 7.500, em nome de Gabriela Kênia Martins, secretária de Severino. O dinheiro foi sacado em 30 de julho de 2002 e é indício de extorsão, crime de concussão praticado pelo deputado. Diz Buani: - Este cheque foi entregue ao deputado no restaurante. Ele ia quase diariamente almoçar e ali dava o aperto. “Não esquece que hoje nós temos uns compromissos, não vai me deixar na mão”. Ele sempre dava um toque. Não deixa de ser um arrocho. Naquele mês, período de férias no Congresso, o empresário alegou dificuldades para repassar o combinado a Severino, em razão do baixo movimento. Severino não quis saber. Falou assim, segundo Sebastião Buani: 167 - Você tira da sua conta na Suíça. Na Polícia Federal, a secretária Gabriela Kênia Martins confirma o saque de R$ 7.500. E, como última tentativa de livrar Severino Cavalcanti, apresenta versão de que o dinheiro foi doação de Sebastião Buani ao próprio filho do deputado, Severino Cavalcanti Ferreira Júnior, morto depois em acidente de trânsito. Naquele ano, ele disputava uma vaga de deputado na Assembléia Legislativa de Pernambuco. Sebastião Buani nega. Na hoste do PT, o líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), comenta a situação: - Severino não aceita a hipótese de não trabalhar para esclarecer a verdade. A frase é enrolada mesmo. Leia assim: Severino rejeita a hipótese de esclarecer a verdade. A verdade, do mesmo dia 30 de julho de 2002: a secretária Gabriela Kênia Martins transferiu R$ 6.800 para a conta de Severino, após fazer a retirada dos R$ 7.500. Severino Cavalcanti pegou dinheiro de Sebastião Buani. O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Nelson Jobim, concede liminar e impede o Conselho de Ética da Câmara de abrir processos contra seis deputados do PT, todos acusados de envolvimento no escândalo do mensalão. Nelson Jobim argumenta que os parlamentares não tiveram o direito a defesa prévia. Na prática, a decisão dá mais tempo para os deputados renunciarem aos mandatos, a fim de preservarem os direitos políticos. Os beneficiados: Paulo Rocha (PA), Josias Gomes (BA), João Magno (MG), João Paulo Cunha (SP), Professor Luizinho (SP) e José Mentor (SP). A boa notícia se espalha e, sem perder tempo, outros deputados mensaleiros também entram com o mesmo mandado no STF. São eles: José Dirceu (PT-SP), José Janene (PPPR), Pedro Corrêa (PP-PE), Pedro Henry (PP-MT), Vadão Gomes (PP-SP), José Borba (PMDB-PR) e Wanderval Santos (PL-SP). Com base na liminar do STF, a Mesa Diretora da Câmara decide dar mais tempo para a defesa dos deputados acusados. Adia por cinco sessões a abertura dos processos de cassação. No segundo mandato de Lula, Nelson Jobim (PMDB-RS) será nomeado ministro da Defesa. Em depoimento à CPI do Mensalão, o presidente do PP, deputado Pedro Corrêa (PE), afirma que o chefe de gabinete da liderança do partido, João Cláudio Genu, sacou apenas R$ 700 mil das contas de Marcos Valério. Segundo Valério, João Cláudio Genu recebeu R$ 4,1 milhões, entre setembro de 2003 e julho de 2004. Diz Pedro Corrêa: - Nenhum outro saque feito por Genu nas agências do Banco Rural era do conhecimento do partido, nem foi autorizado pelo partido. Se houve saque, o dinheiro foi para pessoas que eu não conheço. O dinheiro, pelo jeito, sumiu. Explicação de Corrêa para os R$ 700 mil: - O Genu foi duas vezes ao Banco Rural sacar dinheiro para pagar os serviços do advogado Paulo Goyaz, que defendeu o deputado Ronivon Santiago em 36 ações. Ronivon Santiago (PP-AC) ficou famoso com a confissão de que vendera por R$ 200 mil o voto a favor da emenda da reeleição, o que permitiu ao então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) concorrer novamente ao Palácio do Planalto, em 1998. 168 Pedro Corrêa, por sua vez, informa que os tais R$ 700 mil do valerioduto não tiveram registro na contabilidade do partido. Nem quitaram dívidas de campanha eleitoral, como se vê. De Pedro Corrêa: - Não foi contabilizado porque o PT não esclareceu quem era o doador. 125 15 /9/2005 Relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) entregue à CPI dos Correios aponta “irregularidades graves” em 15 de 54 contratos dos Correios. A auditoria encontrou indícios de favorecimento à empresa Novadata, do empresário Mauro Dutra, o “Maurinho”, amigo do presidente Lula, no valor de R$ 3,4 milhões. O consórcio Alpha, do qual a Novadata também faz parte, teria sido beneficiado irregularmente com R$ 5,5 milhões. Há indícios de superfaturamento de R$ 53 milhões no contrato com a Skymaster, responsável pelo transporte de cargas para os Correios, e de irregularidades na compra de 1.500 cofres da empresa Conan, com pagamento indevido de R$ 4,8 milhões. A SMPB, de Marcos Valério, foi apontada por cometer sete infrações no contrato com os Correios. Entre elas, recebimento de comissões sem a prestação de serviços, superfaturamento na aquisição de bens e prestação de serviços e subcontratações sem justificativas contratuais. 129 19/9/2005 Lula reúne-se a portas fechadas com o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE). A conversa leva uma hora. O Palácio do Planalto não permite que a reunião seja fotografada. Severino entrou pela garagem, para evitar ser visto em pú- blico. Do que transpira do encontro, Severino Cavalcanti recebeu garantias do presidente de que o ministro das Cidades, Márcio Fortes (PP-RJ), será mantido no cargo. A indicação de Severino continuará valendo durante o segundo mandato de Lula. O presidente da Câmara vai renunciar. Da mesma forma que Márcio Fortes, José Maurí- cio Valadão Cavalcanti, filho de Severino, permanecerá no posto de superintendente federal de Agricultura em Pernambuco. Continuarão empregados em cargos de confiança na Câmara, ainda, os seguintes parentes de Severino: Olga Maria, nora; Catharina, filha; Marlene Cavalcanti, irmã; e Rafaella, neta. Todas com vencimentos entre R$ 1.600 e R$ 7.500. O TCU (Tribunal de Contas da União) divulga resultado de auditoria que apontou indí- cios de lucros excessivos por parte da GDK, a empresa contratada pela Petrobras que ficou famosa ao dar um jipe Land Rover de presente ao ex-secretário-geral do PT, Silvio Pereira. Auditores do TCM encontraram indícios de superfaturamento de R$ 7,2 milhões, e sobrepreços de outros R$ 48,9 milhões. O suspeito “lucro excessivo” também foi obtido por despesas financeiras em duplicidade, direcionamento de licitação e falhas na elaboração de orçamentos em dois contratos de R$ 160 milhões. 130 20/9/2005 Em depoimento conjunto às CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos, o doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o “Toninho da Barcelona”, acusa conluio entre a 169 corretora Bônus-Banval, Marcos Valério, PT e PP. Condenado a 25 anos por lavagem de dinheiro, Toninho da Barcelona chega à sessão algemado e protegido por forte esquema de segurança. Ele levanta dúvidas sobre os empréstimos que Marcos Valério e Delúbio Soares dizem ter tomado nos bancos Rural e BMG. Diz o doleiro: - Esse tipo de operação é comum nos casos em que as partes interessadas desejam esquentar dinheiro de origem ilícita. Para Toninho da Barcelona, os empréstimos seriam uma forma de “esquentar” o dinheiro que Marcos Valério e o PT já dispunham no exterior. O montante teria ingressado no Brasil pelo Trade Link Bank, um braço do Banco Rural que faz operações com empresas offshore. Toninho da Barcelona afirma que Dario Messer, “o principal doleiro do PT”, enviava a moeda norte-americana do Panamá. A Barcelona Tour trocava os dólares por reais e entregava os valores convertidos à Bônus-Banval, cujo dono, Enivaldo Quadrado, era “amigo íntimo” do deputado José Dirceu. A corretora transferia o dinheiro para pessoas indicadas pelo PT e pelo PP, principalmente ao deputado José Janene (PP-PR). Toninho da Barcelona afirma ter trocado US$ 2 milhões, a pedido de Dario Messer, entre 3 de setembro e 9 de outubro de 2002. Era o auge da campanha que elegeu Lula. A bolada, convertida em reais, rendeu cerca de R$ 7 milhões. Diz o doleiro: - Esse dinheiro teve como destino a Bônus-Banval. Toninho da Barcelona levanta suspeita contra o deputado José Mentor (PT-SP), relator da CPI do Banestado, que não o chamou para ser ouvido pela comissão. Os doleiros Dario Messer e Vivaldo Alves, o “Birigui”, tampouco prestaram depoimento. Para Toninho da Barcelona, José Mentor procurou proteger o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (PPSP), em troca do apoio dele a Marta Suplicy (PT-SP), que disputava o segundo turno da reeleição à Prefeitura de São Paulo, em 2004: - O Mentor sabia que eu podia citar o Birigui como operador do Maluf, e aí as coisas poderiam se complicar. O deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) também é citado pelo doleiro. Toninho da Barcelona afirma que trocou dólares para Marcos, filho de Devanir, então vereador em São Paulo. As operações ocorreram entre julho e setembro de 2002. Na sessão, Devanir procura intimidar o doleiro, ameaçando processá-lo. Em resposta, Toninho da Barcelona enumera repasses feitos ao filho Marcos: US$ 30 mil em 10 de julho, US$ 25 mil em 17 de julho, US$ 20 mil em 5 de agosto, US$ 8,5 mil em 9 de agosto, US$ 10 mil em 10 de agosto e US$ 35 mil em 30 de setembro. Total: US$ 128,5 mil. Parte do depoimento de Toninho da Barcelona é fechada ao público e restrita a apenas cinco parlamentares. O doleiro relata o que ouviu do doleiro Najun Turner, com quem ele estava preso na mesma cela. Os representantes do povo ouvem que o PT teria entregado R$ 8 milhões ao deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), em troca do seu apoio ao governo Lula. Segundo o doleiro, a quantia foi paga nos meses de março e abril de 2005, após a eleição de Severino Cavalcanti à presidência da Câmara dos Deputados. De fato, o deputado foi eleito pela oposição, que pretendia derrotar Lula ao vencer o governista Luiz Eduardo 170 Greenhalgh (PT-SP), candidato do Palácio do Planalto a dirigir o Legislativo. Depois, porém, Severino bandeou-se para o lado do presidente da República. Toninho da Barcelona diz que foram dois depósitos para Severino: um de R$ 5 milhões, providenciado pelo esquema de Marcos Valério, e outro de R$ 3 milhões, intermediado por Dario Messer. O dinheiro teria sido repassado ao deputado José Janene (PP-PR). O doleiro abordou o esquema de corrupção em Santo André (SP). Segundo Toninho da Barcelona, o dinheiro proveniente da propina paga por empresas de ônibus era depositado num banco nos Estados Unidos. 131 21/9/2005 Renuncia o presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti (PP-PE). Ao abrir mão do mandato, evita a inelegibilidade até 2015, em caso de cassação. “Voltarei. O povo me absolverá”, diz ele, adaptando o título do livro de Fidel Castro, A História me Absolverá. Severino anuncia que disputaria as eleições de 2006. De fato, ele iria concorrer, mas não se elegeria deputado. Em 2008, seria eleito prefeito de João Alfredo (PE). No discurso de despedida da Câmara, Severino ataca os jornalistas: - Sempre defendi a liberdade de imprensa. Mas, em nosso País, liberdade de imprensa tem sido a porta aberta para suspeitas sem comprovação, para acusações sem provas, para a destruição de reputações. Liberdade de imprensa, sim, mas o rigor da lei para os que enxovalham sem qualquer limite a honra e a dignidade alheias. Das galerias da Câmara, os estudantes gritam: - Vai embora, Severino, seu corrupto! Seguranças entram em ação para esvaziar o recinto. Os estudantes, em coro: - É mensalinho, é mensalão, queremos verbas para a Educação! E mais, em ritmo de chacota: - Congresso do mensalão, não vai prender nenhum ladrão! Em depoimento à CPI dos Bingos, Jorge Luiz Dias, funcionário da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, acusa o ex-deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ), que renunciou ao mandato para evitar a cassação. É o caso do “mensalinho invertido”. Segundo ele, Carlos Rodrigues, um ex-bispo e ex-coordenador político da Igreja Universal do Reino de Deus, exigia de R$ 10 mil a R$ 15 mil mensais, de 22 deputados federais e 29 estaduais, em troca de apoio. Funcionários dos deputados também eram obrigados a contribuir. Jorge Luiz Dias diz que Carlos Rodrigues faturava uma média de R$ 630 mil por mês. Presente à sessão, Carlos Rodrigues nega as acusações, mas admite a força da Igreja Universal nas eleições: - Um político com apoio da igreja salta do carro e tem 2 mil, 5 mil pessoas que dizem amém. O pastor diz: “Este é meu candidato, quero que vocês votem nele. Não quero só seu voto, mas os de sua família, seu pai, sua mãe, seu irmão, empregado e de seu patrão”. Todos levantam a mão. De acordo com Jorge Luiz Dias, Waldomiro Diniz e Carlos Rodrigues montaram um esquema de corrupção na Loterj, a estatal que administra as loterias no Governo do Rio. O 171 esquema funcionava em conjunto com agências de publicidade e casas de bingo. Uma das agências, a JOB Niterói, teria recebido R$ 134 mil por mês, durante um ano, para colar cartazes do jogo da raspadinha nas ruas. Parte do dinheiro, porém, voltava para o esquema. Jorge Luiz Dias confessa ter entregado o dinheiro a Carlos Rodrigues: - Eu pegava os cheques, sacava e entregava o dinheiro na mão dele. Durante o período em que Waldomiro Diniz presidiu a Loterj, os gastos da estatal fluminense com publicidade subiram de R$ 7,5 milhões para R$ 17,1 milhões, e chegaram a comprometer 34% da arrecadação da estatal. Em troca da autorização para abrir 13 casas de bingo, por sua vez, a dupla Waldomiro/Carlos Rodrigues teria recebido propina de R$ 1 milhão por mês. A CPI dos Correios divulga relatório que aponta perdas de R$ 9 milhões em seis fundos de pensão, em decorrência de operações de compra e venda de títulos públicos. Suspeita-se que os prejuízos foram intencionais e têm relação com dinheiro do caixa 2 do PT. As operações com saldos negativos estão concentradas em 12 corretoras. Entre elas, a Bônus-Banval, envolvida no escândalo do mensalão. Operações com a Bônus-Banval deram prejuízos de R$ 708 mil ao Geap, o fundo dos funcionários públicos federais. O maior prejuízo detectado é da ordem de R$ 4,4 milhões e atingiu o Serpros, o fundo dos funcionários da estatal de processamento de dados. O segundo maior é o do Geap, com perdas atualizadas de R$ 2,2 milhões. E em terceiro lugar no ranking dos maus investimentos aparece o Portus, dos funcionários portuários, com perdas estimadas agora em R$ 846 mil. O TCU (Tribunal de Contas da União) divulga os resultados de auditoria realizada no contrato da Câmara dos Deputados com a agência de publicidade SMPB. Responsabiliza o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara, por prejuízos de R$ 252 mil aos cofres públicos. O contrato investigado rendeu R$ 21,9 milhões à agência de Marcos Valério. O relatório sugere que Cunha, diretores da Câmara e a SMPB devam ser obrigados a devolver os R$ 252 mil, devidamente corrigidos, pagos à empresa IFT (Ideias, Fatos e Texto), do jornalista Luís Costa Pinto. Subcontratada pela SMPB, a IFT não teria prestado os serviços para os quais foi paga. Outro problema constatado diz respeito a pesquisas de opinião feitas pela Vox Populi, igualmente subcontratada pela SMPB, por R$ 757 mil. Foram incluídas perguntas de cunho político. Usaram dinheiro público para obter uma avaliação sobre o envolvimento do exministro José Dirceu (PT-SP) no caso Waldomiro Diniz, e fizeram perguntas sobre a popularidade do então presidente da Câmara, João Paulo Cunha. Entre as irregularidades listadas, o uso do contrato com a agência de Marcos Valério para executar obras de construção civil nos estúdios da TV Câmara. A prorrogação do contrato entre a Câmara dos Deputados e a SMPB também foi considerada indevida. 132 22/9/2005 Em depoimento ao juiz Paulo Alberto Sarno, da 2ª Vara Federal de São Paulo, o doleiro Vivaldo Alves, o “Birigui”, acusa o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (PP), de 172 ter enviado ilegalmente US$ 161 milhões para os Estados Unidos. Birigui admite ter aberto em 1998 a conta Chanani, no Safra National Bank, em Nova York, mas a sua movimentação seria feita por Maluf. De acordo com o doleiro, a conta foi aberta a pedido de Flávio Maluf, filho do exprefeito. Pai e filho estão presos na carceragem da Polícia Federal em São Paulo há 12 dias. Ambos são acusados de tentar impedir o depoimento de Birigui no processo que investiga Maluf por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão fiscal e formação de quadrilha. Além da conta Chanani, Birigui denuncia a abertura de outras duas contas bancárias no exterior, a pedido de Flávio Maluf. Segundo o doleiro, de uma das contas foram transferidos US$ 5 milhões para o publicitário Duda Mendonça, responsável pela campanha derrotada de Paulo Maluf a governador de São Paulo, em 1998. Conforme o Ministério Público, Paulo Maluf e parentes dele enviaram outros US$ 446 milhões para a Suíça. Os promotores responsáveis pela investigação das atividades do exprefeito afirmam que a origem do dinheiro estaria no desvio de verbas públicas da Prefeitura de São Paulo, de 1993 a 1996, durante a gestão do por ora prisioneiro federal. Paulo Maluf, aliado do presidente Lula, ficaria preso por 41 dias. 134 24/9/2005 A revista Isto É publica entrevista com Soraya Garcia, assessora financeira do PT de Londrina (PR) nas eleições de 2004. Ela trabalhou no comitê de reeleição do prefeito Nedson Micheletti (PT). A reportagem de Luiz Cláudio Cunha trata do esquema de aluguéis de automóveis para a campanha política. Soraya Garcia denuncia 17 notas em nome da Yaktur, empresa de turismo de São Paulo, e da Gtech, multinacional norte-americana envolvida no escândalo da renovação de um contrato de R$ 650 milhões com a Caixa Econômica Federal. Existe suspeita de extorsão e cobrança de propina na assinatura do contrato, crimes nos quais haveria a participação de dois importantes personagens da era Lula, Waldomiro Diniz e Rogério Buratti. Os automóveis foram alugados para uso de assessores da campanha de Micheletti. A coisa enrolou quando um deles, Rafael Silva, ex-presidente da União Londrinense de Estudantes Secundaristas, bateu o carro. Isto É relata: “Em 10 de novembro de 2004, a Avis ligou para Soraya, no PT, cobrando R$ 200 do seguro pela batida leve num pára-lamas do Celta dirigido por Rafael. ‘Eu não sabia dos carros, não eram pagos por mim’. Soraya, então, ligou para a Avis de Curitiba e, lá, informaram que o locador era a Yaktur. Na Yaktur, deram um número de telefone em Brasília para Soraya tratar do problema. Ela ligou e a voz do outro lado respondeu: ‘SMPB, bom dia!’. Exposto o caso, a moça explicou: ‘Meu chefe, o senhor Marcos, não está. Ele viaja muito’, esclareceu, sem citar o nome Marcos Valério. Mas pediu que Soraya ligasse para o gabinete do então deputado Paulo Bernardo na Câmara. ‘Foi com ele que fizemos o negócio. A gente ficou de pagar só o mês, sem cobrir batidas’.” Em outro caso envolvendo a campanha em Londrina, a revista aborda o depoimento do motorista Rogério Bicheri à Polícia Federal. Ele trabalhava para o PT na época e disse ter 173 recolhido dinheiro vivo no apartamento de Zeno Minuzo, um assessor do ex-deputado e ministro do Planejamento de Lula, Paulo Bernardo (PT-PR). Palavras do motorista: - Fui duas vezes lá, em setembro e em outubro de 2004, dirigindo o carro de Fábio Reali, assessor do prefeito. Estacionei e o Fábio voltou com 20 envelopes, todos com nomes de coordenadores e vereadores em campanha. Era coisa de uns R$ 50 mil. Ele botou dois envelopes no porta-luvas, e o resto debaixo do banco. Ele disse que dessa forma, se fôssemos roubados, levariam menos dinheiro. 135 25/9/2005 O jornal Folha de S.Paulo publica entrevista do ex-ministro e deputado José Dirceu (PT-SP), concedida à repórter Mônica Bergamo. Ela pergunta quem são os responsáveis pela crise política. Com a palavra, Dirceu: - Muita gente. Parece que eu fui presidente do PT sete anos sozinho, secretário-geral cinco anos sozinho, né? O PT não foi construído assim. Tem dezenas de dirigentes importantes que hoje são prefeitos, governadores, ministros, deputados e senadores que participaram da construção de toda essa estratégia comigo. - E o presidente. - E o próprio presidente da República. É isso o que eu digo. A responsabilidade é de todos nós. Nós temos que debater isso, num congresso do partido, e fazer o balanço. - O senhor acha que o presidente da República assume a responsabilidade que tem? - Não quero nominar ninguém. O que eu não aceito é prejulgamento, que foi tudo errado, que foi tudo um fracasso, que a política de alianças do PT estava errada. Tudo foi aprovado democraticamente. José Dirceu responde se Lula participou das discussões: - Participou. Todos participaram. Mas eu quero discutir e avaliar. Eu não quero julgar ninguém porque eu não quero que me prejulguem. O que não aceito é a imagem de que eu fiz tudo sozinho e depois apareceu Silvio Pereira, Delúbio Soares e Marcelo Sereno, que são o mal. Então corta esse mal e o PT está salvo. Isso é maniqueísta. E eu não mereço isso. Outro trecho da entrevista: - As pessoas que votaram no PT a vida inteira imaginavam que votavam num partido que tinha práticas diferentes. - Esse é um erro e o PT vai pagar por ele. Nós vamos ter que pedir desculpas ao País. Nós assumimos compromissos na campanha eleitoral com partidos e repassamos recursos. Se fossem da arrecadação oficial do PT, não teria problema nenhum. Como foram recursos de empréstimos tomados num banco e foram repassados fora da prestação de contas, há uma ilegalidade aí que vai ser punida pela Justiça. O próprio deputado indaga à repórter se será julgado pela política de alianças e o programa de governo de Lula. E ele mesmo responde: - Então estão julgando Lula também. Tem de saber qual é o julgamento e qual é o grau de responsabilidade de cada um. - E a responsabilidade política? As pessoas votam no Lula e ele não sabe de nada? É difícil acreditar que ele ignorava tudo. 174 - Não é isso. É que ele não tem responsabilidade. Eu não posso atribuir responsabilidade a ele no grau dele. O Lula tem responsabilidade política porque ele era líder do PT. Mas os graus são diferentes. Não posso atribuir a ele responsabilidade sobre o caixa 2. Aí eu não vou atribuir. - Ele não tem responsabilidade como liderança? - Isso é uma pergunta que tem de ser dirigida a ele. Eu não vou responder por ele. 137 27/9/2005 Investigações da Receita Federal apontam suspeitas sobre o enriquecimento do publicitário Duda Mendonça. Em 2002, ano da eleição de Lula, os bens dele totalizavam R$ 6,8 milhões. Em 2004, chegaram a R$ 13 milhões líquidos, livres de dívidas e obrigações. Apesar do envolvimento de Duda Mendonça no escândalo do mensalão, ele mantém as contas publicitárias federais da Petrobras e do Ministério da Saúde. O empresário Marcos Valério tinha R$ 5 milhões em 2002. Em 2004, no segundo ano do primeiro governo Lula, seu patrimônio chega a R$ 18,5 milhões. A movimentação financeira do empresário também impressiona. Passaram R$ 13 milhões por suas contas bancárias em 2003. A Receita Federal vê indícios de sonegação de impostos de sete envolvidos no escândalo. São os deputados Romeu Queiroz (PTB-MG), Josias Gomes (PT-BA), Paulo Rocha (PTPA), José Janene (PP-PR), Vadão Gomes (PP-SP) e os ex-deputados Valdemar Costa Neto (PL-SP) e Carlos Rodrigues (PL-RJ). Romeu Queiroz declarou renda de R$ 420 mil em 2004, mas movimentou como pessoa física R$ 4,3 milhões, mais de dez vezes os rendimentos informados ao fisco. Josias Gomes declarou renda de R$ 33 mil em 2002. Depois que Lula se tornou presidente, passaram R$ 697 mil pelas contas do deputado em 2003, e R$ 678 mil em 2004. Em dois anos, 20 vezes mais. Valdemar Costa Neto declarou renda de R$ 293 mil em 2002, mas movimentou R$ 827 mil. Carlos Rodrigues informou rendimento de R$ 446 mil, enquanto sua movimentação financeira chegou a R$ 1,8 milhão. A renda de João Paulo Cunha (PT-SP) e da mulher, Márcia Milanésio Cunha, subiu dos R$ 489 mil, declarados em 2002, para R$ 841 mil em 2004. A Receita Federal descobriu mais: o deputado Paulo Fernando dos Santos (AL), presidente do diretório do PT de Alagoas, declarou renda de R$ 80 mil em 2004, mas movimentou R$ 1,3 milhão. O deputado Professor Luizinho (PT-SP) teve acréscimo patrimonial líquido de R$ 477 mil entre 2003 e 2004. O deputado José Janene (PP-PR), estrela do escândalo do mensalão, declarou renda de R$ 565 mil em 2004. A movimentação financeira dele foi de R$ 1 milhão. O deputado Vadão Gomes (PP-SP), outro envolvido no escândalo, declarou renda de R$ 1,2 milhão em 2004. A Receita Federal apurou movimentação de R$ 2,8 milhões. E Jacinto Lamas, tesoureiro do PL, declarou R$ 495 mil em 2004. Movimentou R$ 1,9 milhão. Ligações perigosas. O Jornal Nacional, da TV Globo, noticia as andanças do empresário Arthur Wascheck, tido como o mandante da gravação na qual o alto funcionário dos Correios, Maurício Marinho, aparece recebendo propina de R$ 3 mil. Arthur Wascheck teria feito 175 quatro depósitos, em dinheiro, no total de R$ 26 mil, ao então tesoureiro Delúbio Soares, entre 2003 e 2005. 141 1/10/2005 A revista Época traz à tona mais um jipe misterioso na história do PT. Desta vez, um Mitsubishi Pajero, modelo TR4, que custou R$ 70.500. A reportagem de Matheus Machado relata que até o estouro do escândalo do mensalão o deputado João Paulo Cunha (PTSP) podia ser visto circulando com o carro em Brasília. Quando não estava com Cunha, o veículo ficava guardado na garagem do seu apartamento funcional. Depois, o jipe sumiu. A Polícia Federal descobriu que o Mitsubishi Pajero está em nome de Valdir Pereira Roque, um assessor de João Paulo Cunha lotado na Prefeitura de Osasco (SP), reduto eleitoral de Cunha e onde um aliado dele, Emídio de Souza (PT), foi eleito prefeito em 2004. Chamou a atenção dos federais que R$ 29.500 do valor da compra do Mitsubishi Pajero foram depositados em dinheiro vivo na conta da concessionária que vendeu o automóvel. Os R$ 41 mil restantes vieram da venda de um automóvel EcoSport, modelo 2005, que estava em nome do irmão de Roque, Valmir. Ele também é funcionário da Prefeitura de Osasco, mas tem salário de R$ 1.700 e circula na cidade dirigindo um carro popular. Convocado pela Polícia Federal para dar explicações, João Paulo Cunha disse ter usado o carro “por volta de duas vezes, e sua esposa por algumas vezes”. Sempre a mulher no meio. Cunha não tem ideia do paradeiro do jipe. 142 2/10/2005 O jornal Folha de S.Paulo publica entrevista com o ex-secretário-geral do PT, Silvio Pereira, o “Silvinho”, afastado do cargo depois de ganhar um jipe Land Rover da GDK, empresa contratada da Petrobras. Ele admite ao repórter Leonardo Souza esquema de caixa 2 no PT. Diz Silvio Pereira: - Eu assumo a minha responsabilidade política. A minha responsabilidade não é diferente da de nenhum outro dos 21 membros da executiva nacional do PT. O nível de decisão que eu tinha não era diferente do de nenhum dos 21 membros da executiva nacional do PT. Silvinho evita citar nomes: - Eu assumo a responsabilidade como membro da direção do PT, em que pese a direção do PT ter realmente a noção do que estava acontecendo. Ninguém é hipócrita de achar que não sabia que existia caixa 2. Qual membro da direção do PT não sabia disso? O repórter pergunta se o então presidente do partido, José Genoino (PT-SP), sabia do esquema de caixa 2. Silvinho responde: - Eu pergunto: qual o membro da alta direção do PT que não poderia supor que pudesse existir? Sem dar nomes, o ex-secretário-geral envolve dirigentes de todo o País: - Os 27 Estados bateram à porta do Delúbio. Por que os Estados não assumem isso, pô? Todo mundo pegava no pé do Delúbio para arrumar recursos, todo mundo, todo mundo. Agora ele está lá, sozinho. As pessoas não perguntavam: “Bom, de onde vem esse dinheiro”? 176 Silvinho admite o acordo PT-PTB nas eleições municipais de 2004, pelo qual o partido do presidente Lula ficou de repassar dinheiro de caixa 2 para o partido de Roberto Jefferson. Ele diz que a origem do acordo foi o isolamento de Marta Suplicy (PT-SP), candidata à reeleição na Prefeitura de São Paulo: - O custo político para trazer o PTB e o PL para a campanha da Marta foi alto. O partido cabeça de chapa tem que arcar com todos os custos. 143 3/10/2005 Em entrevista à Folha de S.Paulo, o presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), afirma que o dinheiro alimentador do caixa 2 do PT pode ter tido origem em recursos do próprio partido, mantidos no exterior. Para Delcídio Amaral, existem indícios de que os empréstimos de Marcos Valério eram fictícios: - Você tem várias movimentações. Com o Valério pegando esses empréstimos entre aspas, porque a cada dia nós nos convencemos mais de que essas operações de empréstimo são de fachada. A hipótese, portanto, é de que a história dos empréstimos pode ter sido falseada para justificar uma repatriação de dinheiro: - Você poderia ter contas lá fora e os empréstimos seriam de fachada, empréstimos de você para você mesmo. Uma das razões para os empréstimos terem sido apenas um meio de despistar a origem do dinheiro de caixa 2 é o fato de as operações de crédito não estarem registradas na contabilidade da SMPB, agência de publicidade usada para obter os empréstimos. - Qualquer empresa minimamente séria contabiliza, principalmente operações desse montante. É absolutamente claro que isso era para não se pagar. 145 5/10/2005 A comissão de sindicância da Corregedoria da Câmara dos Deputados recomenda ao Conselho de Ética da Casa a abertura de processo de cassação contra 13 deputados acusados de envolvimento no escândalo do mensalão. São os seguintes: João Paulo Cunha (PT-SP), Professor Luizinho (PT-SP), José Mentor (PT-SP), Paulo Rocha (PT-PA), João Magno (PTMG), Josias Gomes (PT-BA), José Janene (PP-PR), Pedro Corrêa (PP-PE), Vadão Gomes (PP-SP), Pedro Henry (PP-MT), Wanderval Santos (PL-SP), José Borba (PMDB-PR) e Roberto Brant (PFL-MG). Além deles, os deputados José Dirceu (PT-SP), Romeu Queiroz (PTB-MG) e Sandro Mabel (PL-GO) sofrem processo de cassação no Conselho de Ética. A CPI dos Bingos faz acareação entre o advogado Rogério Buratti, o ex-assessor da Casa Civil, Waldomiro Diniz, o empresário de jogos Carlinhos Cachoeira, o diretor da multinacional Gtech, Marcelo Rovai, e o ex-consultor jurídico da Gtech, Enrico Gianelli. Em pauta, a renovação do contrato entre a Caixa Econômica Federal e a Getch, no valor de R$ 650 milhões, efetivado em abril de 2004. A Gtech acusa Rogério Buratti e Waldomiro Diniz de tentarem extorquir R$ 6 milhões da empresa, em troca da renovação. Buratti e 177 Waldomiro, afinados, afirmam que a Gtech tentou suborná-los, oferecendo até R$ 16 milhões de propina pelo mesmo contrato. A sessão é tumultuada e repleta de bate-bocas e xingamentos. Relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) analisou a execução do contrato entre a Caixa e a Gtech, pelo qual a multinacional explorou serviços de loteria, entre abril de 2003 e agosto de 2004. No perí- odo foram pagos R$ 408 milhões à Gtech. O relatório concluiu que, do total, R$ 120 milhões representaram gastos desnecessários, cujos dispêndios não teriam acontecido se a renegociação do contrato fosse feita com rigor. Durante a sessão, Marcelo Rovai afirma que Waldomiro Diniz foi até a Gtech em 1º de abril de 2004, para dizer que o contrato só seria assinado com a contratação de um consultor. Não mencionou o nome de ninguém. No dia seguinte apareceu o consultor Rogério Buratti, que pediu R$ 6 milhões. Rogério Buratti, aos gritos, diz que a afirmação é mentirosa. E garante que Marcelo Rovai lhe ofereceu de R$ 500 mil a R$ 16 milhões, dependendo do que ficasse definido na renovação do contrato, e depois pagou R$ 5 milhões para a empresa MM Consultoria. Reação de Marcelo Rovai: - O senhor recusou R$ 16 milhões? O senhor é tolinho por acaso? O senhor, com a sua biografia, recusou? Quantos ônibus dava para comprar com esse dinheiro? De acordo com informações da CPI, houve mesmo um pagamento à MM Consultoria, no valor de R$ 5 milhões. Pode ter havido também um rateio da bolada entre os grupos do Ministério da Casa Civil, representado por Waldomiro Diniz, e o do Ministério da Fazenda, cujo expoente era Rogério Buratti. De qualquer forma, os R$ 5 milhões teriam sido descontados e transportados da agência bancária em carro-forte. Depoimento à CPI do Mensalão. É de José Luiz Alves, ex-chefe de gabinete do primeiro ministro dos Transportes de Lula, Anderson Adauto (PL-MG), eleito prefeito de Uberaba (MG) em 2004. José Luiz Alves admite ter recebido R$ 200 mil do esquema de Marcos Valério, no Banco Rural. Afirma que o dinheiro foi usado para pagar dívidas da campanha de 2002, quando Anderson Adauto foi candidato a deputado federal. Informações de Valério dão conta de que José Luiz Alves sacou R$ 1 milhão de conta da agência SMPB. Anderson Adauto seria reeleito prefeito de Uberaba em 2008. Em novembro daquele ano, ele chegaria a ser afastado do cargo, em virtude do suposto envolvimento da administração municipal na chamada máfia dos parasitas, um esquema de corrupção em hospitais públicos. O juiz responsável pelo caso decretaria o sequestro dos bens de Anderson Adauto. 146 6/10/2005 Em depoimento à CPI dos Bingos, Bruno Daniel, irmão do prefeito assassinado Celso Daniel (PT), confirma ter ouvido o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho (PT-SP), reconhecer ter levado dinheiro do esquema de corrupção de Santo André (SP) para o PT. Bruno Daniel conta que Gilberto Carvalho, então secretário de Governo de Santo André, pediu para conversar com a família em 26 de janeiro de 2002, após a missa de sétimo dia em memória de Celso Daniel: 178 - Eu e meu irmão ficamos surpresos com a detalhada revelação de Gilberto Carvalho, feita logo após a missa de sétimo dia de Celso Daniel. Ele foi claro: disse que os recursos arrecadados eram enviados ao PT para serem usados no financiamento de campanhas. Era ele quem entregava o dinheiro a José Dirceu. Ele disse que havia momentos de tensão porque carregava o dinheiro, sem segurança, em seu Corsa preto. Em uma só ocasião, entregou R$ 1,2 milhão ao deputado Dirceu. Para o irmão de Celso Daniel, o prefeito foi morto porque não concordou com o destino que vinha sendo dado ao dinheiro desviado da Prefeitura de Santo André. Daniel queria que o dinheiro fosse apenas para o PT, mas estava enriquecendo empresários, políticos e pessoas ligadas à Prefeitura, como o ex-secretário e ex-vereador Klinger Luiz de Oliveira (PT), o empresário Ronan Maria Pinto e o ex-segurança de Celso Daniel, Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, acusado de ser o mandante da morte do prefeito. Diz Bruno Daniel: - Há evidências de que havia na Prefeitura de Santo André um esquema de arrecadação para o PT. Suponho que Celso enveredou naquilo como um mal necessário para viabilizar as atividades do partido e lamentavelmente deu no que deu. O que possivelmente aconteceu é que parcelas desses recursos começaram a ser destinadas para outras finalidades, razão pela qual o Celso resolveu alterar a situação e esta pode ter sido a motivação do crime. Bruno critica o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), para quem o assassinato foi um crime comum. Ele acha que o irmão foi torturado para contar se dispunha de provas do esquema de corrupção. Daniel pode ter sido torturado para fornecer números de senhas que dariam acesso ao dinheiro da propina, provavelmente guardado em contas bancárias no exterior. Diz Bruno: - O povo de nossa cidade não aceita as explicações dadas até o momento, porque são superficiais e contraditórias para um crime que desde o início se revelou complexo. Falamos com outros membros do PT esperando trazer elementos para elucidar o caso. E o que posso afirmar é que poucas pessoas dentro do partido contribuíram para isso. Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, o deputado Romeu Queiroz (PTBMG) admite ter recebido R$ 350 mil de contas bancárias do empresário Marcos Valério. Ele afirma que o dinheiro, doação do PT, foi entregue à direção do PTB. Segundo Romeu Queiroz, dois assessores dele, orientados pelo então tesoureiro Delúbio Soares, sacaram a quantia: - Não botei um centavo no bolso. Presidente do PTB de Minas Gerais, Romeu Queiroz relata que um dos assessores, com receio de transportar as cédulas, “fez a besteira de depositar o dinheiro na minha conta”. O deputado não desconfiou da origem dos recursos: - O PT era sério. 147 7/10/2005 Algumas semanas depois de se dizer traído e pedir desculpas em pronunciamento de televisão pelos erros cometidos pelo PT, Lula reúne 67 dos 83 deputados do PT no Palácio do Planalto. Alguns acusados de envolvimento no escândalo do mensalão estão presentes. Lula lhes presta solidariedade: 179 - Vocês não são corruptos. Vocês cometeram erros, mas não de corrupção. Todos vocês são construtores do PT. E, referindo-se diretamente aos parlamentares acusados: - Vocês são companheiros que não têm nenhuma doença contagiosa, nada que impeça a nossa convivência. Lula mostra-se fortalecido depois da eleição do governista Aldo Rebelo (PC do B-SP) para a presidência da Câmara dos Deputados. Ele substituiu Severino Cavalcanti (PP-PE), que renunciou ao mandato em meio ao caso do mensalinho. Sobre a CPI dos Bingos que fará acareação entre os irmãos de Celso Daniel e seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, Lula diz: - É a CPI do fim do mundo. 149 9/10/2005 O jornal Folha de S.Paulo noticia o resultado de uma investigação da Procuradoria da República no Distrito Federal, sobre uso da máquina pública e tráfico de influência no Ministério da Casa Civil. Os trabalhos foram conduzidos pelo procurador Luciano Sampaio Rolim. Conclusões: Waldomiro Diniz, ex-sub-chefe de Assuntos Parlamentares e um dos principais auxiliares do ex-ministro José Dirceu (PT-SP), organizou reuniões e audiências para José Carlos Becker de Oliveira, o “Zeca Dirceu”, filho de José Dirceu, com pelo menos sete ministros de Estado. Com o poder que lhe foi atribuído, Zeca Dirceu, um funcionário de terceiro escalão do Governo no Paraná, passou a circular em Brasília acompanhado de prefeitos paranaenses, que viajavam à capital federal para se aproveitar da influência do filho do ministro e obter projetos e recursos para suas cidades. Em 2004, Zeca Dirceu foi eleito prefeito de Cruzeiro do Oeste (PR) pelo PT. Graças ao apoio do pai, teriam incluído pleitos de Zeca Dirceu em planilhas para execução orçamentária, algumas vezes de forma cifrada com as iniciais “JCB”. Escrevem os repórteres Eduardo Scolese e Rubens Valente: “Zeca passou a atuar como se fosse um deputado federal, o que lhe garantia publicidade, fotos em capas de jornais e prestígio no interior do Paraná.” E mais: “Na pressa em atender o filho do ministro, funcionários do extinto Ministério da Assistência Social montaram, de forma irregular, processos com datas retroativas, o que provocou o comprometimento de recursos relativos a projetos que nem sequer existiam no Ministério.” Por determinação de Waldomiro Diniz, funcionários da Casa Civil trabalharam para acelerar repasses de interesse de Zeca Dirceu, apresentando-o como “filho do ministro José Dirceu”, e pedindo “atenção especial” para os projetos encaminhados. Zeca Dirceu só precisava telefonar para dizer em quais Ministérios gostaria de ser recebido e as datas das viagens a Brasília. A investigação identificou um tratamento especial concedido pela então chefe de gabinete da ministra da Assistência Social, Benedita da Silva (PT-RJ), Cícera Bezerra de Morais. Os proces- 180 sos relacionados ao filho de José Dirceu eram privilegiados. Trecho do depoimento da funcioná- ria Maria de Fátima Gonçalves, chefe do protocolo do Ministério da Assistência Social: “Em relação aos processos, Cícera chegou a passar pedaços de papel, sem qualquer timbre ou assinatura, indicando o nome do município e o assunto do convênio, para que a depoente desse origem a um processo, sem nenhuma documentação; que isso era feito para que existisse um número de processo que tornasse possível o empenho (reserva de recursos para pagamento); que tais processos eram empenhados e até mesmo publicados sem que tivessem nos autos ao menos uma folha; que, após a publicação, eram providenciados os documentos necessários à instrução do processo, documentos esses que nem sequer existiam no Ministério.” Maria de Fátima Gonçalves narrou que exerceu o cargo de chefe do protocolo por nove anos, mas nunca viu alguém sem mandato com tanto poder sobre a liberação de verbas. - Cheguei a pensar que se tratava do próprio ministro. Procurado pela reportagem do jornal, José Dirceu não se manifestou. 150 10/10/2005 Mais informações sobre o relacionamento entre a direção nacional do PT, o empresário Marcos Valério e os bancos Rural e BMG. O PT e Valério rolaram 30 vezes supostas operações de crédito feitas junto àquelas instituições financeiras. Ao longo de dois anos, os empréstimos não pagos alcançam R$ 100 milhões. Durante o período, foram efetuadas apenas quatro amortizações, num total de R$ 3,6 milhões. Equivalem a cerca de 5% da dívida original, apontada em R$ 63 milhões, em valores corrigidos. De acordo com o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), sub-relator de movimentação financeira da CPI dos Correios, os bancos Rural e BMG mantiveram a política de autorizar a liberação de recursos, mesmo sem a quitação de dívidas anteriores. O deputado aponta o ocorrido em 14 de julho de 2004. Em 24 horas, o BMG rolou supostos empréstimos não pagos pelo PT e por Valério, no valor de R$ 18,1 milhões, e concedeu um novo crédito para a agência SMPB, no valor de R$ 3,5 milhões. Este empréstimo tampouco foi pago. Alguns meses depois, acabou rolado como os outros. Diz Gustavo Fruet: - É estranho negociar sempre, sem nada receber. É o tipo de empréstimo contraído para não ser cobrado. A quebra de sigilos telefônicos revela os caminhos do tráfico de influência nos subterrâ- neos de Brasília. A CPI dos Correios divulga dados de Silvio Pereira, o ex-secretário-geral do PT que nunca ocupou cargo no governo Lula. Ele fez 670 ligações para números telefô- nicos da Presidência da República. E conversou frequentemente com diretores de empresas estatais como Correios, IRB, Furnas, Infraero e Eletronorte, além de falar com Marcos Valério e funcionários das agências de publicidade dele. “Silvinho” recebeu 15 ligações do empresário Armênio Mendes, dono de casas de bingo em Santos (SP). Chamam a atenção, ainda, as 113 ligações telefônicas entre o ex-secretáriogeral do PT e grandes construtoras – 65 dessas conversas com a OAS e 28 com a Odebrecht. Ele também discou para o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). 181 E, por fim, foram identificadas 127 ligações entre Silvinho e Fernando Moura, conhecido como lobista e amigo do ex-ministro José Dirceu (PT-SP). A quebra de sigilos telefônicos detectou ligações entre o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares e André Gustavo Vieira, dono da agência de publicidade Arcos, vencedora de um contrato com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Delúbio Soares também manteve 60 contatos telefônicos com empresas do Grupo TBA, que detêm contratos de informática com os Correios, Caixa Econômica Federal e Eletronorte. O deputado João Magno (PT-MG), por sua vez, um dos mensaleiros sob risco de ter o mandato cassado por receber dinheiro de caixa 2, trocou 67 ligações com Marcos Valério e o sócio dele, Cristiano de Mello Paz. 151 11/10/2005 A Mesa da Câmara dos Deputados aprova a abertura de processos de cassação contra 13 deputados acusados de envolvimento no escândalo do mensalão. Em sessão fechada, o Conselho de Ética da Câmara faz acareação entre a deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) e o deputado Sandro Mabel (PL-GO). Ela o acusa de lhe ter oferecido R$ 30 mil mensais, mais R$ 1 milhão. Em troca, teria de mudar de partido e integrar a base aliada do governo Lula. Ele, cujo mandato corre risco de cassação, nega. Diz Raquel: - O Sandro mente. Ele tem três versões diferentes para o convite que me fez: primeiro, disse que estava atrás de uma educadora com meu perfil. Depois, disse que me convidou a pedido do vice-presidente José Alencar. E fala ainda que eu estava sem espaço no PSDB e pedi para ser convidada a ir para o PL. 156 16/10/2005 O Ministério Público de Goiás abre investigação para apurar eventual crime de sonegação fiscal nas compras de propriedades em Buriti Alegre (GO) pela família de Delúbio Soares. Os pais do ex-tesoureiro do PT aparecem como donos de quatro imóveis com o total de 185 hectares. As aquisições foram feitas entre maio de 2004 e abril de 2005. Num automóvel Omega blindado, recém-adquirido, pelo qual pagou R$ 67 mil, Delúbio Soares comemora o aniversário em Buriti Alegre. Na fazenda registrada em nome do pai, o ex-tesoureiro, protegido por dois seguranças, concede entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Ele faz chacota com o escândalo do mensalão ao conversar com o repórter Expedito Filho: - Nós seremos vitoriosos, não só na Justiça, mas no processo político. É só ter calma. Em três ou quatro anos, tudo será esclarecido e esquecido, e acabará virando piada de salão. 157 17/10/2005 Renunciam os deputados mensaleiros Paulo Rocha (PT-PA) e José Borba (PMDBPR). Eles abrem mão dos mandatos após o STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitar recurso apresentado por deputados do PT. Os parlamentares pretendiam evitar a instauração dos processos de cassação por envolvimento no esquema do mensalão. Ao contrário do que pleiteavam, o STF considerou não ter havido cerceamento ao direito de defesa. 182 As renúncias de Paulo Rocha, acusado de receber R$ 920 mil de Marcos Valério, e de José Borba, a quem foram atribuídos saques de R$ 2,1 milhões, acontecem pouco antes de o Conselho de Ética da Câmara abrir processos contra os deputados acusados de se beneficiarem do esquema de corrupção. Com a manobra, Borba e Rocha mantêm o direito de disputar eleições. Com a instauração dos processos, os outros denunciados não podem mais renunciar para evitar a inelegibilidade até 2015, caso sejam cassados. Já haviam renunciado os deputados Valdemar Costa Neto (PL-SP) e Carlos Rodrigues (PL-RJ). Explicação de José Borba: - O momento não me concederá a oportunidade de apresentação de plena e ampla defesa, equivalendo dizer que estarei, apesar de inocente, submetido a tribunal de exceção, onde subjetividade e arbítrio prevalecerão sobre provas. Explicação de Paulo Rocha: - O Congresso Nacional não assume que, nas investigações, não há mensalão. Há dinheiro de campanha sem estar contabilizado perante os tribunais. Isso é uma coisa que acontece na política brasileira. Paulo Rocha seria eleito novamente deputado federal em 2006. José Borba não, mas se elegeria prefeito da pequena Jandaia do Sul (PR) em 2008. 158 18/10/2005 O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), relator do processo de cassação do deputado José Dirceu (PT-SP), recomenda a perda do mandato do ex-ministro no Conselho de Ética, “como meio de restaurar a dignidade e a credibilidade” da Câmara dos Deputados. Júlio Delgado afirma: - Não é eticamente concebível e muito menos crível que um parlamentar com tamanho poder de decisão e capacidade de articulação em seu partido e no governo, como José Dirceu, tenha permitido que o maior esquema de corrupção do sistema político pelo sistema econômico de que o País tem notícia tenha sido idealizado e praticado por correligionários e pessoas de seu relacionamento, sem que ele soubesse, controlasse e coibisse. Para Júlio Delgado, José Dirceu jamais deixou de ser deputado no período em que foi ministro da Casa Civil. Por isso, pode ser cassado por quebra de decoro parlamentar. O relatório denuncia a aliança política engendrada pelo governo do PT, que “envolvia um esquema de patrocínio de despesas de campanha e de incentivos financeiros”. De acordo com Júlio Delgado, existem “evidências irrefutáveis” para afirmar que “Dirceu tinha poderes para ser o intelectual de todo este esquema ou, pelo menos, poderes suficientes para impedir que tais práticas prosperassem”. Em seu relatório, Júlio Delgado destaca o empréstimo do Banco Rural à ex-mulher de José Dirceu, Ângela Saragoça, e o emprego obtido por ela no BMG, por influência de Marcos Valério. Também cita Roberto Marques, o “Bob”, assessor informal de José Dirceu, que fazia parte da lista de sacadores do valerioduto. O relatório cruza datas de votações importantes na Câmara, com as retiradas de dinheiro do esquema do mensalão. Do relatório: “A maioria dos nomes dos sacadores é de parlamentares ou de pessoas ligadas a eles, e as datas de liberação coincidem com votações de interesse do governo na Câmara. O BMG 183 emprestou ao PT R$ 2,4 milhões, em 17 de fevereiro de 2003, e R$ 40,4 milhões às empresas de Valério, entre 2003 e 2004. Esses R$ 40,4 milhões teriam sido repassados ao partido. Em 20 de fevereiro de 2003, três dias depois do primeiro empréstimo ser concedido, a diretoria do banco teve audiência com o então ministro da Casa Civil. Em 24 de fevereiro de 2003, a SMPB, a empresa de Valério responsável pela maioria dos saques no esquema de caixa 2, fechou a primeira operação financeira com o BMG, no valor de R$ 12 milhões.” A deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) faz pedido de vista, mecanismo pelo qual obtém prazo para analisar o relatório de Júlio Delgado. A votação é adiada. José Dirceu ganha tempo. 161 21/10/2005 Técnicos das CPIs dos Correios e do Mensalão levantam a lógica dos pagamentos do valerioduto ao PL. Há cheques, depósitos em dinheiro e transferências eletrô- nicas, ao longo de vários meses. Em fevereiro de 2003, os repasses ao partido da base aliada de Lula foram de R$ 500 mil semanais, em intervalos de oito dias. Total: R$ 2 milhões. No mês seguinte, depósitos de R$ 300 mil por semana, durante cinco semanas. Total: R$ 1,5 milhão. Em junho daquele ano começou uma operação que funcionou sempre da mesma forma: remessas em três dias consecutivos por semana, perfazendo R$ 200 mil a cada sete dias. O esquema foi até agosto e somou mais R$ 2,4 milhões. Em agosto houve um pagamento avulso, no valor de R$ 100 mil. Total repassado: exatos R$ 6 milhões. Cálculo do deputado Júlio Redecker (PSDB-RS): se a quantia for repartida por 41, número de deputados e senadores do PL na época, o resultado é de R$ 29.268,29 mensais para cada parlamentar, número bem próximo da quantia de R$ 30 mil, apontada por Roberto Jefferson como sendo o valor do mensalão. Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) apura prejuízos de R$ 15,7 milhões em serviços de publicidade contratados pela Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, no período em que o ministro Luiz Gushiken (PT-SP) comandava o órgão. Não há quaisquer documentos que atestem, por exemplo, a produção de 1,2 milhão de revistas e encartes por parte da agência de publicidade Duda Mendonça Associados, pelos quais o governo desembolsou R$ 3 milhões. O relatório do TCU aponta também superfaturamento de 200% em serviços de publicidade, envolvendo a agência Matisse Comunicação e Marketing. As duas agências trabalharam com apenas quatro gráficas e os auditores constataram sobrepreços nos serviços de impressão. A agência de Duda Mendonça apresentou notas fiscais referentes a serviços não executados. A Secom, por sua vez, não dispunha de arquivo com notas fiscais, documentos de remessa de materiais e recibos de entrega do que teria sido produzido pelas duas agências. Mesmo assim, autorizou os pagamentos. 162 22/10/2005 A direção do PT reúne-se em São Paulo e afasta Delúbio Soares do partido. Alega “gestão temerária”. Delúbio diz ter cumprido uma tarefa: 184 - Não traí e não sou um delator. Todos aqui sabem quantas vezes fui procurado por pessoas que me diziam que se não houvesse a contratação de shows com grandes artistas não seria possível ganhar a eleição. Delúbio fez sua defesa por meio de carta endereçada ao PT. Segundo ele, a responsabilidade pelo caixa 2 deveria ser dividida com a direção do PT, pois, como tesoureiro, buscou apenas soluções para problemas que tiveram origem em decisões coletivas. Da carta de Delúbio: “É óbvio, para aqueles que não querem adotar a hipocrisia como razão de viver, que recursos destinados ao pagamento de despesas não-contabilizadas não poderiam ser registrados na contabilidade do partido, independentemente da minha vontade”. Delúbio é irônico: “Respeito a ingenuidade. Não sei, no entanto, de onde imaginavam que o dinheiro viria – se do céu, num carro puxado por renas e conduzido por um senhor vestido de vermelho – e menos ainda me recordo de que alguma preocupação com a origem desses recursos tenha me sido transmitida.” O tesoureiro afirma que o caixa 2 é “prática antiga e habitual no partido, pela qual jamais se viu uma punição”, mas é firme ao proteger Lula. Argumenta que “todos os nossos companheiros candidatos em 2002 e 2004, com exceção do presidente Lula, contaram com recursos não-contabilizados em suas campanhas”. Não é o que vimos. 166 26/10/2005 A CPI dos Bingos promove acareação entre João Francisco Daniel e Bruno Daniel, os dois irmãos de Celso Daniel, e Gilberto Carvalho (PT-SP), chefe de gabinete do presidente Lula. Gilberto Carvalho foi secretário de Governo de Celso Daniel, na Prefeitura de Santo André (SP). Os irmãos acusam-no de admitir, em três ocasiões diferentes, logo após o assassinato do prefeito, que ele mesmo, Gilberto Carvalho, fora responsável pelo transporte de dinheiro da propina de Santo André para o então presidente do PT, José Dirceu (PT-SP). O chefe de gabinete de Lula nega. Diz João Francisco: - Você se esqueceu que, naquele dia em casa, entre um pedaço de bolo de aipim e outro, você não parava de falar? Disse que tinha medo de transportar tanto dinheiro para José Dirceu num Corsa preto? No início da acareação, João Francisco Daniel afirma ter se encontrado com Celso Daniel na véspera do aniversário do prefeito, em 1º de novembro de 2001. O prefeito petista seria assassinado dois meses depois. Naquela ocasião, lembra o irmão, Celso Daniel se disse preocupado: - Ele estava muito triste, com problemas na Prefeitura de Santo André, e me disse: “Eu só gostaria de dizer que estou fazendo um dossiê contra Klinger, Ronan e Sérgio”. Aquela declaração dele me deixou preocupado. João Francisco Daniel volta a acusar Gilberto Carvalho. Refere-se também a Ronan Maria Pinto, empresário acusado de integrar o esquema de corrupção: - Sinto que o senhor sofre, que sua alma está aprisionada. Em Santo André o senhor fazia a ligação entre a quadrilha formada por Klinger Luiz de Oliveira, Ronan Maria Pinto e Sérgio Gomes da Silva, com a cúpula do PT. 185 Agora, o áspero diálogo entre Bruno Daniel e Gilberto Carvalho, a começar com o irmão de Celso Daniel: - Celso considerava que operar um esquema para financiar campanha era um mal necessário. - Não posso aceitar que se fale que Celso praticava corrupção, porque ele não está aqui para se defender. - Há evidências fortes de que havia um esquema de arrecadação de recursos para financiamento de campanhas do PT. Um exemplo disso é o depoimento da antiga empregada de Celso, que relata a existência de recursos no apartamento dele. - O que me espanta é a distância que vocês tinham do seu irmão. Pelo amor de Deus, como acreditar no depoimento da empregada? Durante a sessão da CPI dos Bingos, a leitura de trechos de 42 fitas com escutas telefô- nicas gravadas após a morte de Celso Daniel. Num diálogo entre o ex-vereador Klinger Luiz de Oliveira (PT) e Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, o primeiro diz que Gilberto Carvalho vai indicar um advogado criminalista para defender Sombra. Em outra conversa, o chefe de gabinete de Lula diz a Klinger Luiz de Oliveira: - Ontem, tive uma conversa com o Zé Dirceu... O partido vai entrar meio pesado. Em seguida, Gilberto Carvalho faz relato a Sombra: - Marcamos para as 6 horas na casa do Zé Dirceu. Teremos uma conversa. Conversaremos sobre a nossa tática dessa semana. Vamos ter de ir para a contra-ofensiva. O deputado Josias Quintal (PSB-RJ), relator do processo do deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), um dos acusados de envolvimento no escândalo do mensalão, recomenda a cassação do parlamentar ao Conselho de Ética da Câmara. Assessores de Romeu Queiroz, que é presidente do PTB de Minas Gerais, sacaram R$ 350 mil da agência SMPB de Marcos Valério, quantia supostamente repassada a candidatos do PTB nas eleições municipais de 2004. Outros R$ 102 mil teriam sido oriundos da siderúrgica Usiminas, mas tampouco foram registrados como contribuição de campanha à Justiça Eleitoral. Trecho do parecer de Josias Quintal: “A participação do representado nas supramencionadas operações irregulares de repasse de verbas eleitorais e partidárias, mesmo que não realizadas no âmbito do Congresso Nacional, mostra-se suficiente para expor o Legislativo ao descrédito perante uma população já profundamente indignada com a dimensão do escândalo que se desvela e envolve diversos partidos políticos.” 167 27/10/2005 A CPI do Mensalão promove acareação entre distribuidores e sacadores de dinheiro do caixa 2 do PT. O ex-tesoureiro Delúbio Soares mostra-se afinado com o empresário Marcos Valério. Mas não há entendimento. Os números do valerioduto, de R$ 55,8 milhões, não batem. Delúbio diz ter autorizado R$ 12 milhões para o PL. Valério afirma que repassou R$ 10,8 milhões. Valdemar Costa Neto, o presidente do partido, garante que recebeu apenas R$ 6,5 186 milhões, e insiste: usou todo o dinheiro para pagar despesas de campanha do segundo turno da eleição de Lula e José Alencar (PL-MG), em 2002. Mas não apresenta qualquer comprovante: - Ainda não tenho os recibos. Delúbio declara que autorizou R$ 8 milhões para o PP, sendo R$ 4,5 milhões para o assessor João Cláudio Genu ou pessoas diretamente autorizadas pelo líder do partido, deputado José Janene (PR). Outros R$ 3,5 milhões foram para o deputado Vadão Gomes (PPSP). Marcos Valério afirma ter repassado R$ 4,1 milhões ao PP. Simone Vasconcelos, diretora financeira da SMPB, fala na entrega de R$ 1,6 milhão a João Cláudio Genu. Ele, por sua vez, diz que recebeu apenas R$ 700 mil. Emerson Palmieri, o tesoureiro informal do PTB, reafirma que Marcos Valério entregou R$ 4 milhões ao presidente do partido, Roberto Jefferson (RJ), em duas remessas. E dá os detalhes de como separou o dinheiro em pacotes de R$ 150 mil e R$ 200 mil, mas não sabe o destino do dinheiro, que ficou a cargo de Roberto Jefferson. Marcos Valério nega. Diz que jamais entregou qualquer quantia a Roberto Jefferson. Emerson Palmieri ironiza: - Valério não entregou, Delúbio não entregou, José Dirceu não entregou, José Genoino não entregou. Roberto foi cassado por um crime que não existiu. 169 29/10/2005 A revista Veja denuncia um novo escândalo: o PT teria recebido dólares provenientes de Cuba. O dinheiro norte-americano chegou acondicionado em caixas de bebida. De acordo com o repórter Policarpo Junior, o comitê eleitoral de Lula pôs a mão, entre agosto e setembro de 2002, em US$ 3 milhões. O dinheiro foi entregue pelo cubano Sérgio Cervantes, conselheiro político da embaixada de Cuba no Brasil, e depois levado para Campinas (SP) escondido em duas caixas de uísque e uma de rum cubano, num avião Seneca. Vladimir Poleto, assessor do então prefeito Antonio Palocci (PT) em Ribeirão Preto (SP), estava com o dinheiro no avião. Os dólares foram apanhados no aeroporto por Ralf Barquete, outro auxiliar de Antonio Palocci na Prefeitura de Ribeirão. De lá, a quantia foi transportada num automóvel Omega blindado, conduzido pelo motorista Éder Eustáquio Macedo, para o comitê de Lula no bairro de Vila Mariana, em São Paulo. Aos cuidados de Delúbio Soares. A revista obteve detalhes da história com o advogado Rogério Buratti, ex-secretário Palocci em Ribeirão. O relato: “Buratti não queria falar sobre o assunto, mas não se furtou a confirmar o que sabia. ‘Fui consultado por Ralf Barquete, a pedido do Palocci, sobre como fazer para trazer US$ 3 milhões de Cuba’, disse Buratti.” Ralf Barquete morreu em 2004, vítima de câncer. Da reportagem: “Buratti sugeriu internar o dinheiro cubano pela via que lhe parecia mais fácil. ‘Disse que poderia ser através de doleiros’. O advogado relata que, depois disso, não teve mais contato com o assunto, mas dias depois foi informado de seu desfecho. ‘Sei que o dinheiro veio, mas não sei como’. As declarações de Buratti foram gravadas com seu consentimento”. A revista Veja também entrevistou o economista Vladimir Poleto: “A conversa estendeu-se das 10 da noite até as 3 da madrugada. Poleto, apesar da longa duração do contato, ficou assustado a maior parte do tempo. ‘Essa história pode derrubar o 187 governo’, disse ele mais de uma vez, sempre passando as mãos pela cabeça, em sinal de nervosismo e preocupação. No decorrer da entrevista, no entanto, Poleto confessou que ele mesmo transportou o dinheiro de Brasília a Campinas, voando como passageiro em um aparelho Seneca em que estavam apenas o piloto e ele. Fez questão de ressalvar que, na ocasião, não sabia que levava dinheiro. Achava que era bebida. ‘Eu peguei um avião de Brasília com destino a São Paulo com três caixas de bebida’, disse. ‘Depois do acontecimento, fiquei sabendo que tinha dinheiro dentro de uma das caixas’, completou, acrescentando: ‘Quem me disse isso foi o Ralf Barquete. O valor era US$ 1,4 milhão’.” Vladimir Poleto contou que recebeu orientação para embarcar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no avião emprestado por José Roberto Colnaghi, empresário e amigo de Palocci. Em Brasília, foi levado numa van até o apartamento em que recebeu do cubano as três caixas de “bebida”, lacradas com fitas adesivas. A reportagem relata que ele deveria voar de volta para Congonhas, mas o mau tempo obrigou o piloto a descer em Viracopos. Ralf Barquete estava no Omega blindado dirigido por Éder Eustáquio Macedo, nomeado depois funcionário do Ministério da Fazenda, no Rio de Janeiro. O motorista pôs as caixas no porta-malas e levou-as a Delúbio. Ele confirmou ter feito o serviço, mas recusouse a falar novamente com a revista. O Omega blindado pertencia à locadora de Roberto Carlos Kurzweil, empresário de Ribeirão Preto. O comitê eleitoral do PT o alugara. O motorista Eder Eustáquio Macedo era funcionário de Roberto Carlos Kurzweil e fora cedido ao PT. O repórter informa que o cubano Sérgio Cervantes é um velho conhecido de Lula e do ex-ministro José Dirceu (PT-SP). Sérgio Cervantes sairia do Brasil sem problemas, dois dias depois de publicada a reportagem. O empresário Roberto Carlos Kurzweil é dono da empresa Rek. Fez parte de consórcio que venceu em 1995 uma licitação suspeita de R$ 400 milhões, para implantar e operar, durante 15 anos, serviço de tratamento de esgotos em Ribeirão Preto. O negócio ocorreu na primeira administração do prefeito Antonio Palocci. Os prazos estabelecidos no contrato não foram cumpridos. Vladimir Poleto tentou negar a entrevista: “Ele despachou um e-mail à revista pedindo para que não se fizesse ‘uso do conteúdo’ da conversa. Ali, sugere que não autorizou a gravação do diálogo e dá a entender que, diante de ‘diversos copos de chope’, pode ter caído involuntariamente no ‘exacerbamento de posicionamentos’. Veja respondeu o email, indagando as razões que o teriam levado a uma mudança tão radical de postura, mas Poleto não respondeu. Por essa razão, a revista mantém, no corpo desta reportagem, os termos do acordo selado com o entrevistado, que autorizou a publicação do conteúdo da conversa e a revelação de sua identidade. Houve, inclusive, uma gravação da entrevista, também devidamente autorizada por Poleto. A gravação, com sete minutos de duração, resume, na voz dele, os trechos mais importantes das revelações que fez em cinco horas de conversa no Plaza Inn. A tentativa de recuo de Poleto é uma expressão do peso da verdade”. A revista Isto É lista valores repassados pelo empresário Marcos Valério a pessoas indicadas pelo tesoureiro Delúbio Soares. Um irmão do próprio Delúbio, identificado como 188 Carlos, aparece como beneficiário de R$ 260 mil. E o ex-presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), como recebedor de R$ 200 mil, e não apenas os R$ 50 mil apontados anteriormente. Como se sabe, João Paulo Cunha, num primeiro momento, negou o saque e justificou a presença de sua mulher no Banco Rural do Brasília Shopping alegando que ela se deslocara até a agência a fim de resolver um problema com a conta de sua TV a cabo. Depois, admitiu uma retirada de R$ 50 mil, que foi feita por ela, mas apenas para pagar compromissos da campanha eleitoral de 2004. Simone Vasconcelos, a diretora da SMPB, já havia feito referência aos R$ 200 mil, ao mencionar dinheiro sacado por João Paulo Cunha. Agora, os R$ 200 mil surgem novamente. A CPI dos Correios identificou 129 telefonemas entre João Paulo Cunha e as empresas de Marcos Valério, num período de menos de cinco meses, em 2003. Os dados mostram que o telefone celular usado pela SMPB para contatar o tesoureiro do PL, Jacinto Lamas, nas datas dos repasses de dinheiro àquele partido, é o mesmo aparelho usado 53 vezes em ligações para o celular de João Paulo Cunha. O deputado não quis comentar. 172 1/11/2005 O Conselho de Ética da Câmara aprova por unanimidade o arquivamento da acusação contra o líder do PL, deputado Sandro Mabel (GO). De acordo com os 14 deputados que julgaram a ação, não há provas do envolvimento de Sandro Mabel no escândalo do mensalão. Ele foi denunciado por Roberto Jefferson por participar do esquema de pagamentos ilegais de Delúbio Soares e Marcos Valério. Sandro Mabel também foi acusado de tentar comprar o apoio da deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) por R$ 30 mil mensais, e oferecer-lhe mais um pagamento de R$ 1 milhão. Em troca, ela deveria integrar a base aliada do governo Lula. 174 3/11/2005 A conexão Banco do Brasil e o caso Visanet. A CPI dos Correios anuncia ter desvendado a origem de pelo menos R$ 10 milhões do dinheiro usado no valerioduto, que abasteceu o caixa 2 do PT. É dinheiro público. Em entrevista, o relator da CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), divulga documentos e desmonta a versão de que os supostos empréstimos bancários foram fonte exclusiva dos repasses do PT a parlamentares da base aliada. De acordo com as investigações, a origem do dinheiro vem do adiantamento do pagamento de verbas de publicidade do Banco do Brasil para a divulgação da marca Visanet, uma administradora de cartões de crédito. A Visanet é empresa de direito privado e reúne vários bancos, inclusive o Banco do Brasil. Em operações consideradas atípicas, o Banco do Brasil autorizou, em 2003 e 2004, repasses antecipados à agência de publicidade DNA Propaganda, de Marcos Valério, antes mesmo da aprovação das campanhas publicitárias. A DNA havia sido escolhida, sem licitação, entre todas as agências que atendiam a conta do Banco do Brasil, para cuidar da publicidade da Visanet. 189 Eis o caminho do dinheiro rastreado pela CPI: em 12 de março de 2004, R$ 35 milhões do Banco do Brasil, que haviam sido transferidos para a Visanet, foram depositados em conta bancária da DNA, no próprio Banco do Brasil. Em 15 de março, três dias depois, a DNA aplicou R$ 34,9 milhões desse dinheiro num fundo do Banco do Brasil. Em 22 de abril, após pouco mais de um mês, a DNA transferiu R$ 10 milhões do montante para o BMG. Detalhe: o favorecido pelo depósito é o próprio BMG. Em 26 de abril, quatro dias depois, o BMG empresta a mesma quantia, isto é, R$ 10 milhões, para a empresa Rogério Lanza Tolentino Associados, que tem sociedade com Marcos Valério. O empréstimo, não quitado, é um dos seis listados por Marcos Valério como sendo fonte dos recursos do caixa 2 do PT. A CPI suspeita de outra operação do gênero, ocorrida em 2003, que teria servido para os mesmos fins. É a seguinte: em 19 de maio daquele ano foram repassados R$ 23,3 milhões para conta bancária da DNA no Banco do Brasil. No dia seguinte, a DNA aplicou R$ 23,2 milhões num fundo de investimento do Banco do Brasil. Em 26 de maio, uma semana após a primeira operação, a SMPB Comunicação, outra agência de publicidade de Valério, solicitou R$ 19 milhões emprestados ao Banco Rural. E esses mesmos R$ 19 milhões correspondem a um repasse de Valério ao tesoureiro Delúbio Soares. As investigações da CPI dos Correios apontam que as operações tiveram o envolvimento do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. Ele seria o responsável pela criação do sistema de antecipação dos pagamentos de publicidade para a Visanet. Henrique Pizzolato, militante do PT, foi afastado do Banco do Brasil depois de identificado como beneficiário de um saque de R$ 326 mil das contas de Marcos Valério. Teria usado o dinheiro para comprar um apartamento no Rio de Janeiro. 175 4/11/2005 O piloto Alécio Fongaro afirma ter sido o condutor do avião Seneca da operação Cuba. Ele confirma ter transportado, em julho de 2002, Vladimir Poleto, assessor do então prefeito de Ribeirão Preto (SP), Antonio Palocci (PT), e três caixas de “bebida”. Pilotava a serviço do empresário José Roberto Colnaghi. Diz que, durante a viagem, só conversou com Vladimir Poleto para informar-lhe que, devido ao mau tempo, não poderia aterrissar no aeroporto de Congonhas, conforme o planejado, e teria de voar até Viracopos, em Campinas (SP). Tudo conforme a reportagem da revista Veja. Alécio Fongaro revela que, após o pouso, Vladimir Poleto desceu do avião sem as três caixas, e voltou em alguns minutos para perguntar ao piloto se o Seneca poderia decolar novamente e voar até o aeroporto vizinho de Amarais (SP), uma viagem de apenas sete minutos. Assim foi feito. Ao contrário de Viracopos, Amarais não tem controle de seguran- ça e não é necessário declarar conteúdo de bagagem. Poleto retirou com tranquilidade a preciosa carga e a colocou no Omega blindado que já o esperava. O piloto nunca mais o viu. O empresário José Roberto Colnaghi informa por meio de nota ter cedido por empréstimo, em 31 de julho de 2002, o avião Seneca de sua propriedade, citado na reportagem da revista Veja. Ele se exime de qualquer responsabilidade. Afirma apenas ter autorizado o uso da aeronave. Desconhece se o aparelho serviu para transportar dólares vindos de Cuba para 190 abastecer a campanha de Lula. José Roberto Colnaghi é amigo do ministro Antonio Palocci (PT-SP), que usou várias vezes aviões do empresário, inclusive durante o primeiro mandato de Lula. Na campanha eleitoral de 2002, Palocci usou um avião Citation, também pertencente a José Roberto Colnaghi, para voar com o então presidente do PT, José Dirceu. A Polícia Federal acusa o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) de “criar dificuldades” para o acesso a documentos importantes relacionados às investigações do escândalo do mensalão e às movimentações de dinheiro do publicitário Duda Mendonça no exterior. O DRCI foi criado pelo ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, durante o governo Lula. Para a Polícia Federal, a ação do DRCI causa atrasos e adiamentos nas apurações federais. O relatório da Polícia Federal acusa Wanine Santana Lima, coordenadora do DRCI, de criar restrições à entrega de documentos a policiais brasileiros em Nova York. Ela teria instruído autoridades norte-americanas a não repassar os papéis para a Polícia Federal, com o argumento de que informações sigilosas seriam propositadamente vazadas pelos policiais no Brasil. Diz o relatório: “Enquanto as equipes policiais trabalhavam nas investigações no Brasil e operacionalizavam a ida a Nova York, a representante do DRCI encontrava-se no exterior buscando influenciar autoridades americanas a não repassar informações solicitadas às autoridades de investigação constituídas e legitimadas.” O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados aprova parecer favorável à cassação do mandato de José Dirceu (PT-SP) por envolvimento no escândalo do mensalão. Dos 14 votos, 13 são favoráveis ao relatório do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que recomenda a perda do mandato de José Dirceu. Só a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) vota contra o parecer. A CGU (Controladoria-Geral da União) envia relatório à CPI dos Correios. Aponta prejuízos de R$ 2,5 milhões em contratos de publicidade firmados pelos Correios. Para os auditores, as agências de publicidade geraram despesas “adicionais e desnecessárias” à estatal. A CGU responsabiliza a Secom, Secretaria de Comunicação da Presidência da República, sob o comando do ministro Luiz Gushiken (PT-SP), por montar comissões de licitação a fim de favorecer o empresário Marcos Valério. Contratos de R$ 72 milhões, com as agências SMPB, Link Bagg Propaganda e Giovanni FCB, teriam sido superfaturados. Provocaram perdas de R$ 567 mil. 177 6/11/2005 O jornal O Estado de S. Paulo denuncia que a empresa Soft Micro Tecnologia da Informática, do empresário José Roberto Colnaghi, recebeu R$ 12 milhões do Banco do Brasil por intermédio de contrato sem concorrência pública. O negócio permitiu que José Roberto Colnaghi vendesse programas de computador para 139 prefeituras do Estado de Tocantins. 191 De acordo com o repórter Chico Siqueira, o software da empresa de José Roberto Colnaghi foi vendido a dezenas de outras prefeituras. Uma delas é a de Penápolis (SP), onde Colnaghi mora. O negócio acabou na polícia. A administração municipal pagou R$ 1 milhão para alugar computadores do empresário por dois anos. O TCE (Tribunal de Contas do Estado) constatou que a metade do dinheiro seria suficiente para comprar (e não alugar) um número ainda maior de computadores. O prefeito de Penápolis, José Luís dos Santos (PT), recusouse a cancelar o contrato com Colnaghi. O ex-presidente do PT, José Genoino, confirma ter viajado com o ministro Antonio Palocci (PT-SP) no jatinho de José Roberto Colnaghi, num voo de Brasília a Ribeirão Preto. José Genoino não comenta o uso do avião de propriedade de um empresário contratado pelo Banco do Brasil, por um ministro de Estado: - Fiz uma viagem a convite de Palocci. Não vou emitir opinião sobre isso. Só estou confirmando que fiz a viagem a convite dele. 178 7/11/2005 Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Lula nega que houve pagamento de mensalões no Congresso. “Tenho certeza que não teve essa barbaridade”, afirma o presidente. Em outro trecho da entrevista, Lula defende o deputado José Dirceu (PT-SP), apontado como o grande operador do esquema de pagamento a parlamentares. - Feliz o país que tem um político da magnitude do Zé Dirceu. Lula diz que seria advogado de defesa de José Dirceu: - Qual é a acusação que existe contra o Zé Dirceu? Apesar de Duda Mendonça, marqueteiro da campanha política que elegeu Lula em 2002, ter admitido o recebimento de recursos de caixa 2 no exterior, Lula rechaça o evidente crime eleitoral. Para ele, a prática foi reconhecida apenas pelo “nosso Delúbio”, e tão somente nas eleições municipais de 2004. O presidente da República também defende o filho, Fábio Luís Lula da Silva, o “Lulinha”, cuja empresa recebeu aporte de R$ 5 milhões da Telemar, uma concessionária de serviços públicos: - Todos os contratos são regulares, todos. Nenhum é irregular. Lula não aceita que o ex-prefeito Celso Daniel foi vítima de crime político: - Não acredito no envolvimento do PT no caso Celso Daniel. Em depoimento sigiloso à CPI dos Bingos, testemunha mantida sob sigilo aponta o empresário Roberto Carlos Kurzweil como o intermediário que, em nome do prefeito de Ribeirão Preto (SP), Antonio Palocci (PT), conseguiu uma doação de R$ 1 milhão para a campanha de Lula em 2002. O dinheiro teria sido entregue por dois empresários angolanos, donos de casas de bingo em São Paulo. Roberto Carlos Kurzweil também seria o responsável pelo aluguel de um Omega blindado. O automóvel teria sido usado para transportar dólares vindos de Cuba que haviam sido doados ao PT. O acerto com os dois empresários do jogo teria ocorrido durante um jantar promovido por Roberto Carlos Kurzweil em Ribeirão Preto. Segundo a testemunha, Antonio Palocci, 192 coordenador da campanha de Lula, participou do encontro. O valor da doação é o mesmo que já fora apontado pelo advogado Rogério Buratti. De acordo com a testemunha sigilosa, Ralf Barquete, ex-secretário da Fazenda de Palocci em Ribeirão Preto, ficou encarregado de receber a quantia e entregá-la ao tesoureiro Delúbio Soares. A CPI dos Bingos dispõe de documentos que apontam a suposta drenagem de dinheiro público da Prefeitura de Ribeirão Preto para o caixa 2 do PT. O esquema teria funcionado durante a segunda gestão do prefeito Antonio Palocci, em 2002. A administração municipal fazia medições de serviços de varrição e de coleta de lixo acima do efetivamente realizado, e pagava a mais à empreiteira Leão Leão. O dinheiro voltava depois ao PT, “por fora”. Um “mapa do pagamento de propinas” da Leão Leão, acusada por Rogério Buratti de dar mesada de R$ 50 mil a Antonio Palocci, como veremos detalhadamente depois, é apreendido pelo Ministério Público: os “acertos” em Ribeirão Preto chegavam a R$ 226 mil mensais. Uma das medições suspeitas é a da varrição diária de 48 quilômetros do Bosque Municipal de Ribeirão. Um exagero. A coleta de lixo hospitalar apresentou despesas suspeitas. Em janeiro de 2002, o serviço custou R$ 43 mil. Em março do mesmo ano, pulou para mais de R$ 200 mil. O Ministério Público investiga a saída de recursos da contabilidade da Leão Leão para três empresas que forneciam notas fiscais frias, simulando vendas à Leão Leão. A análise de 331 cheques, cujos valores foram sacados em dinheiro vivo na agência bancária que funciona dentro da Leão Leão, mostrou retiradas de R$ 2,8 milhões feitas pelas três empresas. Os promotores acreditam que o dinheiro era usado para pagar propinas. Eles apuraram que as empresas ficavam com 2% do valor das notas frias. O grosso do dinheiro saiu da Leão Leão em carro-forte. Os números batem: os R$ 2,8 milhões supostamente desviados da Prefeitura de Ribeirão Preto, por meio de vendas fictícias atestadas por notas fiscais frias, em todo o ano de 2002, correspondem a 12 pagamentos mensais de R$ 226 mil, o suposto custo mensal da corrupção na Prefeitura de Palocci. Documentos em poder da CPI dos Correios mostram que a agência DNA Propaganda, de Marcos Valério, usou contrato de publicidade com o Banco do Brasil como garantia para obter empréstimos de R$ 29 milhões junto ao Banco Rural, em benefício das empresas SMPB Comunicação e Graffiti. Depois, de acordo com Valério, o dinheiro foi usado para fazer pagamentos a políticos da base aliada do governo Lula, dentro do esquema de caixa 2. O Banco do Brasil informou desconhecer que a DNA concretizou as operações financeiras dando como garantia contratos com a estatal. Já o Banco Rural alega que o Banco do Brasil foi notificado pela DNA, inclusive para transferir ao Rural os pagamentos decorrentes do contrato de publicidade. A DNA recebeu R$ 150 milhões por meio de contrato com o Banco do Brasil. Seriam referentes a serviços prestados. Mais: a DNA não teria repassado R$ 37,6 milhões ao Banco do Brasil, ao deixar de prestar contas sobre a bonificação de volume, que é obtida com a 193 veiculação de campanhas publicitárias. Com o escândalo do mensalão, o contrato foi rompido. O Banco Rural, por sua vez, alega que não recebeu os empréstimos concedidos. Investigações da CPI dos Correios na Nucleos, o fundo de pensão dos funcionários das estatais de energia nuclear, suspeito de desviar dinheiro para campanhas políticas. O fundo teria tido perdas entre R$ 9,3 milhões e R$ 22,7 milhões, conforme auditoria nas operações feitas com títulos públicos. Em 2004, a rentabilidade média dos fundos foi de 17%. A da Nucleos, de 5,7%. 180 9/11/2005 O senador Delcídio Amaral (PT-MS), presidente da CPI dos Correios, determina o cancelamento do depoimento de Soraya Garcia, assessora financeira do PT de Londrina (PR) durante a campanha de reeleição do prefeito Nedson Micheletti (PT) em 2004. Soraya Garcia envolveu o ex-ministro José Dirceu (PT-SP), o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo (PT-PR), e o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho (PTSP), em operações com caixa 2. Todos teriam participado da movimentação “por fora” de R$ 6,5 milhões na campanha de Nedson Micheletti. Em entrevista ao repórter Leonardo Souza, da Folha de S.Paulo, Soraya Garcia é questionada sobre os R$ 300 mil que Dirceu teria trazido para a campanha de Londrina. Ela faz menção a Augusto Ermetio Dias Júnior, diretor-financeiro de Nedson Micheletti: - Eu estava participando de um evento de confraternização do PT no dia 18 de setembro de 2004, do qual José Dirceu participaria. De quinta para sexta-feira, o Augusto me disse: “Soraya, temos de fazer um evento bem bonito, para agradar o prefeito e o José Dirceu, que está trazendo dinheiro”. - Augusto disse quanto Dirceu estaria trazendo? - Não, ele não disse. Mas na segunda-feira, dia 20 de setembro, ele chegou com R$ 300 mil, em notas de R$ 100, com lacre do Banco do Brasil. Em votação secreta, a Câmara dos Deputados absolve o deputado Sandro Mabel (PLGO), acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. Sandro Mabel obtém 340 votos em sua defesa, contra 108 a favor da cassação do mandato. Há ainda 17 abstenções e 2 votos nulos. Não foram encontradas provas de que Sandro Mabel participou da distribuição de dinheiro do valerioduto, nem de que ofereceu suborno à deputada Raquel Teixeira (PSDBGO) para tentar trazê-la à base aliada do governo Lula. Em depoimento à CPI do Mensalão, Anderson Adauto (PL-MG), ex-ministro dos Transportes do presidente Lula, admite o uso de dinheiro de caixa 2 em todas as campanhas eleitorais das quais participou. Reconhece ter pedido dinheiro a Delúbio Soares a fim de pagar o que alegou ser despesas da campanha de 2002, quando disputou vaga na Câmara dos Deputados. - Eu sabia que poderia muito bem ter resolvido os meus problemas de campanha com os fornecedores do Ministério dos Transportes, mas eu preferi procurar o Delúbio. Sabia que poderia, mas não fiz. Disse mais à CPI: 194 - Nas 11 campanhas que disputei sempre foi assim. Nunca vi uma campanha se fechar da forma que é declarada no Tribunal Superior Eleitoral. A lista de Marcos Valério registra R$ 1 milhão a Anderson Adauto, mas o ex-ministro afirma que recebeu apenas R$ 410 mil. O dinheiro, segundo ele, foi sacado no Banco Rural pelo próprio irmão, Edson Pereira de Almeida, e por seu chefe de gabinete no Ministério dos Transportes, José Luiz Alves. Anderson Adauto nega ter recebido o dinheiro dentro de seu gabinete de ministro, como informou José Luiz Alves à CPI: - Posso ter recebido na rua, mas não no meu gabinete. Da jornalista Dora Kramer, no jornal O Estado de S. Paulo: “Se Anderson Adauto como ministro ‘sabia’ que teria perfeitas condições de usar o posto para desviar parte dos contratos de prestação de serviços em proveito próprio, estava, portanto, informando à CPI que o crime é recorrente, faz parte dos usos e costumes, é praticamente uma prerrogativa de um titular de pasta ministerial.” A jornalista acrescenta: “Ministrada a lição, mestre Adauto saiu dali ileso, posando de vestal por ter aberto mão de tão líquido direito de desviar dinheiro público e ter procurado o tesoureiro de um outro partido para cobrar dele recursos cuja origem, disse, pouco se lhe dava conferir. Fosse dinheiro sujo ou limpo, não era problema dele.” No gabinete do ex-ministro Anderson Adauto teria ocorrido, no segundo semestre de 2003, uma reunião com a presença, além do próprio ministro, do deputado Roberto Jefferson (PTBRJ), de outros dois deputados cujos nomes não foram revelados, e de Delúbio Soares, o onipresente tesoureiro do PT, que levara uma mala de dinheiro para ser dividida entre os presentes. Em outro depoimento à CPI do Mensalão, os deputados ouvem Marcelino Pies, o extesoureiro do PT do Rio Grande do Sul citado na lista de Marcos Valério como beneficiário de R$ 1,2 milhão. Ele admite ter sacado dinheiro do valerioduto, mas garante que o total não passou de R$ 1,05 milhão. Como quase todos, aliás, diz que pôs a mão em menos dinheiro do que lhe foi atribuído. Fica a impressão de que a lógica de os agraciados refutarem os valores totais reservados a eles, uma prática recorrente, deve-se ao fato de embolsarem percentual do bolo. Uma comissão. Propina da propina. No caso do senhor Pies, parte do dinheiro do caixa 2 serviu para pagar despesas do Fórum Social Mundial, segundo ele. O resto segue a mesma ladainha, ou seja, a necessidade de quitar dívidas de campanha. No caso, as dívidas do ex-ministro da Educação do presidente Lula, Tarso Genro (PT-RS), que disputou e perdeu a eleição para governador do Rio Grande do Sul, em 2002. Depois de passar pela presidência do PT, Tarso Genro iria ser nomeado ministro da Justiça, no segundo governo Lula. Depoimento ao Conselho de Ética da Câmara. O deputado Professor Luizinho (PT-SP), acusado de envolvimento no escândalo do mensalão e sujeito a ter o mandato cassado, trata de explicar por que o assessor José Nilson dos Santos recebeu R$ 20 mil do valerioduto em 2003. De Luizinho: 195 - Não tem um centavo dos R$ 20 mil no meu mandato, na minha campanha ou em benefício pessoal. Não teve meu conhecimento, meu envolvimento, minha participação. E não é caixa 2, porque foi para processo do PT. Luizinho quer fazer crer que o repasse foi decorrente de acordo entre o assessor e Delúbio Soares, e o dinheiro não poderia ter sido declarado: - Não há como legalizar dinheiro de pré-campanha. O petista admite ter errado ao não exonerar o assessor: - Dei a ele um prazo para se defender e depois aviso prévio. Só o afastei no mês passado. Eu errei, mas não tem como retroagir. O Conselho de Ética da Câmara recomenda, por 12 votos a 2, a cassação do mandato do deputado Romeu Queiroz (PTB-MG). O caso Visanet. O relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), reage ao contra-ataque de Marcos Valério. Segundo o empresário, não procede a acusação de que ele desviou dinheiro repassado pelo Banco do Brasil para campanhas publicitárias da Visanet, a fim de entregá-lo ao PT. Conforme Valério, ele já dispunha anteriormente de recursos aplicados na mesma conta bancária, com a finalidade de ajudar o PT. De acordo com Serraglio, porém, não havia saldo na conta do Banco do Brasil da qual saíram os R$ 10 milhões, ao contrário das alegações de Valério. O dinheiro, portanto, teria vindo de uma transferência do Banco do Brasil, de R$ 34,9 milhões. Como se sabe, R$ 10 milhões daquela conta do Banco do Brasil foram para o BMG e, dali, houve um depósito no mesmo valor para a Rogério Lanza Tolentino Associados, empresa de um sócio de Valério. E, por fim, a mesma quantia entrou no cômputo dos supostos empréstimos para o PT. Análise feita pela Receita Federal em lote de 2 mil notas fiscais emitidas pela DNA de Marcos Valério chega à CPI dos Correios. As notas, parcialmente queimadas, foram apreendidas pela Polícia Federal na periferia de Belo Horizonte. Entre elas identificou-se um documento fiscal falso, no valor de R$ 6,4 milhões, emitido pela agência de publicidade para a Visanet. A Receita Federal detectou vários problemas na contabilidade da DNA. Os livros com registros de transações da empresa são de 16 de setembro de 2005, quatro meses depois da eclosão do escândalo do mensalão. Não foram encontrados livros contábeis das empresas de Valério, de 1998 a 2002. Desconfia-se que a documentação foi destruída. Na dança dos números, Valério tenta convencer a CPI dos Correios que tem ainda a receber R$ 3,8 milhões da cota do Banco do Brasil relativa ao fundo da Visanet. O Banco do Brasil, ao contrário, alega que a DNA não comprovou gastos de R$ 9,1 milhões, do total de R$ 73,8 milhões repassados antecipadamente para a agência, num período de oito meses. As divergências soam manobra diversionista, para confundir a comissão de inquérito, as autoridades competentes e, principalmente, a opinião pública. O TCU (Tribunal de Contas da União) conclui que os Correios pagaram indevidamente R$ 5,5 milhões ao consórcio contratado para prestar serviços de assistência técnica e fornecer equipamentos de informática às agências da estatal federal. O consórcio é formado pelas 196 empresas Positivo Informática e Novadata. Mauro Dutra, o “Maurinho”, amigo de Lula, é o dono da Novadata. 181 10/11/2005 Relatório parcial da CPI dos Correios solicita o indiciamento da dupla Delúbio Soares e Marcos Valério. Os dois são apontados como operadores de um esquema “acima de leis, Estado e Justiça”. Ambos sofrem a mesma acusação de se “dedicarem a subtrair dos cofres públicos recursos que foram destinados a integrantes da base aliada”, e por cometer diversos crimes, entre os quais falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, fraude em licita- ção, crime eleitoral e improbidade administrativa. Delúbio Soares e Marcos Valério têm os nomes citados por tráfico de influência, crime contra o sistema financeiro, crime contra a ordem tributária, fraude contábil e processual. O documento da CPI refuta os tais empréstimos de R$ 55,8 milhões, para pagamentos determinados por Delúbio, o tesoureiro do PT, em benefício de parlamentares ligados ao governo Lula. Dessa forma, as alegadas operações de crédito não teriam passado de simula- ções para encobrir a origem do dinheiro. As fontes de verdade seriam contratos com o Banco do Brasil, repasses dos bancos Rural e BMG em troca de vantagens na administração federal, dinheiro guardado no exterior e internado no País e recursos de empresas privadas que contrataram agências de publicidade ligadas ao esquema de corrupção. Manobra de parlamentares governistas impede a votação do relatório da CPI. Para atrasar os trabalhos, aliados do Palácio do Planalto pedem vista do documento e ganham prazo. Alegam que o texto precisa ser analisado melhor. Depoimento à CPI dos Bingos. É de Vladimir Poleto, que está protegido por habeascorpus concedido pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Não pode ser preso, mesmo que minta ou se recuse a responder perguntas. Nega ter transportado três caixas com dólares vindos de Cuba para a campanha de Lula, em 2002, num voo entre Brasília e Amarais, no interior de São Paulo. Ex-assessor de Antonio Palocci (PT-SP) na Prefeitura de Ribeirão Preto (SP), Vladimir Poleto acusa a revista Veja de publicar uma entrevista não autorizada. Diz que estava alcoolizado quando relatou o episódio dos dólares cubanos ao repórter Policarpo Junior. De Vladimir Poleto: - Após tanto chope, sendo que eu havia começado a beber à tarde aquela cachacinha, minha capacidade de discernimento estava comprometida. Não me recordo se fiz declara- ção. Se eu fiz, foi mentirosa. O fato é que houve coação e constrangimento. A estratégia de Vladimir Poleto se mostra desastrosa. A revista reproduz a entrevista concedida por ele em seu site na internet. A gravação é ouvida durante a sessão da CPI. A voz de Vladimir Poleto não caracteriza estado de embriaguez. Mostra-se serena e equilibrada. Reação do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE): - O senhor é um cara-de-pau incrível. Eis os principais trechos da conversa entre Vladimir Poleto e o repórter de Veja, durante a madrugada de 22 de outubro de 2005: 197 - A única coisa que eu sei é que peguei um avião de Brasília com destino a São Paulo com três caixas de bebida. - Depois que você fez esse transporte você... Foi informado do que efetivamente tinha dentro destas caixas? - Depois de todo o acontecimento, sim. - E o que te disseram? - Que tinha dinheiro numa das caixas. Só isso. - Quanto tempo depois do episódio você ficou sabendo disso, que era dinheiro ao invés de bebida? - Depois que eu ganhei uma garrafinha de Havana Club, que me foi presenteado, me falaram. Só isso. - Segundo a informação que eu tenho, o valor transportado teria sido de US$ 3 milhões. - Não. O valor que me disseram era US$ 1,4 milhão. Em outro depoimento à CPI dos Bingos, Rogério Buratti, ao contrário de Vladimir Poleto, confirma o que dissera sobre a operação Cuba: - Fui consultado, em 2002, pelo Ralf Barquete, dizendo ser a pedido do então prefeito Palocci, se eu conhecia algum mecanismo, alguma forma de trazer recursos do exterior para o Brasil. Esses recursos, pelo que me foi informado, seriam advindos de Cuba. A consulta teria acontecido em maio ou junho de 2002. Em setembro, Ralf Barquete informou Rogério Buratti que “aqueles recursos tinham chegado”: - Entendi, pela informação que o Ralf me passou, que o desfecho teria sido o aporte dos recursos no Brasil, na campanha do presidente Lula. Agora, de que forma teria sido e qual o montante preciso, não tive essa informação. 183 12/11/2005 A revista Isto É Dinheiro publica detalhes do depoimento prestado cinco dias antes ao Ministério Público pelo advogado Rogério Buratti, secretário de Governo do exprefeito Antonio Palocci (PT) em Ribeirão Preto (SP). Ele contou detalhes de uma operação que teria culminado com a doação de R$ 1 milhão para a campanha eleitoral de Lula. De acordo com Rogério Buratti, a contribuição foi feita por dois empresários angolanos, donos de casas de bingo. O episódio teria ocorrido entre outubro e novembro de 2002. Na época, Antonio Palocci exercia o seu segundo mandato como prefeito de Ribeirão Preto e era coordenador da campanha eleitoral de Lula. Os angolanos são José Paulo Teixeira Figueiredo e Artur José Valente Caio. Quem intermediou o encontro deles com Antonio Palocci foi o empresário Roberto Carlos Kurzweil. Além de Palocci e dos empresários, participou do jantar, no hotel Sofitel, em São Paulo, o então presidente da Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro), Waldomiro Diniz. Durante a reunião, Antonio Palocci teria prometido legalizar a atividade dos bingos. De fato, o programa de governo apresentado por Lula previa a regulamentação das atividades das casas de bingo. Posteriormente, porém, houve recuo e a edição de Medida Provisória 198 que proibia o jogo. O governo decidiu voltar atrás após a divulgação da fita em que Waldomiro Diniz pedia propina ao empresário de jogo Carlinhos Cachoeira. Em seu depoimento, Rogério Buratti faz outra revelação: Jorge Yazigi, o “Bill”, exdiretor da empreiteira Leão Leão, foi nomeado, por indicação de Antonio Palocci, vicepresidente da Visanet. A empresa de cartões de crédito teria sido usada em esquema envolvendo o Banco do Brasil para desviar R$ 10 milhões ao PT. Outra informação de Rogério Buratti: o empresário José Roberto Colnaghi, dono do avião usado na operação Cuba, obteve contratos com o governo de Angola, graças à influência do ministro Palocci. Em outra reportagem, Isto É Dinheiro traz entrevista com Henrique Pizzolato, o petista afastado da Diretoria de Marketing do Banco do Brasil, acusado de participar do esquema do mensalão. Ele nega ter sido responsável por repasses antecipados de R$ 58,3 milhões de verbas de publicidade para a Visanet. O dinheiro foi parar na DNA Propaganda, de Marcos Valério. Segundo Pizzolato, a decisão de fazer a antecipação foi do ex-presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, e do ex-ministro da Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Luiz Gushiken (PT-SP). - Se existia algo montado para favorecer o PT, era em escalões superiores, muito acima da Diretoria de Marketing. Henrique Pizzolato diz ao repórter Leonardo Attuch que recebeu orientação de Luiz Gushiken para autorizar os repasses antecipados: - Ele mandou assinar. - Não é estranho pagar antecipadamente? - Eu nunca tinha visto isso. Eu dizia até que, ao colocar o dinheiro na frente, a gente perdia o poder de barganha com a agência. Mas me disseram que tinha de ser feito assim. A revista Época publica entrevista com Carlos Godinho, ex-superintendente do Banco Rural. Ele afirma aos repórteres David Friedlander e Leandro Loyola que os empréstimos bancários a Marcos Valério e ao PT eram uma farsa. De acordo com Carlos Godinho, as operações de crédito foram renovadas mesmo sem a quitação das anteriores, porque o Banco Rural procurava obter, em troca, vantagens do governo. Carlos Godinho faz menção a Delúbio Soares e José Genoino, ex-presidente nacional do PT: - Na conta da SMPB entrava dinheiro, mas o Marcos Valério não liquidava os empréstimos. É suspeito. No caso do PT, é o aval de duas pessoas que não têm patrimônio para garantir a operação. - O senhor acha que esses empréstimos foram feitos para não ser pagos? - Com certeza. São empréstimos para mascarar a entrada de recursos que vinham de outras formas. Você justifica qualquer recurso que entrou via empréstimo. Não era para pagar. - Se era tudo tão esquisito, por que o senhor não avisou? Sua função era essa. - Minha função era manter a instituição livre dos riscos operacionais, de imagem e legais. A diretoria foi alertada. Mas, como a prática do Rural era manter um relacionamento com os clientes, eles não deram importância. No caso da SMPB, alertamos também para a 199 movimentação dela, que estava fora dos padrões e tinha indícios de lavagem de dinheiro em função dos constantes saques em espécie. Carlos Godinho recebeu ordens para não documentar as operações consideradas suspeitas da agência de Marcos Valério, e nem emitir boletins sobre os procedimentos com o PT: - Mandaram não fazer nos casos da SMPB e do PT. Não deixaram colocar nos relatórios as irregularidades de movimentações acima dos padrões, de risco de crédito em função de constantes renovações. É que esses documentos ficam à disposição do Banco Central. Então mandaram tirar para o Banco Central não ter acesso. - Quando foi isso? - De 2003 a 2005 não se colocou nada das irregularidades. Não podia colocar. A gente colocava, mas na edição final eram deletadas. E a gente era obrigada a assinar o relatório modificado. Tinha de assinar daquela forma, já vinha da diretoria uma versão final para ser assinada. 187 16/11/2005 Termina de forma melancólica a CPI do Mensalão. O relator da comissão, deputado Abi-Ackel (PP-MG), ex-ministro da Justiça no governo militar do presidente João Baptista Figueiredo (1979-1985) e integrante da base aliada do governo Lula, sequer havia começado a elaborar o relatório final, 48 horas antes do prazo de encerramento. Pior: ao ser questionado por jornalistas, mostrou-se surpreso, como se não soubesse da data limite. “Vai acabar? Agora que estamos em várias frentes de investigação?”, ousou perguntar. “O relató- rio está dentro de mim. É só ditar para alguém”, afirmou, impassível. No dia seguinte, véspera do término dos trabalhos, Abi-Ackel saiu-se com a seguinte explicação para o escândalo do mensalão: - Não posso dizer se o repasse de dinheiro ocorreu de uma vez só ou em várias vezes. Fica a suspeita de que pode ter havido as duas formas. O problema é que não tenho como provar. A CPI do Mensalão foi usada pela base governista para desviar atenção da CPI dos Correios. Aliados do Palácio do Planalto pretendiam investigar supostas irregularidades nos dois governos do presidente tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), mas a comissão de inquérito nunca deixou de funcionar como um apêndice da CPI dos Correios. Em meio a muito bate-boca, a última sessão é encerrada sem a votação do tímido relató- rio final, feito às pressas por Abi-Ackel. Ele próprio, aliás, foi acusado de se beneficiar de dinheiro de Marcos Valério. Apesar de reconhecer a existência de repasses para o caixa 2 de campanhas políticas, Abi-Ackel não pede o indiciamento de ninguém. Admite, porém: - Chame-se a isso mensalão, mensalinho, semanão ou quinzenão, o fato é que receberam. Trecho do relatório final: “Há múltiplos indícios de que houve distribuição de recursos a deputados da base. Isso não caracteriza exatamente o que se denominou mensalão, pagamentos sistemáticos, mas houve sem dúvida pagamentos de dinheiro em espécie, em alguns casos com uma só prestação, em outros com prestações sucessivas.” 200 Em outro trecho, o relatório afirma que os recursos financeiros serviram para pagar “despesas de campanha presidencial, de governadores de Estado, de deputados federal e estadual, nas eleições de 2002, e de prefeito municipal em 2004”. Não cita culpados: “Não é possível relacionar os parlamentares que perceberam vantagens financeiras ilícitas, em virtude da ausência de provas concretas.” O nome de Paulo Abi-Ackel, filho do deputado, aparece na lista de beneficiários do caixa 2, com pagamento de R$ 50 mil. O deputado Abi-Ackel também teria recebido doa- ção de R$ 100 mil de Marcos Valério, na campanha eleitoral de 1998. A indicação de AbiAckel para a relatoria da CPI teria sido acertada entre os deputados José Dirceu (PT-SP) e José Janene (PP-PR). O TCU (Tribunal de Contas da União) aprova relatórios de auditoria que apontam fraudes e serviços não-executados em contratos de publicidade com o Banco do Brasil, Correios e Ministério da Cultura. Prejuízo estimado: R$ 8,3 milhões. Os técnicos do TCU consideram que documentos em poder do governo não atestam o cumprimento dos contratos. Houve irregularidades em subcontratações de gráficas e produtoras de vídeo, feitas pelas agências, além de propostas e assinaturas forjadas. Os maiores prejuízos foram encontrados nos contratos da DNA com o Banco do Brasil, sob responsabilidade de Henrique Pizzolato, o diretor de Marketing da estatal. O Banco do Brasil teria sido omisso e negligente. A DNA ficou indevidamente com R$ 4,2 milhões, dinheiro de bonificações que deveria ser repassado ao cliente, ou seja, voltar para o Banco do Brasil. No Ministério da Cultura, os prejuízos do Governo Federal, da ordem de R$ 2 milhões, tiveram origem no contrato com a agência McCann Erickson. Entre as irregularidades, o TCU aponta que empresas participantes de licitações combinaram preços, antecipadamente. Depoimento ao Conselho de Ética da Câmara. O deputado Wanderval Santos (PLSP) acusa o ex-deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ) por saque de R$ 150 mil. A retirada do dinheiro do valerioduto foi feita pelo motorista de Wanderval Santos, Célio Siqueira, no Banco Rural. Carlos Rodrigues renunciou ao mandato, após a acusação de participar do esquema. De acordo com Wanderval Santos, parlamentares ligados à Igreja Universal do Reino de Deus eram submissos a Carlos Rodrigues. Ele costumava se servir dos funcionários dos deputados, como no caso do motorista Célio Siqueira. Ele teria recebido ordem para se deslocar até a agência do Brasília Shopping, pegar um envelope e levá-lo à casa de Rodrigues. Diz Wanderval: - Eu não podia punir o Célio, porque ele cumpriu uma ordem. Ele era usado para fazer compras, levar filho na faculdade, pegar pessoas no aeroporto, sem que precisasse da minha autorização. 189 18/11/2005 Operações suspeitas indicam que a Caixa Econômica Federal favoreceu o BMG, um dos bancos envolvidos no escândalo do mensalão. O BMG, suposto credor de R$ 29,2 201 milhões que teriam sido emprestados ao PT e usados no caixa 2 do partido, teve lucro de R$ 210 milhões ao vender à Caixa Econômica Federal R$ 1,1 bilhão de sua carteira de empréstimos a aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social). Se tivesse feito diretamente as operações de empréstimo, a Caixa poderia ter lucrado R$ 696 milhões. Em decorrência das operações com o BMG, os lucros do banco público ficaram restritos a R$ 346 milhões e, mesmo assim, dinheiro que entraria ao longo de três anos. Do senador Álvaro Dias (PSDB-PR): - Se a Caixa deixou de ganhar, alguém ganhou no lugar dela. Dos R$ 210 milhões de lucro do BMG, R$ 159 milhões correspondem à remuneração pela captação de clientes, um ágio integralmente quitado. Além disso, o banco privado mineiro teve lucro extra de R$ 51 milhões, obtido graças à fórmula usada para calcular o saldo devedor dos contratos. Declaração do senador Álvaro Dias: - Temos razões de sobra para supor que essas operações tenham sido instrumento para calçar os tais empréstimos, que sempre reputamos fictícios, operações meramente contábeis. De acordo com a repórter Marta Salomon, do jornal Folha de S.Paulo, o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, assinou resoluções com vantagens ao BMG. Escreve a jornalista: “A cronologia das negociações entre BMG e Caixa revela um negócio fechado às pressas. Entre a proposta formal do banco mineiro e a resolução do Conselho Diretor da Caixa, que autorizou a primeira compra de créditos referentes a empréstimos concedidos a aposentados e pensionistas, passaram-se apenas 23 dias.” Mais: “A cronologia das operações revela um detalhe estranho: a venda de parte da carteira de empréstimos é concretizada apenas três meses depois de o BMG ser autorizado por Medida Provisória a operar o crédito a aposentados e pensionistas do INSS com desconto em folha, em setembro de 2004”. 192 21/11/2005 Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, o deputado Roberto Brant (PFL-MG) admite ter recebido R$ 102 mil da agência SMPB, de Marcos Valério. Afirma que o dinheiro foi doação da empresa siderúrgica Usiminas. A quantia teria quitado despesas do programa de televisão de sua campanha a prefeito de Belo Horizonte, em 2004. 193 22/11/2005 Em depoimento à CPI dos Bingos, Paulo Okamotto, presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), responsabiliza o ex-tesoureiro Delúbio Soares por tê-lo orientado a pagar em dinheiro vivo a dívida do presidente Lula junto ao PT, de R$ 29.436,26. Segundo Paulo Okamotto, o dinheiro foi usado por Marisa Letícia, mulher de Lula, durante viagem à China. Também serviu para acertar gastos de Lula com viagens a Cuba e a Europa, despesas médicas e um empréstimo de R$ 5 mil. O valor corresponde à remuneração mensal de Paulo Okamotto, de “pouco mais de R$ 30 mil”, conforme declaração dele 202 à CPI. Além do salário do Sebrae, Paulo Okamotto recebe como integrante do conselho da Brasil-Prev e é aposentado como metalúrgico. Diz Paulo Okamotto: - Não sou um homem de posses. Para o senador Jefferson Péres (PDT-AM), o episódio mostra promiscuidade entre público e privado: - Okamotto fez um favorzão ao presidente e recebe em troca um cargo dos mais cobiçados. Indiciados pela Polícia Federal David Stival, ex-presidente do PT do Rio Grande do Sul, Marcelino Pies, ex-tesoureiro do partido em Porto Alegre, e Marcos Trindade, militante petista. Todos são acusados de transferir R$ 1,05 milhão de Marcos Valério para o PT, em 2003. O dinheiro do valerioduto não foi contabilizado pelo partido. No total, o PT gaúcho sacou R$ 1,2 milhão da conta bancária da agência SMPB, sendo que R$ 150 mil teriam acertado despesas gráficas do Diretório Nacional do PT. Depoimentos ao Conselho de Ética da Câmara. O presidente do PP, deputado Pedro Corrêa (PE), e o assessor da liderança do partido, José Cláudio Genu, admitem formalmente o recebimento de R$ 700 mil do valerioduto. O dinheiro pagou honorários do advogado do ex-deputado Ronivon Santiago (PP-AC). Eles negam que houve compra de deputados. Explicam que a soma não foi contabilizada porque ficaram aguardando o PT formalizar os “auxílios financeiros negociados com o Partido Progressista”. 194 23/11/2005 Em depoimento à CPI dos Bingos, Rosângela Gabrilli, proprietária da empresa de ônibus Expresso Guarará, afirma que Lula recebeu informação, em 2003, sobre esquema de extorsão montado pelo PT em Santo André (SP). As operações irregulares teriam continuado após a morte do prefeito Celso Daniel (PT), em 2002. O relato da situação foi feito ao presidente da República pela irmã de Rosângela, Mara Gabrilli, num encontro de 20 minutos no apartamento de Lula, em São Bernardo do Campo (SP). De acordo com Rosângela Gabrilli, donos de empresas de ônibus em Santo André eram obrigados a contribuir para o caixa do PT desde 1997, no início da segunda gestão de Celso Daniel. Cabia ao Expresso Guarará o repasse de R$ 40 mil mensais. O dinheiro tinha de ser entregue em espécie, mas em determinado período ocorreram depósitos diretamente na conta bancária de Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, no Banespa. Rosângela Gabrilli diz que Sérgio Gomes da Silva era o arrecadador do dinheiro, enquanto o empresário Ronan Maria Pinto cumpria o papel de “interlocutor junto aos empresários”. Ela também relaciona Klinger Luiz de Oliveira (PT), ex-vereador e ex-secretário de Serviços Municipais de Celso Daniel, apontado como o líder do esquema. - Os achaques eram feitos com intimidação e ameaça. Diziam que o Klinger tinha sempre um revólver preso na canela. Isso constrangia muito. E ele lembrava a cada momento: “Com o poder não se brinca, o poder tudo pode”. Em entrevista à repórter Mariana Caetano, de O Estado de S. Paulo, Mara Gabrilli diz que aguardou por 32 meses manifestação de Lula sobre as denúncias feitas por ela no encontro com ele em São Bernardo do Campo. O Palácio do Planalto não se pronuncia sobreo assunto. Mara Gabrilli conta que, na época, o presidente se comprometeu a “averiguar e tomar providências”: - Ninguém fez absolutamente nada. Nunca tive uma resposta. Mara Gabrilli relata que pediu a Lula uma intervenção em Santo André: - Contei como era o esquema, quem cobrava a propina, e como a Prefeitura tirou a licença para a empresa da minha família operar algumas linhas, em represália ao fato de meu pai não ter pagado propina em certo momento. Na saída do encontro com Lula, Mara Gabrilli recebeu recomendação de um assessor do presidente para não revelar o teor da conversa. - Ele pediu que eu dissesse aos jornalistas que estavam de plantão na porta do prédio que a conversa tinha sido sobre reabilitação. Contei a verdade. 195 24/11/2005 Depoimento ao Conselho de Ética da Câmara. O deputado João Paulo Cunha (PT-SP) admite que a mulher, Márcia Milanésio Cunha, sacou R$ 50 mil em dinheiro do Banco Rural, na agência do Brasília Shopping. João Paulo Cunha afirma que a retirada foi feita por orientação do tesoureiro Delúbio Soares. Nega que soubesse a origem do dinheiro, ou seja, a conta bancária da agência SMPB, de Marcos Valério. Diz João Paulo Cunha: - Recurso você busca no tesouro do seu partido. Qual crime eu cometi? Eu peguei no lugar que eu sabia, que era a tesouraria nacional do PT. Ele reconhece que não declarou o valor à Receita Federal: - Eu admito que tenha problema contábil. Gostaria que alguém pudesse me dizer como posso corrigir. As coisas são mais complicadas do que João Paulo Cunha quer fazer crer. Num primeiro momento, ele disse que sua mulher foi ao Banco Rural para resolver um problema com a conta da TV a cabo. Em seguida, outra versão do deputado: os R$ 50 mil foram providenciados por Delúbio Soares em São Paulo, transferidos da conta de Valério do Banco Rural de Belo Horizonte para a agência de Brasília, sacados em espécie por Márcia Milanésio Cunha e levados, em dinheiro vivo, para São Paulo. Segundo o deputado, para pagar despesas com pesquisas eleitorais em quatro cidades da Grande São Paulo. Tem mais: apesar de negar que conhecia a origem do dinheiro, João Paulo Cunha manteve relações estreitas com Valério. A agência DNA, de Valério, fez a campanha de João Paulo Cunha para a presidência da Câmara. Algum tempo depois, eleito presidente, a SMPB, outra agência de Valério, foi contratada pela Câmara por R$ 10,7 milhões, para fazer propaganda da Casa. Como se não bastasse, Cunha recebeu Valério para tomar café da manhã em 3 de setembro de 2003, na residência oficial do presidente da Câmara. O saque de R$ 50 mil foi feito no dia seguinte. Sobre o café da manhã: - Marcos Valério só foi me cumprimentar pela minha atuação na votação da Reforma Tributária. Quanto aos R$ 50 mil, João Paulo Cunha apresentou três notas fiscais do Instituto de Pesquisa DataVale, para justificar as despesas com as pesquisas eleitorais ao longo de quatro meses. As notas, contudo, são sequenciais. Fica a suspeita de que foram providenciadas 204 às pressas, pois não há lógica de a empresa só ter prestado serviços a um cliente, no período de quatro meses. Por fim: João Paulo Cunha admite ao Conselho de Ética que recebeu de Valério uma caneta Montblanc, de presente de aniversário, e passagens aéreas para uma assessora e a filha dela. Valor do mimo: R$ 3.084,20. Cunha garante que doou o correspondente ao que ganhou ao programa Fome Zero. 197 26/11/2005 A revista Época publica reportagem apontando suspeitas de fraude no contrato de publicidade entre a SMPB e a Câmara dos Deputados, assinado e executado no período em que a Casa foi presidida pelo deputado João Paulo Cunha (PT-SP). A matéria relata o afastamento do advogado Aléxis de Paula Souza, secretário de Controle Interno da Câmara. Ele pediu para sair alegando pressões, sanções e perda de atribuições, depois de ter examinado o contrato de publicidade de R$ 10,7 milhões com a empresa de Marcos Valério. Aléxis de Paula Souza identificou indícios de fraude na escolha da agência e na execu- ção do contrato. Auditores descobriram empresas e assinaturas fantasmas. Agências supostamente concorrentes funcionavam no mesmo endereço e compartilhavam telefone e fax, por ocasião da licitação. De acordo com a reportagem de Andrei Meireles e Ronald Freitas, a simulação permitiu à SMPB subcontratar prestadoras de serviço de seu interesse. Segundo a denúncia, outras duas agências de publicidade, a Ogilvy e a Lowe, apresentaram condições técnicas melhores que as da vencedora da licitação. Apesar disso, foram preteridas. A revista Época descreve as irregularidades em 52 processos executados pela SMPB: “Nesses casos, a agência de Marcos Valério tinha a obrigação de pedir orçamento a pelo menos três empresas e subcontratar a que cobrasse o menor valor – a SMPB ficava com 5% do valor pago à subcontratada. A praxe, porém, era a ‘empresa que deveria ser subcontratada’ apresentar uma proposta ‘séria e firme, devidamente detalhada à qual se juntavam outras duas propostas de valor maior que o da primeira’. Em geral, essas propostas são fajutas, apenas para fingir que houve disputa: não foram encontradas pelos auditores, não detalhavam o serviço a ser prestado, não eram assinadas por um responsável nem sequer traziam um telefone de contato.” 199 28/11/2005 A CPI dos Correios descobre seis transferências da corretora Bônus-Banval, num total de R$ 154 mil, para Rosa Alice Valente, assessora do líder do PP na Câmara, deputado José Janene (PR). A Bônus-Banval, como se sabe, é apontada como intermediária de repasses de Marcos Valério para beneficiários do mensalão. Um dos diretores da corretora, Enivaldo Quadrado, também transferiu R$ 11.628 para Rosa Alice Valente. Há ainda oito operações de José Janene para Rosa Alice Valente, somando R$ 139 mil. Por fim, foi detectado depósito de R$ 10 mil do publicitário Duda Mendonça para o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares. As 16 operações relacionadas ocorreram de 2003 a 2005, principalmente em 2004, no auge do mensalão. 205 O jornal Folha de S.Paulo noticia suspeita de favorecimento do governo ao empresário José Roberto Colnaghi. Ele é o dono do avião Citation usado pelo ministro Antonio Palocci (PT-SP) em deslocamentos entre Brasília e Ribeirão Preto (SP). José Roberto Colnaghi é dono do avião Seneca usado para transportar dólares que teriam vindo de Cuba à campanha do PT em 2002. Já se sabe do negócio de José Roberto Colnaghi com o Banco do Brasil, mediante o qual a empresa Soft Micro Informática fechou contrato milionário para instalar programas de computador em Tocantins. Desta vez, o repórter Mario Cesar Carvalho relata nova opera- ção com o Banco do Brasil em favor de José Roberto Colnaghi, pela qual a Asperbrás, também de propriedade de Colnaghi, foi beneficiada com financiamento de US$ 8,5 milhões, para exportar equipamentos agrícolas a Angola. A taxa de juros do Proex (Programa de Financiamento às Exportações, do Banco do Brasil) chega a ser cinco vezes menor que operação similar em rede bancária comercial. 200 29/11/2005 Em depoimento repleto de evasivas à CPI dos Bingos, Ademirson Ariosvaldo da Silva, secretário particular do ministro Antonio Palocci (PT-SP), nega irregularidades no relacionamento de integrantes da chamada “república de Ribeirão Preto”, todos ligados a Antonio Palocci. Ademirson Ariosvaldo da Silva convive com Palocci há 18 anos. Nomes citados: Rogério Buratti, Vladimir Poleto, Juscelino Dourado e Ralf Barquete, morto em 2004. Ademirson Ariosvaldo da Silva desconversa ao ser inquirido sobre dezenas de conversas telefônicas mantidas com Buratti e Barquete, durante o período da renovação do contrato entre a Caixa Econômica Federal e a multinacional Gtech. Indagado a respeito de 1.411 telefonemas trocados com Vladimir Poleto em pouco mais de dois anos, resume tudo a “assuntos de amigos”. O secretário particular de Palocci admite ter ido nove vezes à “casa dos prazeres”, o imóvel alugado por Vladimir Poleto no Lago Sul, em Brasília. Nega que o endereço serviu para empresários fazerem lobby, a fim de obter negócios no governo Lula. Ademirson oculta nomes de frequentadores do local. Tampouco diz o que fazia por lá. Registra-se: a “casa dos prazeres” era o lugar em que a “república de Ribeirão Preto” se divertia com garotas de programa. Antonio Palocci iria cair em consequência disso. 201 30/11/2005 Cassado o mandato do deputado José Dirceu (PT-SP), acusado de ser o mentor do esquema do mensalão. Com a decisão do plenário da Câmara dos Deputados, por 293 votos a favor e 192 contra, o ex-ministro da Casa Civil, homem-forte do PT e do governo Lula, fica inelegível até 2015. Comentário do jornalista Rogério Gentile, na Folha de S.Paulo: “Imaginar que Dirceu articulou sozinho o caixa 2 e o esquema da compra de votos de parlamentares e de partidos, sem o conhecimento do presidente, é pior do que acreditar que o tesoureiro Delúbio Soares agiu por conta própria, sem o conhecimento de Dirceu.” Sobre a relação Lula/José Dirceu: 206 “Os dois sempre foram parceiros, numa relação de amor e ódio. Dirceu é a mão-de-ferro que Lula utilizou para controlar o PT, chegar ao poder e governar o País sem ter de comprometer sua imagem de mito. E Lula é a liderança popular que Dirceu nunca conseguiu ser e usou para se realizar como autoridade.” “Os dois são cara e coroa, com o perdão do chavão. Se um é culpado, como tudo leva a crer, outro também é. Ambos merecem a punição.” Em editorial, o jornal argumenta que “o presidente Lula poderia não saber dos detalhes, mas dificilmente desconheceria por inteiro as gravíssimas situações que foram reveladas à sociedade brasileira”: “A cassação do mandato do deputado José Dirceu é um item relevante da conta paga pelo governo petista para defender o presidente da República de acusações que pudessem desaguar na abertura de um processo de impeachment. Se coube ao ex-tesoureiro Delúbio Soares assumir a responsabilidade operacional sobre os desvios cometidos, foi reservado a Dirceu o papel de arcar com a responsabilidade política.” 202 1/12/2005 A Petrobras prorroga contrato com o publicitário Duda Mendonça. Quase quatro meses após Duda Mendonça admitir que recebera R$ 10,5 milhões por meio do caixa 2 do PT na offshore Dusseldorf, nas Bahamas, em pagamento por serviços prestados à campanha eleitoral que elegeu Lula em 2002, a Petrobras anuncia a prorrogação de contratos de publicidade no valor de R$ 212 milhões anuais. Os serviços continuarão a ser prestados pelo mesmo pool de agências, o que inclui a Duda Mendonça Associados. Caberá ao marqueteiro administrar R$ 63 milhões até o fim do primeiro governo Lula. O Jornal Nacional, da TV Globo, noticia que o INC (Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal) constatou que as agências de publicidade DNA Propaganda e SMPB Comunicação, do empresário Marcos Valério, imprimiram 80 mil notas fiscais falsas. O laudo do INC destaca três notas supostamente frias, emitidas para a Visanet em 2003 e 2004. Trazem valores de R$ 35 milhões, R$ 23,3 milhões e R$ 6,4 milhões. Do laudo: “Várias dessas notas foram utilizadas para dar suporte a recebimento de recursos de empresas como o Banco do Brasil, a Eletronorte e como o Ministério do Trabalho”. E mais: “Manipularam, falsificaram e alteraram registros e documentos, de modo a modificar os registros de ativos, de passivos e de resultados; omitiram milhares de transações nos registros contábeis; realizaram registros de transações sem comprovação ou as simularam; e aplicaram práticas contábeis indevidas”. Um escândalo. Outro fato grave: a DNA usou nota fiscal fria, de R$ 12 milhões, como se a tivesse sido emitido à Eletronorte, para justificar a obtenção de empréstimo no mesmo valor junto ao BMG. Para o relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), é difícil prender Marcos Valério: 207 - Acho que ele tem absoluta confiança na impunidade desse País e espera o processo que, com bons advogados, vai acabar nas calendas. É difícil falar que Marcos Valério, que tem meios, recursos e força, responderá pelo que fez. Em depoimento à CPI dos Bingos, o advogado Walter Santos Neto enfrenta dificuldades para explicar como gastou R$ 5 milhões, dinheiro transferido pela multinacional Gtech à MM Consultoria Jurídica. A empresa é suspeita de intermediar pagamento de propina a grupos ligados ao governo, por ocasião da renovação do contrato de R$ 650 milhões entre a Caixa Econômica Federal e a Gtech. Importante salientar o nome de outro advogado, sócio de Walter Santos Neto na MM, na época do depósito de R$ 5 milhões: Marcelo Coelho de Aguiar, ex-assessor da Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, que foi comandada pelo ministro Luiz Gushiken (PT-SP). Em seu depoimento, protegido por habeas-corpus para não ser preso, Walter Santos Neto alega sofrer de distúrbio chamado de “compulsão ou disfunção do gasto”, para justificar as despesas que fez com o dinheiro. Segundo ele, os R$ 5 milhões foram pagamento por ação junto ao Superior Tribunal de Justiça: - Posso dizer que a motivação que sempre tive em relação ao dinheiro vem de uma deformação de minha personalidade, a necessidade de ver o dinheiro, de se sentir com o poder. Em resumo: foi isso que, segundo ele mesmo, o levou a sacar em espécie uma das transferências da Gtech, de R$ 650 mil, e levar o dinheiro para casa, dentro de carro-forte, “para gastar depois”. E assim a dinheirama se foi, em restaurantes, vinhos, viagens, presentes e em doações para amigos. - Minhas despesas são chocantes, gasto com frivolidades. Sou uma pessoa doente e comecei a fazer tratamento psiquiátrico. Acredite se quiser. Depoimento ao Conselho de Ética da Câmara. O deputado João Magno (PT-MG) afirma possuir notas fiscais para justificar gastos relacionados aos R$ 426 mil que admite ter recebido de Marcos Valério. O dinheiro foi empregado, assegura, no pagamento de despesas das campanhas eleitorais de 2002 e 2004. João Magno nega ter feito uso de caixa 2. E dá a seguinte explicação para o fato de só ter incluído os R$ 426 mil na prestação de contas de campanhas eleitorais após a eclosão do escândalo do mensalão: - Reconheço que perfeito não sou. Alguma anomalia o processo teve, mas não admito ter feito caixa 2. João Magno trata de responsabilizar o ex-tesoureiro Delúbio Soares: - Ele teve dificuldade de mostrar como arrecadou os recursos. Para mim, era um dinheiro do partido. 205 4/12/2005 O caso Coteminas. O jornal Folha de S.Paulo informa que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) identificou depósito de 208 R$ 1 milhão, em dinheiro, em nome do PT, na conta bancária da Coteminas (Companhia de Tecidos Norte de Minas), cujo dono é o vice-presidente da República, José Alencar (PLMG). A operação não apareceu na quebra de sigilo bancário das 16 contas atribuídas ao PT, em seis instituições financeiras. Suspeita-se de caixa 2. O PT contraíra dívida de R$ 12 milhões junto à Coteminas, em troca do fornecimento de 2,7 milhões de camisetas, distribu- ídas como brinde de campanha nas eleições de 2004. As repórteres Renata Lo Prete e Marta Salomon relatam que o PT ficara de pagar as despesas em três parcelas, até janeiro de 2005, mas não honrou nenhuma. O primeiro pagamento, o R$ 1 milhão detectado pelo Coaf, só foi feito em 17 de maio. E também foi só. O jornal entrevista Josué Gomes da Silva, filho do vice-presidente José Alencar e presidente da Coteminas. Ele afirma ter recebido o dinheiro em “cash”, trazido por uma senhora: - Era dinheiro do PT. Eu não tinha por que pensar diferente. O novo tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, diz que a operação não foi contabilizada pelo partido: - Não há nada dessa natureza registrado. Nenhum pagamento de R$ 1 milhão à Coteminas. 206 5/12/2005 O vice-presidente da República, José Alencar (PL-MG), concede entrevista para informar que Marice Corrêa de Lima, coordenadora administrativa do PT, foi a senhora encarregada de levar o pacote com R$ 1 milhão, em dinheiro vivo, ao escritório da Coteminas, em São Paulo. A soma foi depositada em conta bancária do Bradesco. Declaração do vice de Lula: - Como, normalmente, os partidos políticos recebem de doadores ou coisa que o valha, e nós não temos nada com isso, recebemos em dinheiro e depositamos. Não existe nada na legislação brasileira que impeça o cidadão de vender uma mercadoria e receber na moeda do País. O caixa 2 não afetou em nada o procedimento da companhia. A Coteminas não tem nada com isso. Denunciados os envolvidos no escândalo da cueca. O Ministério Público Federal conclui que eram propina os US$ 100 mil escondidos na cueca do assessor do PT do Ceará, José Adalberto Vieira da Silva, e os R$ 200 mil transportados por ele numa maleta. Ele foi preso ao tentar embarcar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O dinheiro seria um acerto do contrato de R$ 300 milhões entre o BNB (Banco do Nordeste do Brasil) e o consórcio Alusa/STN (Sistema de Transmissão do Nordeste) para construir uma linha de transmissão de energia elétrica entre Teresina e Fortaleza. José Adalberto Vieira da Silva trabalhava como assessor do deputado José Nobre Guimarães (PT-CE), irmão do então presidente nacional do PT, José Genoino (SP). O deputado cearense também vai responder ação judicial. Para o Ministério Público, o ex-assessor especial da presidência do BNB, Kennedy Moura Ramos, do grupo do deputado José Nobre Guimarães, foi o intermediário do negócio. Ele será acionado por improbidade administrativa. O Conselho de Ética da Assembleia Legislativa do Ceará aprova o encaminhamento do pedido de cassação do mandato de José Nobre Guimarães. Ele admitiu ter recebido 209 R$ 250 mil do valerioduto. A decisão não tem nada a ver com o caso da prisão do assessor José Adalberto Vieira da Silva, um outro processo. De qualquer forma, Guimarães não seria cassado. A complicada rede em que trafega o dinheiro. Relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) implica distribuidoras de títulos que obtiveram lucros milionários negociando com fundos de pensão no escândalo do mensalão. O esquema escancarado é o do Prece, o fundo de pensão da empresa de saneamento do Rio de Janeiro. Operações supostamente lesivas teriam contado com a participação dos deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Carlos Wilian (PTC-MG). De acordo com auditoria da Secretaria de Previdência Complementar, do Ministério da Previdência Social, a Laeta DTVM e a Euro DTVM teriam ganhado cerca de R$ 5 milhões durante o governo Lula, em operações cujos prejuízos de igual valor sobraram para o Prece. A Laeta e a Euro manteriam conexão com as empresas Bônus-Banval e Guaranhuns. Ambas são investigadas por transações com dinheiro de caixa 2, repassado para políticos da base aliada do Governo Federal. Conforme documentação do Coaf, outra empresa, a Natimar, recebeu transferência de R$ 525 mil da Euro. A Natimar depositou R$ 275 mil na RS Administração, uma offshore localizada no Panamá. A mesma RS teria recebido R$ 3,1 milhões em operação que envolveu a 2S Participações, de Marcos Valério, em triangulação que passou pela Bônus-Banval e também teria envolvido a presidente do Banco Rural, Kátia Rabelo. O intrincado caminho do dinheiro: o Coaf apurou que a Laeta e a Guaranhuns são ligadas ao doleiro Lúcio Bolonha Funaro. Empresa tida como dele, a Royster Serviços, teria transferido R$ 5,5 milhões para a offshore RS, no Panamá, em 2004. A Erst Banking Empreendimentos, outra empresa de Funaro, movimentou R$ 25,5 milhões entre setembro de 2003 e março de 2004, em conta do extinto BCN, banco comprado depois pelo Bradesco. 207 6/12/2005 O caso Coteminas: Delúbio Soares vem a público assumir a responsabilidade sobre tudo. Em nota divulgada por seu advogado, o ex-tesoureiro do PT afirma que o R$ 1 milhão entregue à Coteminas fazia parte da reserva de caixa 2 do partido, alimentado por Marcos Valério. No dia em que o escândalo foi divulgado, Delúbio sugerira que o dinheiro não tinha origem nos repasses de Valério. Diz a nota com a nova versão de Delúbio: “Quando perguntado sobre esse pagamento, lembrei-me de sua ocorrência, mas me equivoquei, achando que tinha sido feito com recursos contabilizados. Na verdade o pagamento foi feito em espécie, com dinheiro que tinha origem nos empréstimos feitos por Marcos Valério ao Partido dos Trabalhadores. Trata-se de parte do valor que, daqueles empréstimos, foi reservado para despesas do Diretório Nacional do partido.” Muito bem. Digamos que o R$ 1 milhão entregue à Coteminas era mesmo parte dos tais R$ 55,8 milhões atribuídos ao caixa 2. O último dinheiro desse esquema, conforme a versão do próprio Delúbio e de Valério, havia sido repassado ao PT em 1º de outubro de 2004. Difícil acreditar que R$ 1 milhão estivesse guardado no cofre do PT, por mais de sete me- 210 ses, até o pagamento à Coteminas, em maio de 2005. E, se estivesse mesmo guardado e disponível no cofre, não haveria explicação para o PT não ter quitado anteriormente parte da mesma dívida junto à Coteminas, uma vez que os compromissos assumidos com a empresa teriam vencido entre novembro de 2004 e janeiro de 2005. Tampouco tem nexo afirmação de Delúbio, parte da mesma nota, segundo a qual “novas dificuldades financeiras” teriam impedido que as parcelas fossem “honradas na forma acordada”. Ora, se o dinheiro já estava em caixa, as parcelas poderiam ter sido honradas, sem problemas. Gustavo Fruet (PSDB-PR), sub-relator da CPI dos Correios, irrita-se com Delúbio: - Juridicamente, a nota pode evitar questionamentos, tiveram tempo para prepará-la. Mas, politicamente, é um desastre. É uma ofensa à inteligência, mais uma história inverossímil na sucessão de histórias inverossímeis. Marcos Valério procura não se envolver com a versão de Delúbio Soares: - Não posso falar que ele está mentindo ou falando a verdade. O dinheiro era do Delúbio, não sei o que ele fez com ele. O novo tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, parece se esquecer que Marice Corrêa de Lima, coordenadora administrativa do PT e responsável pela entrega do R$ 1 milhão, assinou recibo emitido pela Coteminas. Ao ser entrevistado, Paulo Ferreira diz que ela “cumpriu ordens, nem sabia o que estava levando”. Em seguida, corrige-se: - Pode não ter sabido, entendeu? O presidente da Coteminas, Josué Gomes da Silva, filho do vice-presidente José Alencar (PL-MG), dá risada ao ser informado de que dirigentes do PT não reconheciam a transação: - Claro que eles sabiam. Eles que pagaram. Do jornalista Fernando de Barros e Silva, no jornal Folha de S.Paulo: “Quantos milhões ‘não contabilizados’ ainda estarão escondidos sob as desculpas esfarrapadas de Delúbio Soares? E quanto custam o silêncio e os contos de fada do ex-tesoureiro? E quem paga por eles?” “Delúbio se tornou uma espécie de lixo atômico para o governo e para o PT. É o culpado por tudo, aquele que está sempre disposto a assumir tudo sozinho, mas ao mesmo tempo não pode ser imolado, precisa ser preservado a qualquer custo. A situação é esquizofrênica, mas a equação é simples: se ele explodir (ou falar a verdade), o governo implode, vem abaixo.” O jornalista acrescenta: “Em condições normais, o milhãozinho que saiu do PT e – ninguém sabe, ninguém viu – foi parar na conta da Coteminas seria suficiente para fazer ruir qualquer governo. Paradoxalmente, Lula e o PT se beneficiam da miríade de falcatruas, da profusão de denúncias, do excesso de bandalheira revelada ao País. É como se cada nova história anulasse o efeito corrosivo das anteriores, sucessivamente, numa espécie de jogo entorpecente de soma zero.” A CPI dos Correios divulga relatório que aponta supostas perdas de R$ 784 milhões de 14 fundos de pensão, em operações realizadas junto à BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros) e com títulos públicos. O documento relaciona corretoras e pessoas físicas que tiveram lucros milionários com os negócios. Do deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA): 211 - O que interessa à CPI são as recorrências, os resultados negativos sistemáticos e contí- nuos, com os fundos perdendo e os mesmos beneficiários ganhando sempre. As perdas ocorreram em operações de compra e venda de contratos futuros e títulos públicos. Os fundos teriam comprado por preços acima dos praticados no mercado, e depois vendido por menos. A comissão investiga se a diferença significou prejuízos, se foram intencionais e desviados para fins políticos. De acordo com o levantamento, entre os mais prejudicados aparecem o Prece, fundo de pensão dos funcionários da empresa de saneamento do Rio. Acumulou perdas de R$ 309 milhões. A Sistel, fundo das empresas de telecomunicações, teria amargado saldo negativo de R$ 154 milhões. A Petros, ligada à Petrobras, teve perdas de R$ 65 milhões. E a Funcef, da Caixa Econômica Federal, outros R$ 50 milhões negativos. Na outra ponta, os eventuais beneficiados. Suspeita-se que parte do dinheiro pode ter sido remetida para o exterior. Entre as corretoras, as que mais ganharam, de acordo com o relatório, são a Laeta, Novinvest e Cruzeiro do Sul, com, respectivamente, R$ 55,3 milhões, R$ 30,7 milhões e R$ 26,4 milhões. A comissão quer identificar quem lucrou de maneira ilegal. Depoimento à CPI dos Bingos. Mara Gabrilli confirma a reunião com o presidente Lula, na casa do presidente da República, em São Bernardo do Campo (SP), em março de 2003. Na ocasião, ela relatou pressões contra a empresa de ônibus Expresso Guarará, de sua famí- lia, por conta do esquema de corrupção montado na Prefeitura de Santo André (SP). Mara Gabrilli conta aos senadores ter denunciado a Lula que a empresa era obrigada a pagar propina para operar em Santo André, governada pelo PT. Ela apontou a Lula o nome das pessoas que considerava responsáveis pelo esquema: o então secretário municipal Klinger Luiz de Oliveira (PT), o empresário Ronan Maria Pinto e o ex-segurança do prefeito Celso Daniel (PT), Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”. De acordo com Mara Gabrilli, Lula se virou para os três assessores que o acompanhavam no encontro e disse assim: - Nossa, eu achei que o Sérgio Gomes já estava muito longe. Afirmação de Mara Gabrilli: - Eu falei ao presidente sobre o pagamento da caixinha que meu pai era obrigado a fazer a cada dia 30. E falei da retaliação imposta à empresa desde que eu e minha irmã, Rosângela, denunciamos o fato ao Ministério Público. Lula prometeu tomar providência e dar uma resposta. Não foi o que ocorreu: - Aconteceu justamente o contrário. Klinger soube, reclamou, e dias depois uma comissão de sindicância da Prefeitura se instalou na nossa empresa. Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, o deputado Josias Gomes (PT-BA) confessa ter recebido R$ 50 mil das mãos de Delúbio Soares e sacado outros R$ 50 mil no Banco Rural, para quitar despesas eleitorais. O dinheiro, segundo ele, foi repassado para três candidatos a deputado estadual na Bahia, todos derrotados nas eleições de 2002. Diz Josias Gomes: 212 - Como poderia imaginar que ali estivesse sendo operado o esquema que saiu na imprensa? Involuntariamente, fui envolvido em algo que não sabia. Jamais ouvira falar em Marcos Valério. 208 7/12/2005 Depoimento à CPI dos Correios. Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, responsabiliza o ex-ministro Luiz Gushiken (PT-SP) e o ex-presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, pelo adiantamento à agência DNA, de Marcos Valério, de R$ 73,8 milhões de verbas de publicidade do Banco do Brasil destinadas à Visanet. Os procedimentos ocorreram em 2003 e 2004. De acordo com investigação da comissão de inquérito, R$ 10 milhões acabaram irrigando o caixa 2 do PT. Henrique Pizzolato afirma ter sido procurado a primeira vez por um diretor e um gerente do Banco do Brasil, com o pedido de autorização para uma nota técnica que assegurava repasse adiantado de R$ 23,3 milhões para a DNA. O ex-diretor relata ter consultado Luiz Gushiken a respeito: - O Gushiken disse: “Assina que não há nenhum problema”. Entendi aquilo como uma ordem. Eu não ia questionar o ministro. Luiz Gushiken foi afastado da Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, durante o escândalo do mensalão. Recorde-se que o ex-ministro não se desligou do governo. Lula nomeou-o chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos. Reação dele à afirmação de Henrique Pizzolato: - O Pizzolato é confuso por natureza. O fato é que eu nunca soube sobre antecipação de pagamentos para a DNA. 209 8/12/2005 Em depoimento à CPI dos Bingos, Carlos Roberto Godinho, ex-superintendente do Banco Rural, confirma informações prestadas à revista Época. Segundo ele, os empréstimos do Banco Rural a Marcos Valério, em fevereiro e setembro de 2003, num total de R$ 28,8 milhões, foram operações “de fachada”, ou negócios “feitos para não serem pagos”, com a finalidade estratégica de “maquiar” outras fontes de recursos. Carlos Godinho explica que as suspeitas sobre as operações de crédito vêm da renova- ção desses empréstimos a cada 90 dias, sem que Marcos Valério pagasse os valores devidos. Detalhe: havia dinheiro nas contas correntes de Marcos Valério no próprio Banco Rural, que poderia ser usado para pagar os empréstimos. Já o Banco Rural, por sua vez, não fez provisionamentos, ou seja, reservas de recursos para cobrir eventuais prejuízos, uma exigência do Banco Central. Carlos Godinho também acusa o Banco Central de ter sido complacente com as supostas irregularidades. Diz Carlos Godinho: - O fato de quantias astronômicas de Valério passarem pelo banco e não serem pagos os empréstimos mostra que eles foram feitos para não ser pagos. Outro fator que levantou suspeitas: movimentações em contas da SMPB e da Grafitti, ambas ligadas a Marcos Valério, eram pelo menos dez vezes superiores ao faturamento declarado das empresas. Os saques efetuados por ambas, sempre em valores altos, eram muitas vezes em dinheiro vivo. 213 Suspeito, ainda, o Banco Rural, cliente da agência SMPB, pagar regularmente as campanhas publicitárias, apesar de supostamente a agência estarinadimplente com o banco. Em contrapartida, segundo Carlos Godinho, o Banco Rural teria sido beneficiado por aplicações financeiras de fundos de pensão, patrocinadas por empresas estatais. E isso compensaria a parceria. Depoimento ao Conselho de Ética da Câmara. José Nilson dos Santos, ex-assessor do deputado Professor Luizinho (PT-SP), procura inocentar o parlamentar de envolvimento com um saque de R$ 20 mil do valerioduto. Segundo ele, a retirada foi de sua responsabilidade e autorizada por Delúbio Soares, um velho conhecido. Ao defender-se, porém, Luizinho admitira ter sondado Delúbio Soares sobre a possibilidade de receber R$ 20 mil, para o que alegou ser a campanha de pré-candidatos a vereador, em 2003. Mesmo sem querer, José Nilson Santos implica o deputado no saque: - Havia consultado Luizinho sobre o dinheiro e ele disse que isso não era com ele, mas com o PT. Então, por conta própria, procurei o Delúbio. Luizinho sabia. 210 9/12/2005 Em depoimento à Polícia Federal, Delúbio Soares é questionado sobre o R$ 1 milhão usado para pagar parte de dívida do PT junto à Coteminas. Segundo o ex-tesoureiro, o dinheiro estava guardado em cofre na sede nacional do partido, em São Paulo. Delúbio diz que o dinheiro ficava no cofre porque não fazia parte da contabilidade oficial do PT. Do relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR): - Ninguém acredita que ele tenha guardado R$ 1 milhão em espécie durante quase um ano, enquanto diuturnamente era abordado por credores. Em entrevista à revista Carta Capital, Lula acusa setores oposicionistas de estarem “tentando fazer golpismo”. A Folha de S.Paulo publica o editorial “Fantasia Golpista”: “Hoje seria preciso um grau de alheamento descomunal para não perceber que a crise foi gerada pelo próprio governo, pelo PT e por aliados, que se enredaram em trama de corrupção cujas características e dimensões poderiam perfeitamente estimular a oposição a se empenhar em abrir processo de impeachment do presidente. Ressalte-se que o impeachment não é uma aventura golpista, mas um instrumento previsto na Constituição”. 213 12/12/2005 A CPI dos Correios desvenda mais um tentáculo do caso Visanet. Recapitula-se uma das operações do esquema: R$ 34,8 milhões saíram do Banco do Brasil em 12 de março de 2004, sob pretexto de adiantamento de verbas de publicidade para a DNA. O dinheiro foi depositado numa aplicação da agência de Marcos Valério no Banco do Brasil e, de lá, saíram R$ 10 milhões para o BMG. Em seguida, os R$ 10 milhões foram usados formalmente para empréstimo à empresa Tolentino Associados, ligada a Valério. Esse dinheiro alimentou o caixa 2 do PT. Aqui, entra a descoberta: uma transferência da Tolentino Associados pôs R$ 3,4 milhões na corretora Bônus-Banval, enquanto a 2S Participações, outra empresa de Valério, transfe- 214 riu um total de R$ 3,2 milhões para a Bônus-Banval, cujo dinheiro era operado por outra corretora, a Natimar, ligada ao doleiro Najun Turner. E a Natimar foi a responsável pela transferência de R$ 578 mil para uma conta do Rural International Bank, da offshore Discovery SPL, um braço do Banco Rural nas Bahamas. A Secretaria de Previdência Complementar, do Ministério da Previdência Social, autua Paulo Figueiredo, ligado ao PC do B e ex-presidente da Nucleos, o fundo de pensão das empresas estatais de energia nuclear. Ele é acusado por irregularidades cometidas durante o governo Lula. Figueiredo e dois ex-diretores da Nucleos haviam sido denunciados por causar prejuízos ao fundo. Numa das operações, houve perdas avaliadas em R$ 7,1 milhões em aplicações no Banco Santos, que posteriormente sofreu intervenção do Banco Central. Teria havido imperícia e imprudência dos dirigentes da Núcleos. Outro suposto prejuízo, também da ordem de R$ 7 milhões, foi decorrente de operação na BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros). Faltariam análises prévias dos riscos envolvidos. As suspeitas vieram da baixa rentabilidade apresentada pelo fundo. Auditoria externa apontou prejuízos de até R$ 22,7 milhões em opera- ções da Nucleos com títulos públicos, em 2004 e 2005. 214 13/12/2005 Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, o deputado Wanderval Santos (PL-SP), acusado de receber R$ 150 mil do valerioduto, responsabiliza o ex-deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ) pelo saque. Wanderval Santos admite ter sido sócio de Carlos Rodrigues em empresas radiofônicas. Carlos Rodrigues renunciou ao mandato de deputado federal em consequência do escândalo do mensalão. Segundo Wanderval, o saque foi efetuado por seu motorista, a mando de Carlos Rodrigues, em dezembro de 2003. Wanderval reitera que Rodrigues tinha ingerência sobre assuntos de deputados ligados à Igreja Universal do Reino de Deus. Diz Wanderval: - Ele não era somente nosso orientador político, mas nosso orientador espiritual. Nunca pensamos que pudesse usar nossos funcionários para se locupletar pessoalmente. 215 14/12/2005 A Câmara dos Deputados absolve o primeiro mensaleiro, cuja cassação fora recomendada pelo Conselho de Ética. Trata-se do deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), acusado de mandar um assessor sacar R$ 350 mil do esquema de Marcos Valério, e de ter recebido outros R$ 102 mil, “não-contabilizados”, da empresa siderúrgica Usiminas, por intermédio da SMPB, agência de publicidade de Marcos Valério. Em votação secreta, Romeu Queiroz obtém vitória folgada, com 250 votos contra a cassação. Outros 162 deputados votam pela perda do mandato. Há 22 abstenções, oito votos brancos e um nulo. Em sua defesa, Romeu Queiroz afirma que os R$ 350 mil foram retirados sem o seu conhecimento. Sobre a contribuição da Usiminas, alega ter sido usada integralmente para financiar campanhas eleitorais do PTB em Minas Gerais, em 2004. Diz Queiroz: 215 - O dinheiro teve doador certo, o PT. E teve destino certo, o PTB. Não me apropriei de qualquer centavo desses recursos. Durante os trabalhos de convencimento dos deputados, o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG), instalou-se na liderança do PTB na Câmara dos Deputados. Disparou telefonemas e pediu votos para Romeu Queiroz. Pelo que fez, recebeu o apelido de Papai Noel dos mensaleiros. Absolvido, Romeu Queiroz concede entrevista: - O meu trabalho foi individualizado, conversei com cada deputado. A grande maioria do PT votou comigo, contei 50 votos. Para a jornalista Dora Kramer, de O Estado de S. Paulo, aceitar o caixa 2 significa “acolher a lavagem de dinheiro no mundo da legalidade”: “Mais que tolerância com o crime de corrupção, a absolvição do deputado Romeu Queiroz – receptor assumido do dinheiro de origem ilícita do valerioduto – significou a instituição da vilania como norma de conduta na Câmara dos Deputados”. Para a jornalista, a Câmara dos Deputados, transformada num “poder amoral”, “não exibiu embaraço em defender o indefensável; não guardou resquício de poder nem teve pejo de absolver o infrator contra a evidência da própria confissão, como se dissesse: a partir de agora, estejam todos autorizados a se envolver com operações financeiras suspeitas porque ao dono de mandato eletivo tudo é permitido. Locupletem-se, portanto, à vontade”. Em editorial, o jornal O Estado de S. Paulo afirma que “a vitória de Queiroz convinha a Lula – que vive dizendo que o mensalão nunca ficou provado, não vê a hora de acabarem as denúncias e as apurações e só tem a ganhar quando os políticos são vistos como os pizzaiolos”. O jornal ironiza Queiroz: “Sábio homem: se o PT corrompia não para enriquecer os companheiros, mas para ajudar o seu governo a melhorar o Brasil, por que deveria ele ser castigado se tampouco usufruiu egoisticamente da dinheirama?” Em editorial, a Folha de S.Paulo condena a absolvição de Queiroz. O jornal salienta que “não importa em quanto o deputado pôs as mãos nem o que fez com a soma, mas sim o fato de ter participado de prática vedada por lei”: “Com esse veredicto, os deputados estão a afirmar que não há nada de errado com a utilização do caixa 2, prática que encobre uma série de crimes, entre os quais a sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção. Se o deputado que assumidamente recebe numerário ilegal não quebra o decoro parlamentar, é difícil imaginar o que possa romper a dignidade da Casa, que, aos olhos do público, vai cada vez mais se assemelhando a um antro de espertalhões”. 219 18/12/2005 Em entrevista ao repórter Paulo Celso Pereira, do Jornal do Brasil, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) afirma ter sido traído pelo presidente Lula no episódio da fita que mostrou Maurício Marinho, alto funcionário dos Correios, recebendo propina: - Fui a vários ministros dizer: “Está tendo o mensalão”. Fiz várias vezes. Aí surge a história do Maurício Marinho recebendo R$ 3 mil, numa plantação que a Abin fez para tentar colocar um crime na minha vida e na do PTB. 216 Roberto Jefferson dá a sua versão por não ter acusado Lula na época em que denunciou o mensalão, embora agora afirme que já o considerava responsável: - Sabia que o Lula eu não poderia atingir. Atirei então em volta dele. Peguei firme no Zé Dirceu e no Luiz Gushiken. E a consequência você está vendo. - O senhor sempre repetiu que o presidente Lula não estava envolvido no mensalão. Hoje o senhor repete isso? - Sempre entendi que o Lula sabia, eu só não tinha como provar. Já era difícil confirmar minha versão sem colocar o Lula na história. Se eu o colocasse então, nunca conseguiria afirmá-la. Foi uma estratégia. Atingi em volta, aquele núcleo duro do governo, e preservei o Lula. Bati duro no Zé Dirceu, no Gushiken, no Antonio Palocci, mas aí foi uma correria em cima de mim. Vários empresários do Rio e de São Paulo vieram me pedir para não desestabilizar a economia. Aí não peguei nele. - Mas de que poderia tê-lo acusado? - Disse a ele três vezes sobre o mensalão e ele nada fez. E o Palocci ainda tem um agravante, porque o Coaf é subordinado a ele. Se você sacar R$ 100 mil, o Coaf avisa ao ministro. Então, ele não sabia que o Valério havia sacado R$ 55 milhões em dinheiro? É claro que sabia. Mas foi poupado porque o mercado não quer desestabilizar a estrutura que tem favorecido os partidos. - O senhor falou que foi uma estratégia de defesa não envolver o Lula. Em que ponto o senhor tem certeza da participação dele? - Os três ministros do núcleo duro dele sabiam, montaram o mensalão, alugaram a base parlamentar. Você acha que o presidente não sabia? Os três mosqueteiros do rei sabiam e o rei não sabia? Eles agiam em causa própria sem que o Lula soubesse? É claro que o Lula sabia. - O senhor afirma que foi ele que deu a ordem para iniciar o mensalão? - A inteligência foi feita pelos três ministros do núcleo duro e o Lula aprovou. Eu só não podia provar. Se não acusando o Lula já fui cassado, imagina se eu acuso! Fui ao meu limite. 220 19/12/2005 A CPI dos Correios investiga fundos de pensão que fizeram operações de última hora para tentar salvar o Banco Santos, no final de 2004. Estão sob suspeita aplicações consideradas atípicas e fora de padrão efetuadas nas duas semanas anteriores à intervenção do Banco Central. Os investimentos seriam questionáveis porque já havia fortes rumores sobre a falta de liquidez do Banco Santos. Não faria sentido investir lá naquele momento. Funcef (Caixa Econômica Federal), Nucleos (Eletronuclear) e Postalis (Correios) investiram R$ 23,3 milhões em CDBs no Banco Santos, naquele período. Mesmo em 12 de novembro, dia da intervenção, Postalis e Nucleos investiram respectivamente R$ 1 milhão e R$ 1,8 milhão, em títulos privados. Uma semana antes, a Funcef havia aplicado R$ 10 milhões. Naquelas duas semanas, o total de aplicações da Postalis atingiu R$ 9,7 milhões, e o da Nucleos chegou a R$ 3,6 milhões. 217 221 20/12/2005 Na véspera da divulgação de relatório preliminar da CPI dos Correios, o empresário Marcos Valério vem a público informar que recorreu à Justiça. Quer R$ 100 milhões do PT. Diz que o dinheiro foi emprestado ao partido, sendo R$ 55,8 milhões da dívida original e R$ 44,2 milhões de juros, atualização monetária e encargos financeiros. O extesoureiro Delúbio Soares reconhece os empréstimos e a parceria com Valério, mas a nova direção do PT só admite dívida de R$ 2,4 milhões. É a parcela de uma operação de crédito feita com o BMG supostamente quitada por Valério em nome do PT. Suspeita-se que o litígio entre Marcos Valério e o PT é forjado. Teria sido intencionalmente ensaiado e posto em prática com a finalidade de confundir e questionar o relatório da CPI. Afinal, se uma parte cobra uma dívida e a outra reconhece parte do passivo, é para fazer crer que os empréstimos de fato existiram e não houve quaisquer simulações nem créditos fantasmas. Na ação anunciada por Marcos Valério, ele informa ter concedido seis empréstimos para o PT, em nome das empresas SMPB, Graffiti Participações e Rogério Tolentino Associados. Tudo indica, porém, que os empréstimos são operações de fachada, com o objetivo de acobertar o verdadeiro esquema, ou seja, transações ilícitas e desvio de dinheiro público. Parte da mesma estratégia, a DNA de Valério apresenta notificação extrajudicial contra o Banco do Brasil. Decide cobrar R$ 13 milhões por serviços que diz ter prestado à Visanet. Trata-se da soma, segundo a agência, devida e não acertada pelo banco. Vale o mesmo raciocínio: se Valério cobra dívida, faz crer que trabalhou e tem crédito junto ao Banco do Brasil. Questiona a origem do caso Visanet, isto é, o desvio de dinheiro para o PT. A Assembleia Legislativa do Ceará rejeita, por 23 votos a 16, pedido de cassação do mandato do deputado José Nobre Guimarães (PT-CE). O deputado admitiu ter recebido R$ 250 mil de Marcos Valério, dinheiro não-contabilizado, para a campanha derrotada de José Airton Cirilo (PT-CE) ao Governo do Ceará. O Diretório Nacional do PT negou ter feito o repasse. 222 21/12/2005 A CPI dos Correios divulga relatório preliminar. Em 411 páginas, o balanço de seis meses de trabalho. De acordo com o relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), o mensalão existiu de quatro formas. A primeira delas serviu para fazer repasses semanais de dinheiro. Vinha de contas de Marcos Valério e ia para a corretora Guaranhuns. O destino final, o PL. No primeiro ano da administração Lula, em 2003, foram 24 transferências para o PL, todas entre R$ 200 mil e R$ 500 mil. Ocorreram nos dias 11, 19 e 26 de fevereiro. Em março, nos dias 6, 12, 17, 24 e 31. E em junho nos dias 4, 11, 15 e 18. O último repasse foi em 27 de agosto de 2003. Total: R$ 6,5 milhões. Do relator: - É o semanadão. O segundo caminho do esquema, outro padrão de conduta. O mensalão foi usado para repasses e financiamentos a deputados que saíram das legendas pelas quais foram eleitos, e migraram para partidos ligados à base aliada. Entre 3 de abril e 18 de junho de 2003, ocorreram várias transferências de dinheiro para correligionários do PTB. Total: R$ 3,6 milhões. 218 O mesmo tipo de mensalão engordou a bancada do PP. Entre 20 de janeiro e 18 de fevereiro de 2004, o esquema PT/Marcos Valério lançou mão da corretora Bônus-Banval para intermediar pagamentos feitos em intervalos que variaram de 48 a 72 horas. Os repasses ao PP chegaram a R$ 800 mil. A terceira forma de mensalão, apontada pela CPI, vinculou repasses de dinheiro a datas de votações de projetos de interesse da administração Lula no Congresso. A sistemática ocorreu de 27 de agosto de 2003 a 15 de janeiro de 2004. No período, foram identificados pagamentos de R$ 15 milhões. Em troca, os parlamentares votaram a favor das reformas da Previdência, Tributária, Lei de Falências e Lei da Cide (Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico), todas defendidas pelo governo Lula. O derradeiro e quarto caminho da propina foi o pagamento de R$ 6,5 milhões ao PP, por meio de dez repasses efetuados entre 26 de abril e 1 de julho de 2004, pela corretora BônusBanval. O relatório traduz o termo “mensalão” como “fundo de recursos utilizado, especialmente, para atendimento a interesses político-partidários”. Do relator Osmar Serraglio: - Está provado que o mensalão existiu. No caso das votações, não estamos afirmando que houve uma vinculação direta. Estamos mostrando as datas. A inteligência de cada um é que vai dizer. Um dos pontos considerados mais importantes do relatório preliminar da CPI dos Correios é uma auditoria feita pelo Banco do Brasil. Mostrou a ausência de notas fiscais para comprovar serviços relacionados a R$ 23,2 milhões transferidos à agência DNA. O dinheiro seria usado em campanhas publicitárias da Visanet. O resultado da auditoria indicaria desvio do dinheiro público que acabou no caixa 2 do PT. Houve coincidência entre as datas de repasses de dinheiro do Banco do Brasil à Visanet, e os empréstimos feitos por Marcos Valério junto ao Banco Rural e ao BMG. Osmar Serraglio aponta desvios de R$ 19,7 milhões, dinheiro enfiado no valerioduto. Numa das operações, os famosos R$ 10 milhões do Banco do Brasil à Visanet, a soma foi para a DNA, depois ao BMG e, em seguida, serviu de garantia a empréstimo que alimentou o caixa 2. Em outra “coincidência”, o relatório descreve operação perpetrada em maio de 2003 envolvendo R$ 23,3 milhões do Banco do Brasil. O dinheiro foi repassado à Visanet e a empresa de cartão de crédito pagou, nesse valor, serviços adiantados de publicidade à DNA. A agência de Valério, por sua vez, transferiu a quantia para um fundo no Banco do Brasil, e fez empréstimo no mesmo Banco do Brasil. Alguns dias depois, é a vez da SMPB fazer empréstimo no Banco Rural, para alimentar o caixa 2 do PT. Enquanto isso, a DNA quitava o financiamento de R$ 9,7 milhões junto ao Banco do Brasil. Do relator da CPI, deputado Osmar Serraglio: - Comprovamos a utilização de recursos da Visanet pelo valerioduto, com começo, meio e fim. A CPI refuta versão de Marcos Valério e Delúbio Soares segundo a qual o caixa 2 foi irrigado por empréstimos bancários. Os supostos empréstimos, jamais devolvidos, teriam servido para justificar dinheiro na contabilidade das empresas de Marcos Valério. O levantamento da CPI constatou repasses de R$ 20,3 milhões à margem de contratos, em benefício das agências de publicidade de Valério. O dinheiro veio da siderúrgica Usiminas e de empresas do Grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas. 219 O relatório também menciona manipulação do balanço da SMPB, para que a agência pudesse participar de licitação aberta pelos Correios, em agosto de 2003. A empresa de Marcos Valério acabou contratada, com mais duas agências de publicidade, para administrar uma conta anual de R$ 72 milhões. Em outro contrato dos Correios, suspeita-se de R$ 64 milhões superfaturados em serviços com a Skymaster. Osmar Serraglio concede entrevista: - Tenho o maior apreço pelo PT, mas lamento a forma como vem se conduzindo, no sentido de defender o indefensável. Mensalão e caixa 2 são conceitos que não se excluem. Lamentavelmente, reconheço que temos um sistema de corrupção de parlamentares. 227 26/12/2005 O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Roberto Busato, dá entrevista à repórter Lílian Christofoletti, da Folha de S.Paulo. Para ele, o ex-ministro Luiz Gushiken (PT-SP) é o mais próximo de Lula: - Tudo o que já foi dito demonstra a completa culpabilidade da administração do governo Lula e, o que é pior, atingiu mortalmente o maior amigo do presidente. Luiz Gushiken é o “confidente do presidente”, pessoa tão íntima que, ao ser envolvido no escândalo do mensalão, deixou de ser ministro mas não foi afastado do Governo Federal. Lula o nomeou seu assessor especial. Busato: - A revelação de repasses de verba de publicidade da Visanet, ligada ao Banco do Brasil, a agências de Valério, e de distribuição a parlamentares em épocas apropriadas ao governo, atingiu mortalmente o coração de Gushiken. E, ao atingir Gushiken, atinge Lula, na medida que o presidente não tomou nenhuma atitude para afastá-lo do governo. É prova inconteste de que Lula sabia exatamente de todo o esquema e estava de acordo com a sua existência. - Em que reside a sua certeza? - A participação de Lula é absolutamente baseada pela proximidade de quem sempre foi confidente e grande amigo de Gushiken. O ex-ministro realmente comandava toda a área de comunicação do Governo Federal, onde havia um desvio de dinheiro público para atividades partidárias e delituosas no sentido de corromper o Congresso Nacional. 229 28/12/2005 Divulgado relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) com o registro de “operações atípicas”, no valor de R$ 93 mil, em nome de Paulo Okamotto. Amigo de Lula e presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), Paulo Okamotto apresentou-se como quem, de forma espontânea, resolveu pagar dívida de Lula junto ao PT, no valor de R$ 29.436,26. O caso é confuso. Na presidência do Sebrae, Paulo Okamotto era sócio-gerente da Red Star, empresa que vende brindes do PT. Foi nesse período que ocorreram as operações atípicas. Levantaram suspeitas porque Paulo Okamotto pagou a dívida, apesar de considerá- la improcedente. Ainda por cima, disse que não contou nada a Lula. Ou seja, Lula não teria tomado conhecimento de que o problema estaria resolvido. Fica nítida a finalidade de blindar o presidente. Paulo Okamotto trabalha para não envolvê-lo na crise. 220 Importante acrescentar: depois de jornais publicarem a existência da dívida de Lula, passaram-se quase três semanas antes das primeiras explicações. E Paulo Okamotto se nega a fornecer datas e valores de supostos cheques com os quais teria feito os saques para quitar a dívida. Suspeita-se que o PT usou dinheiro de caixa 2 para pagar os tais R$ 29.436,26. A história de Okamotto: fez saques em contas bancárias de Brasília, São Paulo e São Bernardo do Campo (SP). Dinheiro vivo. Em seguida, enviou os valores à direção do PT, para pagar a dívida. Okamotto diz que quitou em dinheiro, atendendo a pedido de Delúbio Soares. Tem mais: os depósitos em nome de Lula ao PT foram dispersos por quatro agências diferentes do Banco do Brasil na cidade de São Paulo. Tudo para que passasse despercebido. 230 29/12/2005 O Tribunal de Justiça de Goiás determina a indisponibilidade do automóvel registrado em nome do ex-tesoureiro Delúbio Soares. É um Omega blindado, importado, ano 2000. A deputada Neyde Aparecida (PT-GO) fica sem um Fiat modelo Palio Weekend, ano 2004. A decisão do juiz Ari Ferreira de Queiroz inclui ainda outros dois veículos, de propriedade de Noeme Diná Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Goiás. A deputada Neyde Aparecida também presidiu a entidade. Com a apreensão dos carros, o juiz quer assegurar parte do ressarcimento de R$ 165 mil, dinheiro que teria sido repassado indevidamente pela entidade sindical a Delúbio Soares. Lembramos que ele recebia pagamentos como dirigente sindical em Goiás, apesar de morar em São Paulo e trabalhar, por 16 anos, para o PT. As duas líderes sindicais atestaram que Delúbio Soares comparecia regularmente ao sindicato goiano para dar expediente. Para o Ministério Público, o caso configura enriquecimento ilícito do ex-tesoureiro. Os três são acusados de improbidade administrativa. Delúbio Soares é demitido do cargo de professor de matemática da rede estadual de ensino de Goiás. Motivo: abandono de emprego. Emprego há muito não exercido. Delúbio Soares era funcionário-fantasma. A CGU (Controladoria-Geral da União) divulga as conclusões de auditoria realizada nos Correios. Aponta prejuízos de R$ 121 milhões, em contratos relativos ao transporte aéreo de cargas e à aquisição de produtos e serviços de informática. As irregularidades envolvem o Consórcio Alpha, liderado pela empresa de informática Novadata. Ela pertence ao empresário Mauro Dutra, o “Maurinho”, amigo de Lula. O contrato assinado com o consórcio teria gerado perdas de R$ 35 milhões aos cofres públicos, incluindo a falta de pagamento de multa em 2005, num prejuízo de R$ 22 milhões. O maior “prejuízo estimado”, de R$ 86 milhões, ocorreu na chamada rede postal noturna. Houve rombo de R$ 58,8 milhões em pagamentos superfaturados à empresa Skymaster. Outros descalabros: continuam desativadas 4.324 impressoras adquiridas por R$ 10,4 milhões, três anos antes. Existe pagamento suspeito de R$ 7 milhões para obras em Aparecida de Goiás (GO). Não foram feitas licitações para renovar 1.700 agências franqueadas. E, por fim, inexiste “comprovação da viabilidade econômica” de aditivo contratual assinado com 221 o Bradesco em 2004. Valor do negócio: R$ 62 milhões. Previa a criação de 2.500 novos postos de atendimento nos Correios. 233 1/1/2006 Desliga-se do PT Francisco Whitaker, integrante da Comissão de Justiça e Paz da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). “O PT foi um sonho que desmoronou”, resume Chico Whitaker, ao comentar o conteúdo da carta entregue por ele à direção do partido: “Ao deixar-se infectar, profundamente, por todas as mazelas do mundo político, o atual PT levou de roldão o partido de tipo novo que procurávamos construir. Hoje ele não está voltado para a sociedade injustiçada, para ouvi-la e procurar responder aos seus anseios.” 235 3/1/2006 Enviado à CPI dos Correios resultado de auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre irregularidades no contrato entre a Caixa Econômica Federal e o BMG. A Caixa comprou, por R$ 1,1 bilhão, a carteira de crédito consignado do banco mineiro. A operação rendeu um lucro imediato ao BMG estimado em R$ 119 milhões. Conforme o relatório, não houve autorização legal específica para o contrato e o prazo de 18 dias para a concretização da transação foi recorde. Suspeito. Para completar, foram usados argumentos contraditórios para justificar o negócio. Pelo contrato, a Caixa passou a operar empréstimos pessoais do BMG, aqueles com desconto em folha de pagamento. O ganho da Caixa, de R$ 70 milhões, só será obtido após o vencimento dos empréstimos, em 36 meses. Do relatório do TCU: “A celeridade na tramitação do processo do BMG e de suas demandas, aliada às condi- ções de negociação e aos ótimos resultados atingidos pelo BMG, em detrimento da Caixa, denotam claro favorecimento à instituição financeira, (...) o que, por si só, macula todo o processo de aquisição de créditos consignados pela empresa desde a sua origem.” Recorde-se que, em valores atualizados, o BMG teria emprestado R$ 44,6 milhões ao PT e às empresas de Marcos Valério. As dívidas foram formalmente roladas, mas jamais pagas. A CPI investiga se o não-pagamento das operações de crédito é intencional, e se há relacionamento com eventuais favorecimentos do Governo Federal ao BMG. Outro órgão federal, o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social, do Ministério da Previdência Social), também assinou convênio com o BMG. O TCU o considerou igualmente suspeito. Pelo acordo, o INSS deu facilidades ao banco mineiro, na mesma área de crédito consignado, os tais empréstimos descontados em folha de pagamento. O contrato teria burlado a legislação. O INSS franqueou ao BMG toda a base de dados cadastrais de pensionistas e aposentados, e autorizou o banco mineiro a fechar contratos de empréstimos por meio de ligações telefônicas gravadas. Dessa forma, o BMG passou a saber quais eram, como localizar e como entrar em contato com centenas de milhares de clientes potenciais, em todo o País. O INSS também permitiu que parte da carteira de crédito consignado do BMG fosse oferecida à Caixa. 222 239 7/1/2006 A revista Veja revela a existência de uma conta secreta e milionária do publicitário Duda Mendonça em banco de Miami. Foi descoberta por autoridades norte-americanas. O repórter Alexandre Oltramari relata que a conta foi bloqueada após a filha de Duda, publicitária Eduarda Mendonça, tentar sacar sem sucesso dinheiro aplicado e ordenar o fechamento da conta. Duda, o pai, admitiu que cobrou R$ 25 milhões para fazer cinco campanhas eleitorais do PT em 2002. Confessou que R$ 10,5 milhões do total foram depositados fora do Brasil, em conta bancária em nome da empresa offshore Dusseldorf. Para evitar problemas de sonegação com a Receita Federal, Duda teria pagado R$ 4,3 milhões em impostos referentes a essa quantia. Aspecto interessante da reportagem: o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, do Ministério da Justiça) chegou a elaborar ofício solicitando o bloqueio da conta em nome da Dusseldorf, mas o documento foi considerado “desleixado” e “desprovido de consistência”. Por conta disso, as autoridades norte-americanas demoraram a tomar a medida. O “expediente” proporcionou tempo precioso para Duda Mendonça tratar de “limpar” a conta. Relatório da Polícia Federal acusou a coordenadora do DRCI, Wanine Santana Lima, de atrapalhar a obtenção de documentos. Prejudicou o trabalho de delegados e agentes brasileiros nos Estados Unidos. Ela teria influenciado autoridades norte-americanas a não repassar informações sobre contas de Duda, com a intenção de inviabilizar os trabalhos das autoridades brasileiras. 242 10/1/2006 A CPI dos Correios não dispõe de informações sobre R$ 6 bilhões movimentados em contas bancárias suspeitas de participar do esquema do mensalão. Não se sabe a origem de R$ 3 bilhões que abasteceram as contas, nem tampouco se conhece quem foram os beneficiários de outros R$ 3 bilhões. Os números referem-se a depositantes e favorecidos não identificados em operações que envolveram agências do Banco Real – ABN Amro. A lista de algumas das empresas supostamente envolvidas e os respectivos valores movimentados: Visanet (R$ 3,6 bilhões), Skymaster Airlines (R$ 1,1 bilhão), Telemig Celular (R$ 866,9 milhões) e Amazônia Celular (R$ 237,4 milhões). A comissão também investiga R$ 75,9 milhões em perdas de 13 fundos de pensão com títulos públicos, e a eventual relação dessas perdas com ganhos proporcionais de corretoras de valores ligadas ao valerioduto. O fundo Prece, dos funcionários da empresa de saneamento do Rio, teve perdas de R$ 35,7 milhões, e a Nucleos, das estatais de energia nuclear, de R$ 28,3 milhões. Em 2005, a Prece aplicou R$ 29,5 milhões no Banco Rural. Os depósitos bancários de longo prazo no Banco Rural, naquele período, eram classificados como de alto risco. As operações que provocaram perdas para a Prece concentraram-se em dez corretoras, incluindo a Bônus-Banval, acusada de envolvimento no escândalo do mensalão, e a Laeta, ligada a Lúcio Funaro, um dos suspeitos de lavar dinheiro para o esquema de corrupção. 223 Não se sabe a origem nem o destino de R$ 69,8 milhões movimentados pelo doleiro Najun Turner, em contas do Banco Real. Ele é investigado pela CPI desde que seu nome e o de familiares apareceram como beneficiários de recursos da corretora Natimar, suspeita por ligações com a Bônus-Banval. 244 12/1/2006 A CPI dos Correios descobre 25 pagamentos mensais, ao longo de dois anos, ao deputado João Herrmann Neto (PDT-SP). Ele é ligado à base de apoio do governo Lula. No total, as transferências ao parlamentar somaram R$ 79 mil, sempre por meio de depósitos bancários. Os primeiros pagamentos, a partir de março de 2003, foram de R$ 3.000. O mensalinho mereceu correção para R$ 3.800, e perdurou até o segundo trimestre de 2005, pouco antes de estourar o escândalo do mensalão. João Herrmann Neto não se manifesta. Ele foi contra a criação da CPI dos Correios. Disse, na época: - A CPI é uma ferida maltratada, uma porta de entrada para infecções. A comissão chegou a João Herrmann Neto a partir da quebra do sigilo bancário da empresa de aviação Beta – Brazilian Express Transportes Aéreos. Ela é investigada por ligações com a Skymaster Airlines. Ambas são suspeitas de superfaturamento de até R$ 64 milhões em contratos com os Correios. Antonio Augusto Leite Filho, um dos donos da Beta até 2002, teria doado R$ 800 mil à campanha de Lula, por meio de outras empresas. 245 13/1/2006 O caso do deputado João Herrmann Neto (PDT-SP): o empresário Antonio Augusto Leite Filho divulga nota e admite que o parlamentar atuou como defensor dos interesses da Beta, e cita como exemplo os esforços do deputado para viabilizar a pavimentação da BR- 163, a Cuiabá-Santarém (PA). O pedetista emite nota para explicar a razão de receber dinheiro mensalmente da Beta. Segundo ele, a soma era destinada a ressarcir gastos com um carro Passat, importado e blindado, cujo uso era compartilhado por sua família e a de Ioannis Amerssonis, proprietá- rio da empresa de aviação. De acordo com João Herrmann Neto, o veículo “ficava disponível para os compromissos das crianças e familiares em comum na cidade de São Paulo ou em viagens. As despesas variáveis de combustível, pedágios, estacionamento, oficina e pequena manutenção quando pagas por mim eram prestadas contas e ressarcidas pelo senhor Ioannis”. O deputado informa que o carro, “pelo elevado custo de manutenção”, foi trocado por uma Toyota Hillux, ano 2005. Para se defender, João Herrmann Neto apresenta extratos bancários que apontam saldos em sua conta corrente da ordem de R$ 600 mil a R$ 1 milhão. Ao argumentar que não precisava do mensalinho da empresa Beta, afirma ser um homem rico, com patrimônio pessoal de cerca de R$ 20 milhões. A denúncia contra Herrmann Neto é arquivada na Câmara dos Deputados. 224 246 14/1/2006 A revista Isto É publica a reportagem “Peixe grande na rede do Ocean Bank”, para se referir a uma nova conta bancária secreta, cujo beneficiário seria o publicitário Duda Mendonça. Foi descoberta em Miami, nos Estados Unidos. De acordo com os repórteres Gilberto Nascimento e Osmar Freitas Jr., a conta guardaria cerca de US$ 2,2 milhões em nome de empresa não identificada. Teria sido destinatária de remessa de US$ 400 mil, em março de 2002, por meio da casa de câmbio Disk Line, de São Paulo. Os doleiros Dario Messer e Helio Laniado teriam utilizado a casa de câmbio. Duda Mendonça também é destaque na revista Veja. Reportagens de Alexandre Oltramari, Julia Duailibi, Otávio Cabral e Juliana Linhares lembram que no começo do governo Lula, antes do escândalo do mensalão, o marqueteiro era uma espécie de conselheiro do presidente, com quem se reunia ao menos uma vez por mês. Na época, a casa cinematográfica de Duda Mendonça na praia de Taipus de Fora (BA), na península de Maraú, com valor estimado em US$ 5 milhões, foi local de descanso para estrelas do PT. Passaram por lá os três integrantes do “núcleo duro” do governo Lula, os ministros José Dirceu, Luiz Gushiken e Antonio Palocci. Veja define Duda: “Ele está envolvido com superfaturamento de contratos com órgãos públicos, remessas ilegais de dinheiro para o exterior, contas secretas em paraísos fiscais, sonegação de impostos e crime eleitoral. Pode-se creditar à sua genialidade a invenção de uma nova categoria da propaganda – o marketing bandido. É nessa modalidade que ele é um grande especialista”. A revista informa que Duda Mendonça já era um publicitário rico quando começou a trabalhar para o PT em 2002. Tinha fortuna pessoal avaliada em R$ 6,8 milhões. A reportagem prossegue: “Com o novo governo, seu patrimônio declarado deu um salto espantoso. Dono de quatro empresas, quatro fazendas, quatro terrenos, obras de arte, joias, três carros (um deles blindado), uma lancha, 8.119 cabeças de gado, 17 jumentos, um trator e R$ 5 milhões aplicados no banco, seu patrimônio pessoal dobrou, atingindo R$ 13 milhões no fim de 2004. Mágica? Não. A empresa de Duda ganhou três contas importantes e milionárias no governo – Petrobras, Ministério da Saúde e Presidência da República. Para a Duda Mendonça Associados, a principal empresa do publicitário, o governo petista foi muito bom. Seu faturamento aumentou de R$ 4,7 milhões em 2002 para R$ 43,3 milhões em 2004 – um crescimento de 820%, que multiplicou os lucros do marqueteiro e por consequência, seu patrimônio pessoal. Deve-se ressaltar que nessa fortuna não estão incluídos os milhões que Duda recebeu no exterior, o que permite concluir que seu patrimônio é infinitamente maior.” O jornal O Estado de S.Paulo destaca levantamento de técnicos da CPI dos Correios segundo o qual quatro contas bancárias de Duda Mendonça no BankBoston, todas em nome de empresas suas, receberam R$ 701 milhões. A maior parte dos depósitos ocorreu depois de 2003. Há um número considerável de depositantes sem identificação. A reportagem de Diego Escosteguy refere-se a uma suspeita sobre outros R$ 377 milhões. O dinheiro saiu das contas de Duda no BankBoston, sem identificação dos destinatários. 225 A revista Época traz notícia sobre relatório preliminar do TCU (Tribunal de Contas da União) com pedido à Procuradoria-Geral da República para a abertura de processo por crime de improbidade administrativa contra Lula e outros seis auxiliares do seu governo. Motivo: a distribuição de uma carta aos segurados do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), em 2004. A carta foi assinada pelo presidente da República e pelo ministro da Previdência Social, Amir Lando (PMDB-RO). Serviu para propagar uma suposta vantagem do crédito consignado. A medida teria favorecido o BMG, líder nacional de empréstimos em folha de pagamento. Época informa que a história “esquisita” terminou com a interrupção da entrega das cartas. De acordo com a reportagem de Thomas Traumann, abriu-se auditoria para apurar irregularidades e destruíram-se 510 mil cartas, numa operação de prejuízos calculados em R$ 9,5 milhões. A carta de Lula mencionando o serviço de crédito e o desconto em folha aos aposentados teria servido como propaganda privada do BMG. 248 16/1/2005 Conclusão dos técnicos da CPI dos Correios: são R$ 23,9 bilhões os recursos suspeitos não identificados. A soma é o total da movimentação bancária atribuída a pessoas e empresas com suposto envolvimento no escândalo do mensalão. Integram o número bilionário os valores eventualmente desviados em irregularidades ocorridas em órgãos pú- blicos da administração federal. Todos os R$ 23,9 bilhões dizem respeito a operações em bancos, das quais não constam as identificações dos nomes dos favorecidos nem tampouco dos responsáveis pelos depósitos. Do que foi apurado, as seguintes instituições financeiras não prestaram as informa- ções solicitadas pela CPI: Safra (operações referentes a R$ 10,7 bilhões), Real – ABN Amro (R$ 5,9 bilhões), Bradesco (R$ 3,7 bilhões), BankBoston (R$ 2,9 bilhões) e Citibank (R$ 516 milhões). 249 17/1/2006 Depoimento à CPI dos Bingos. O economista Paulo de Tarso Venceslau, expulso do PT em 1998, afirma que desde 1995 dirigentes do PT sabiam de esquema para a arrecadação de recursos por meio de caixa 2. Naquele ano, o próprio Venceslau enviou carta registrada em cartório ao então presidente do partido, Luiz Inácio Lula da Silva. Denunciou que a empresa Cpem (Consultoria para Empresas e Municípios), ligada a Roberto Teixeira, compadre de Lula, agia de forma irregular em prefeituras administradas pelo PT. Ela era contratada sem licitação para fazer um trabalho baseado “em notas falsas e rasuradas”, visando aumentar a arrecadação dos municípios com ICMS. Cobrava comissão de 20% pelos serviços. Na década de 80, Lula morou de graça em imóvel de propriedade de Roberto Teixeira, em São Bernardo do Campo (SP). Em seu depoimento, Venceslau afirma que a Cpem era apresentada como “empresa amiga que poderia ajudar nosso partido”. Em 1993, Venceslau era secretário de Finanças da Prefeitura de São José dos Campos (SP), administrada pela prefeita Ângela Guadagnin (PT- 226 SP). Venceslau relata que enviou cópias da carta encaminhada a Lula a várias lideranças do PT, entre as quais os senadores Aloizio Mercadante (PT-SP) e Eduardo Suplicy (PT-SP): - Levei a denúncia para o Aloizio. Ele ficou chocadíssimo e disse: “Isso é nitroglicerina pura”. Mas não fez nada. Afirmava que tentava e não conseguia. O silêncio continuou. Entre os conhecedores do esquema, Venceslau cita lideranças petistas, a saber: Gilberto Carvalho, Paulo Frateschi, José Genoino, Arlindo Chinaglia, Luiz Eduardo Greenhalgh e Paulo Okamotto, que ocupou a função de arrecadador de dinheiro para o partido. Venceslau lembra-se do recado que diz ter recebido na época de Frei Betto, amigo de Lula: - Para explicar a situação, Frei Betto falou: “Se o Lula souber que alguém está conversando com você, ele jura que aquela pessoa vai ser decapitada do partido”. Ninguém teve ousadia ou coragem para ficar do meu lado. Venceslau acusa Paulo Okamotto: - O Paulo, que não tinha função nenhuma no partido, me chamou de lado e me admoestou, dizendo: “Olha, rapaz, você precisa ter cuidado com o que fala”. Ele era o bate-pau, o pau mandado que executa qualquer tarefa, não quer saber se é lícito ou não. O mesmo Paulo, que hoje é presidente do Sebrae, pedia nas prefeituras do PT a lista de empresários fornecedores, que tinham dinheiro para receber, com objetivo de visitá-los. Para Venceslau, o seu afastamento da Prefeitura de São José dos Campos, em 1993, decorre do veto que impôs ao contrato com a Cpem. Entrevistada, a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP), ex-prefeita do município, afirma que Venceslau foi demitido devido a “dificuldades de relacionamento”, mas reconhece que auditoria na época constatou fraude e o contrato com a Cpem foi interrompido. Em relação a Paulo Okamotto, a ex-prefeita confirma que ele a procurou, atrás da lista de empresas fornecedoras da Prefeitura: - Okamotto não era um Marcos Valério, estava mais para Delúbio. O que fica desse episódio é que se conhecia o esquema de arrecadação paralela há muito tempo, desde 1993. Questionada se considerava normal o procedimento de Paulo Okamotto, Ângela Guadagnin dá a seguinte resposta: - Não estou dizendo se era dinheiro ou caixa 2, mas que ele poderia se apresentar a um fornecedor, a qualquer empresa, e solicitar uma doação. Técnicos da CPI dos Correios identificam 82 depósitos em dinheiro, sem registros dos nomes dos depositantes, nas contas bancárias do BankBoston ligadas ao publicitário Duda Mendonça e à sócia dele, Zilmar Fernandes da Silveira. Os depósitos somam R$ 2,2 milhões, sendo que 46 deles foram feitos a partir de 2003. Zilmar Fernandes da Silveira recebeu 41 depósitos sem identificação. O maior deles, de R$ 255 mil, em 20 de dezembro de 2002, logo após a eleição de Lula. O depósito mais alto saiu em nome da Comunicação e Estratégia Política, empresa de marketing de Duda Mendonça. Recebeu R$ 400 mil em 31 de agosto de 2004, ano de eleições municipais. 250 18/1/2006 A CPI dos Bingos apresenta relatório preliminar sobre o caso Caixa Econômica Federal/Gtech, que investiga contrato de R$ 650 milhões assinado entre a estatal do 227 governo brasileiro e a multinacional norte-americana. O relator da CPI, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), solicita o indiciamento de três empresas e 34 pessoas. Entre elas, o presidente da Caixa, Jorge Mattoso, e o secretário particular do ministro Antonio Palocci (PT-SP), Ademirson Ariosvaldo da Silva. Fazem parte da lista Waldomiro Diniz, assessor do então ministro José Dirceu (PT-SP), e Rogério Buratti e Vladimir Poleto, do círculo ligado a Antonio Palocci (PT-SP) na época em que o ministro da Fazenda era prefeito de Ribeirão Preto (SP). Para Garibaldi Alves, há indícios de que os grupos liderados pelos ministros Antonio Palocci e José Dirceu disputaram a propina da Gtech. Ele denuncia os suspeitos de envolvimento por formação de quadrilha, corrupção passiva, crime contra o procedimento licitatório e improbidade administrativa. O relator acrescenta os crimes de falsidade ideoló- gica e tráfico de influência para Poleto, e os de lavagem de dinheiro e contra a ordem tributária para Buratti. Também existem pedidos de indiciamento para Marcelo Rovai e Antonio Carlos Lino da Rocha, respectivamente ex-diretor e ex-presidente da Gtech. Segundo eles, Waldomiro Diniz e Rogério Buratti tentaram extorquir R$ 6 milhões da multinacional, para permitir a renova- ção do contrato. Rogério Buratti nega. Diz que a Gtech ofereceu até R$ 16 milhões em propina por novo contrato de operações de loterias com a Caixa. Mesmo com todo o rolo, o contrato foi assinado. Garibaldi Alves também quer a punição das empresas MM Consultoria e S. Santos Assessoria, de propriedade do advogado Walter Santos Neto. Ele recebeu R$ 5 milhões da Gtech, dinheiro suspeito de ser propina repassada pela multinacional, em troca do contrato. O advogado teria atuado como intermediário. Para o senador, Walter Santos Neto mentiu ao justificar o uso do dinheiro investigado. Garibaldi Alves acusa Walter Santos Neto e funcionários dele de sacarem R$ 2,4 milhões em dinheiro vivo: - Alguns desses saques foram feitos com carro-forte e entregues a ele em sua casa ou no escritório. 251 19/1/2006 Em depoimento à CPI dos Bingos, o motorista Éder Eustáquio de Macedo confirma que dirigiu o Omega blindado no qual viajaram Ralf Barquete, secretário de Finanças de Ribeirão Preto (SP), Vladimir Poleto, assessor do então prefeito Antonio Palocci, e as três caixas de bebida que conteriam dólares de Cuba destinados à campanha de Lula em 2002. Nervoso e mostrando dificuldades para responder as perguntas, Éder Eustáquio de Macedo dá respostas monossilábicas e fica em silêncio durante longos períodos. Admite ter feito viagem do aeroporto de Amarais (SP) a São Paulo, mas garante não ter saído do carro em nenhum momento. A única coisa que fez foi abrir o porta-malas, acionando botão no painel do carro. Foram os passageiros que colocaram e retiraram a bagagem do porta-malas. Éder Eustáquio de Macedo diz que a carga foi deixada numa churrascaria em São Paulo, onde também ficou Vladimir Poleto. Ralf Barquete foi levado depois para o aeroporto de Congonhas. 228 Antes de depor, Éder Eustáquio de Macedo foi assessorado pelo advogado Hélio Silveira, defensor de Ademirson Ariosvaldo da Silva, secretário particular de Antonio Palocci. O escritório do advogado também teria quitado as despesas de hospedagem do motorista em Brasília. Éder Eustáquio de Macedo foi empregado como motorista do Ministério da Fazenda, no Rio. 252 20/1/2006 O Conselho de Ética da Câmara aprova, por 10 votos a 3, a cassação do mandato do deputado Wanderval Santos (PL-SP). Ele é apontado como beneficiário de R$ 150 mil do valerioduto. O dinheiro foi sacado por seu motorista no Banco Rural. Wanderval argumentou que não soube da operação bancária, e que os recursos foram retirados por ordem do ex-deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ), que renunciou ao mandato para escapar da cassação. No parecer em que recomendou a cassação, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) acusa Wanderval Santos pela prática de “mandato terceirizado”, “submissão interessada” e “submissão negociada” ao ex-deputado Carlos Rodrigues, ex-líder da Igreja Universal do Reino de Deus. Wanderval Santos também teria se desligado da igreja. O jornal Folha de S.Paulo publica levantamento segundo o qual o publicitário Duda Mendonça fez transferências de R$ 4 milhões de conta do BankBoston nos dias que antecederam o depoimento dele à CPI dos Correios, em agosto. Transferiu R$ 500 mil a Marcelo Mascarenhas Kertész, seu genro, R$ 2,5 milhões à Nov Patrimonial, empresa que pertence aos cinco filhos do publicitário, e R$ 1 milhão para a agência Duda Mendonça Associados. As duas primeiras transferências ocorreram em 5 de agosto, um dia após o policial David Rodrigues Alves prestar depoimento à CPI e afirmar que sacava dinheiro do valerioduto para entregar a Zilmar Fernandes da Silveira, sócia de Duda. A terceira transferência foi em 10 de agosto, um dia depois do jornal Correio Braziliense noticiar a existência da offshore Dusseldorf, por meio da qual Duda teria recebido recursos de caixa 2 pelos serviços de marketing prestados por ele durante a campanha eleitoral de 2002. O caso Cuba. O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Nelson Jobim, impede a CPI dos Bingos de usar informações obtidas por meio da quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de Roberto Carlos Kurzweil. O empresário é dono da locadora de automóveis que cedeu o Omega para transportar as três caixas de bebida nas quais teriam sido acondicionados dólares trazidos de Cuba para a campanha de Lula em 2002. 253 21/1/2006 Mais uma denúncia contra Duda Mendonça. De acordo com reportagem da revista Veja, o publicitário, familiares dele e a sócia Zilmar Fernandes da Silveira receberam ao menos US$ 15 milhões em cinco contas bancárias de agência do Bank of América, em Miami. “Tudo dinheiro de caixa 2”, escreve o repórter Marcio Aith. Uma das contas é ligada 229 à offshore Dusseldorf, pela qual Duda Mendonça admitiu que pôs as mãos em R$ 10,5 milhões, transferidos pelo valerioduto, para pagar os serviços prestados à campanha eleitoral de 2002. A bolada equivaleu a US$ 3 milhões. A segunda conta é anterior, de 1993. Está em nome de uma outra empresa no paraíso fiscal das Bahamas, mas o beneficiário é Duda Mendonça. Ficava originalmente no BankBoston, fundido em 2003 ao Bank of América. Por essa conta, o publicitário teria recebido US$ 8 milhões, “das mais suspeitas e remotas origens”. Da reportagem: “Como nunca declarou ao fisco, pode-se dizer que sua incursão no mundo do caixa 2 não nasceu com o petismo, como jura às lágrimas. Já dura pelo menos 13 anos. As outras três contas do ‘dudaduto’ no Bank of América não são propriamente do publicitário. São (ou foram) de empresas nas Bahamas que têm ou tiveram as seguintes pessoas como beneficiárias: sua filha Eduarda Mendonça; alguém identificado como sendo ‘sua mulher’; e sua sócia Zilmar Fernandes Silveira.” Veja também publica entrevista com o relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). Ele afirma ao repórter Alexandre Oltramari que a comissão de inqu- érito vai investigar se o dinheiro movimentado por Duda Mendonça tem ligação com o financiamento de campanhas políticas do PT: - Marcos Valério, que sempre foi apontado como o grande responsável pela operação do caixa 2 do PT, agora parece apenas um apêndice do esquema que tinha Duda Mendonça como personagem central. - Duda Mendonça era frequentador assíduo do Palácio do Planalto. Dá para acreditar que o presidente também não sabia de nada a respeito das maracutaias do publicitário? - Que o presidente Lula tinha ciência, ele tinha. Só não posso dizer quanto ele sabia. O suposto empréstimo ao PT, por exemplo, está hoje em R$ 100 milhões. À Coteminas, empresa do vice José Alencar, o PT deve R$ 11 milhões. Duda Mendonça disse que fez as campanhas do partido do presidente por R$ 25 milhões mas recebeu apenas R$ 10,5 milhões. Duda, portanto, ainda tem R$ 14,5 milhões para receber. O PT ia construir uma sede em São Paulo com R$ 15 milhões. É difícil acreditar que Lula não viu um caixa paralelo de mais de R$ 140 milhões. - O presidente disse na televisão que não acredita na existência do mensalão. - O presidente está errado ao dizer que não existem provas do mensalão. É um absurdo. Eu sou advogado. O tesoureiro do PT confessa ter distribuído dinheiro a deputados, líderes e presidentes de partidos da base aliada. Há extratos bancários demonstrando isso. Há a confissão e a renúncia de líderes e presidentes de partidos. Há coincidências de repasse de dinheiro com a mudança de parlamentares de partido e com votações de interesse do governo. Só o PL, que deu o vice a Lula, recebeu 24 transferências em menos de seis meses de 2003. São pagamentos semanais, contínuos, em valores muito semelhantes. Como é que não existem provas do mensalão? Para Osmar Serraglio, Lula pode ser responsabilizado por negligência: - O presidente não conseguiu reconhecer indícios de corrupção no partido dele. Não conseguiu perceber como seu partido foi eleito com uma minoria e formou uma maioria. 230 Ele foi negligente no governo. Escolheu José Dirceu como seu braço-direito. Ele tinha de ter sido mais vigilante, tinha de ter se dado conta das coisas que estavam acontecendo. É responsabilidade dele. Negligência é motivo para impeachment. Diz Osmar Serraglio: - Alguém pode ser cassado sem sequer saber o que aconteceu, apenas porque o que aconteceu estava sob seu comando. Ele pode ser cassado porque nomeou, porque é o comandante. No julgamento político não é necessária a comprovação da culpa, mas apenas o convencimento da culpa pelos pares que vão participar do julgamento. 258 26/1/2006 Em depoimento à CPI dos Bingos, o ministro Antonio Palocci (PT-SP) nega irregularidades em serviços de varrição de rua em Ribeirão Preto (SP). Nega a existência de contratos ilegais na época em que foi prefeito da cidade. Nega ter havido caixa 2 nas elei- ções de 2002, quando coordenou a campanha de Lula. Nega a doação de dólares de Cuba para ajudar a eleição do presidente do PT. Nega o recebimento de dinheiro de casas de bingo para a campanha eleitoral. Como ministro da Fazenda de Lula, nega irregularidades no contrato entre a Caixa Econômica Federal e a multinacional Gtech. Com fala mansa e pausada, jeito tranquilo, Antonio Palocci, de forma serena, diz ser “fantasiosa” as informações de seu ex-secretário de Governo em Ribeirão Preto, Rogério Buratti, que admitiu ter ouvido menções à operação Cuba. O ministro da Fazenda também é questionado sobre a propina de R$ 50 mil que, segundo o mesmo Rogério Buratti, era repassada a ele, Palocci, mensalmente, na Prefeitura de Ribeirão Preto. Diz o ministro: - Não é verdade. - Então ele é mentiroso? - Não quero me pronunciar dessa forma. Lula comenta o depoimento: - O Palocci é um monumento de sinceridade, é um monumento de inteligência. Eu acho que, quem assistiu, saiu convencido de que o espetáculo que a CPI queria dar não aconteceu, porque o Palocci foi muito sincero, muito honesto e muito digno. O Conselho de Ética da Câmara aprova pareceres recomendando a cassação dos mandatos dos deputados Professor Luizinho (PT-SP) e Roberto Brant (PFL-MG). A votação de Roberto Brant termina empatada em 7 votos a 7, e é desempatada pelo deputado Ricardo Izar (PTB-SP), presidente do Conselho de Ética. Roberto Brant recebeu R$ 102 mil do valerioduto, mas alegou que era doação da Usiminas para a sua campanha a prefeito de Belo Horizonte. Já a cassação de Luizinho é aprovada no Conselho de Ética por 9 votos a 5. O petista apareceu na lista de Marcos Valério como beneficiário de R$ 20 mil. O dinheiro foi sacado no Banco Rural pelo assessor José Nilson dos Santos. Luizinho foi acusado de ter intermediado a conversa entre o assessor e o tesoureiro do PT, Delúbio Soares. O deputado garantiu desconhecer a origem dos recursos, e disse que não ficou com o dinheiro. Não convenceu. 231 260 28/1/2006 A revista Época publica levantamento sobre operações supostamente fraudulentas que envolvem o Banco do Brasil. Transações com a BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros) teriam provocado prejuízos de R$ 30,9 milhões ao banco federal. Os dados estão com a CPI dos Correios. As operações teriam as digitais de Lúcio Funaro, doleiro bem relacionado no meio político. Ele mantém ligações com a corretora Guaranhuns, intermedi- ária na transferência de R$ 6,5 milhões do caixa 2 do PT para o PL. As investigações da comissão sobre as perdas do Banco do Brasil, ocorridas entre janeiro e novembro de 2003, abrangem 12 operações com um procedimento financeiro chamado swap. Trata-se de empréstimos recíprocos entre bancos, em moedas diferentes com taxas de câmbio iguais. Costuma ser utilizado para antecipar recebimentos em divisas estrangeiras. O diabo é que as transações do Banco do Brasil com Lúcio Funaro terminavam sempre dando menos do que poderiam à estatal. Em seguida rendiam dinheiro ao doleiro, que obtinha melhores cotações no mercado. A reportagem de Leandro Loyola informa que “todo mundo enxergava as melhores taxas, menos a turma do Banco do Brasil”. Em Brasília, de acordo com Época, “suspeitase que Funaro seja um intermediário especializado em desviar dinheiro público pelo mercado financeiro”. A revista entrevista o sócio de uma grande corretora de São Paulo, que define Lúcio Funaro: - Ele monta operações de cartas marcadas, transforma reais em dólares, lava o dinheiro e o envia para o exterior se o cliente quiser. 261 29/1/2006 O jornal Folha de S.Paulo traz relação de providências importantes que a CPI dos Correios deixou de tomar, após sete meses de apuração do escândalo do mensalão. A reportagem de Rubens Valente e Fernanda Krakovics mostra que não foram quebrados os sigilos de todas as movimentações do Banco Rural e do BMG, para se ter acesso completo a opera- ções conduzidas por ambas instituições. O procedimento possibilitaria saber se o Banco Rural e o BMG fizeram transações com bancos estatais, corroborando ou não a tese de que havia recursos públicos por trás dos empréstimos ao PT. A quebra dos sigilos traria dados sobre eventuais internações de capital por meio de empresas offshore ou outros bancos do exterior, próximos das datas dos R$ 55,8 milhões movimentados pelo valerioduto. Da reportagem: “A confirmação desse tipo de transação levantaria a hipótese de que os recursos pudessem ser do próprio PT, mantidos em alguma conta não declarada no exterior.” Decisão grave da CPI foi a de não solicitar a quebra dos sigilos bancários, telefônicos e fiscais de todos os deputados acusados de receber o mensalão. Teve amparo no “acordo” segundo o qual a medida seria tomada em âmbito da CPI do Mensalão, o que não ocorreu. A CPI dos Correios jamais solicitou as listas completas dos assessores de deputados e senadores no Congresso Nacional, para cruzar com os nomes dos beneficiados por movimenta- ções financeiras das empresas de Marcos Valério nos bancos suspeitos. 232 262 30/1/2006 Depoimento confuso à Polícia Federal. O presidente do PL, ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP), afirma que, em 2002, numa transação intermediada por assessores dele, emprestou R$ 3 milhões do doleiro Lúcio Funaro, para efetuar despesas da campanha de Lula. Para a CPI do Mensalão, ele havia dito que não manteve qualquer relacionamento com a Guaranhuns. Antes do depoimento à comissão, porém, Valdemar Costa Neto dissera que, por conta da aliança eleitoral com o PT, recebera cheque nominal da corretora, posteriormente convertido em dinheiro. Interessante recordar o que Valério havia dito. Segundo ele, a Guaranhuns recebeu R$ 6,5 milhões do caixa 2 do PT destinados ao PL. Valério também negou a história do cheque nominal. De volta ao depoimento à Polícia Federal: ao argumentar que não conhecia Lúcio Funaro, Valdemar Costa Neto explicou que o empréstimo de R$ 3 milhões fora tomado junto a um “agiota”, a quem desconhecia na época. O ex-deputado garantiu que todo o empréstimo foi integralmente destinado ao pagamento de dívidas de campanha, mas não apresentou os comprovantes. 263 31/1/2006 Depoimento à Polícia Federal: José Genoino (SP), ex-presidente nacional do PT, procura se eximir de responsabilidade por ter assinado, como avalista, empréstimos que o partido tomou junto ao Banco Rural e ao BMG. Afirma que seguiu “decisão conjunta do Diretório Nacional”, e que “os detalhes não foram tratados por mim”. Culpa o tesoureiro do PT: - A negociação e a escolha das instituições financeiras ficaram a cargo do Delúbio Soares. Eu simplesmente assinei como avalista. Apesar de presidente do PT na época, José Genoino sustenta que deixou os pedidos de empréstimos nas mãos de Delúbio Soares, “em confiança”. - Minhas funções eram eminentemente políticas na presidência. As funções administrativas, gerenciais e financeiras eram de competência do Delúbio. 264 1/2/2006 Em depoimento à Polícia Federal, Roberto Jefferson (PTB-RJ) admite ter recebido doação ilegal de R$ 75 mil para a campanha eleitoral de 2002. Veio de esquema operado por Dimas Toledo, ex-diretor de Engenharia de Furnas Centrais Elétricas. De acordo com Roberto Jefferson, Dimas Toledo levou a quantia pessoalmente a seu escritório político, em dinheiro vivo. O diretor de Engenharia da estatal federal só deixou o cargo em 2005, depois que Roberto Jefferson denunciou seu envolvimento no escândalo do mensalão. A Polícia Federal investiga a autenticidade de um dossiê conhecido como “Lista de Furnas”. Apura eventual envolvimento de Dimas Toledo com o “documento”. Ele nega. A relação traz os nomes de 156 políticos, a grande maioria de oposição ao governo Lula. Eles teriam recebido R$ 40 milhões do caixa 2 de Furnas Centrais Elétricas, durante a campanha eleitoral de 2002. 233 A relação de nomes está em papel timbrado de Furnas, mas o carimbo de um cartório de Belo Horizonte poderia ter sido falsificado. A suposta fraude serviria como manobra diversionista. Desviaria a atenção do escândalo do mensalão. Surte efeito. Trava os trabalhos da CPI dos Correios. O repórter Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo, informa que a difusão da “Lista de Furnas” pela internet foi feita por um militante do PT de Belo Horizonte. Ele teria recebido fotocópia da relação do deputado Rogério Correia (PT-MG). Rogério Correia diz que a obteve do lobista Nilton Monteiro. E Nilton Monteiro, por sua vez, afirma ter entregado o “documento” a um advogado, já morto. E assim o original não existiria mais. Em entrevista ao repórter Maurício Dias, da revista Carta Capital, Roberto Jefferson fala sobre Dimas Toledo, “Lista de Furnas” e do envolvimento de Lula com o caso. Segundo Jefferson, “Dimas é um homem de tamanho prestígio, de tamanha força, que metade das pessoas incluídas na lista me ligou quando o presidente Lula pediu um nome para substituí-lo em Furnas”. - O senhor já tinha falado desse caixa 2 em Furnas, não? - Sim, numa entrevista para a Folha de S.Paulo. Falei de um encontro com o Zé Dirceu. Ele me explicou como funcionava e pediu para que o Dimas permanecesse fazendo o caixa do PT e do PTB. Mas o presidente Lula não queria a permanência do Dimas, que ele considerava extremamente tucano. Mas o Dirceu queria que ele permanecesse. Nessa época, o Dimas já transferia dinheiro para o PT. Entregava dinheiro ao Delúbio. - O que aconteceu? - Lula reagiu. “Por que recuou?”, perguntou o presidente. “Muita pressão”, respondi. “E você não sabe resistir à pressão?”, insistiu Lula. Eu disse, “então está fechado. Vamos trocar”. O Dirceu protestou e disse que se eu tivesse insistido o Dimas ficaria. - E por que não insistiu? - Eu disse que era ruim manter o cara. Aí foi a origem de todo o meu problema com Dirceu. Por ter tentado remover o doutor Dimas dessa posição poderosíssima de apoio aos partidos políticos. Ele era tão poderoso que governadores me ligaram para que eu não o tirasse, que não insistisse na troca. De acordo com Roberto Jefferson, ele havia feito um trato com o ex-ministro José Dirceu, para que os R$ 4 milhões de caixa 2 gerados por Furnas Centrais Elétricas fossem divididos, meio a meio, entre PT e PTB. Isso sem contar “a celebração de novos contratos em volumes vultosíssimos”: - Essa posição de Furnas só não era maior do que a posição da Petrobras. É uma das mais poderosas posições políticas do Brasil. É disputada em luta de carnificina pelos partidos. Exatamente em razão do financiamento eleitoral. O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados aprova, por 11 votos a 3, pedido de cassação do mandato do presidente do PP, deputado Pedro Corrêa (PE). Ele é acusado de ter recebido R$ 4,1 milhão de Marcos Valério, mas só admite o recebimento de R$ 700 mil. O dinheiro do caixa 2 do PT teria sido usado para pagar serviços de advocacia em defesa do 234 ex-deputado Ronivon Santiago (PP-AC). A versão de Pedro Corrêa, contudo, foi rechaçada pelo relator do caso, deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP). Do parecer que traz o pedido de cassação do presidente do PP: “Corrêa exigiu, como parte da negociação que culminaria com o ingresso do PP na base aliada, que o PT efetuasse repasses de recursos a seu partido.” 265 2/2/2006 A Polícia Federal indicia o publicitário Duda Mendonça e a sócia dele, Zilmar Fernandes da Silveira. Ambos vão responder por evasão de divisas, lavagem de dinheiro e operações realizadas em paraísos fiscais. Duda Mendonça não declarou à Receita Federal os R$ 10,5 milhões que admitiu ter recebido do PT no exterior, por serviços prestados na campanha eleitoral de 2002. Tampouco informou que era o dono da offshore Dusseldorf, aberta nas Bahamas para lavar dinheiro. Apesar do indiciamento, Duda Mendonça mantém o contrato para a prestação de serviços publicitários à Petrobras. 268 5/2/2006 O ministro Antonio Palocci (PT-SP) apresentou versão falsa em depoimento à CPI dos Bingos. Disse que o PT pagou as despesas do aluguel do jatinho particular usado por ele, em 23 de julho de 2003. Naquele dia, Palocci fez viagem de ida e volta de Brasília a Ribeirão Preto (SP). Os repórteres Mario Cesar Carvalho e Leonardo Souza, da Folha de S.Paulo, procuraram notas fiscais e recibos que comprovassem o aluguel do avião em diretórios do PT. Nada acharam. O dono da aeronave, empresário José Roberto Colnaghi, reconheceu: não houve pagamento. Da reportagem: “A história é uma farsa. Não houve pagamento pelo jatinho.” Em seu depoimento à CPI, Antonio Palocci dissera: - O PT disponibilizou um avião particular, alugou um avião para fazer a viagem. José Roberto Colnaghi também é dono do avião que teria transportado dólares de Cuba para o PT. Palocci nega a doação do governo cubano, como negou a veracidade da notícia publicada nos jornais de que viajara no avião de José Roberto Colnaghi. Na CPI dos Bingos, porém, o empresário confirmou tudo. Aí veio Palocci, com a história do aluguel do avião. Agora, novamente, o ministro foi desmentido. Do Código de Conduta da Alta Administra- ção Federal, em vigor desde o ano 2000, em seu artigo 7°: “A autoridade pública não poderá receber salário ou qualquer outra remuneração de fonte privada em desacordo com a lei nem receber transporte, hospedagem ou quaisquer favores de particulares de forma a permitir situação que possa gerar dúvida sobre a sua probidade ou honorabilidade.” Em carta enviada à CPI dos Bingos, José Roberto Colnaghi complica a situação de Antonio Palocci. Reafirma que não alugou o avião ao PT: “Declaro, enfaticamente, que a referida aeronave, que é utilizada para minhas atividades industriais, pecuárias e de lazer, jamais foi locada a terceiros, nem cobrado qualquer reembolso por todos quantos nela já viajaram.” 235 271 8/2/2006 Soraya Garcia, assessora financeira do PT de Londrina (PR) nas eleições de 2004, presta depoimento à CPI dos Bingos. Afirma que a empresa Itaipu Binacional doou R$ 400 mil de caixa 2 para a campanha de reeleição do prefeito Nedson Micheletti (PT). Acusa a multinacional norte-americana Gtech de ter quitado aluguéis de veículos usados na campanha. Reitera que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo (PT-PR), participou do esquema. E confirma que o ex-ministro José Dirceu (PT-SP) levou R$ 300 mil em dinheiro vivo para irrigar o caixa do PT de Londrina nas eleições daquele ano. Soraya Garcia diz que a campanha recebeu 20 mil camisetas fabricadas pela Coteminas, do vice-presidente José Alencar (PL-MG), todas transportadas em caixas da agência de publicidade DNA, de Marcos Valério. A ex-assessora conta que, pressionada pela Justiça Eleitoral para explicar a origem das camisetas, conseguiu nota fiscal fria, da própria Coteminas, depois de muito insistir. O documento foi providenciado pelo tesoureiro Delúbio Soares. 272 9/2/2006 O Conselho de Ética da Câmara rejeita, por 9 votos a 5, parecer que recomendava a cassação do ex-líder do PP, deputado Pedro Henry (MT). É o primeiro caso em que o Conselho de Ética derruba o voto do relator. Pedro Henry foi acusado por Roberto Jefferson de distribuir recursos do caixa 2 do PT para a bancada do PP, e de pressionar o líder do PTB, deputado José Múcio (PE), para que os petebistas também participassem do mensalão. De acordo com o relator do caso Pedro Henry, deputado Orlando Fantazzini (PSOLSP), houve uma “união espúria entre PP e PT”, resultado de reuniões das quais participaram, pelo PP, Pedro Henry, José Janene (PR) e Pedro Corrêa (PE). Teriam repassado R$ 4,1 milhões do valerioduto ao PP. Trecho da entrevista de Jefferson à Folha de S.Paulo, em 6 de junho de 2005: - Me lembro de uma ocasião em que o Pedro Henry tentou cooptar dois deputados do PTB oferecendo a eles mensalão, que ele recebia de repasse do doutor Delúbio. E eu pedi ao deputado Íris Simões que dissesse a ele: se fizer, eu vou para a tribuna e denuncio. Morreu o assunto. Em entrevista ao blog Nos Bastidores do Poder, do jornalista Josias de Souza, Roberto Jefferson afirma que o ex-ministro José Dirceu lhe propôs a partilha da “sobra” mensal do esquema montado em Furnas Centrais Elétricas. O presidente do PTB cita o diretor de Engenharia da estatal, Dimas Toledo: - Dava R$ 4 milhões. R$ 1 milhão ficaria para despesas de diretoria que o Dimas teria, R$ 1,5 milhão iria para o PTB e R$ 1,5 milhão para o PT. - O senhor chegou a conversar sobre isso com o próprio Dimas? - Sim. Ele esteve em minha casa, em abril do ano passado, a pedido do Zé Dirceu. - Ele queria o quê? - Formalizar o acordo. Me disse que ficaria para o PTB R$ 1,5 milhão por mês e para o PT R$ 1,5 milhão. Reforçou a conversa que o Zé Dirceu já havia acertado. Eu voltei ao Zé, 236 contei os termos e perguntei: “Está fechado?” Ele disse: “Fechado”. Foi quando Lula deu para trás. Disse: “Não, esse cara é um traidor. Ele é tucano. Botamos R$ 1,5 milhão na Cemig, para fazer o programa Luz para Todos nas favelas, e ele só botou placa do governo do Aécio”. - A proposta da partilha foi feita para que o senhor concordasse com a manutenção do Dimas? - Exato. Quem ficava com tudo naquela época era o Delúbio. Tinha também um “grupo dos 12” do PSDB, que ficava com R$ 600 mil por mês. E três eu sei com certeza: Piauhylino, Osmânio Pereira e Salvador Zimbaldi. O jornalista Janio de Freitas, da Folha de S.Paulo, comenta o trecho da entrevista no qual Roberto Jefferson disse que “Lula deu para trás”, e aquele no qual o presidente da República afirmou que Dimas Toledo “é um traidor”, porque teria beneficiado o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB): “O que está implícito na descrição feita por Jefferson é o conhecimento do esquema ilegal por Lula, na condição de palavra final e decisiva. A descrição faz depreender também que, não fosse a omissão em uma placa, o acordo seria aprovado. Lula não ‘daria para trás’ se, em outra afirmação de Jefferson, a verba mensal já existia e até então ficava para o PT e um grupo seleto de deputados de outros partidos.” Na entrevista de 6 de junho de 2005 à Folha de S.Paulo, Jefferson fornecera outros números do caixa 2 de Furnas Centrais Elétricas. Falou em R$ 3 milhões, divididos da seguinte forma: R$ 1 milhão para o PT nacional, R$ 1 milhão para o PT de Minas Gerais, R$ 500 mil para a diretoria de Furnas e R$ 500 mil para um grupo de deputados. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, dá números uma vez mais diferentes: - Dimas esteve na minha casa para tratar da partilha. No total eram R$ 4 milhões. R$ 1,5 milhão para o PT e R$ 1,5 milhão para o PTB, mensais, além de R$ 400 mil para as despesas de diretoria que o Dimas teria. Outros R$ 600 mil eram para o grupo dos 12 do PSDB. Jefferson relata à repórter Ana Paula Scinocca que, diante da recusa de Lula em manter Dimas Toledo em Furnas, tentou substituí-lo por Francisco Spirandel, indicação do PTB. Estava tudo acertado. Aí a revista Veja publicou a reportagem em que Maurício Marinho, funcionário dos Correios, aparecia em gravação pegando propina. Eclodiu o escândalo do mensalão e suspenderam a posse de Francisco Spirandel. Diz Jefferson: - É por isso que eu sempre disse que tinha o dedo da Abin. Isso aconteceu em razão de o PT querer caixa único. O jornal O Estado de S. Paulo também informa que Furnas, anualmente, faz investimentos da ordem de R$ 1 bilhão. A estatal federal é responsável pela segunda maior parcela de geração de energia no Brasil, só perdendo para a Itaipu Binacional. A repórter Irany Tereza relaciona os supostos bens de Dimas Toledo, funcionário de Furnas por 30 anos: apartamento na Barra da Tijuca (RJ), casa em Lorena (SP), três casas, apartamento e terreno em Resende (RJ), 15 alqueires de terra em Bocaina (MG) e três automóveis. E isso sem contar os imóveis transferidos para os filhos. 237 278 15/2/2006 Em depoimento à CPI dos Correios, Dimas Toledo, ex-diretor de Engenharia de Furnas Centrais Elétricas, reconhece ter sido o único alto funcionário da estatal a permanecer no cargo, após as eleições de 2002. Ele nega dispor de padrinho político. Diz que a decisão de mantê-lo em Furnas foi da então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff (PT-RS). Dimas Toledo admite encontro com o ex-tesoureiro Delúbio Soares, no fim de 2002. Segundo ele, Delúbio Soares visitou a estatal “para conhecer o que era Furnas, como funcionava”. Dimas Toledo também recebeu a visita de Silvio Pereira, secretário-geral do PT na época. Foi em 2003. Durante a reunião, “Silvinho” pediu o organograma de Furnas. Opinião de Dimas Toledo sobre o encontro com Delúbio Soares: - Conheci o Delúbio Soares no final de 2002. A eleição já tinha acabado. Ele queria saber o que Furnas fazia. Tivemos uma boa conversa. Agora, sobre Silvinho: - Nunca conversei com Silvio sobre contratos ou serviços de empreiteiras para Furnas. A última vez que falei com ele foi no início de 2005. A Polícia Federal apura o envolvimento dos três filhos de Dimas Toledo em esquema de cobrança de propina de construtoras e prestadoras de serviços contratadas por Furnas. Suspeita-se que empresas eram induzidas a contratar consultorias de fachada, indicadas por Dimas, para viabilizar os acertos. 279 16/2/2006 A Polícia Civil de Goiás indicia Delúbio Soares por peculato. O ex-tesoureiro é acusado de apropriação indevida de dinheiro público. Ele recebeu salários mensais que variaram de R$ 1.240 a R$ 1.400, em 2001 e 2002, como se estivesse prestando serviços ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás. Na época Delúbio trabalhava em São Paulo, para o PT. As presidentes da entidade sindical naquele período, Noeme Diná, já indiciada, e Neyde Aparecida (PT-GO), eleita deputada, assinaram comprovantes falsos de que Delúbio cumpria jornadas de trabalho de 40 horas semanais em Goiânia. O Conselho de Ética da Câmara aprova, por 10 votos a 3, a cassação do deputado João Magno (PT-MG). Acusado de envolvimento no escândalo do mensalão, ele admitiu ter recebido R$ 426 mil das contas de Marcos Valério. Garantiu, porém, que usou o dinheiro para pagar despesas da campanha política de 2002, quando se elegeu deputado, e das eleições de 2004, quando disputou e perdeu a Prefeitura de Ipatinga (MG). João Magno não registrou os recursos na Justiça Eleitoral. Diz que aguardava documentos do PT sobre a origem da contribuição. Depois que o escândalo do mensalão veio à tona, aí, sim, decidiu prestar contas ao Tribunal Regional Eleitoral. 282 19/2/2006 Mais indícios de caixa 2 na relação Duda Mendonça/PT. A CPI dos Correios fez levantamento sobre R$ 9,3 milhões oficialmente destinados ao publicitário por comitês 238 eleitorais do PT, para pagar serviços prestados a seis candidaturas do partido nas eleições municipais de 2004. Os técnicos não encontraram registros de que o dinheiro tenha sido depositado nas contas da Cep (Comunicação e Estratégia Política), a empresa de Duda Mendonça responsável pelos trabalhos. Tampouco há depósitos em outras contas bancárias ligadas dele. É como se Duda não tivesse recebido pelos serviços. O repórter Diego Escosteguy, de O Estado de S. Paulo, ouviu as desculpas costumeiras. Do advogado de Duda Mendonça, Tales Castelo Branco: - Quem tem que explicar como se deram os pagamentos é o PT. Duda recebeu pelos serviços prestados e já explicou tudo à Receita Federal. Para o tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, a responsabilidade não é do partido, mas dos comitês eleitorais: - Não participamos dos contratos dos comitês municipais. A lógica: o dinheiro foi repassado para Duda Mendonça em paraísos fiscais no exterior. Ou, para quem quiser acreditar: os recursos de caixa 2, recebidos em espécie, pagaram fornecedores durante a campanha. Não sobrou nada. Detalhe: um dos “empregados” da Cep de Duda é Luiz Favre, marido da ex-prefeita Marta Suplicy (PT-SP), derrotada em uma das seis campanhas tocadas pelo publicitário. Salário de Luiz Favre, R$ 14 mil mensais. Depois da campanha, Luiz Favre teria recebido uma bolada de R$ 148 mil do “patrão”. 284 21/2/2006 Relatório preliminar da CPI dos Correios indica que nove fundos de pensão elevaram de R$ 48,8 milhões para R$ 533 milhões os investimentos no Banco Rural e no BMG, de 2003 a 2004. O aumento de mais de 10 vezes ocorreu em aplicações em CDBs (Certificados de Depósitos Bancário) e FIFs (Fundos de Investimento Financeiros) e levou em conta as reaplicações. A CPI suspeita que os investimentos funcionaram como mecanismo de compensa- ção, um tipo de premiação pelos “empréstimos” concedidos pelos dois bancos ao esquema PT/Marcos Valério. Como exemplo, apresenta os casos dos fundos Funcef (Caixa Econômica Federal), Nucleos (estatais nucleares), Portus (portuários) e Previ (Banco do Brasil). Nenhum deles tinha aplicações nos bancos Rural e BMG. Investiram R$ 84,7 milhões em 2004. A Polícia Federal faz a identificação de duas empresas de fachada localizadas no paraíso fiscal das Bahamas. Elas receberam recursos da Dusseldorf, offshore do publicitário Duda Mendonça. A Dusseldorf recebeu dinheiro do caixa 2 do PT. As empresas são a Raspberry e a Strongbox. Os depósitos vieram da Dusseldorf e somam US$ 632 mil. As duas offshores têm o mesmo endereço em Nassau, capital das Bahamas. A transferência de dinheiro entre offshores é um método clássico para despistar a origem e o destino de recursos ilegais. Os nomes da Raspberry e da Strongbox estavam nos arquivos do MTB Bank, de Nova York, fechado sob a acusação de movimentar altas somas 239 operadas por doleiros. Funcionaria como uma lavanderia de dinheiro. As duas offshores mantiveram contas no BankBoston de Miami. Fizeram depósitos em conta do MTB Bank em nome da empresa Maximus, com sede no Uruguai. As investigações também detectam que a Dusseldorf fez remessa de US$ 730 mil para o banco Crédit Suisse, em Zurique, em 19 de setembro de 2003. A remessa seguiu depois para conta do banco suíço no BankBoston e, de lá, a beneficiário não-identificado. A Dusseldorf teria repassado US$ 473 mil para a conta do Bankhaus Carl, em 19 de dezembro de 2003. Suspeita-se de duas coisas: o Bankhaus poderia ser instituição financeira com sede em Bremen, na Alemanha, ou operadora de conta no banco Chase Manhattan, em Miami. Outra empresa, a Prudential Securities, sobre a qual não há informações, recebeu US$ 100 mil da Dusseldorf, em 16 de dezembro de 2003. O dinheiro foi creditado em conta do Chase Manhattan, em Nova York. Em 1998, Duda Mendonça recebeu recursos por meio de outra empresa, a Eleven, que tinha conta no Citibank de Nova York. Suspeita-se que essa conta recebeu US$ 5 milhões de dinheiro supostamente desviado da Prefeitura de São Paulo de 1993 a 1996, na gestão de Paulo Maluf (PP-SP), para quem Duda trabalhou. 285 22/2/2006 A Polícia Federal indicia Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL. Ele é acusado de lavagem de dinheiro e crime contra a administração pública. Teria recebido R$ 1,6 milhão do empresário Marcos Valério. O dinheiro chegou ao PL por conta do acerto com o PT. Jacinto Lamas confessou ser o autor de retiradas, “em pacotes lacrados”. Não deu informa- ções sobre o destino do dinheiro. Alegou que fez os saques por determinação do presidente do PL, ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP), e garantiu ter entregado toda a quantia a Valdemar, sem nem conferir as somas que transportou. Os repasses do valerioduto ao PL seriam de R$ 10,8 milhões. O dinheiro também teria chegado ao partido por meio de operações financeiras intermediadas por corretoras. Valdemar Costa Neto renunciou ao mandato. Disse que os repasses fizeram parte de acordo eleitoral com o PT, e assegurou ter usado o dinheiro para pagar despesas da campanha eleitoral de 2002. 292 1/3/2006 Os Estados Unidos divulgam relatório mundial sobre o combate ao crime organizado. O Brasil e o escândalo do mensalão ocupam espaço de destaque. O documento cita as investigações desencadeadas por autoridades brasileiras contra “figuras públicas corruptas, incluindo inspetores de alfândega, autoridades federais tributárias e altas figuras políticas, e o uso de empresas offshore para lavagem de dinheiro”. Ao abordar o caso brasileiro, o relatório do governo norte-americano fala num “leque de atividades corruptas de escopo espetacular”, e salienta que investigações realizadas por CPIs “revelaram um escândalo de corrupção de várias camadas, envolvendo a alegada compra de votos pelo Partido dos Trabalhadores do presidente, e financiada por propinas em contratos”. O documento menciona pagamentos efetuados em contas no exterior e faz alusões aos bancos Rural e BMG, que “serviriam de conduto para pagamentos ilícitos, por meio de contas bancárias de uma firma de publicidade”. 240 295 4/3/2006 Marcos Valério fez chantagem em conversas por telefone com o ex-deputado José Borba (PR), ex-líder do PMDB na Câmara dos Deputados, acusado de receber R$ 2,1 milhões do caixa 2 do PT. José Borba renunciou com medo de ser cassado. A reportagem de Alexandre Oltramari e Otávio Cabral, da revista Veja, informa que Valério teria exigido proteção da CPI dos Correios. Senão, acusaria repasse de dinheiro a Borba, que pretendia comprar apoio da ala oposicionista do PMDB e se manter no cargo de líder do partido. Valério estaria pronto a denunciar o recebimento de mensalões por parte de deputados do PMDB, e a dizer que entregou dinheiro para José Borba pagar o apresentador de televisão Carlos Massa, o “Ratinho”, em 2004. Em troca, ele usaria seu programa no SBT como palanque para Lula e a então candidata à reeleição em São Paulo, a ex-prefeita Marta Suplicy (PT). De fato, Ratinho fez uma entrevista com o presidente durante um churrasco na Granja do Torto, e repetiu alguns trechos da gravação várias vezes em seu programa de televisão. A revista relata as “relações estreitas” entre José Borba e Marcos Valério. Descreve quatro reuniões entre os dois, de setembro de 2004 a março de 2005, no hotel Sofitel, em São Paulo. Participaram Delúbio Soares e o advogado Roberto Bertholdo, assessor de José Borba. Bertholdo havia sido nomeado pelo governo Lula para o Conselho de Administração da Itaipu Binacional. De acordo com a reportagem, Borba seguia para Brasília depois das reuniões e, numa sala da Câmara dos Deputados, recebia filas de deputados do PMDB: “Mas havia uma logística curiosa: os deputados entravam na saleta um a um, nunca em grupo. O entra-e-sai ocorria quase sempre à noite.” Os repórteres entrevistaram um ex-aliado de Bertholdo, não identificado pela revista. Ele afirma que 55 deputados do PMDB, pertencentes à base de apoio do governo Lula, recebiam mensalões. Variavam de R$ 15 mil a R$ 200 mil, conforme o cacife do agraciado. O entrevistado da revista conta que certa vez Bertholdo lhe mostrou, dentro de um jatinho particular, uma caixa de papelão com R$ 8 milhões em dinheiro vivo. Bertholdo não tinha medo: - Que perigo, o quê? Eu tô operando para o governo. O advogado Sérgio Renato Costa Filho gravou conversas que manteve com Roberto Bertholdo, seu ex-sócio. Uma delas remete ao caso do pagamento ao apresentador Ratinho. De acordo com o grampo, Bertholdo diz assim: - Na segunda-feira eu vou, eu e o Ratinho e o Borba, no avião do Ratinho, pra pegar o Delúbio, que é o tesoureiro. Pra fazer um acerto de uns cinco paus. “Cinco paus” seriam R$ 5 milhões. Em outra gravação, Bertholdo menciona o diretorgeral da Itaipu Binacional, o petista Jorge Samek. Ele teria cobrado US$ 6 milhões de propina da empresa Voith Siemens, para perdoar uma dívida. Do diálogo dos advogados, após Bertholdo falar dos US$ 6 milhões: - 6 paus em dólar? - É, temos que pegar pelo menos três. - Sim. - (...) Se quiserem me tirar do Conselho, não me tiram por causa do PMDB. É minha função lá dentro. 241 - Sim, claro. - (...) O Samek não põe a gente pra dentro do jogo. Vai tomar no c... - Eu também acho. Podia ter chamado... - Não. Podiam falar: “Ó, tamo fazendo...” - Então... - E aí pegar como doação de campanha, mesmo... - Hum-hum. - Com gosto. - Hum-hum. A reportagem esclarece que Jorge Samek integra o seleto grupo de amigos de Lula. Costuma participar de churrascos e festas na Granja do Torto. Samek já foi próximo de Bertholdo. Pegou carona em viagens para Brasília no jatinho do advogado, na época em que Bertholdo fazia parte do Conselho de Administração de Itaipu. Agora, Bertholdo está preso em Curitiba. É acusado de vários crimes, entre os quais grampear um juiz federal, vender sentenças judiciais, lavar dinheiro, fazer tráfico de influência e o de torturar o ex-sócio Sérgio Renato Costa Filho, para se apoderar das fitas gravadas por ele. 296 5/3/2006 O jornal Correio Braziliense reproduz trechos de uma conversa gravada. Nela, o ex-motorista do senador Romero Jucá (PMDB-RR), Roberto Jefferson Marques, admite ter feito saque de R$ 50 mil na agência do Banco Rural do Brasília Shopping. Na fita, Marques comenta sua ida ao banco: - Eu só cheguei lá e disse: “Meu nome é Roberto Jefferson Marques”. Aí, o cara falou: “Ah, tudo bem”. Só isso. E me entregou um envelope amarelo, grampeado em cima. Não abri, não fiz nada. De acordo com a gravação, o motorista, conhecido como “Xuxa”, recebeu determinação do senador, que foi ministro da Previdência Social do governo Lula, para fazer a retirada no Banco Rural. O dinheiro deveria ser entregue a um certo homem, identificado como Magela. Assim Marques procedeu. A reportagem, de Luciene Soares, Rodrigo Lopes e Marcelo Rocha, conta que Marques ficou assustado com a eclosão do escândalo do mensalão. Romero Jucá tratou de desligá-lo do gabinete em Brasília, e tirá-lo da capital federal. Ele foi para Belém, onde passou mais de um mês. Sem trabalho, voltou a procurar o senador. Sem sucesso. O Correio Braziliense relata: “A fita cassete em que Roberto Marques faz as revelações foi gravada no final de outubro de 2005, durante uma conversa no interior de um veículo. O interlocutor de Marques, que fez a gravação, prefere não se identificar. Marques estava desempregado. Depois que tomou conhecimento do que dizia seu ex-motorista, o senador voltou a empregá-lo. Hoje, ele trabalha na Prefeitura de Boa Vista, cuja titular é Tereza Jucá, mulher de Romero Jucá. Agora, Marques nega ter feito saques a pedido do senador. Afirma desconhecer qualquer coisa relacionada ao assunto.” 242 299 8/3/2006 Mais um escândalo. Em depoimento à CPI dos Bingos, Francisco Chagas da Costa, motorista que trabalhou entre março de 2003 e fevereiro de 2004 para a “república de Ribeirão Preto”. Ele prestou serviços a assessores e outras pessoas ligadas ao ministro Antonio Palocci (PT-SP) em Brasília. São eles: Ademirson Ariosvaldo da Silva, Rogério Buratti, Vladimir Poleto e Ralf Barquete. Afirma ter visto o ministro “três vezes, mais ou menos”, na chamada “casa dos prazeres”, alugada no Lago Sul. Diz o motorista: - Foi lá, ia lá. Mas não em festa. Durante o dia, mas sem festa. Não sei o que ia fazer. Foi poucas vezes. (...) Umas três vezes, mais ou menos. Eu o vi entrando na casa. Recorda-se que, em janeiro, Antonio Palocci foi questionado pelo senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), relator da CPI dos Bingos, sobre a casa alugada por Poleto, que pagou R$ 60 mil em dinheiro pela locação, um adiantamento equivalente a seis aluguéis. No depoimento de Palocci, o relator perguntou: - Vossa excelência não esteve nenhuma vez na casa que ele alugou no Lago Sul? - Aqui em Brasília? - Sim. - Não, nenhuma vez. - A casa que era utilizada para reunir empresários. - Não estive nenhuma vez. Francisco Chagas da Costa afirma que Antonio Palocci foi à “casa dos prazeres” sem carro oficial. Usava o automóvel Peugeot de Ralf Barquete, assessor da presidência da Caixa Econômica Federal, nomeado para o cargo por influência de Palocci. Ralf Barquete foi um auxiliar importante de Palocci na Prefeitura de Ribeirão Preto (SP). Outra declaração espinhosa do motorista: - Eles faziam festa e levavam as meninas para a casa. Eu levei as meninas, sim. Várias vezes. Deixava lá. As “meninas” são garotas de programa, agenciadas por Jeany Mary Corner. Perguntado se a conhecia, o motorista afirma: - Essa era a mulher que arrumava as meninas para a casa. Fazia festas e levava para a casa. Cheguei a vê-la duas vezes. Francisco Chagas refere-se a Ademirson Ariosvaldo da Silva. Descreve como o secretá- rio particular de Antonio Palocci se referia ao ministro: - Eu ouvia falar: “Tenho uma reunião com o chefão”. “Temos de falar com o chefão tal hora”. Podia ser ele, eles não falavam ministro Palocci, não. Falavam chefão. Quando queriam falar com o chefão, pediam para ir ao Ministério da Fazenda. O motorista relata que transportou duas vezes para a “casa dos prazeres” o empresá- rio Roberto Carlos Kurzweil, dono do automóvel no qual teriam sido transportados dólares de Cuba para o PT. Uma terceira vez levou-o do hotel em que estava hospedado ao Ministério da Fazenda, para onde também se dirigiram dois empresários de jogo angolanos. Seriam José Paulo Teixeira Figueiredo e Artur José Valente Caio. Segundo Rogério Buratti, eles fizeram uma doação de R$ 1 milhão em caixa 2 para a campanha de Lula em 2002. 243 Em entrevista à Folha de S.Paulo, Rogério Buratti volta a confirmar o jantar do qual participaram Antonio Palocci e os dois empresários angolanos, em 2002. Foi em São Paulo na casa de Roberto Carlos Kurzweil, que conhecia o ministro desde 1991. Uma das empresas dele, a Rek, cuidava da coleta de lixo em Ribeirão Preto, quando Palocci era vereador do PT. Eleito prefeito, Palocci aumentou o número de serviços prestados pela Rek. Diz Rogério Buratti: - Soube desse jantar por causa das relações que tinha com o Palocci. Eu não vi o dinheiro para a campanha ser entregue, mas essas coisas ninguém vê. Mas tenho certeza absoluta de que a contribuição aconteceu. Não tenho dúvidas. Em votação secreta, a Câmara dos Deputados absolve dois parlamentares acusados de envolvimento no escândalo do mensalão. Roberto Brant (PFL-MG) recebeu R$ 102 mil do esquema de Marcos Valério. O dinheiro foi sacado por um assessor, Nestor Francisco de Oliveira. O outro deputado absolvido é o Professor Luizinho (PT-SP), cujo assessor José Nilson dos Santos fez retirada de R$ 20 mil do valerioduto. Roberto Brant recebe 283 votos a favor da absolvição. Outros 156 deputados pedem a cassação do mandato. Necessita-se de pelo menos 257 votos para efetivar a cassação. Luizinho teve 253 votos pela absolvição e 183 pela perda do mandato. Outros dois deputados já haviam sido absolvidos pelo plenário da Câmara: Sandro Mabel (PL-GO) e Romeu Queiroz (PTB-MG). E quatro renunciaram para fugir da cassação: Valdemar Costa Neto (PL-SP), Carlos Rodrigues (PL-RJ), José Borba (PMDB-PR) e Paulo Rocha (PT-PA). Apenas dois foram cassados: Roberto Jefferson (PTB-RJ) e José Dirceu (PT-SP). Depois da absolvição, festa para Luizinho. Amigos reúnem-se no apartamento do deputado Devanir Ribeiro (PT-SP). Estão lá o líder do PT na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), e os deputados João Paulo Cunha (PT-SP) e Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). Também participam da confraria o ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT-SP), o prefeito de Santo André (SP), João Avamileno (PT), e a assessora especial da Presidência da Repú- blica, Miriam Belchior. O evento é fechado à imprensa. Diz Luizinho: - Não vou querer ficar fazendo festa com algo que não se pode festejar. Seria uma falta de sensibilidade. Depoimento à CPI dos Correios. Lúcio Funaro, apontado como antigo dono da corretora Guaranhuns, afirma ter ouvido comentários no mercado financeiro, segundo os quais João Vaccari Neto, integrante da direção da CUT (Central Única dos Trabalhadores, ligada ao PT), é o responsável por operações mantidas pelos fundos de pensão Petros (dos funcionários da Petrobras), Previ (Banco do Brasil) e Funcef (Caixa Econômica Federal). Lúcio Funaro é investigado por ter provocado prejuízos de R$ 100 milhões aos fundos de pensão. Declaração de Lúcio Funaro: - O que ouço no mercado é que o João Vaccari, que foi presidente do Sindicato dos Bancários e é ligado ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e ao governo do PT, seria o responsável pela operação desses fundos. O Marcelo Sereno seria o responsável pela opera- ção dos fundos menores. 244 A Polícia Federal encaminha ao STF (Supremo Tribunal Federal) inquérito que apurou o escândalo do mensalão. Traz 226 depoimentos em 4.500 páginas. Há 40 pessoas relacionadas para indiciamento, entre políticos, empresários, operadores do mercado financeiro, lobistas e servidores públicos. Cinco pessoas são citadas: Duda Mendonça, Marcos Valério, José Genoino, Delúbio Soares e Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil. 301 10/3/2006 Em entrevista à Folha de S.Paulo, o advogado Roberto Bertholdo, ex-assessor parlamentar do PMDB e ex-conselheiro da Itaipu Binacional, afirma ao repórter José Maschio que o deputado José Janene (PP-PR) e o doleiro Alberto Youssef têm esquema para retirar dinheiro de estatais e destiná-lo ao pagamento de mensalões. Roberto Bertholdo, que trabalhou no gabinete do ex-líder do PMDB na Câmara, exdeputado José Borba (PR), diz que José Janene e Alberto Youssef são donos da corretora Bônus-Banval, envolvida no escândalo do mensalão. Segundo Bertholdo, 80% dos recursos adquiridos via corrupção eram transformados em dinheiro vivo, por meio da corretora. Ele aponta para o deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE), que foi ministro do presidente Lula: - Quando o Eunício Oliveira assumiu o Ministério das Comunicações, o Janene e o Youssef me apareceram com o currículo do diretor da Bônus-Banval, Breno Fischberg, e outro corretor da Bônus, para que o PMDB indicasse um deles à presidência do Postalis. Eles queriam armar um amplo esquema no governo. Nós não aceitamos. Bertholdo afirma ter visto Alberto Youssef levando sacolas com dinheiro ao apartamento do deputado José Janene, em Brasília: - Por pelo menos três vezes. Uma vez, ele abriu uma sacola para mostrar algo ao Janene e vi que eram reais. Uma outra vez, as sacolas eram tão pesadas que a Cleide, a cozinheira do Janene, teve que ajudar o Youssef a levar as sacolas para um aposento interno do apartamento. Segundo Roberto Bertholdo, o dinheiro era para pagar parlamentares da base aliada do governo Lula: - Quem ele pagava e os nomes que ele me passou, eu só falo ao procurador-geral da República. Mas ele e o Youssef operavam muito dinheiro. 302 11/3/2006 A revista Veja revela a identidade do ex-aliado do advogado Roberto Bertholdo, entrevistado na semana anterior. Trata-se de Antonio Celso Garcia, o “Tony Garcia”. Ele conta ao repórter Alexandre Oltramari que foi candidato a senador e tinha Roberto Bertholdo como suplente em sua chapa. Não se elegeu e acabou preso, acusado de cometer fraude em consórcio. Em troca da liberdade, passou a colaborar com a Justiça. Atraía Bertholdo para conversas gravadas pela polícia. A entrevista de Tony Garcia: - Como o senhor soube que Bertholdo pagava o mensalão do PMDB? - Ele me falava que tinha encontros semanais em São Paulo com pessoas que operavam essas coisas com o PMDB. - Com quem eram os encontros? 245 - Com Delúbio Soares, Silvio Pereira e Marcelo Sereno. Ele me dizia que falava mais com o Silvio Pereira e o Delúbio. - O Marcos Valério não aparecia? - Bertholdo nunca falou dele. O Valério não era fonte dele. Ele dizia que a fonte dele era mesmo a direção do PT. - Onde eram os encontros? - Em escritórios ou hotéis. O Meliá era um deles. O escritório era o do Silvio Pereira. Ele tinha um escritório fora da sede do PT. Bertholdo tinha reuniões quase que religiosamente às segundas-feiras. - O que acontecia nos encontros? - Bertholdo dizia que tratava de indicações políticas do PMDB para o governo e também pegava recursos para fazer acertos dentro do PMDB. Ele dizia que apanhava o dinheiro, em espécie, em São Paulo, e depois o transportava a Brasília em jatos particulares ou alugados. Voava pessoalmente com dinheiro vivo. Muitas vezes estava acompanhado do assessor, Guilherme Wolf. O Bertholdo nunca andava com menos de R$ 50 mil, R$ 100 mil em dinheiro. Ele falava que era para fazer coisas eventuais, atender um ou outro. - O senhor sabe quantos deputados do PMDB recebiam dinheiro de Bertholdo? - Ele deixava claro que eram mais de 50 deputados do PMDB. Mas nunca falou em nomes e eu nunca perguntei porque não era do meu interesse. Os dirigentes maiores do partido, como Michel Temer, eu sei que não participavam, até porque estavam se afastando do governo. Ele só dizia que cada deputado tinha um preço. Havia uns que custavam R$ 10 mil, outros que custavam R$ 15 mil, outros R$ 20 mil, outros R$ 100 mil, outros R$ 200 mil. Que dependia do grau de importância do deputado e das matérias votadas. - Onde o dinheiro era entregue aos deputados? - Numa sala ao lado da liderança do PMDB na Câmara, quase sempre à noite. Ou então numa casa que ele alugou no Lago Sul e onde fazia festas para membros do PMDB, PT, ministros... Ele dizia que houve festa até com a presença do presidente da República. - Mas nunca citou os deputados do mensalão? - É fácil saber. Basta ver quem eram os deputados do PMDB que votavam com o governo. Quanto mais polêmicas eram as matérias em votação, e quanto mais o PT deixava de cumprir os compromissos acertados, mais as coisas se complicavam. Bertholdo me dizia que a única maneira de resolver era com dinheiro vivo. - Então era dinheiro em troca de voto favorável aos projetos de interesse do governo? - Não só projetos. Ele me disse que levantou R$ 8 milhões junto ao PT para fazer do José Borba líder do PMDB, por exemplo. E tempos depois, quando a turma do Anthony Garotinho destituiu o Borba, ele me disse que gastou outros R$ 6 milhões pagando a deputados do partido para o Borba voltar a ser líder. O caso do “Ratinho” também não é projeto. Bertholdo me contou uma vez que, junto com o Delúbio, estava negociando o apoio do Ratinho ao governo. Depois de um tempo, numa conversa por telefone, ele me disse o seguinte: “Lembra do negócio do Ratinho? Já deu certo. Está fechado. Teu amigo é f... Prestei o maior serviço ao presidente. Inclusive o Ratinho vai ajudar o PT em outras coisas no programa dele”. 246 - Bertholdo chegou a dizer se pagou R$ 5 milhões ao Ratinho? - Nesse caso, ele nunca falou em pagamento. Só falou que tinha ido ao Ratinho, aproveitando a amizade que o Ratinho tem com o Borba, porque queria trabalhar isso para o PT. - O dinheiro que Bertholdo manipulava vinha todo dos contatos dele com a cúpula do PT em São Paulo? - Não, Bertholdo me falou várias vezes que também tinha dinheiro que vinha de Itaipu. O dinheiro para as campanhas no Paraná ele me falava que vinha de empreiteiros com contratos com Itaipu. Depois que ele assumiu o cargo de conselheiro de Itaipu, em 2003, várias vezes narrou para mim e para o seu então sócio, o Sérgio Costa, como ele tentava influenciar e cobrar dívidas antigas para credores de Itaipu. - Como era? - Ele dizia que o Samek era ligação forte dele. Mas que o Samek tentava fazer negócios sozinho ou com o Paulo Bernardo e que às vezes deixava ele fora da coisa. Mas que andava se enfronhando no esquema, estreitando relacionamento com o Samek. Tempos depois, o Samek passou a viajar com o Bertholdo nos jatos que ele locava para se deslocar de Foz do Iguaçu a Curitiba e Brasília. - O senhor viu os dois juntos? - Nunca, mas era isso o que Bertholdo propagava. Ele também tinha um relacionamento muito estreito com o José Dirceu. Eu mesmo ouvi duas conversas do Bertholdo com o José Dirceu. Uma delas ocorreu num aparelho de rádio Nextel. O relacionamento dele com José Dirceu era tão próximo que, uns 20 dias depois que o Waldomiro Diniz deixou o governo, o Bertholdo me disse que tinha sido convidado para assumir o lugar do Waldomiro Diniz... Eu ainda falei: “Vai sair um cara para entrar outro e ser queimado e jogado aos leões”. Uma semana depois, ele voltou de Brasília e disse: “Vou operar isso por fora. Tenho muito mais liberdade assim”. Ele efetivamente tinha um relacionamento estreito com a cúpula do PT e com a base do governo. Ele me disse que até operava contas do PT no exterior. - Onde? - Ele me disse que operava contas do PT, com doleiros, em Luxemburgo. Em 2003 e 2004, por exemplo, ele foi duas ou três vezes a Luxemburgo. O passaporte dele foi aprendido pela Polícia Federal. O registro deve estar lá. Ele me disse que um dos doleiros do PT era o Toninho Barcelona. Ele me falou isso numa conversa por telefone, no ano passado. Tenho certeza de que está gravado e está com a Polícia Federal. Tony Garcia também concede entrevista à Folha de S.Paulo. Ele envolve o deputado José Mentor (PT-SP) no esquema PT/PMDB/Itaipu Binacional. Afirma que o advogado Roberto Bertholdo costumava comentar a influência que detinha sobre a CPI do Banestado, decorrente da relação com o relator da comissão, o petista José Mentor. De acordo com Tony Garcia, Bertholdo ajudou José Mentor e o tesoureiro Delúbio Soares a operar um esquema em Luxemburgo, do qual participou também o doleiro “Toninho Barcelona”. Bertholdo teria prestado “assessoria” à CPI do Banestado. Incluiria pessoas para serem ouvidas, como o dono de casa de bingo Luiz Antonio Scarpin, de Curitiba. O objetivo era fazer chantagem. Diz Tony Garcia: 247 - O Bertholdo conseguiu que o Mentor convocasse o Scarpin para depor em Brasília. Depois, exigiu dele R$ 300 mil para aliviar sua barra na comissão. Acontece que o Scarpin gravou as chantagens do Bertholdo e tiveram que fazer um acordo. No acordo, o Scarpin escapou da convocação. Mas a força-tarefa do Banestado tem fita mostrando que o Mentor recebeu para retirar o nome do Scarpin. Outra afirmação Bertholdo, segundo Tony Garcia ao repórter José Maschio: - Ele me dizia, e está gravado pela Polícia Federal, que Itaipu era o braço do governo para arrecadação. Ele disse que estava operando com a Itaipu para levar recursos, em dinheiro vivo, para as campanhas petistas de Maringá, Londrina, Ponta Grossa e Cruzeiro do Oeste, onde o candidato vitorioso foi “Zeca Dirceu”, filho do então chefe da Casa Civil, José Dirceu. Tony Garcia cita o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo (PT-PR), e o presidente da Itaipu Binacional, Jorge Samek: - A bronca do Bertholdo era que ele não participava do esquema de captação junto aos empreiteiros, e se queixava de que o Paulo Bernardo e o Jorge Samek controlavam isso. Ele disse que queria entrar no esquema porque precisava de dinheiro para seu esquema no PMDB. Disse que iria falar com o Samek em uma viagem ao Rio de Janeiro para resolver o caso. Em outra reportagem, Veja descreve um achaque da empresária Jeany Mary Corner, a agenciadora de garotas de programa em Brasília. Os repórteres Fábio Portela e Juliana Linhares contam que Jeany Mary Corner e suas “recepcionistas” teriam testemunhado e colaborado em atos de corrupção. Em vez de denunciá-los, ela resolveu cobrar pelo silêncio. Emissários ligados a ela procuraram Ademirson Ariosvaldo da Silva, secretário particular do ministro Antonio Palocci (PT-SP), o ex-chefe de gabinete de Palocci, Juscelino Dourado, e outro integrante da “república de Ribeirão Preto”, Rogério Buratti. Pressionaram. Jeany Mary Corner iria conceder entrevistas bombásticas e seria melhor tirá-la de circulação até 2008. São os seguintes os fatos que, segundo a revista, viriam a público nas entrevistas de Jeany Mary Corner: além de fornecer garotas de programa para festas na “casa dos prazeres”, alugada no Lago Sul, ela pagou mensalões de R$ 50 mil a oito deputados, por solicita- ção de Rogério Buratti. Jeany Mary Corner teria apresentado os doleiros Fayed Antoine Traboulsi e Chico Gordo a Rogério Buratti, e permitido que a casa dela fosse usada para divisões de dinheiro. As “meninas” participaram da repartição, seguindo instruções de Rogério Buratti deixadas por escrito. Depois de contado, o dinheiro era posto dentro de revistas colocadas em envelopes de papel. Algumas garotas de Jeany Mary Corner rodaram Brasília para entregar os envelopes recheados de dinheiro. Quem guiava o carro era Francisco Chagas da Costa, motorista de Buratti. Em 2003 houve cinco operações sdo gênero. Jeany Mary Corner teria recebido R$ 50 mil para ficar quieta, dinheiro entregue por Feres Sabino, ex-secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura de Ribeirão Preto (SP). Em entrevista ao jornal O Globo, ela declarou: 248 - Fiquei no anonimato esse tempo todo. Fui muito digna. Diferentemente de outros que abriram a boca. Por isso, pedi ajuda. Isso é chantagem? 303 12/3/2006 Alguns dos principais expoentes do escândalo do mensalão continuam a controlar cargos federais dos mais cobiçados, mesmo após terem sido acusados de envolvimento no esquema de corrupção. Reportagem de Diego Escosteguy, do jornal O Estado de S. Paulo, mostra que, com o aval do presidente Lula, os ex-deputados José Dirceu (PT-SP) e Valdemar Costa Neto (PL-SP) e o deputado José Janene (PP-PR) mantêm nomeações estratégicas para alguns dos 20 postos mais importantes do Governo Federal. Conforme o levantamento, Dirceu é responsável por indicações para os cargos de diretor de Finanças de Itaipu, presidente da BR Distribuidora, diretor de Exploração e Petróleo e diretor de Serviços da Petrobras. Além disso, divide com o senador Carlos Wilson (PT-PE) a vaga de diretor de Engenharia da Infraero e, com José Janene, o cargo de diretor de Abastecimento da Petrobras. José Janene também seria autor da indicação do presidente do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Valdemar Costa Neto, por sua vez, nomeou o diretor de Infraestrutura e o presidente do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). O PT indicou cinco dos 20 cargos mais importantes: diretor de Finanças da Petrobras, diretor de Mercado Consumidor da BR Distribuidora, diretora do Fundo da Marinha Mercante e, finalmente, os diretores Comercial e de Tecnologia da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos). Fazem parte da lista, ainda, as indicações do ministro Antonio Palocci (PT-SP) para a presidência do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), do senador Delcídio Amaral (PT-MS) para a Diretoria Internacional da Petrobras, do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) para a presidência da Transpetro e do PMDB para as superintendências da Receita Federal do porto de Santos (SP) e do aeroporto de Guarulhos (SP). Os 20 cargos são visados pelo volume de recursos dos contratos gerenciados. A Petrobras, por exemplo, faz investimentos de R$ 23 bilhões por ano. É curioso o caso do ex-deputado Valdemar Costa Neto, que renunciou para evitar a possível cassação do mandato. Ele aumentou seu poder junto a Lula durante a crise política. Em troca da mobilização que fez para eleger Aldo Rebelo (PC do B-SP) à presidência da Câmara dos Deputados e de outros serviços que prestou ao presidente, passou a controlar todo o Dnit. 305 14/3/2006 Uma história que mistura pacotes de dinheiro e prostitutas. Francenildo Santos Costa, o caseiro da “casa dos prazeres”, a mansão alugada em Brasília por próceres da chamada “república de Ribeirão Preto”, concede entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Ele complica a situação do ministro Antonio Palocci (PT-SP). Na “casa dos prazeres” houve festas animadas por garotas de programa, “meninas” agenciadas por Jeany Mary Corner. A mansão de 700 metros no Lago Sul, com quatro suítes, salão de jogos, churrasqueira, piscina, quadra de tênis e sistema de segurança com câmeras de vídeo e sensores de luz, teve uso intenso durante oito meses. Só foi devolvida depois que o escândalo Waldomiro 249 Diniz ganhou as páginas dos jornais, no início de 2004. A entrevista do caseiro Francenildo à repórter Rosa Costa: - O que chamou mais a sua atenção nos meses em que conviveu com os inquilinos de Ribeirão Preto? - A forma de pagamento. Era muito bom. - O pagamento era em cheque? - Nunca saiu cheque, não. Só em dinheiro. - Quem morava na casa? - Ninguém morava lá. Passavam só a noite. - Quem eram as pessoas? - Vladimir Poleto, doutor Ralf Barquete, doutor Rui, Ademirson e o chefe. - Quem é o chefe? - A gente não chamava de Palocci lá na frente deles. Eles achavam ruim. Tinha que chamar de chefe. - E eles chamavam Palocci de chefe ou só os empregados? - Não, era todo mundo: “Olha, o chefe vem hoje. Vamos sair fora e deixar a casa para o chefe”. Isso quando ele ia durante a semana, porque geralmente ele ia no sábado e no domingo. - O senhor conheceu o ministro pessoalmente? - Eu via de longe, porque a casa tem sensor de luz que se acendia quando ele aparecia. Via a cara dele de terno e tudo. Num sábado à tarde, cheguei a ver ele com o doutor Rogério e doutor Rui Barquete. - Onde havia sensores de luz? - Dentro da casa, para clarear o terreno. Ele pediu para desligar os sensores em volta da casa, mas não teve como desligar. Era para ninguém vê-lo. No jardim tem luzes. Ele falava que não era para ligar a luz do jardim, que queria a casa escura do lado de fora. - Ele chegava sozinho? - Chegava sozinho, vinha num Peugeot prata, de vidro escuro, dirigindo sozinho. - De quem era o carro? - Era de uso do doutor Ralf. - O senhor morava na casa? - Sim. A casa fica do lado da garagem. Quem está lá dentro dá pra ver quem está lá fora. - O senhor via o ministro chegando? - É, a gente via. - Mas ele disse que nunca foi à casa. - Do lado dele, eu não sou nada, mas ele está mentindo. - Quantas vezes ele foi à casa? - Se for contar, que eu me lembre, umas dez ou 20 vezes. Não foram três como Francisco falou. - Ele jogava tênis? - Teve um sábado em que estava jogando tênis com o doutor Rogério e Rui, à tarde. - Buratti frequentava a casa? 250 - Umas três vezes o chefe foi para conversar com o doutor Rogério, lá numa sala que tinha televisão. Eles sempre ficavam lá. O doutor Rogério ficava lá com a mulher dele, Carla. Quando iam para São Paulo, Carla vinha no final de semana. - O senhor via dinheiro na casa? - Via, via notas, pacotes de R$ 100 e R$ 50 na mala de Vladimir. Ele trazia muito dinheiro. Eu sabia que tinha muito dinheiro porque ele saía do quarto e fechava a porta do quarto. - Quem pagava as contas? - Era Vladimir. Vinha uma verba lá de São Paulo. - De onde vinha o dinheiro? - Vinha da empresa do doutor Rogério. Era ele quem pagava as despesas, os empregados. Ele passava o dinheiro para Vladimir. - O senhor participou alguma vez da entrega de dinheiro? - Um dia o Francisco me chamou para ir ao Ministério. Disse: “Vamos ali mais eu, que você está à toa mesmo”. Chegamos lá, Francisco parou o carro no estacionamento, ligou para o doutor Ademirson. Esperamos uns 20, 30 minutos. Aí ele desceu e Francisco entregou o envelope. Eu vi Francisco pegando o dinheiro. Dava para ver que era muito dinheiro, não era pouco. Acho que R$ 5 mil, R$ 6 mil, R$ 7 mil. - O pagamento dos empregados da casa também era feito com dinheiro enviado por Buratti? - Era. Ele passava o dinheiro ao Vladimir, que pagava a gente. - O dinheiro vinha de São Paulo? - O dinheiro vinha lá da empresa de São Paulo, eles chamavam de verba. - Como era o pagamento de vocês? - Eles pagavam no dia 1º. Falavam que era até dia 5, mas pagavam antes. Davam R$ 750, R$ 770, mais um pouquinho. Vladimir era ótimo patrão. - Onde ele pegava o dinheiro? - Tinha vez que ele vinha com o dinheiro na mala, vinha do aeroporto, vinha de fora. Sempre pagavam na terça ou na quinta-feira. - O senhor levou dinheiro outras vezes para Ademirson? - Francisco deve ter levado muitas vezes. Pelo que eu conversei com ele, ele levou dinheiro para cada um deles. Levava para os apartamentos, para um e outro, doutor Rogé- rio, doutor Ralf. Se precisava de dinheiro trocado, aí Vladimir fazia um pacote numa mesa que tinha lá, separava e mandava Francisco distribuir. Francisco me falou isso. - O dinheiro que o motorista Francisco levava era para Ademirson ou para o chefe? - Não posso informar, não. Não sei o que eles faziam com esse dinheiro, não. - Alguma vez alguém falou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? - Ele era bem falado lá, mas quando falavam no nome de Lula iam lá para dentro. Falava nos eventos, nas viagens que ele ia fazer. - A casa era mobiliada? - Não, Vladimir comprou tudinho. As camas vieram assim que ele fez o contrato. As camas novas, tudo camona boa, bonita. - Eles guardavam roupa dentro daquela casa? 251 - O Vladimir, o doutor Rogério, o doutor Ralf, sim. - Por que o senhor decidiu contar tudo isso agora? - É porque o Francisco depôs na CPI e citou a mim e minha mulher. Fiquei meio com medo e resolvi falar logo. A entrevista de Francenildo Santos Costa repercute. Ao tomar conhecimento do teor das declarações do caseiro, antes mesmo da publicação da entrevista, Antonio Palocci apressase a informar, por meio de sua assessoria, que reiterava o que dissera à CPI dos Bingos: “Nunca foi à casa do Lago Sul e, portanto, não tem qualquer relação com as atividades realizadas na mesma”. Publicada a entrevista, Antonio Palocci aproveita a participação numa teleconferência para tratar de desmentir o caseiro. Diz o ministro: - Quero até ressaltar que eu não guio aqui em Brasília. Uso carro oficial ou ando com a minha esposa. Em mais uma nota, a assessoria do ministro da Fazenda volta à carga: “O ministro Antonio Palocci continua afirmando o que disse à CPI dos Bingos. Ele não foi àquela casa no Lago Sul e não tem conhecimento de qualquer atividade que acontecia na casa. E mais: o ministro não sabe dirigir em Brasília.” O Conselho de Ética da Câmara aprova, por 9 votos a 5, pedido de cassação do expresidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP). Em seu parecer, o relator do caso, deputado Cezar Schirmer (PMDB-RS), acusa Cunha de mentir sobre o saque de R$ 50 mil feito por sua mulher. Cunha disse que ela foi ao banco tratar do pagamento de uma conta de TV a cabo, mas a mulher sacou dinheiro do caixa 2 do PT. Entre as denúncias, Cunha é acusado de favorecer Marcos Valério ao conduzir licitação irregular para contratar a agência SMPB, de Valério, para administrar conta de publicidade da Câmara. Para o relator, a contratação da SMPB tem “conflito de interesse”, pois Cunha já contratara Valério anteriormente, para a campanha à presidência da Câmara. Além disso, Cunha admitiu que Valério lhe dera uma caneta Mont Blanc. O empresário pagou passagens aéreas para uma assessora de Cunha. Cezar Schirmer vincula a conquista da conta de publicidade da Câmara ao saque de R$ 50 mil efetuado na agência do Banco Rural do Brasília Shopping, apenas um dia após Cunha receber Valério para café da manhã na residência oficial. O relator também viu irregularidades em notas fiscais com números sequenciais. Elas foram apresentadas por Cunha, para tentar justificar os R$ 50 mil sacados pela mulher. O dinheiro pagaria pesquisas eleitorais. Novas informações sobre as contas bancárias do publicitário Duda Mendonça no exterior. Documentos enviados por autoridades norte-americanas à CPI dos Correios revelam a existência de mais seis contas secretas. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, foi identificada a Stuttgart Company, empresa de Duda Mendonça fora do Brasil. No total, são dez as contas no exterior. Das seis novas, a metade foi aberta no BankBoston da 252 Flórida, em nome da Stuttgart Company, de Rita de Cássia Santos Moraes, ex-mulher de Duda Mendonça, e de Eduardo de Matos Freiha, sócio do publicitário. As outras três pertencem à Dusseldorf. Uma delas, no BAC Florida Bank, recebeu US$ 1,1 milhão. Doleiros teriam depositado o dinheiro. 306 15/3/2006 Francenildo Santos Costa concede entrevista coletiva. Diz que o ministro Antonio Palocci (PT-SP) esteve várias vezes na “casa dos prazeres”, entre 2003 e 2004. Segundo o caseiro, Antonio Palocci costumava ir à mansão “quinta-feira sim, quinta-feira não”, além de alguns sábados e domingos. Francenildo Santos Costa conta que havia sempre uma mulher nas noites de quinta em que Antonio Palocci esteve na “casa dos prazeres”. Normalmente Vladimir Poleto ou Ademirson Ariosvaldo da Silva, secretário particular do ministro, a traziam. Ademirson Ariosvaldo da Silva vinha com um carro Santana preto, com placas de Ribeirão Preto (SP). O caseiro relata que Palocci chegava às 18 ou 19 horas, sempre guiando o Peugeot de Ralf Barquete, e ia embora às 20h30, outras vezes às 22 horas, “não tinha hora certa”. Ele afirma, contudo, que Palocci não participava de festas promovidas pelo grupo de pessoas de Ribeirão Preto, sempre com três ou quatro garotas, às terças-feiras. Deputados do PT, uns “cinco ou seis” de acordo com o caseiro, também estiveram nas festas. Palavras do caseiro: - Entrei numa barca furada. Pensava que eram pessoas honestas, e não eram. No final era essa sujeira que está aí. Pessoas que fazem esse tipo de coisa não deveriam estar num cargo lá em cima. Francenildo Santos Costa recorda que algumas garotas, certa vez, teriam consumido drogas, o que revoltou Vladimir Poleto. Ele telefonou para alguém e disse que não queria mais aquelas mulheres na casa. O caseiro fala sobre a noite em que conversou com Palocci pelo interfone: - Eu estava fechando a casa quando tocou o telefone. Ele disse: “Estou perdido aqui e tô querendo sair”. Abri o portão dos fundos e ele foi embora. A Câmara dos Deputados cassa o mandato do presidente do PP, deputado Pedro Corrêa (PE), por 261 votos contra 166. Apenas quatro votos a mais do que o mínimo de 257 necessários para a perda do cargo. Em compensação, os votos secretos absolvem o ex-líder do PP, deputado Pedro Henry (MT). Ambos foram acusados de envolvimento no escândalo do mensalão. Votam pela absolvição 255 deputados, contra 176 que pedem a condenação. A principal acusação contra Pedro Henry veio de Roberto Jefferson (PTB-RJ). Ele disse que o pepista tentou cooptar dois deputados do PTB, oferecendo-lhes as vantagens do mensalão. O PP foi contemplado com R$ 4,1 milhões do caixa 2 do PT, conforme informa- ções de Marcos Valério, mas só admitiu ter posto as mãos em R$ 700 mil. Trecho do relató- rio do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que apreciou o caso de Pedro Corrêa: “O PP disse que o dinheiro foi utilizado para pagar o advogado para Ronivon Santiago. Era dinheiro repassado pelo PT. No Acre, o PT movia ações contra Ronivon, mas aqui, no plano federal, o PT fornecia recursos para defender Ronivon; lá, o PT apontava fraudes contra Ronivon, mas aqui oferecia subsídios para o deputado.” 253 O TCU (Tribunal de Contas da União) decide investigar contrato de publicidade da Petrobras com a agência Duda Mendonça Associados. O contrato inicial, de dezembro de 2003, previa pagamentos no total de R$ 63 milhões por serviços prestados pelo publicitário. Num primeiro aditivo, o valor subiu em R$ 21,5 milhões. Até dezembro de 2005, o contrato sofreu mais seis alterações, e alcançou um teto de R$ 213,9 milhões. Em depoimento à CPI dos Correios, Duda Mendonça silencia. Munido de habeas-corpus para não ser preso, o publicitário recusa-se a responder até perguntas simples, como os nomes dos filhos e da mulher. “Não vou responder”, repete, várias vezes, Duda Mendonça. 307 16/3/2006 Depoimento do caseiro Francenildo Santos Costa à CPI dos Bingos é interrompido por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal). Autor do pedido de suspensão, o senador Tião Viana (PT-AC). Teria atendido solicitação de Lula. No recurso, o senador petista alega que eventuais informações prestadas por Francenildo Santos Costa não teriam relação com o objeto das investigações da comissão de inquérito. O ministro Cezar Peluzo, do STF, concordou com a alegação. Trecho do seu despacho: “Eventual partilha de dinheiro, em certo local, não tem por si presunção alguma de que estaria ligada a uso de casas de bingo para a prática de crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores.” Antes de ser interrompida a sessão da CPI, Francenildo Santos Costa já falara aos senadores por quase uma hora. Ele reafirmou que o ministro Antonio Palocci (PT-SP) frequentava a “casa dos prazeres”. - Confirmo até morrer. Ele lembra quando levou “bebida energética” ao ministro: - Foi um dia na quadra de tênis. Levei vinho e Redbul. Foi entre as 3 e meia e 4 da tarde. Sobre a primeira vez que viu Antonio Palocci: - Na primeira vez, o Ademirson levou ele. Quando o carro chegou, vi ele saindo. No outro dia, comentei com o Francisco: “O chefe é o Palocci, né?” Francenildo Santos Costa relata que soube pelo motorista Francisco Chagas da Costa de um desentendimento entre Rogério Buratti e Antonio Palocci: - Ouvi do motorista que eles tinham brigado. Foi por causa de mulher. Ele confirma que Rogério Buratti trazia dinheiro à mansão: - Vi na mala do Vladimir quando ele fazia o pagamento. Era dinheiro que forrava o fundo da mala. Rogério Buratti admite que a empreiteira Leão Leão contribuiu com recursos para pagar as despesas da “casa dos prazeres”, da mesma forma que a Rek, do empresário Roberto Carlos Kurzweil, e a Asperbras e a Soft Micro, estas duas do empresário José Roberto Colnaghi. Sobre a Leão Leão, diz ao repórter Mario Cesar Carvalho, da Folha de S.Paulo, que a empreiteira fornecia dinheiro para custear atividades como viagens e gastos com transporte, e foi assim que ajudou a pagar as despesas da mansão. Buratti afirma que não cabe a ele dizer se Palocci frequentava a “casa dos prazeres”: 254 - Não quero dizer se encontrei o ministro ou não na casa porque isso não cabe a mim, cabe ao ministro. Não nego que me encontrei com o ministro em Brasília umas cinco, seis ou sete vezes, seja no Ministério ou na casa dele. Para mim, isso não é crime. Por isso, não nego. E mais: - O que interessa saber é se ocorreram atividades ilegais ou ilícitas naquela casa. Eu posso dizer que nunca presenciei atividades ilegais lá. O Ministério Público encaminha à Procuradoria-Geral da República lista com os nomes de 52 deputados do PMDB. A relação contém nomes de parlamentares de 21 Estados e do Distrito Federal. A lista englobaria todos aqueles que supostamente teriam rateado R$ 6 milhões para impedir a saída do ex-deputado José Borba (PMDB-PR) da liderança do partido, em fevereiro de 2005. Na época, o ex-governador Anthony Garotinho (PMDB-RJ) teria articulado um movimento dentro do partido para derrubá-lo do cargo. 308 17/3/2006 O site da revista Época na internet divulga extratos bancários do caseiro Francenildo Santos Costa. Pertencem a uma conta da Caixa Econômica Federal. A agência fica no Lago Sul, em Brasília. Os documentos bancários, sigilosos, foram emitidos às 20h58 da noite anterior. Mostram depósitos de R$ 25 mil na conta do caseiro da “casa dos prazeres”. A revista Época também publica que Francenildo Santos Costa reconhece a autenticidade dos extratos bancários, e afirma que o dinheiro veio de seu pai biológico, Eurípedes Soares da Silva, dono de pequena empresa de ônibus em Teresina. Ele havia mandado o dinheiro em segredo, pois nunca reconhecera Francenildo como filho. Escondera o relacionamento que tivera com a mãe do caseiro. Eurípedes Soares da Silva confirma aos repórteres Andrei Meireles e Gustavo Krieger ser o autor dos depósitos. Os extratos publicados por Época caem como uma bomba em Brasília. Da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL): - Esse governo consegue liminar para proteger os direitos sexuais do Palocci e seus esquemas de corrupção, e invade os direitos individuais de um rapaz. Do senador Pedro Simon (PMDB-RS): - A CPI até agora não conseguiu quebrar o sigilo de Paulo Okamotto, mas o caseiro teve a conta devassada um dia depois de o STF nos proibir de ouvi-lo. Em entrevista, Francenildo Santos Costa manifesta indignação: - Mexeram nas minhas contas. O que posso esperar mais? Por que fizeram isso comigo? Por que não fizeram com o chefe? Em Santa Catarina, Lula é enfático: - Eu devo muito, mas muito de tudo o que nós fizemos, a um homem chamado Antonio Palocci. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, descarta a abertura de investigação contra o ministro da Fazenda: 255 - A Polícia Federal, nesses três anos, nunca se prestou a esse tipo de exploração política, e não será agora que vai fazê-lo. Palocci está fazendo um grande trabalho pelo País, é merecedor de toda a confiança do presidente Lula, do governo e da sociedade, e não será afastado do cargo. A mãe de Francenildo Santos Costa, a lavadeira desempregada Benta Maria dos Santos Costa, confirma que Eurípedes Soares da Silva é o pai do rapaz. Ela explica ao repórter Expedito Filho, do jornal O Estado de S. Paulo, que o empresário fez um acordo com o caseiro, para evitar que o assunto fosse parar na Justiça. A família de Eurípedes Soares da Silva não sabia que Francenildo é filho dele. Diz Benta Maria dos Santos Costa: - O Eurípedes começou a enviar o dinheiro porque ficou com medo de “Nildo” entrar na Justiça e obter registro com o nome do pai. Benta Maria concedeu entrevista em Nazária (PI), onde vive: - Meu filho é um simples caseiro, sim, mas criei ele sozinha para ser um homem honesto e falar toda a verdade. O que adianta ser filho de papai e mamãe e não falar a verdade? O repórter também ouve o pai do caseiro. Diz Eurípedes Soares da Silva: - Para me amedrontar, ele disse que falaria para minha família. Aí, me derrubou todinho. Mandei o dinheiro para evitar um escândalo para minha mulher e minhas duas filhas. O motorista Francisco Chagas da Costa reafirma declarações do caseiro Francenildo Santos Costa, o “Nildo”. De fato, ambos levaram envelope com dinheiro, a pedido de Vladimir Poleto, ao estacionamento do Ministério da Fazenda. Ali, a encomenda foi entregue a Ademirson Ariosvaldo da Silva, secretário particular do ministro Antonio Palocci. O repórter Leonardo Souza, da Folha de S.Paulo, entrevista Francisco Chagas da Costa. O jornalista pergunta sobre a relação de Antonio Palocci com o advogado Rogério Buratti: - Sempre que o Buratti vinha a Brasília ele se encontrava com Palocci? - Quando não se encontravam, se falavam no telefone. - O senhor presenciou encontros de Palocci com Buratti? - Às vezes em que se encontravam era na casa. - Quantas vezes eles se encontraram na casa? - Não sei, muitas vezes. Se eu falar dez vezes, quatro vezes, estou mentindo, né? Muitas vezes. - O senhor viu Palocci na casa? - Eu vi ele entrando na casa. Ele ia de carro. - Em que carro? - Um Pegeout prata, de propriedade de Ralf Barquete. 310 19/3/2006 Mais evidências do relacionamento estreito entre o ministro Antonio Palocci (PT-SP) e a empreiteira Leão Leão. O corretor de imóveis Carlos Magalhães intermediou o aluguel de uma casa no setor de mansões Dom Bosco, bairro nobre de Brasília, a integrantes da “república de Ribeirão Preto”. O imóvel foi alugado pelo grupo em 2003, antes da “casa dos prazeres”. A locação, de R$ 9 mil, foi feita por Rogério Buratti e Ralf Barquete, em nome de um tal Osvaldo. Ele seria ligado à Cinco Telecom, empresa da qual Rogério Buratti também é sócio, informa a Folha de S.Paulo. 256 Os inquilinos teriam dado R$ 22 mil, por meio da Leão Leão, para pagar a primeira parcela da construção de uma quadra de tênis na casa. Não deram a segunda. O dinheiro não foi devolvido. Vladimir Poleto também participou do negócio. A casa foi visitada por Antonio Palocci antes de ser alugada, de acordo com a reportagem de Andréa Michel e Leonardo Souza. O ministro aprovou o imóvel. A “república de Ribeirão Preto” ocupou a residência por seis meses. Teve problemas com o caseiro. Diz o corretor Carlos Magalhães: - Ele foi mandado embora e eles trouxeram um de São Paulo. Eles não quiseram o menino lá mais porque ele estava fofocando, falando que Palocci estava indo lá, que eles levavam mulheres. Aí, no dia em que chegou mudança de São Paulo, com uns quadros, obras de arte, num domingo, o irmão da dona da casa barrou porque não aguentava mais a farra que estavam fazendo. 311 20/3/2006 O delegado Wilson Damázio, da Polícia Federal, admite que foi informado pelo próprio caseiro Francenildo Santos Costa sobre os depósitos em sua conta na Caixa Econô- mica Federal. Ocorreu na noite de quinta-feira, 16 de março, quando Francenildo pediu proteção policial. Naquela noite, os extratos bancários do caseiro saíram da Caixa. No dia seguinte estavam no site da revista Época. Entre os documentos apresentados por Francenildo à Polícia Federal, o cartão da conta poupança na qual recebera os R$ 25 mil depositados pelo pai. A Polícia Federal é subordinada ao Ministério da Justiça. A Caixa reconhece que o formulário usado para a extração dos dados da movimenta- ção bancária de Francenildo é exclusivo do sistema interno do banco. Clientes não têm acesso. A quebra do sigilo deu-se dentro da estatal. O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Nelson Jobim, decide manter liminar que suspendeu o depoimento de Francenildo à CPI dos Bingos. Relatório de auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre contrato firmado entre a Petrobras e a empresa GDK apontam favorecimento em licitação e superfaturamento de US$ 23 milhões. O TCU pede a suspensão de pagamentos ainda não efetuados. Os auditores que analisaram o caso recomendam aplicação de multa a Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, acusando-o de criar dificuldades aos trabalhos de investigação conduzidos pelo TCU, informa reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. O contrato para reformar a plataforma petrolífera P-34, no valor de US$ 89 milhões, foi firmado entre uma subsidiária da Petrobras, a Petrobras Netherlands B.V. (PNBV), e a GDK. O repórter Diego Escosteguy revela que o contrato estava sob responsabilidade de Renato Duque, diretor de Serviços da Petrobras. A nomeação dele para o cargo teria passado pelo crivo do então secretário-geral do PT, Silvio Pereira. Para obter a celebração do negócio, a GDK teria conseguido informações antecipadas e privilegiadas. Em troca, “Silvinho” ganharia o famoso jipe Land Rover. 257 312 21/3/2006 Não se fala em outra coisa em Brasília: a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa passou pela presidência da Caixa Econômica Federal. Os dados extraídos do sistema da Caixa, com a senha de um alto funcionário, teriam seguido para o assessor de imprensa do ministro Antonio Palocci (PT-SP), jornalista Marcelo Netto, responsável por encaminhar as informações para serem publicadas pela revista Época. O presidente da Caixa, Jorge Mattoso, subordinado ao ministro Palocci, recusa-se a conceder entrevista. Faz uma semana que Palocci não despacha no Ministério da Fazenda. Desde que o jornal O Estado de S. Paulo publicou entrevista com o caseiro, Palocci refugiou-se em sala no terceiro andar do Palácio do Planalto, ao lado do gabinete de Lula. Usa entradas e elevadores privativos. Evita contatos com a imprensa. Entra e sai pela garagem do subsolo. Não deixa a sede do Governo Federal nem para almoçar. Seus assessores têm de se deslocar do Ministério da Fazenda até o Palácio do Planalto, para onde também são transferidas ligações telefônicas ao ministro. 313 22/3/2006 A Câmara dos Deputados absolve o deputado João Magno (PT-MG), acusado de se beneficiar do esquema do mensalão. 201 parlamentares votam pela cassação do mandato, mas outros 207 decidem livrá-lo. A votação é secreta. O parlamentar petista alegou que os R$ 426 mil recebidos do valerioduto foram usados integralmente em despesas de campanhas eleitorais. Câmeras de televisão filmam a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) dançando entre as poltronas da Câmara, para comemorar a absolvição do colega. A deputada agita os braços e rebola. Arrisca passos de samba no meio do plenário. Ri o tempo todo. Dá um beijo em João Magno. Está feliz da vida. A cena é reprisada várias vezes nos telejornais. Causa indignação. Fica conhecida como a “dança da impunidade”. Ângela Guadagnin é afastada do Conselho de Ética da Câmara. O jornalista Marcos Augusto Gonçalves, da Folha de S.Paulo, escreve: “A indecência celebratória da ‘caminhada mais saltitante’ (como a parlamentar definiu a coisa) ficará como um símbolo do ruidoso naufrágio de um partido que se apresentava à sociedade como guardião dos bons costumes e reformador da ‘política tradicional’.” Ângela Guadagnin não seria reeleita em 2006. A Câmara também absolve o deputado Wanderval Santos (PL-SP), acusado de envolvimento no esquema do mensalão. A favor da cassação votam 242 parlamentares, 15 a menos que o número necessário. E 179 decidem absolvê-lo. Ele foi acusado de “terceirizar” o mandato para a Igreja Universal do Reino de Deus, da qual foi bispo até o início do escândalo. Um assessor do deputado sacou R$ 150 mil do valerioduto, em agência do Banco Rural. A princípio, Wanderval Santos negou a retirada. Depois, negou ter dado ordem para o saque. Responsabilizou o ex-deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ), coordenador político da igreja. Carlos Rodrigues renunciou ao mandato para evitar cassação. De Wanderval Santos: - A verdade é que eu não sabia, não autorizei, não recebi e nem permiti que se recebesse qualquer valor do senhor Marcos Valério. 258 314 23/3/2006 O governo Lula decide envidar esforços para salvar Antonio Palocci (PT-SP). Em vez de apurar as acusações de Francenildo Santos Costa contra o ministro, a Polícia Federal anuncia a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico do caseiro. Ele é o escolhido para ser investigado pelos federais, sob comando do ministro Márcio Thomaz Bastos. O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) também abre inquérito contra o rapaz. Os estrategistas do PT tentam descobrir motivação política para encobrir o que Francenildo viu na “casa dos prazeres”. Chamado a depor na Polícia Federal, o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, não aparece. Alega razões pessoais e manda dois advogados no lugar. A assessoria da Caixa divulga nota sobre o caso. Em vez de tratar o assunto como “crime de quebra de sigilo bancário”, usa o eufemismo “divulgação indevida” de extratos bancários. Lula afasta rumores sobre a queda de Jorge Mattoso. Palavras do presidente da República: - Não faz sentido, não faz sentido! Mesmo porque sou eu que tenho que tomar a decisão. O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Roberto Busato, fala em “sindicato do crime”: - Não é possível que persista essa retaliação à pessoa que teve a coragem de testemunhar contra a segunda figura mais importante da República. 316 25/3/2006 A imprensa reúne informações sobre os bastidores da crise. A revista Época noticia que quinta-feira à tarde, dia 23, os ministros Antonio Palocci (PT-SP), Márcio Thomaz Bastos e o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, mantiveram encontro sigiloso, no Palácio do Planalto. Palocci também teria se reunido com Lula. A reportagem de Gustavo Krieger relata que Mattoso disse ser impossível negar que o acesso aos extratos de Francenildo fora executado em computador dentro das dependências da Caixa. Palocci pressionou Mattoso. Queria que ele assumisse a responsabilidade pela violação, e depois pedisse demissão. O presidente da Caixa não aceitou. O jornal O Estado de S. Paulo publica declaração de Jaques Wagner (PT-BA). O ministro das Relações Institucionais garante que o Palácio do Planalto não deu ordem para a quebra do sigilo bancário. Ora, se não foi Mattoso nem o Planalto, quem foi? A revista Veja dá uma pista: a CPI dos Bingos trabalha com a informação de que o jornalista Marcelo Netto, assessor de Palocci, foi mesmo o responsável por fazer chegar à revista Época os extratos bancários. 317 26/3/2006 A Folha de S.Paulo publica na primeira página o editorial “Abuso de poder”: “A desfaçatez, o uso sistemático da mentira, o empenho em desqualificar qualquer denúncia, nada disso constitui novidade no comportamento do governo Lula. Chegou-se nos últimos dias, entretanto, a níveis inéditos de degradação ética, de violência institucional e de afronta às normas da convivência democrática”. O jornal acrescenta: “Na tentativa inútil de salvar a credibilidade em farrapos de um ministro, viola-se o sigilo bancário de um cidadão comum, o caseiro Francenildo Costa – enquanto toda sorte de 259 malabarismos jurídicos e parlamentares protege as contas de Paulo Okamotto, celebrizado pelos nebulosos favores que prestou ao presidente. Fato ainda mais grave, o caseiro se torna alvo de investigação por parte da Polícia Federal, num ato indisfarçável de ameaça e abuso de poder. A iniciativa – tomada em tempo recorde – não tem paralelo na história recente do País, infelizmente pródiga em situações nas quais representantes do poder público se viram às voltas com denúncias sérias de corrupção.” 318 27/3/2006 Caem o ministro da Fazenda, Antonio Palocci (PT-SP), e o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso. O destino do superministro é selado durante depoimento de Mattoso à Polícia Federal. O presidente da Caixa confessa que entregara pessoalmente a Palocci os extratos bancários de Francenildo. Mattoso é indiciado por violação ilegal de sigilo. O presidente da Caixa admite que levou os documentos bancários do caseiro à casa de Palocci, na noite de 16 de março. Mattoso determinara ao assessor Ricardo Farhat Schumann que levantasse os dados de Francenildo. Ricardo Farhat Schumann, assim como Mattoso, é egresso da administração da ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT). O assessor de Mattoso também atuou na administração do prefeito Celso Daniel (PT) em Santo André. Lá, Ricardo Farhat Schumann foi denunciado por envolvimento em contratos firmados em caráter de emergência, sem licitação, que teriam causado prejuízos de R$ 9,6 milhões. Também perde o emprego o assessor de imprensa de Antonio Palocci, jornalista Marcelo Netto. Comentário do caseiro Francenildo Costa: - Está ficando provado que o lado mais fraco não é o do simples caseiro. É o da mentira. 319 28/3/2006 A imprensa reconstrói os momentos críticos da violação do sigilo bancário de Francenildo Santos Costa. Em reunião no Palácio do Planalto, na manhã de 16 de março, Lula e os ministros Antonio Palocci e Márcio Thomaz Bastos decidiram entrar com medida no STF (Supremo Tribunal Federal) para impedir o depoimento do caseiro à CPI dos Bingos. Obtiveram sucesso. Durante aquela tarde, Palocci e Jorge Mattoso, presidente da Caixa Econômica Federal, voltaram a se reunir no Palácio do Planalto, na sala ocupada pelo ministro, vizinha ao gabinete de Lula. Foi quando Palocci teria pedido a violação do sigilo bancário. Mattoso cumpriria a determinação. As suspeitas sobre Francenildo Santos Costa vinham de informações de um jardineiro. Ele contara à jornalista Helena Chagas, de O Globo, que o caseiro dispunha de dinheiro para comprar um terreno ou uma casa. Naquela mesma noite, o presidente da Caixa telefonou para Palocci e informou que havia movimentações consideradas atípicas na conta bancária do caseiro. Ambos julgaram que Francenildo Santos Costa havia sido subornado pela oposição para atacar Palocci. Jorge Mattoso se dirigiu em seguida à casa do ministro. Chegou lá às 23 horas. Entregou-lhe os extratos bancários e saiu em cinco minutos. Já estavam na residência Daniel 260 Goldberg, secretário de Direito Econômico do Governo Federal, um auxiliar do ministro Márcio Thomaz Bastos. Também aguardava a documentação o jornalista Marcelo Netto, assessor de Palocci. Coube a Marcelo Netto a tarefa de divulgar os extratos para a revista Época, onde trabalhava seu filho, o repórter Matheus Leitão. Registre-se que já havia passado pela casa do ministro Palocci o chefe de gabinete do ministro Márcio Thomaz Bastos, Cláudio Alencar. Daniel Goldberg e Cláudio Alencar, aliás, estiveram duas vezes na casa de Palocci, naquele fatídico 16 de março. A revista Veja relata que no auge da crise, no dia 23, Mattoso voltou à casa de Palocci, onde encontrou o advogado Arnaldo Malheiros, amigo de Márcio Thomaz Bastos. Durante a conversa, teria surgido a proposta de oferecer R$ 1 milhão para algum funcionário da Caixa assumir a autoria da quebra do sigilo. Informação adicional: Arnaldo Malheiros foi advogado dos ex-dirigentes do PT Delúbio Soares e Silvio Pereira, com honorários pagos pelo PT. Veja revela que Mattoso contou toda a história da violação do sigilo bancário de Francenildo Santos Costa ao presidente Lula, em 24 de março. Ou seja, confessou o crime que teria sido executado a mando de Palocci, 72 horas antes do afastamento do ministro. Ainda assim, Lula tentou segurá-lo. Outro dado importante, noticiado pela Folha de S.Paulo: Márcio Thomaz Bastos foi informado por seus assessores da reunião da noite do dia 16 na casa de Palocci, logo no dia seguinte, 17 de março. Foi o dia em que a revista Época divulgou os extratos. Mesmo de posse da informação, o ministro da Justiça só teria contado a Lula o acontecido no dia 20. Estranho. Márcio Thomaz Bastos continuaria a elogiar Palocci, em todas as oportunidades. De qualquer forma, Lula tinha informações comprometedoras contra o ministro da Fazenda ao menos uma semana antes da demissão ser consumada. Fez que não sabia? Ora, Palocci ocupava sala ao lado do gabinete do presidente. Tinha acesso livre às dependências de Lula. Como imaginar que o presidente desconhecesse a conspiração urdida contra o caseiro? 320 29/3/2006 A CPI dos Correios divulga o relatório final das investigações. A comissão de inquérito rejeita a tese defendida pelo PT e o Palácio do Planalto, segundo a qual os pagamentos efetuados a deputados da base aliada do Governo Federal faziam parte apenas de um esquema de caixa 2, com vistas a quitar despesas de campanhas eleitorais. O mensalão existiu. O documento é assinado pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator dos trabalhos: “Em verdade, é reduzir-se em demasia a inteligência dos brasileiros imaginar que será bastante dizer que os milhões não foram distribuídos a parlamentares, mas sim corresponderiam a caixa 2 de campanhas.” O relatório afirma: “Sem argumento para explicar o inexplicável, a defesa dos beneficiários foi a admissão de um crime, para evitar a confissão de outros praticados: a não-contabilização das despesas de 261 campanha, conhecida na sociedade como caixa 2, e não a prática de corrupção. Aliás, a tese do caixa 2 só apareceu meses depois do início do escândalo, e já então de forma orquestrada.” A conclusão da CPI dos Correios ocupa 1.839 páginas. Serraglio solicita o indiciamento de 118 pessoas, entre ex-ministros, parlamentares, dirigentes e assessores de partidos polí- ticos, a cúpula do PT em 2003 e 2004, funcionários públicos, empresários, publicitários, representantes de fundos de pensão, dirigentes dos bancos Rural, BMG, Santos e do Brasil, além de operadores do mercado financeiro. Dos 118 pedidos de indiciamento, 38 são ligados a irregularidades ocorridas em fundos de pensão, 35 relativos a esquemas identificados nos Correios, 25 por envolvimento com as operações conduzidas pelo empresário Marcos Valério e 17 são deputados ou ex-deputados. O relator cede a pressões, porém, e poupa altos funcionários da administração federal, lideranças do partido do governo e o presidente da República. O ex-ministro José Dirceu (PT-SP), por exemplo, seria denunciado por crimes de corrupção ativa, peculato e formação de quadrilha. Foi citado só por corrupção ativa. O documento do relator acusa José Dirceu de ser “o grande idealizador desse esquema de corrupção, destinado a garantir uma base de apoio ao governo na Câmara dos Deputados”. E mais: “Várias pessoas confirmaram que o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu sabia dos empréstimos e do esquema do mensalão. O ministro estava a par de todos os acontecimentos e coordenava as decisões, junto com a diretoria do PT”. O ex-ministro Luiz Gushiken (PT-SP) foi acusado preliminarmente de peculato, tráfico de influência, corrupção ativa e formação de quadrilha. Acabou responsabilizado por tráfico de influência e corrupção ativa. O relator Osmar Serraglio também protege o grande beneficiário do escândalo do mensalão, o maior interessado em garantir maioria parlamentar no Congresso Nacional, a fim de assegurar cobertura política e votos necessários em apoio a projetos de seu governo: Lula, o presidente da República. Ao se referir a Lula, Serraglio usa os termos “cúspide”, que significa “a ponta”, e “lobrigar”, para dizer “entender”. O documento afirma: “Como é de sabença, não incide, aqui, responsabilidade objetiva do chefe maior da nação, simplesmente por ocupar a cúspide da estrutura do poder executivo, o que significaria ser responsabilizado independentemente de ciência ou não. Em sede de responsabilidade subjetiva, não parece que havia dificuldade para que pudesse lobrigar a anormalidade com que a maioria parlamentar se forjava. Contudo não se tem qualquer fato que evidencie haver se omitido.” Alterações feitas nas últimas horas, antes da apresentação do relatório, também retiram do documento o nome de Fábio Luís Lula da Silva, o “Lulinha”, filho do presidente. Ele seria citado por causa das relações de sua empresa, a Gamecorp, com a Telemar, uma concessionária de serviços públicos. O relatório afirma, porém, que “sem dúvida, cabe ao Ministério Público angariar novas informações e esclarecer a nação sobre esta questão delicada, que desacata a cidadania e fere a credibilidade política do País”. Ao abordar a compra de ações da Gamecorp pela Telemar, o relatório faz referências ao fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, que é acionista da Telemar. Aponta que a Petros “não demonstrou interesse em esclarecer, da atribulada compra, por aquela empresa de telefonia, das debêntures conversíveis da firma Gamecorp, de propriedade de um dos 262 filhos do presidente da República”. O documento acrescenta: “Neste caso, não deve haver a presunção de ilícito, mas não se pode descartar o delicado aspecto político e ético, por envolver investidores cujos interesses dependem de regulação oficial”. O empresário Marcos Valério é acusado por falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, tráfico de influência, corrupção ativa, supressão de documento, fraude processual, crimes contra a ordem tributária, peculato e atos de improbidade administrativa. Já o publicitário Duda Mendon- ça, marqueteiro de Lula, é acusado por crimes contra o sistema financeiro, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Segundo o relatório, Duda Mendonça organizou “uma operação internacional destinada a ocultar ou dissimular valores, o que caracterizaria lavagem de dinheiro”. O ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que denunciou o escândalo do mensalão, é acusado de crime eleitoral, crime contra a ordem tributária e por corrupção passiva. De acordo com o relatório final da CPI, Jefferson trabalhou para engendrar “uma rede de influ- ência na administração dos Correios, baseada, sobretudo, na indicação política para a ocupação de cargos com vistas à captação de recursos para fins de financiamento eleitoral”. Para a CPI dos Correios, os empréstimos do Banco Rural e do BMG ao valerioduto são uma fraude que procurou esconder as verdadeiras fontes do mensalão. Os créditos, apesar de concedidos, não seriam pagos. Os bancos receberiam compensações na forma de contratos com o governo do PT. O relatório pede o indiciamento da presidente do Banco Rural, Katia Rabelo, e do presidente do BMG, Ricardo Guimarães. José Genoino (SP), ex-presidente do PT, é acusado por falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e crime eleitoral. E Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do partido, pelos mesmos crimes, mais o de peculato. Ambos foram poupados, na última hora, da acusação de formação de quadrilha. O ex-secretário-geral do PT, Silvio Pereira, é denunciado por tráfico de influência. O relatório considera o fundo Visanet, gerido pelo Banco do Brasil, a principal origem do dinheiro do valerioduto. O documento afirma que o Banco do Brasil adiantava repasses à agência de publicidade DNA, de Marcos Valério, o que permitia a obtenção de vantagens financeiras. Os ganhos irregulares com as operações teriam somado R$ 23,9 milhões, e provocaram pedidos de indiciamento para o ex-ministro Luiz Gushiken (PT-SP) e o diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. O relator conclui que também contribuíram com recursos para o esquema de repasse de dinheiro a parlamentares da base aliada as siderúrgicas Usiminas e Cosipa e a companhia telefônica Brasil Telecom. Durante os trabalhos de apuração, a CPI dos Correios não requereu a quebra de sigilo bancário de nenhum dos parlamentares investigados. Da mesma forma, nenhum novo nome surgiu, apesar de a comissão ter obtido uma relação com cerca de 60 assessores parlamentares que estiveram no Banco Rural, em datas nas quais foram efetuados saques para pagar o mensalão. 321 30/3/2006 O Conselho de Ética da Câmara aprova, por 9 votos a 4, o pedido de cassação do mandato do deputado José Mentor (PT-SP), acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. Ele recebeu R$ 120 mil de Rogério Tolentino, sócio de Valério, cujo indiciamento 263 também foi solicitado pela CPI dos Correios, sob a acusação de falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. José Mentor procurou se defender dizendo que o dinheiro foi pagamento por serviços de consultoria jurídica prestados a Rogério Tolentino. A tese não foi aceita. O deputado Nelson Trad (PMDB-MS), autor do parecer que pede a cassação do deputado, comenta os tais serviços de consultoria usados como justificativa por José Mentor: - São estudos genéricos, mais parecidos com trabalhos escolares do que com algo que vá servir a alguém, aparentemente sem utilidade prática. 324 2/4/2006 Novas histórias envolvendo próceres da “república de Ribeirão Preto”. O empresário Roberto Carlos Kurzweil pagou as despesas do voo de helicóptero que levou o então prefeito de Ribeirão Preto (SP), Antonio Palocci (PT), a Angra dos Reis (RJ). A viagem ocorreu em novembro de 2002, logo após a eleição de Lula, conforme relata reportagem da Folha de S.Paulo. Como se sabe, Palocci foi coordenador da campanha vitoriosa do PT. Em Angra, Palocci ficou numa casa com seis suítes, cuja diária é estimada em R$ 2 mil. Segundo o repórter Mario Cesar Carvalho, Palocci voltou à mesma casa um ano depois, já ministro da Fazenda. Novamente a convite do empresário Kurzweil, que possui residência no mesmo condomínio. Kurzweil foi frequentador da “casa dos prazeres”, o estopim da queda de Palocci. Em 1995, durante a primeira gestão de Palocci na Prefeitura de Ribeirão, a municipalidade firmou contrato com a empresa Rek, de Kurzweil, para tratamento de esgoto. O negócio renderia R$ 400 milhões até 2010. O helicóptero que transportou Palocci a Angra é avaliado em US$ 1,5 milhão. Pertenceria aos angolanos Artur José Valente Caio e José Paulo Teixeira Figueiredo. Os dois teriam ligações com casas de bingo e seriam responsáveis por doação de R$ 1 milhão para a campanha de Lula em 2002. Palavras do advogado Rogério Buratti. O mesmo Rogério Buratti, aliás, seria sócio dos angolanos, na empresa de telecomunicações Cinco Telecom. Da mesma forma que Kurzweil. Os dois angolanos também seriam citados como envolvidos no caso da morte do prefeito de Campinas (SP), “Toninho do PT”. A primeira viagem a Angra, para comemorar a vitória de Lula, reuniu, na bela cidade do litoral fluminense, Palocci, a mulher e a filha, Ademirson Ariosvaldo da Silva, que seria nomeado secretário particular do ministro da Fazenda, e Donizete Rosa, outro fiel assessor do prefeito de Ribeirão Preto. Ele também seria dono de cargo importante no governo Lula. Donizete Rosa estava acompanhado da mulher, Isabel Bordini, acusada de envolvimento com planilhas fraudulentas que teriam servido para desviar dinheiro dos contratos de limpeza pública de Ribeirão. Esteve na celebração, ainda, Ralf Barquete, o poderoso secretário de Finanças de Palocci, na mesma Ribeirão Preto. Na segunda viagem, em 2003, Palocci, já ministro, foi mais reservado. Acompanharamno apenas a mulher e a filha, além da família de um amigo muito especial, que levou a mulher e os três filhos: Rogério Buratti. Trata-se do mesmo Rogério Buratti com quem Palocci negou manter relacionamento, desde o seu afastamento da Secretaria de Governo 264 de Ribeirão Preto, ainda no primeiro mandato do prefeito Palocci (1993-1996), após um rumoroso caso de corrupção. O empresário Kurzweil e a família também estavam em Angra. 326 4/4/2006 Antonio Palocci (PT-SP) presta depoimento à Polícia Federal e é indiciado por crime de quebra de sigilo bancário e por violação de sigilo funcional. Ele afirma aos federais que o ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, esteve em sua casa em 16 de março, mas não para entregar extratos bancários do caseiro Francenildo Santos Costa. Foi lá para tratar da abertura de escritórios da Caixa no Japão e nos Estados Unidos. Palocci tenta encobrir que Mattoso chegou à sua casa às 23 horas, tarde da noite, e ficou por apenas cinco minutos. Esteve lá para entregar os documentos bancários obtidos mediante a violação do sigilo. O ex-ministro confessa, no entanto, que recebeu dados dos extratos bancários. E o que fez? Obviamente, nenhuma ilicitude. Tratou de triturar toda a documentação, no dia seguinte. O Conselho de Ética da Câmara aprova, por 10 votos a 1, processo de cassação do mandato do deputado Josias Gomes (PT-BA). Ele é acusado de sacar pessoalmente R$ 100 mil das contas de Marcos Valério. Chegou a deixar cópia da própria carteira de parlamentar na agência do Banco Rural no Brasília Shopping. Defesa do deputado Josias Gomes: - Eu conhecia o Delúbio havia 25 anos. Nunca imaginei que ele me deixaria nessa situação. O dinheiro, claro, foi usado para pagar dívidas de campanha eleitoral. No lançamento de uma campanha de combate à corrupção eleitoral, Cesar Asfor Rocha, corregedor-geral do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), afirma que a origem do caixa 2 está sempre ligada a recursos públicos. Combatê-lo significa atacar a criminalidade, pois assim se evita sonegação, fraudes, falsificações e o abuso do poder econômico. Diz o corregedor: - O que é o caixa 2? No mínimo é sonegação. Se uma pessoa não pode revelar de onde vem toda a despesa que efetua é porque não tem lastro, não tem recursos com origem legí- tima, legal ou comprovada, que possa ser mostrada ou que possa compatibilizar com aquela receita. É, efetivamente, coisa de bandido, porque é fruto de sonegação. 327 5/4/2006 A Câmara dos Deputados absolve, por 256 votos a 209, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. Ele é o oitavo deputado que recebeu dinheiro do caixa 2 do PT a se livrar da cassação. Foi mais um beneficiado pelo expediente do voto secreto. João Paulo Cunha mandou a mulher, Márcia Milanésio Cunha, buscar R$ 50 mil na agência do Banco Rural do Brasília Shopping. Foi em setembro de 2004. Na época, ele exercia o cargo de presidente da Câmara dos Deputados. No início, negou o saque. Depois, disse que o dinheiro foi usado para pagar pesquisas eleitorais. João Paulo Cunha defendeu-se: - Eu estava convicto de que o dinheiro vinha dos cofres do PT. Não peguei dinheiro escuso, de origem indeterminada, peguei na tesouraria do PT. 265 Errado. Pegou, ou melhor, mandou a mulher pegar, fora do horário bancário, para não ser vista, na agência do Banco Rural. E só admitiu o recebimento porque não convenceu ninguém com a história de que Márcia Milanésio Cunha foi à agência resolver problema com a fatura da TV a cabo. Foi essa a explicação que ele deu a princípio, para justificar a presença da mulher nas dependências do Banco Rural. Após ser desmascarado, saiu-se com a justificativa de que o dinheiro do valerioduto foi usado em campanha eleitoral. Declaração do deputado Cezar Schirmer (PMDB-RS), o relator que pediu a cassação de João Paulo Cunha no Conselho de Ética da Câmara: - O padrão ético da maioria do plenário está bem abaixo das expectativas. Ele pegou o dinheiro do Marcos Valério, mentiu e fez um contrato lesivo ao patrimônio da Câmara, com o mesmo Valério. 328 6/4/2006 A absolvição do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) provoca rebelião no Conselho de Ética. Seis deputados desligam-se do órgão. Em virtude do escândalo do mensalão, o Conselho recomendara 11 cassações e duas absolvições. O plenário da Câmara, em vota- ções secretas, acatou as duas absolvições, mas reverteu seis pedidos de perda de mandato. Salvou os denunciados. Falta ainda apreciar dois casos, mas ninguém mais seria cassado. Abandonam o Conselho de Ética os deputados Orlando Fantazzini (PSOL-SP), Chico Alencar (PSOL-RJ), Júlio Delgado (PSB-MG), Carlos Sampaio (PSDB-SP), Benedito de Lira (PP-AL) e Cezar Schirmer (PMDB-RS). Alheios à crise, mensaleiros comemoram a decisão favorável a João Paulo Cunha. Os deputados Professor Luizinho (PT-SP) e José Mentor (PT-SP) bebem vinho e se divertem em restaurante, ao lado do ex-deputado Paulo Rocha (PT-PA), que renunciou com medo de ser cassado. Na época, Paulo Rocha achou que a crise não acabaria em pizza. 330 8/4/2006 A revista Veja traz informações sobre o encontro de 23 de março na casa de Antonio Palocci (PT-SP). Reuniram-se com o ex-ministro, naquela tarde, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, e o advogado criminalista Arnaldo Malheiros Filho, trazido por Márcio Thomaz Bastos. A revista Veja classifica o encontro como uma conspiração para encobrir o crime de violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa. O ponto nevrálgico da discussão na residência de Palocci, segundo a reconstituição dos acontecimentos feita pelos repórteres Marcelo Carneiro, Giuliano Guandalini, Thaís Oyama e Victor Martinho: arrumar quem, por R$ 1 milhão, assumisse a responsabilidade pela quebra do sigilo. Segundo a reportagem, a tarefa de arregimentar candidatos à bolada foi atribuída a Carlos Augusto Borges, vice-presidente da Caixa. Ele é sindicalista histórico, homem de confiança de Lula. Foi nomeado para o cargo, aliás, por decisão do presidente. Grave. A revista também afirma que outra vice-presidente da Caixa, Clarice Coppetti, teria aceitado a missão, ou melhor, o suborno. Mas foi identificado um problema: ela é casada com Cesar Alvarez, um 266 assessor especial da Presidência da República. Novamente, tudo muito próximo de Lula. A lambança não prosperou. Trechos de depoimento da então prefeita de São José dos Campos (SP), Ângela Guadagnin (PT), são publicados pelo jornal O Estado de S. Paulo. Ela desmentiu, nove anos atrás, a versão de que Paulo Okamotto jamais assediou administrações municipais petistas, para obter dinheiro e engordar o caixa 2 do PT. Ângela Guadagnin foi ouvida por uma comissão do PT, após a acusação de Paulo de Tarso Venceslau. Ex-secretário de Finanças do governo de Ângela Guadagnin em São José dos Campos, Venceslau disse que a Cpem (Consultoria para Empresas e Municípios), empresa ligada ao advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, vendia serviços a prefeituras petistas e, em troca, recheava os cofres do PT com dinheiro de caixa 2. Em 7 de junho de 1997, Ângela Gadagnin admitiu que Paulo Okamotto solicitou uma lista de fornecedores da cidade, com vistas a arrumar contribuições para o PT. O testemunho dela, porém, por decisão do presidente do partido na época, ex-deputado José Dirceu (SP), não provocou maiores consequências. Trecho gravado: - Ângela, deixa eu perguntar uma coisa. Falando do Paulo Okamotto, ele em algum momento procurou você, falando de fornecedores, querendo saber de fornecedores da Prefeitura para fins de captação de recursos para o partido? - Procurou. - E ele queria saber o quê? - Exatamente quais ele poderia procurar para ver se podiam estar ajudando, coisa assim. - Ele perguntou a relação de fornecedores da Prefeitura para que ele procurasse, para ajudar financeiramente o partido, é isso? - Sim. - Ele procurou? - Sim. Agora, trecho do depoimento de Paulo Okamotto à comissão. Ele mesmo descreve como fazia as abordagens: - Você está contente com essa política, quer que essa política continue, ganhe, está a fim de contribuir para isso? Então nós vamos pedir para o nosso cara de finanças procurá-lo, tudo bem? 332 10/4/2006 O advogado Rogério Buratti concede entrevistas aos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo. Reconhece que se reuniu “três vezes no máximo” com o ex-ministro Antonio Palocci (PT-SP), na “casa dos prazeres”. Buratti vinha negando isso. Agora, fala abertamente: a mansão do Lago Sul era “ponto de apoio pessoal”, principalmente para empresários de Ribeirão Preto (SP) que estavam em Brasília. Dá como exemplo ele mesmo, que representava a empresa Leão Leão, e nomeia Roberto Carkos Kurzweil, da Rek, Ruy Barquete, da Procomp, e José Roberto Colnaghi. Para Buratti, a casa foi um erro. “O objetivo não foi atendido, só deu problema”. Ele fala ao repórter Mario Cesar Carvalho, da Folha: 267 - As pessoas que frequentavam a casa à noite, como amigos, levavam acompanhantes boa parte das vezes. Isso não significa que havia festas e que as festas tinham objetivos comerciais. Essa foi uma das grandes dificuldades para admitir a existência da casa. Acabou parecendo que era a casa dos prazeres. Cada pessoa que tem atividades em Brasília e quer receber uma acompanhante não precisa ter uma casa. Essa atividade que o Francenildo disse haver certamente deve ter havido. Duas, três ou quatro pessoas que levaram umas meninas para a casa... Atividades que não são comerciais, são particulares. - Isso não tinha a ver com lobby? Quem pagava as garotas? - Cada pessoa que frequentava a casa e resolvia levar uma garota de programa ou não para dentro da casa se responsabilizava pelo pagamento da garota. Na verdade, está sendo revelada por meio da casa uma atividade cotidiana em Brasília. As meninas que frequentavam aquela casa, hoje continuam frequentando outros lugares em Brasília e fazendo a mesma coisa. Buratti diz acreditar que “as empresas” que usaram a casa “devem ter contribuído” com as despesas de manutenção do local. Cita a Rek, a Procomp e as empresas de Colnaghi. - Por que o ministro não reconhece que frequentou a casa? - Porque a casa ganhou contornos morais. As negativas dele devem ter a ver com esse aspecto moral. Eu sempre neguei na CPI que tivesse visto o ministro na casa porque isso criou um constrangimento muito importante na minha vida. Até hoje as pessoas falam que minha atual namorada é uma menina que frequentava a casa em Brasília, e não é verdade. Essa questão, como me incomoda até hoje, por invadir a privacidade, deve ter incomodado o ministro. - Por que só agora o senhor decidiu revelar que viu Palocci na casa? - O ex-ministro Palocci é uma pessoa por quem tenho profundo respeito. A questão fundamental: há ou não há ilicitude na casa? Se desde o começo a gente tivesse tratado isso com tranquilidade... “Olha, eu frequentei aquele imóvel, amigos meus de Ribeirão buscavam fazer negócios a partir dele, mas não há atividade ilícita que eu tenha feito ali...” Resolvi falar porque não vejo mais isso como um problema. Admitir isso deve tranquilizar as pessoas. O que deve ser focado é se houve negócios ilícitos a partir da casa que devam ser investigados? Se as pessoas encontravam mulheres, é um problema particular delas, não um problema público. Buratti conta ao repórter Ricardo Brandt, do Estadão, que conversou com Palocci dentro da “casa dos prazeres” sobre o caso do contrato entre a Caixa Econômica Federal e a multinacional Gtech. Fala de Ralf Barquete, importante auxiliar de Palocci em Ribeirão, levado no início do governo Lula para a Caixa. Ele também cita Marcos Andrade, ex-executivo da Gtech. O repórter indaga sobre pedido de interferência no contrato. Buratti responde: - Quem foi procurado pela Gtech foi o Ralf, dentro da Caixa. Até porque o Ralf já estava na casa. Ele tinha informações limitadas a respeito desse processo, pois ele estava lá havia um mês. Eles buscavam um contato com alguém vinculado ao Palocci, porque eles estavam buscando relações com o governo. E quando eles me procuraram em São Paulo, o Marcos Andrade simultaneamente, eles buscam um contato dentro da Caixa com alguém vinculado ao ministro Palocci. E aí são indicados a falar com o Ralf. - Você estava atuando como lobista nisso, então? 268 - Eu atuava como executivo da Leão Leão... - Mas eles não te procuram como executivo da Leão... - O Marcos Andrade me procura como um eventual lobista para eles dentro da Caixa, em função da notícia de que eu teria relacionamentos. Essa notícia de que eu teria relacionamentos eles me informaram que tiveram em São Paulo. Na cidade de São Paulo, através de pessoas do PT. Tanto que o primeiro contato foi em São Paulo. Essa foi a primeira abordagem diferente que eu recebi. Eles também estabeleceram um segundo caminho através da própria Caixa, que o Ralf me relatou depois. Ele disse que o Jorge Mattoso, num jantar com ele no Blue Tree, disse que a Gtech havia procurado alguém vinculado ao ministro e ele teria dito que o Ralf era esse contato. O Mattoso havia comunicado a ele num jantar no Blue Tree, pois os dois moravam lá na época. O Ralf não quis fazer o contato e falou isso para o Palocci, porque ele estava entrando na Caixa com o objetivo de ser técnico, e não ser representante do Palocci, até porque ele queria outro cargo. Aí ele me pediu para eu ter a conversa com a Gtech. Que eu fosse o porta-voz do que a empresa queria. - O que a empresa queria? - A empresa relatou que eles mantinham contato, tinham dificuldade e queriam abrir as portas, pois queriam se relacionar diretamente com o governo e com o PT. E falavam inclusive que estavam sendo procurados por outros grupos do PT, mas que não eram grupos dominantes do ponto de vista do nível de governo. - Falaram em quem? Em Waldomiro Diniz? - Não, nunca. Nunca falaram de Waldomiro para mim. Mas falaram de outro grupo e que eles se sentiam incomodados e queriam saber qual era o canal e achavam que o Palocci naquele momento era uma pessoa que pudesse dar uma definição para eles. - Qual era o acordo? - A proposta é que fosse renovado o contrato, pois eles iam renovar, mas tinham problemas técnicos a resolver, principalmente vinculados a correspondentes bancários. Eles faziam propostas de que eles poderiam colaborar com o PT. - Com quanto? - Aí a proposta variava de fato de R$ 5 milhões a R$ 16 milhões. Não era mais nenhuma sondagem profissional. Eu ouvi essa conversa, relatei para o Ralf e levamos essa proposta. Eu participei dessa conversa. Eu e o Ralf fomos juntos conversar com o Palocci, na casa dele. - Quando e onde? - Na casa dele, no final de março, início de abril. Nessa época não existia a mansão, ainda. Era a casa dele. O Ralf frequentava a casa dele. Fomos recebidos por ele e eu relatei a conversa. Burattti garante que o “negócio” não prosperou. O presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), e o relator da comissão, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), entregam o relatório final dos trabalhos de investigação ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Na última hora, foram incluídos os pedidos de indiciamento do banqueiro Daniel Dantas, do grupo 269 Opportunity, e da ex-presidente da Brasil Telecom, Carla Cicco. Ambos são acusados por crimes de sonegação fiscal, tráfico de influência e corrupção ativa. De acordo com Osmar Serraglio, a Brasil Telecom, na época sob controle do Opportunity, injetou R$ 823 mil em empresas de Marcos Valério, por serviços de publicidade que não seriam prestados. Além disso, outros R$ 3 milhões teriam ingressado em contas bancárias de empresas de Marcos Valério, quantia que posteriormente iria ser remetida a empresas no exterior. Existe muito mais dinheiro na jogada, contudo: a Telemig Celular e a Amazônia Celular, pertencentes à holding da Brasil Telecom, repassariam R$ 158 milhões para as agências de Marcos Valério, em cinco anos, por supostos serviços de publicidade. Para o relator, o dinheiro alimentou o valerioduto e serviu para “aparar arestas” entre Daniel Dantas, o PT e o governo Lula. 333 11/4/2006 O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, divulga a conclusão do inquérito conduzido por ele sobre o escândalo do mensalão. 40 pessoas são denunciadas ao STF (Supremo Tribunal Federal) em decorrência das investigações. O procuradorgeral endossa acusações da CPI dos Correios, mas seu relatório proporciona impacto maior. Afinal, ele não poderia ser acusado de agir por ambições políticas, partidárias ou eleitorais. Logo na introdução da denúncia, os acusados. Entre os nomes, 20 “estrelas”. A relação: José Dirceu, Luiz Gushiken, José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira, Marcos Valério, João Paulo Cunha, Pedro Corrêa, José Janene, Valdemar Costa Neto, Professor Luizinho, João Magno, Anderson Adauto, Duda Mendonça, José Borba, Carlos Rodrigues, Zilmar Fernandes da Silveira, Simone Vasconcelos, Henrique Pizzolato e Roberto Jefferson. Antonio Fernando de Souza ressalva que “todas as imputações feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas”. Investigações “evidenciaram o loteamento político dos cargos públicos em troca de apoio às propostas do governo, prática que representa um dos principais fatores do desvio e má aplicação de recursos públicos, com o objetivo de financiar campanhas milionárias nas eleições, além de proporcionar o enriquecimento ilícito de agentes públicos e políticos, empresários e lobistas que atuam nessa perniciosa engrenagem”. Capítulo à parte, em seguida, trata exclusivamente do relatório do procurador-geral da Repúlica. 335 13/4/2006 O editorial “Um libelo arrasador”, de O Estado de S. Paulo, comenta a denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Para o jornal, Lula é o “beneficiário por excelência da corrupção em escala inédita promovida pelo PT”. O editorial responsabiliza o presidente da República, por ser “impossível imaginar que não tivesse conhecimento”: “O que torna absolutamente críveis as conclusões do trabalho, além da manifesta isen- ção do seu autor, é a consistência da análise da engrenagem por trás dos crimes perpetrados, com o entrelaçamento dos ramos político-partidário, publicitário e financeiro da quadri- 270 lha. Mas a denúncia convence acima de tudo por sua irrepreensível objetividade. É o que a distingue do relatório final da CPI dos Correios. Este, embora também tenha comprovado a prática do mensalão, foi uma conta de chegar, como costumam ser os resultados das investigações parlamentares, produto ao mesmo tempo de fatos apurados e pressões, ou negociações, políticas.” “Nada remotamente parecido com isso influenciou o inquérito dirigido pelo procuradorgeral. A independência e a seriedade com que agiu transparecem na simplicidade do seu texto, desprovido dos contorcionismos verbais ou do estilo barroco presentes no documento da CPI. Com sujeitos, verbos e predicados em ordem direta, Antonio Fernando de Souza dispensa eufemismos e chama as coisas pelos nomes – a começar do mais arrasador deles, ‘quadrilha’. Está lá: ‘compra (pelo PT) de suporte político de outros partidos’ e ‘financiamento irregular de campanhas’.” 337 15/4/2006 A revista Veja comenta a denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza: “Ali estão escritos em detalhes e com precisão jurídica os mecanismos de funcionamento do que talvez seja – com exceção da nomenklatura soviética – a maior quadrilha jamais montada com o objetivo de garantir a continuidade no poder de um mesmo grupo político, o PT de Lula. A hierarquia da quadrilha descrita pelo promotor tem como chefe José Dirceu, deputado cassado por corrupção que foi ministro-chefe da Casa Civil de Lula. Abaixo dele estão quase todos os ‘companheiros de luta’ de Lula, gente com quem ele conviveu intimamente por quase três décadas. O procurador-geral deixou vago no organograma da quadrilha o posto logo acima de José Dirceu. Mas o quebra-cabeça não é de difícil solução. Basta montar as peças e aparece o mais provável ocupante daquele posto. É isso que aponta o bom senso. Basta tentar montar com as peças do quebra-cabeça uma outra imagem que não a de Lula. Não encaixa”. Para Veja, é evidente que o presidente era o beneficiário do esquema que tinha como objetivo sustentar o projeto de poder do PT: “O novo quadro desmonta a principal defesa de Lula, que sempre disse desconhecer todas as ações ilegais e clandestinas em torno do mensalão”. A revista afirma: “Afinal, se estava alheio a tudo, podese inferir sem exagero que Lula desconhecia como se construía o apoio a seu governo e ignorava o que faziam seus principais auxiliares. Um presidente pode ser enganado por autores da corrupção que ocorre num ministério de importância média comandado por um aliado recém-chegado – mas é inverossímil que não seja informado sobre o que se faz no coração de seu governo, uma instituição como a Casa Civil, comandada por um homem como José Dirceu, a quem ele mesmo chamou de ‘capitão do time’. Por não atender aos mínimos requisitos lógicos, o dilema de saber ou não saber tornou-se questão ultrapassada. O que se precisa investigar agora é como Lula se articulava com o bando dos 40. Que relações financeiras tinha com o ‘chefe da quadrilha’, o deputado cassado José Dirceu?” 271 338 16/4/2006 O editorial “Lula com a palavra” comenta, na Folha de S.Paulo, a denúncia do procurador-geral Antonio Fernando de Souza. Para o jornal, o presidente deve explica- ções à sociedade. “Desde o início da crise, refugia-se num silêncio calculado, de vez em quando interrompido por esparsas evasivas, contradições flagrantes e vagos desabafos sentimentais”. “Formação de quadrilha. Corrupção ativa e passiva. Lavagem de dinheiro e peculato. No âmago do governo Lula, formou-se uma organização criminosa com vistas a manterse no poder.” “Não são frases de algum oposicionista enraivecido, e sim do relatório elaborado pelo procurador-geral da República, formalizando denúncia contra os responsáveis pelo mensalão. Entre eles, o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, o das Comunicações, Luiz Gushiken, os três principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores, o então presidente da Câmara dos Deputados e um ex-diretor do Banco do Brasil.” “Só uma quadrilha? Ou mais de uma? Também o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e o grupo capitaneado por ele enredam-se numa outra coleção de acusações policiais.” O editorial centra em Lula: “Fui traído, disse ele mais de uma vez. Mas por quem? Lula foi prudente em não citar nome nenhum: muitos ainda não eram do conhecimento público quando a frase foi pronunciada pela primeira vez; a lista, até hoje em aberto, poderia sem dúvida oferecer diversos novos candidatos ao indiciamento criminal”. “O presidente não sabia de nada? ‘O importante’, afirmou numa famosa entrevista em julho de 2005, ‘não é se você sabia ou não, porque, se eu tivesse condição de saber, não teria acontecido’. (...) Naquela ocasião, Lula recorria apenas ao truque vocabular de referir-se a hipotéticos ‘erros’ cometidos por seu partido: ‘o PT, se cometeu erros, tem que explicar para a sociedade brasileira que erros cometeu’.” “Mais do que erros, entretanto, é o que Lula tem de explicar agora. ‘Já faz tempo que eu deixei de ser presidente do PT’, prosseguia ele naquela entrevista, sintomaticamente gravada nos jardins de um certo ‘Museu do Ar’, em Paris. ‘Depois que eu virei presidente da República, eu não pude mais participar da reunião do diretório do PT’.” “Mas participou, ao que tudo consta, de reuniões com ministros perto dos quais as figuras de um Delúbio Soares e de um Silvio Pereira assumem o papel de aprendizes, de coadjuvantes, de bodes expiatórios numa farsa monumental.” “Farsa de um governo eleito com a bandeira da ‘ética na política’ e que tem, como principal recurso para provar sua inocência, o argumento de que todo o episódio do mensalão se resumiu a um caso de caixa 2 – ‘o que é feito no Brasil sistematicamente’, disse Lula, para corrigir-se meses depois. Trata-se ‘de prática condenada pela sociedade brasileira’, afirmou finalmente, com tardia convicção. É a mesma convicção com que garantiu, em dezembro passado, que ‘a CPI vai terminar e eles não vão provar o mensalão’.” “Foram essas as certezas, foram essas as considerações do presidente da República ao longo da crise – extraídas a custo dos raros momentos em que se alçou ao dever civil de prestar contas pelo descalabro de seu governo. Nada mais se ouviu do presidente. Exceto o espetáculo da auto-congratulação balofa, da banalidade conceitual e da defesa da pró- 272 pria ignorância – que não se resume ao tema de sua falta de instrução formal, mas àquele, muito mais grave, que diz respeito às façanhas de delinquência organizadas em seu círculo mais próximo.” O ex-governador do Rio, Anthony Garotinho (PMDB), relata ter sido procurado por José Dirceu (PT-SP) na véspera da votação do processo de cassação do ex-ministro. José Dirceu precisava de apoio para ser absolvido na Câmara dos Deputados. Buscava suporte do exgovernador. Anthony Garotinho falou aos repórteres Plínio Fraga e Sérgio Costa, da Folha de S.Paulo. Palavras de Garotinho sobre o encontro com José Dirceu: - Ele falou que eu devia ter muita mágoa dele: “Mas saiba que tudo o que eu fiz, tudo, fiz porque o Lula mandou. Você acha que ia mandar bloquear o dinheiro do Rio e o Palocci iria obedecer? Todo político tem alguém que faz o lado mau. Estou pagando agora por ter feito o lado mau”. Comentário de José Dirceu sobre a entrevista de Garotinho: - Não vou bater boca com ele. O relator da CPI, Osmar Serraglio (PMDB-PR), entrega à Procuradoria-Geral da República lista com nomes de assessores de parlamentares que estiveram na agência do Banco Rural no Brasília Shopping, usada para efetuar pagamentos do mensalão. A relação traz funcionários do ex-ministro das Comunicações, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e dos deputados José Militão (PTB-MG), Moacir Micheletto (PMDB-PR) e Benedito de Lira (PP-AL). Todos alegam que os funcionários foram resolver problemas pessoais no Rural. Claudia Luiza de Morais, assessora de Eunício Oliveira, esteve 22 vezes na agência bancária, inclusive em 17 de dezembro de 2003. Eunício ainda era líder do PMDB naquele dia. Foram efetuados três saques suspeitos. 340 18/4/2006 Em depoimento à Polícia Federal, a jornalista Helena Chagas, diretora da sucursal do jornal O Globo em Brasília, desmente Antonio Palocci (PT-SP). Ela nega ter afirmado ao ex-ministro da Fazenda que o caseiro Francenildo Santos Costa recebera quantia significativa em dinheiro. Helena Chagas recebeu telefonema de Antonio Palocci na tarde de 15 de março, véspera da violação do sigilo bancário. Segundo ela, Palocci informara que o senador Tião Viana (PT-AC) lhe dissera sobre o suposto dinheiro do caseiro. Em depoimento à Polícia Federal, Palocci havia dito que Helena Chagas comentara com ele que Francenildo “tinha um bom dinheiro”. A jornalista mora ao lado da “casa dos prazeres”. Ouviu de seu jardineiro, Leonardo Moura, que Francenildo recebera dinheiro. Ela comentou o assunto com Tião Viana. Em depoimento à Polícia Federal, Leonardo Moura confirma a história. Conta que o caseiro voltou de férias em janeiro dizendo que o pai havia lhe dado uma quantia, com a qual pretendia comprar um terreno nos arredores de Brasília. Ao ver a fotografia de Francenildo nos jornais, Leonardo Moura relatou a Helena Chagas o que ouvira do caseiro. 273 Fica a impressão de que Tião Viana e Antonio Palocci se fixaram no “dinheiro” de Francenildo Santos Costa, com a suposição de que o caseiro fora subornado pela oposi- ção. Em consequência, houve a quebra do sigilo bancário do rapaz. Acharam que, ao desqualificar o caseiro, quaisquer denúncias sobre a “casa dos prazeres” não teriam mais credibilidade. 341 19/4/2006 A Polícia Federal conclui inquérito sobre a quebra do sigilo bancário de Francenildo Costa. Antonio Palocci é apontado como mandante do crime. Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, e o jornalista Marcelo Netto, ex-assessor de Palocci, aparecem como co-autores. Palocci e Mattoso são acusados de violação do sigilo funcional e quebra de sigilo bancário, crimes cujas penas podem chegar a dez anos de prisão. O ex-ministro é indiciado por prevaricação, por não ter tomado providências legais ao receber os extratos das mãos de Mattoso. Palocci também fez denúncia caluniosa ao tentar provocar uma investigação contra o caseiro, com base em acusação falsa. Marcelo Netto é indiciado por repassar os extratos à imprensa. A reconstituição da Polícia Federal: em 16 de março, Palocci reuniu-se com Mattoso no Palácio do Planalto, das 17h às 20h. Depois do encontro, no caminho para a Caixa, Mattoso tentou sem sucesso localizar Clarice Copetti, vice-presidente da Caixa. Já na estatal, Mattoso chamou o consultor Ricardo Schumann, a quem entregou o nome completo e o CPF do caseiro, e pediu as informações sigilosas sobre a conta bancária. Os extratos foram entregues a Mattoso num restaurante. O presidente da Caixa telefonou a Palocci. Descreveu a existência de depósitos “atípicos” e levou os extratos à casa do exministro. Palocci estava “contente” e “entusiasmado” com os rumores de que o caseiro recebera dinheiro de políticos da oposição. Pôs as mãos nos extratos depois das 23h. Horas depois, os documentos já estavam com jornalistas da revista Época. A Polícia Civil de São Paulo indicia Palocci por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, peculato e falsidade ideológica. Os crimes estão vinculados a denúncias de fraudes em contratos de limpeza pública em Ribeirão Preto (SP), na época em que Palocci foi prefeito da cidade. Durante depoimento prestado em Brasília, o ex-ministro afirma que, se houve irregularidades, a responsabilidade é do Daerp (Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto). O Ministério Público não aceita. Declaração do promotor Daniel de Angelis: - Uma organização que dá um prejuízo de R$ 30 milhões em quatro anos não passaria despercebida pelo prefeito. A Câmara dos Deputados absolve o deputado José Mentor (PT-SP), acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. Votam pela cassação 241 deputados, 16 a menos que o necessário. Outros 175 votam pela absolvição. Há oito abstenções, seis cédulas em branco e dois votos nulos. José Mentor é o último deputado ligado ao ex-ministro José Dirceu (PT-SP) a ser julgado. Já se livraram da cassação João Paulo Cunha (PT-SP), Professor Luizinho (PT-SP) e Paulo Rocha (PT-PA), que renunciou para não perder o mandato. 274 José Mentor recebeu R$ 120 mil de empresa de Marcos Valério. Alegou que prestou serviço de consultoria a Rogério Tolentino, sócio de Valério. A justificativa não foi aceita pelo relator do caso no Conselho de Ética, Nelson Trad (PMDB-MS). Para ele, Mentor recebeu pagamento para não aprofundar investigações contra o Banco Rural na CPI do Banestado, a pedido de Valério. Enquanto os deputados decidiam em votação secreta a sorte de Mentor, uma representa- ção encaminhada pelo procurador-geral de São Paulo, Rodrigo Rebello Pinho, era protocolada na presidência da Câmara. O presidente da Casa, deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), não a divulgou. A denúncia só viria a público cinco dias depois, ao chegar à Corregedoria. A denúncia: o doleiro Richard Andrew de Mol Van Otterloo afirmou ao Ministério Pú- blico que pagou R$ 300 mil a José Mentor para ser excluído do relatório final da CPI do Banestado. Mais: Flávio Maluf, filho do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (PP-SP), foi quem orientou o pagamento da propina, pois temia que o “efeito cascata” de eventual depoimento de Otterloo implicasse Paulo Maluf. É que Richard Andrew Otterloo tinha negócios com o doleiro Vivaldo Alves, o “Birigui”, apontado como operador do ex-prefeito. Uma investigação sobre o doleiro poderia levar à descoberta da conta Jazz e, a partir dela, se chegaria à conta Chanani, atribuída a Paulo Maluf. Otterloo disse ao Ministério Público que ele e o sócio Raul Henrique Srour procuraram um intermediário de José Mentor, sob orientação de Flávio Maluf, e entregaram o dinheiro num flat em São Paulo. Otterloo também teria executado operações ilegais para internar US$ 30 milhões em nome de Maluf. De acordo com o relato de Otterloo, José Mentor cumpriu sua parte no trato ao entregarlhe, antecipadamente, em disquete, o relatório final da CPI, sem o seu nome. Otterloo tampouco foi intimado a depor. Do termo de declaração de Otterloo: “Esclarece ainda que teve notícia de que outros doleiros também foram procurados para pagar propina a José Mentor, não sabendo se houve efetivo pagamento”. Explicação da assessoria de José Mentor: o deputado afirma ter determinado a quebra dos sigilos bancário e fiscal de vários doleiros durante a investigação, mas não se lembra se Otterloo estava entre eles. O nome do doleiro não apareceu no relatório final. Aldo Rebelo foi providencial para garantir a absolvição de José Mentor. O Ministério Público abre inquérito para investigar a participação do ex-ministro José Dirceu (PT-SP) e do chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho (PT-SP), no esquema de desvio de dinheiro em Santo André (SP), durante a gestão do prefeito Celso Daniel (PT). Os dois são acusados pelos crimes de formação de quadrilha, receptação e lavagem de dinheiro. Conforme os irmãos de Daniel, João Francisco e Bruno, Gilberto Carvalho, secretário de Governo de Santo André, levou propina a José Dirceu. Em 2002, o Ministério Público chegou a pedir a abertura de investigação contra Dirceu. Foi barrado por Nelson Jobim, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal). Na época, Dirceu, ainda deputado, tinha foro privilegiado. Sempre Nelson Jobim. 275 342 20/4/2006 A Justiça Federal do Ceará bloqueia os bens do deputado José Nobre Guimarães (PT-CE), irmão do ex-presidente do PT, José Genoino. Ele é investigado no caso em que seu assessor, José Adalberto Vieira da Silva, foi preso com US$ 100 mil escondidos na cueca e outros R$ 200 mil acondicionados numa maleta, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O inquérito quebrou os sigilos telefônicos de dois celulares do irmão de José Genoino e as informações bancárias de três empresas. O Ministério Público concluiu que houve favorecimento ao consórcio STN (Sistema de Transmissão do Nordeste), num empréstimo de R$ 300 milhões concedido pelo BNB (Banco do Nordeste do Brasil). Em troca de facilidades para a obtenção do crédito, o STN teria concordado em pagar propina. O dinheiro em poder do assessor de José Nobre Guimarães teria sido parte do suborno. 343 21/4/2006 Apesar de cassado, o ex-ministro José Dirceu continua atuando no cenário polí- tico. Mantém conversas com o presidente Lula e integrantes do primeiro escalão do Governo Federal, como o ministro Tarso Genro (PT-RS). De reportagem de Malu Delgado e Catia Seabra, na Folha de S.Paulo: “Relatos de petistas, de ministros e de parlamentares dão conta de que, nos bastidores, Dirceu executa ações políticas nos Estados para favorecer o projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conversa com parlamentares, orienta petistas, traça estratégias sobre a ofensiva petista nas CPIs, participa de almoços e jantares com políticos e empresários.” Se José Dirceu mantém relacionamento com Lula depois de tudo o que aconteceu – e continuaria a mantê-lo durante o segundo mandato do presidente do PT – o mínimo a se dizer é que Lula não foi traído como alegou algumas vezes. Nem poderia. José Dirceu teve apenas a responsabilidade de operar o mensalão. Lula, ao que tudo indica, foi, desde o princípio, o chefe. Do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), autor do processo que recomendou ao Conselho de Ética a cassação de Dirceu, ao comentar a notícia de que o ex-ministro se deslocou de São Paulo a Juiz de Fora (MG), em jatinho particular, para se reunir com o ex-presidente da República Itamar Franco (PMDB-MG): - É no mínimo estranho que uma pessoa que saiu logo após o processo afirmando que iria escrever para se sustentar porque estava quebrado e, mesmo sem o livro, o que se viu foi uma sequência de viagens e um estilo de vida que não se sabe de onde vem a sustentação para fazê-lo. 352 30/4/2006 Levantamento do governo dos Estados Unidos sobre movimentações financeiras do publicitário Duda Mendonça. Os dados foram encaminhados para investigações no Brasil. As operações ocorreram em junho e julho de 2003, no início do governo Lula. Somam US$ 1,6 milhão, de acordo com reportagem da Folha de S.Paulo. O dinheiro saiu da empresa offshore Dusseldorf, a mesma que foi usada por Duda Mendonça para receber dinheiro de caixa 2 por serviços prestados na campanha eleitoral de 2002. Numa das movimentações, US$ 875 mil seguiram para a Pirulito Company, ligada a 276 Eduardo de Matos Freiha, sócio de Duda Mendonça. A empresa fica em Nassau, capital do paraíso fiscal das Bahamas, onde está localizada a Dusseldorf. A conta bancária foi aberta 15 dias antes da remessa, no BankBoston de Miami. A Dusseldorf fez operações no mesmo BankBoston de Miami. De lá saíram US$ 500 mil para a conta da Stuttgart Company, aberta dois meses antes, e US$ 218 mil para a Raspberry Company. O dinheiro circulou. A maior parte foi para as offshores Ágata e Maximus, cujo controle é atribuído a doleiros responsáveis por movimentações de milhões de dólares por meio de um banco suspeito de lavar dinheiro, o MTB de Nova York. 355 3/5/2006 O garçom Anderson Ângelo Gonçalves, o “Jack”, presta depoimento à CPI dos Bingos. Ele menciona o empresário angolano José Paulo Teixeira Figueiredo no caso do assassinato de Antonio da Costa Santos, o “Toninho do PT”, ex-prefeito de Campinas (SP). Toninho do PT foi morto a tiros em 10 de setembro de 2001. José Paulo Teixeira Figueiredo, empresário do jogo apontado como dono de casas de bingo, é investigado por ligações com Antonio Palocci (PT-SP). Ele teria doado US$ 1 milhão para a campanha de Lula em 2002, conforme informações de Rogério Buratti. Em depoimento fechado, Jack cita o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Segundo o garçom, Bastos tentou convencê-lo a não testemunhar sobre o caso. Na época, o escritório de advocacia de Bastos prestava serviços à família de Toninho do PT. Estranho. Jack relata que ouviu conversas entre José Paulo Teixeira Figueiredo e integrantes do PT no bingo Taquaral, em Campinas. O garçom trabalhava lá. Foram encontros nas madrugadas dos dias 3 e 6 de setembro de 2001. O prefeito foi assassinado quatro dias depois. De acordo com Jack, o prefeito de Campinas foi morto porque contrariou interesses de empresários do jogo. Ele ouviu José Paulo Teixeira Figueiredo tramar vingança contra Toninho do PT. Estava inconformado por não obter licença de funcionamento para casas de bingo. O garçom diz que o PT montou operação para evitar o esclarecimento do crime. Afirma que Lauro Câmara Marcondes, militante do partido, participou dos encontros nas madrugadas. Ele se tornou secretário municipal em Campinas, após o assassinato do prefeito. Também esteve nos encontros alguém identificado como “Andrezinho”, apontado como o traficante incumbido de matar Toninho do PT. Sobre o envolvimento do ministro da Justiça, Jack conta que manteve encontro com Bastos em meados de 2002. Diz ter recebido oferta de R$ 200 mil para não depor nem prestar esclarecimentos sobre o crime. E denuncia: sofreu ameaças após se reunir com Bastos. A Câmara dos Deputados absolve, em votação secreta, o deputado Josias Gomes (PTBA), mais um que se livra da acusação de envolvimento no escândalo do mensalão. Votam pela cassação 228 deputados, 29 a menos que os 257 votos necessários. Outros 190 votam pela absolvição do petista. Há ainda 19 abstenções, cinco votos em branco e um anulado. Acusado de receber R$ 100 mil de Marcos Valério, Josias Gomes negou no primeiro momento ter posto as mãos no dinheiro. Contou que foi ao Banco Rural apenas para obter informações sobre um empréstimo que desejava fazer. Depois confessou o saque. Esteve 277 pessoalmente na agência e apresentou documento antes de fazer a retirada. Disse que não sabia a origem do dinheiro, cujo repasse fora autorizado por Delúbio Soares. Alega que usou a soma para quitar despesas da campanha eleitoral na Bahia. Para o deputado, o mensalão nunca existiu. Foi criado pela imprensa. Do discurso de Josias Gomes: - Refuto as acusações que são impostas. Não sou corrupto. Jamais o serei. Do relator do caso, deputado Mendes Thames (PSDB-SP), para quem Josias Gomes deveria ser cassado porque, entre outras coisas, efetuou saque em 2003, ano em que não havia eleições: - É fato. Recebeu valores provenientes do valerioduto. Com nova formação, o Conselho de Ética absolve, por 8 votos a 5, o deputado Vadão Gomes (PP-SP). Ele foi acusado de receber R$ 3,7 milhões do valerioduto. Antes das mudanças no Conselho de Ética, o PT tinha apenas um voto no órgão. Agora, tem três. Os deputados Eduardo Valverde (PT-RO), Anselmo (PT-RO) e Neyde Aparecida (PT-GO) votam a favor de Vadão. 356 4/5/2006 Toma posse o novo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Marco Aurélio Mello. Ele critica o que chama de “projeto de alcançar o poder de forma ilimitada e duradoura”. Marco Aurélio Mello discursa: - Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou o país do faz-de-conta. Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam, o que lhes daria carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mal tivessem feito. Faz de conta que não foram usadas as mais descaradas falcatruas para desviar milhões de reais, num prejuízo irreversível em País de tantos miseráveis. Faz de conta que tais tipos de abuso não continuam se reproduzindo à plena luz, num desafio cínico à supremacia da lei, cuja observação é tão necessária em momentos conturbados. Para Marco Aurélio Mello, o indiciamento de autoridades se tornou banal: - São tantas e tão deslavadas as mentiras, tão grosseiras as justificativas, tão grande a falta de escrúpulos que já não se pode cogitar somente de uma crise de valores, senão de um fosso moral e ético que parece dividir o País em dois segmentos estanques: o da corrupção, seduzido pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura, e o da grande massa comandada que, apesar do mau exemplo, se esforça para sobreviver e progredir. Mais um escândalo da era Lula. A Polícia Federal deflagra a Operação Sanguessuga. Prende 46 políticos, empresários e assessores acusados de se beneficiar de esquema fraudulento de venda de ambulâncias para prefeituras. A fraude movimentaria R$ 110 milhões. A metade do dinheiro teria sido desviada. Entre os presos, os ex-deputados Ronivon Santiago (PP-AC), Carlos Rodrigues (PL-RJ) e um assessor do senador Ney Suassuna (PMDB-PB). O esquema funcionava a partir do Ministério da Saúde. Era ali que despachava a funcionária Maria da Penha Lino, nomeada como assessora em 2005. Na época, o ministro 278 era o atual deputado Saraiva Felipe (PMDB-MG). Ele deixou o cargo, mas a funcionária, apontada como líder das operações, foi mantida no posto pelo novo ministro, Agenor Álvares da Silva. Outros dois funcionários do Ministério da Saúde também foram acusados de facilitar os negócios fraudulentos das ambulâncias. As suspeitas sobre as atividades da quadrilha foram oficialmente informadas ao primeiro ministro da Saúde da era Lula, Humberto Costa (PTPE), em 2004. Ele não nega: - Recebi, sim, essa informação. Montei um grupo de trabalho para averiguar a denúncia, mas não se chegou a nenhum resultado. O ex-ministro Humberto Costa, nomeado depois secretário de Comunicação do PT, não suspendeu a liberação das emendas para a compra de ambulâncias. As transações continuaram. Dezenas de parlamentares que apresentaram emendas ao Orçamento podem estar envolvidos. O esquema era controlado pela empresa Planam, com sede em Mato Grosso, responsável pela venda das ambulâncias superfaturadas. Maria da Penha Lino prestaria serviços para a Planam. A propina era dividida entre os envolvidos. A Polícia Federal desvendou a operação: representantes da Planam procuravam prefeituras e ofereciam um pacote para a aquisição das ambulâncias. Já vinha com a promessa de que parlamentares iriam apresentar emendas ao Orçamento prevendo recursos para as compras. Com o dinheiro garantido, as prefeituras encaminhavam projetos ao Governo Federal. Solicitavam as ambulâncias. A aprovação dos contratos era acelerada dentro do Ministério da Saúde. Para assegurar que os veículos realmente seriam adquiridos do esquema da Planan, empresas fantasmas participavam das licitações, a fim de garantir as melhores condições e ofertas por parte da empresa de Mato Grosso. Mais de mil ambulâncias foram negociadas. Circulam listas com suspeitos. Uma traz os nomes de 62 parlamentares. Outra, de 70 prefeitos. Depois surgiria menção a 107 deputados e senadores. Logo os números oscilariam até 170 parlamentares. Um escândalo. Maria da Penha Lino, presa, entrega 81 nomes. O advogado dela, Eduardo Mahon, comenta o depoimento de Maria da Penha Lino à Polícia Federal. O advogado menciona o trecho em que a funcionária pública se referiu ao motorista Fernando Freitas, que levava os donos da Planam à garagem do Congresso: - Na garagem, pegavam as malas e colocavam o dinheiro no paletó, nas meias e nas cuecas. Passavam pelo detector de metal da chapelaria. Não dava nada. Subiam à Câmara. Iam de gabinete em gabinete, fazendo os acertos. Acabava o dinheiro, voltavam para o carro e pegavam mais. Na cara dura, na cueca, na meia. O motorista Fernando Freitas confirma à Polícia Federal que transportou ao Congresso Nacional, em Brasília, os empresários Darci Vedoin, Luiz Antonio Trevisan e Ronildo Medeiros, todos de Cuiabá. Eles levavam “grandes quantidades de dinheiro” no porta-malas do Toyota Corolla, em “maletas tipo executivo”. O dinheiro era posto nos bolsos e nas meias dos empresários, e eles entravam no prédio do Congresso. O motorista admite ter efetuado retiradas bancárias para a Planam com outros funcionários da empresa. A Câmara anuncia a abertura de investigação sobre o envolvimento de 16 acusados. São os seguintes deputados: Almir Moura (PFL-RJ), Fernando Gonçalves (PTB-RJ), Isaías Silvestre (PSB-MG), João Batista (PP-SP), João Correia (PMDB-AC), Marcos Abramo 279 (PP-SP), Maurício Rabelo (PL-TO), Neuton Lima (PTB-SP), Paulo Baltazar (PSB-RJ), Professor Irapuan Teixeira (PP-SP), Reinaldo Gripp (PL-RJ), Ricarte de Freitas (PTBMT), Vieira Reis (PRB-RJ), Wellington Fagundes (PL-MT), Zelinda Novaes (PFL-BA) e Reginaldo Germano (PP-BA). 359 7/5/2006 O jornal O Globo publica entrevista-bomba com Silvio Pereira, o “Silvinho”, que ocupava o cargo de secretário-geral do PT quando estourou o escândalo do mensalão. Ficou famoso por ganhar um jipe importado Land Rover, de um executivo da GDK, empresa contratada pela Petrobras. Agora, Silvinho denuncia um plano para faturar R$ 1 bilhão. Afirma, sem titubear: quem mandava no PT “eram Lula, Genoino, Mercadante e Zé Dirceu”. Silvinho recebeu a repórter Soraya Aggege em seu apartamento em São Paulo. Concedeu oito horas de entrevista. Depois, arrependido do que disse, pediu para as declarações não serem publicadas. Poderiam provocar nova crise política. A repórter argumentou que a entrevista era importante, e ele mesmo tinha concordado com a publicação da matéria. Nervoso, Silvinho teria ameaçado se matar. Passou a se bater e a destruir o apartamento. “Vão me matar. Eles vão me matar. Não faça isso comigo. Tem muita gente importante envolvida nisso”. Soraya Aggege deixou o local. Documentos repassados à repórter e um caderno de anotações ficaram retidos pelo ex-secretário-geral do PT. As declarações dele à repórter de O Globo sobre as quais se arrependera: - Marcos Valério é um homem muito, muito inteligente. Ele atuou na campanha do Lula na normalidade. Depois foi crescendo. Ele tinha quatro pontos de interesse com o governo. Não se esqueça que ele vem do Banco Central, foi funcionário de lá. Por que você acha que acharam ele 17 vezes acionando o BC? Não tem essa história de propaganda, isso é bobagem. O plano era faturar R$ 1 bilhão. Em quatro áreas: Banco Econômico, Banco Mercantil de Pernambuco e Opportunity. Tinha ações dele lá que renderiam dinheiro. Mas nenhum dos quatro esquemas rolava. Valério trabalhou com o Daniel Dantas, mas o governo era dividido com essa história. (...) O quarto ponto eu não sei bem, mas eram uns passivos na área de agropecuária. Em outro trecho da entrevista, a fonte do dinheiro do esquema. Diz Silvinho: - Empresas. Muitas. Não vou falar nomes. As empresas entre si fraudam as coisas. Às vezes o governo não persegue, e é só isso. Elas se associam em consórcios, combinam como vencer. O Delúbio começou a usar o Marcos Valério para pagar as contas. Agora, da lista do Banco Rural, o Delúbio não sabia, não. O que aconteceu é que Delúbio perdeu o controle. Ele só sabia de três ou quatro deputados do PT. O resto, que recebeu no Banco Rural, não era esquema do Delúbio. Tudo o que foi sacado não tinha a ver com o Delúbio. Quem mais sacou? Há muita hipocrisia. Silvinho omite quem, no comando do PT e do governo Lula, fazia a interface com Marcos Valério, indicando-lhe como proceder e encaminhar questões de interesse do esquema. Mas o entrevistado diz, em última análise, que Marcos Valério engoliu o PT: - O PT virou refém do Marcos Valério, não tinha mais jeito. O Marcos Valério estabeleceu canais próprios com petistas e não-petistas. Tem muita gente, muitos partidos. Só 280 que tudo caiu na nossa conta. Não tinha jeito de ser diferente. Quando estourou, nos encontramos com ele. Marcos Valério disse três coisas: “Olha, tenho três opções: entregar todo mundo e derrubar a República, ficar quieto e acabar como o PC Farias, ou o meio termo”. Foi isso. Como se sabe, PC Farias, acusado de ser o principal operador do esquema de desvio de dinheiro perpetrado no governo do presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), foi assassinado. Marcos Valério, portanto, optou pelo meio termo. Um ponto curioso: Silvinho diz que “meu papel era convencer os ministros do PT a liberarem cargos para os aliados”. Mas havia outras coisas, obviamente, como ele mesmo diz: - Ganhei uma dimensão que não tinha, trânsito com todo mundo. Essa gente não é fácil, tentou tudo. Mas eu não ia a festas com eles. Ou seja, quem “ia a festas”, esses sim, pertenciam ao primeiro time e seriam os grandes responsáveis pelo esquema. Em outro ponto da entrevista, Silvinho aponta os mandantes: - Sempre fui da organização partidária. Quem mandava? Eram Lula, Genoino, Mercadante e Zé Dirceu. Eu não estava à altura desse time. Ele acrescenta: - Para cargos foi criada uma comissão: Genoino, Delúbio e eu. Só não mexi com os fundos de pensão. Os fundos ficaram por conta do Sereno e do Delúbio. Os maiores ficaram com o Gushiken. Mas não houve nada de errado com os fundos. Não é o que apontam as investigações. Diz Silvinho: - Com os cargos, eu tentava cumprir os acordos do partido. Mas o governo não cumpria, não funcionava. Mesmo com o Roberto Jefferson. Eu ia sempre lá para tentar fazer os ajustes. Tinha um descontentamento muito grande do PTB. Os ministros bloqueavam. De acordo com Silvinho, “o PT deu muito dinheiro ao PTB”. Ele revela um número desconhecido sobre a dívida do PT: - No fim do ano de 2003, a dívida era de R$ 120 milhões. Aí veio a campanha de 2004. E como eu soube da conta? Marcos Valério entra na minha sala e mostra a conta. Ele não conseguia chegar no Zé. Ele então me mostrou a dívida. E todos imaginavam que a conta era de R$ 50 milhões. Claríssima a importância de Valério no esquema. Era ele o tesoureiro de fato do PT, o grande operador de dinheiro dentro do partido. Agora, uma declaração enigmática, mas das mais importantes da entrevista de Silvinho: - A verdade do PT não tem como ser digerida pela mídia. Como o Delúbio consegue, com uma assinatura dele mesmo, R$ 50 milhões? Olha, eu acho que o Delúbio não parou e olhou a coisa como um todo. Ele não é corrupto. Não é. Quem decidia tudo isso? Não havia uma decisão, não é como vocês pensam. Atrás do Marcos Valério deve haver 100 Marcos Valério. É um mecanismo, e que agora continua no País. Informações sobre uma conta bancária no paraíso fiscal da ilha de Cayman, no Caribe, agitam o Congresso. Ela registrou depósitos de R$ 11,1 milhões e foi operada por aparelho de fax instalado na sala da liderança do PMDB no Senado. Documentos obtidos pelo repór- 281 ter Rubens Valente, da Folha de S.Paulo, mostram que o dinheiro foi transferido em 2003 para outra conta, que chegou a ter R$ 15,5 milhões no ano seguinte. As operações teriam sido conduzidas por um assessor de nome Francisco Sampaio de Carvalho. Ele foi levado à liderança do PMDB pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Na época, Renan Calheiros era o líder do partido. Em 2005, por indicação de Renan Calheiros, o assessor passou a atuar como consultor do presidente do Senado. Documentos sobre as movimentações financeiras também foram recebidos pelo fax da presidência do Senado. Em meio aos trabalhos de apuração da reportagem, Francisco Sampaio de Carvalho se afastou do cargo. 360 8/5/2006 A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) decide encaminhar à ProcuradoriaGeral da República notícia-crime contra Lula. Quer uma investigação do presidente por envolvimento no escândalo do mensalão. Para a OAB, há indícios de participação de Lula em crimes de corrupção. Durante reunião do conselho da OAB, fica decidido que não será formalizado pedido de abertura de processo de impeachment. A decisão traz alívio ao PT. A maior parte dos integrantes do conselho entende que o pedido de impeachment é politicamente inoportuno, devido à proximidade das eleições e à falta de legitimidade do Congresso para julgar o presidente da República por crime de responsabilidade. Para o relator do caso, Sérgio Ferraz, que votou pela abertura do processo, existem mais indícios contra Lula do que havia contra o ex-presidente Collor. Em 1992, a OAB pediu o impeachment de Collor. Diz o relator: - Estamos imersos em grave crise institucional. O que temos em mãos não são meros artifícios oposicionistas, em busca de rendimentos e lucros eleitorais. Da advogada Elenice Carille, autora da proposta de abertura de processo por crime de responsabilidade contra Lula: - A ignorância criminosa dos fatos, que invoca o presidente da República, importa em crime por omissão, em crime que não deixa impressão digital e que não deixa qualquer prova material, mas nem por isso deixa de ser crime. 362 10/5/2006 A CPI dos Bingos analisa documento em poder da Justiça dos Estados Unidos. Consta que o PT tentou extorquir “dezenas de milhões de dólares” do grupo Opportunity. O ofício foi enviado ao juiz Lewis A. Kaplan, de Nova York, pelo escritório de advocacia Bóies, Schiller Flexner, contratado para defender nos Estados Unidos o banqueiro Daniel Dantas, controlador do grupo Opportunity. O documento, de 13 de abril de 2005, é assinado pelo advogado Philip C. Korologos: “O ódio e a perseguição relacionados ao Opportunity começaram com a recusa do banco, em 2002 e 2003, de aceitar a sugestão do Partido dos Trabalhadores de pagar dezenas de milhões de dólares ao partido, para evitar pressões governamentais sobre o Opportunity”. 282 Segue trecho de declaração do mesmo advogado Philip C. Korologos, durante conversa ocorrida em 26 de abril, menos de duas semanas depois, com advogados do Citibank e o juiz de Nova York: “Há pressão do governo, há pressão dos fundos de pensão, há desejos de fazer negócios com a Telemar. Há interesses comerciais, conforme explicados por Gustavo Marin, presidente do Citibank no Brasil, da Brasil Telecom, e reportados do seu encontro com o presidente do Brasil”. A Brasil Telecom é uma das mais importantes operadoras de telefonia fixa do País. Informações apuradas pela Folha de S.Paulo dão conta de que mais de um emissário do PT mandou recados a executivos do Opportunity, manifestando interesse por doações. Segundo a repórter Janaína Leite, “a insinuação era que uma contribuição de R$ 90 a R$ 110 milhões poderia aplacar o clima de guerra do governo contra o banqueiro”. O Opportunity sustenta a versão de que a abordagem de integrantes do PT foi informada ao Citibank, associado à época ao banco brasileiro. Os dois sócios teriam se negado a dar o dinheiro. Daniel Dantas é desafeto do grupo do PT ligado ao movimento sindical bancário e aos fundos de pensão, um setor sob influência do ex-ministro Luiz Gushiken (PT-SP). O Opportunity tentava recuperar o controle da Brasil Telecom. A Justiça norte-americana afastou o grupo da gestão da empresa e favoreceu o Citibank na disputa societária. Daniel Dantas travava guerra judicial com o Citibank e os fundos de pensão ligados ao Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobras. O problema vinha desde 1998, com a privatização da Brasil Telecom. A empresa foi comprada por consórcio formado pelo Opportunity, gestor de recursos do Citibank, pela Telecom Itália e os fundos de pensão do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobras. Em 2005, o Opportunity perdeu disputa com a Telecom Itália e foi abandonado pelo Citibank, que decidiu se associar aos fundos de pensão. Daniel Dantas prestou depoimento às CPIs dos Correios e do Mensalão para explicar contratos que manteve com as agências de publicidade de Marcos Valério. Os contratos foram suspensos após a eclosão do escândalo do mensalão, mas mesmo assim a Brasil Telecom chegou a transferir R$ 3,9 milhões para a SMPB e R$ 823 mil para a DNA. O banqueiro admitiu ter se reunido duas vezes com o ex-ministro José Dirceu em 2003, mas negou que fez doações em dinheiro ao partido do presidente da República. O Conselho de Ética aprova parecer, por 9 votos a 1, em favor da absolvição do deputado Vadão Gomes (PP-SP). Ele é acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. O parecer em defesa de Vadão Gomes foi preparado pelo deputado Eduardo Valverde (PT-RO). 363 11/5/2006 Em depoimento ao Ministério Público Federal, Silvio Pereira, o “Silvinho”, afirma que o apetite por cargos do ex-ministro José Dirceu (PT-SP) foi o responsável pela desagregação da base aliada do Governo Federal. De acordo com o ex-secretário-geral do PT, o comportamento de José Dirceu provocou insatisfação nos partidos que apoiavam o presidente Lula. Segundo Silvinho, parlamentares aliados, contrariados, passaram a votar contra o governo. Para o Ministério Público, o impasse produziu uma relação de chantagem. Com o obje- 283 tivo de aliviar a tensão, o Governo Federal teria decidido cooptar os aliados por meio do esquema do mensalão. O ex-secretário-geral do PT informou que gerenciava um sistema que fazia a triagem das indicações para cargos de confiança na administração federal. O banco de dados reunia os nomes de pessoas indicadas por sete partidos que apoiavam o governo, a saber: PL, PP, PTB, PMDB, PSB, PPS e PC do B. As nomeações eram encaminhadas ao Ministério da Casa Civil e cabiam a instâncias superiores. Na hora da partilha, prevaleceu em muitos casos a hegemonia do PT. Manifestava-se a força do ex-ministro José Dirceu, o que gerava conflitos com os aliados. O PT, por sua vez, informa que vai negociar dívida de R$ 300 mil com o escritório do advogado Arnaldo Malheiros Filho, contratado para defender Silvinho. Apesar de Silvinho ter sido formalmente desligado do PT em julho de 2005, o partido continuou patrocinando a defesa do ex-secretário-geral. O mesmo Arnaldo Malheiros Filho foi contratado pelo PT para fazer a defesa do ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares. 364 12/5/2006 Um ano depois do início da crise política, a ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), estopim do escândalo do mensalão, “comemora” a prorrogação dos contratos das empresas Skymaster Airlines e Beta (Brazilian Express Transportes Aéreos). As duas foram acusadas de montar esquema fraudulento que teria provocado rombo de R$ 86 milhões. Mesmo assim, houve a renovação dos contratos para operar as linhas da rede postal aérea noturna. Eles preveem gastos de R$ 90 milhões. Os Correios prorrogaram os contratos com a alegação de que não realizaram nova licita- ção para os serviços. O presidente da estatal, Jânio Cezar Luiz Pohren, emite nota para justificar a renovação. Afirma que os contratos serão mantidos até a conclusão de estudos para uma nova moldagem da rede postal noturna. Não estabelece prazos. 365 13/5/2006 Ocorreram encontros entre o banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity, e o ex-presidente do Banco Popular, Ivan Guimarães, um petista que, segundo matéria publicada na revista Veja, operou na clandestinidade em 2003 e 2004, “achacando empresas e empresários”. A revista Veja, porém, vai muito além. Trecho da reportagem: “Dantas alega estar apenas defendendo-se de pressões e achaques dos petistas que queriam tirá-lo do comando da Brasil Telecom. Ainda que existam fortes evidências nesse sentido, o banqueiro não cabe na fantasia de vítima. Principalmente quando se sabe que usou dinheiro para acercar-se de pessoas próximas do presidente Lula e de José Dirceu. Dantas tentou seduzir Fábio Luís Lula da Silva, o ‘Lulinha’, e seus sócios da Gamecorp. Antes de o grupo ser vendido à Telemar, o banqueiro pagava a Lulinha e sua trupe R$ 100 mil mensais, para que fornecessem conteúdo ao portal de internet da Brasil Telecom. Por último, ofereceu uma bolada para tornar-se sócio da Gemecorp. No fim, game over para Dantas: Lulinha preferiu os agrados da rival Telemar. Dantas deu também R$ 1 milhão ao advogado Roberto Teixeira, padrinho de um dos filhos de Lula. Até hoje, ninguém explicou 284 o que o compadre fez para merecer tanto dinheiro. Teixeira se limita a dizer que foi em troca de um serviço ‘sigiloso’. O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o ‘Kakay’, também mereceu atenção especial. Amicíssimo do deputado cassado por corrupção José Dirceu, ele foi contratado por Dantas a peso de ouro. Levou R$ 8 milhões para ‘assessorar’ o banqueiro. Com isso, Dirceu, que foi ministro-chefe da Casa Civil de Lula, tornou-se mais sensível aos pleitos do Opportunity. Tem mais. Dantas deu a Marcos Valério as contas publicitárias da Telemig e da Amazônia Celular, num total de R$ 130 milhões. Além de fazer anúncios para Dantas, o carequinha levava ao banqueiro as propostas não republicanas de Delúbio Soares. Em 2004, o banqueiro colocou na sua folha de pagamentos a agência Matisse, de propriedade de Paulo de Tarso Santos, petista histórico e marqueteiro das campanhas de Lula em 1989 e 1994. A Matisse foi contratada para ‘reposicionar’ a marca da Brasil Telecom. Mas o que fez mesmo foi ajudar a ‘reposicionar’ Dantas frente ao governo petista.” Entrevista de Dantas concedida ao colunista Diogo Mainardi também faz parte da edi- ção de Veja. O banqueiro afirma que o ex-tesoureiro Delúbio Soares pediu entre US$ 40 milhões e US$ 50 milhões para “resolver as dificuldades” do Opportunity com o governo do PT. Dantas informa que o “pedido” foi feito a seu ex-cunhado Carlos Rodenburg, diretor do Opportunity na época, em um encontro intermediado por Marcos Valério. Diz Dantas: - O que houve foi uma sugestão de que, se déssemos uma quantia expressiva ao partido, eles poderiam nos ajudar a resolver as dificuldades que estávamos tendo com o governo. Dantas teria levado o pedido ao Citibank, seu parceiro norte-americano naquele momento, com a opinião de que o repasse de quantia “muito grande” ao PT poderia estancar as dificuldades do grupo com o governo Lula. Mary Linn, diretora do Citibank, teria desaconselhado e o pagamento não ocorreria. O ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro (PT-RS), anuncia que o governo brasileiro vai processar Daniel Dantas. Horas mais tarde, cauteloso, Tarso Genro prefere direcionar seu ataque à revista Veja: - O presidente Lula informou que vai tomar todas as medidas legais e legítimas contra uma matéria que é caluniosa, difamatória e construída de forma arbitrária pela revista para atacar, sem nenhum fundamento, a honra do presidente da República. Como se vê, Daniel Dantas foi poupado. O senador Amir Lando (PMDB-RO), ex-ministro da Previdência Social, revela que toda a negociação para abrir as portas do chamado crédito consignado ao BMG ocorreu dentro do Palácio do Planalto, e foi capitaneada pelo ex-ministro José Dirceu (PT-SP). As opera- ções elevaram os lucros do BMG de R$ 90,2 milhões, em 2003, para R$ 275,3 milhões, apenas um ano depois. E envolveram Lula, segundo a revista Isto É: o presidente da Repú- blica assinou o decreto que permitiu a bancos privados oferecer créditos consignados aos segurados do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social). Abriu um filão de mais de 18 milhões de aposentados e pensionistas ao BMG. De acordo com Amir Lando, “a coisa” não passava pelo Ministério da Previdência Social. “Era articulada na Casa Civil e operada diretamente no INSS”, cujo presidente na 285 época era Carlos Bezerra (PMDB-MT). Amir Lando falou aos repórteres Rudolfo Lago e Rodrigo Rangel: - Tudo era acertado na Casa Civil. Diz Amir Lando: - Numa reunião fechada da CPI do Mensalão, o próprio Valério disse que o BMG era um banco ligado ao PT. Conforme o senador peemedebista, o BMG tinha experiências anteriores com crédito consignado em prefeituras do PT e associações sindicais. O ex-ministro afirma ter relatado ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que ouviu mais de uma vez rumores de que existiam “cobranças de vantagens” para permitir a habilitação dos bancos. Inquérito instalado pelo Ministério Público investiga contrato de aluguel de computadores para o INSS, no valor de R$ 260 milhões. A suspeita é decorrente de decisão posterior do próprio INSS. O órgão federal comprou computadores para equipar as agências por R$ 30 milhões. Além de responsabilizar Carlos Bezerra pelo ato supostamente lesivo aos cofres públicos, a ação do Ministério Público aponta o envolvimento do ex-presidente da Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social), José Jairo Ferreira Cabral. Tido como amigo do presidente Lula e indicado para o cargo pelo PT, José Jairo Ferreira Cabral foi casado com Sandra Cabral, uma das principais assessoras de José Dirceu naquele período. 368 16/5/2006 Lenha na fogueira. Carlos Rodenburg, ex-diretor do grupo Opportunity, afirma à repórter Sonia Racy, de O Estado de S. Paulo, que sentiu “uma pressão para ajudar o partido”, durante encontro mantido com o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Sem usar a expressão “extorsão”, Carlos Rodenburg descreve que Delúbio Soares, em nome de um suposto esforço para melhorar a relação entre o grupo Opportunity e o governo Lula, explicou as dificuldades do PT e mencionou um “furo” de US$ 40 milhões a US$ 50 milhões nas finanças do partido. Carlos Rodenburg e Delúbio Soares encontraram-se duas vezes no primeiro semestre de 2003, no hotel Blue Tree, em Brasília, e num apart-hotel, em São Paulo. Carlos Rodenburg garante: o dinheiro não foi pago. O grupo Opportunity queria o apoio do Governo Federal para manter o controle da Brasil Telecom. O primeiro encontro com Delúbio foi decorrente de um pedido do próprio diretor do Opportunity, agendado por Marcos Valério. A segunda reunião foi solicitada por Delúbio, por sugestão de Valério. As palavras de Delúbio, segundo Carlos Rodenburg: - Ele disse o seguinte: “Olha, Carlos, estamos com dificuldades financeiras muito grandes, com um furo de caixa de US$ 40 a US$ 50 milhões. O PT está com esse furo e tem que se ajustar”. Sobre a segunda reunião: - No segundo encontro, desta vez pedido por ele, eu disse que não era possível ajudar. Acho que não agradei. 286 - E aí? - Aí, os fatos falam por si só. - O senhor considerou essa conversa com Delúbio uma extorsão? - Não, senti como uma pressão para ajudar o partido. - Foram essas as únicas vezes que vocês tiveram contato com a campanha do PT? - Teve uma terceira vez. Um dia, no escritório do Opportunity, em São Paulo, fui informado de que um tal de Ivan Guimarães queria falar comigo. Não tinha marcado encontro, não foi indicado por ninguém. Me trouxe o que, vim a saber depois, era um kit de contribui- ção do PT, com uma fita do Lula, um broche e uma caneta dentro de uma caixa. Achei estranho, disse que concessionária de governo não pode contribuir. 370 18/5/2006 A Polícia Federal apreende computadores e documentos no escritório do deputado José Janene (PP-PR), acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. Suspeita-se que pessoas ligadas a José Janene tenham sido beneficiárias de R$ 5,3 milhões do valerioduto. Meheidin Hussein Jenani, primo e assessor do deputado, movimentou R$ 295 mil em agência da Caixa Econômica Federal de Londrina (PR). O salário dele é de apenas R$ 1.834. A maior parte dos depósitos nas contas de pessoas ligadas a José Janene ocorreu entre 2003 e 2005, período áureo dos repasses do caixa 2 do PT. A mulher do deputado, Stael Fernanda, apareceu como compradora de fazendas em Londrina e Faxinal (PR), e de dois terrenos em condomínio de luxo em Londrina. Num deles, estava sendo erguida residência de 2 mil metros quadrados de área construída, avaliada em R$ 2 milhões. 372 20/5/2006 O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, reuniu-se em segredo com o banqueiro Daniel Dantas. O grave é que Dantas acusou Bastos de ter dinheiro guardado no exterior, não declarado, conforme apontou a revista Veja. Segundo o repórter Marcio Aith, “Bastos deveria esforçar-se para prender o banqueiro, e não se sentar à mesa com ele para tratar de negócios”. Os dois teriam celebrado pacto segundo o qual o governo ficou de não pôr a Polícia Federal atrás de Dantas, enquanto o banqueiro se prontificou a não fornecer dados que comprometessem autoridades brasileiras na CPI. Bastos teria procurado neutralizar um suposto dossiê de 41 páginas, com documentos sobre 27 contas bancárias em paraísos fiscais, todas recheadas com dinheiro ilegal de próceres da República, inclusive de Lula. A revista sustenta que Dantas entregou o dossiê à reportagem. Ele nega. O material foi encaminhado por Veja ao procuradorgeral Antonio Fernando de Souza. De acordo com a revista, Dantas pagou US$ 838 mil pelo dossiê a Frank Holder, exdiretor da agência de investigações Kroll. Pretendia usá-lo para fazer chantagem. Veja refere-se a uma ata com o resumo de uma conferência telefônica realizada em 10 de fevereiro de 2005, entre Dantas, assessores e diretores da Kroll. No documento, o banqueiro relata que o 287 ex-ministro José Dirceu e integrantes do governo Lula não iriam prejudicar os interesses do Opportunity, desde que ficassem livres de investigações da Kroll. Veja também recorre a matéria publicada pela revista Carta Capital. A publicação lembra que o senador Heráclito Fortes (PFL-PI), aliado de Dantas, fez alusões a contas bancárias no exterior, durante depoimento de Luiz Gushiken (PT-SP) à CPI dos Correios, em setembro de 2005. Heráclito Fortes discorreu sobre a Kroll para Luiz Gushiken: - Não era uma característica da Kroll, no mundo inteiro, fazer gravações telefônicas, como se queria provar e mostrar. Mas, sim, fazer o rastreamento de contas e outras atividades. O senador pontuou o que, no entender dele, estaria por trás do receio às atividades da agência de investigações: - O medo da Kroll tem outro fundamento, senhor Gushiken, e a verdade vai chegar. É só questão de esperar, é só questão de tempo. Na verdade, o pavor que o governo tem da Kroll tem outro fundamento, e vamos chegar à verdade. Parece claro que o senador Heráclito Fortes fez referência a somas de dinheiro de figurões, aplicadas ilegalmente no exterior. 375 23/5/2006 Delúbio Soares depõe à CPI dos Bingos. Recusa-se a assinar termo comprometendo-se a dizer a verdade, mas admite a participação em reunião com o banqueiro Daniel Dantas e o diretor do Opportunity, Carlos Rodenburg. Estava acompanhado de Marcos Valério. Foi em 22 de julho de 2003, no hotel Blue Tree, em Brasília. O encontro foi a pedido Valério. O ex-tesoureiro negou que a reunião serviu para exigir dinheiro. Delúbio teria insinuado durante o encontro que o PT queria US$ 40 milhões de Dantas. Diz Delúbio: - Conversei com muitos empresários. Não tem ninguém que diga que eu pedi dinheiro. Sobre o objetivo da reunião, então: - O conteúdo foi que o Partido dos Trabalhadores não gostava do Opportunity. Eu não disse que gostava, nem que não gostava. O PT não tinha nenhuma restrição. A campanha do PT em 2002 recebeu R$ 1 milhão de empresários de bingo? - Nunca tive relacionamento com pessoas ligadas a jogos. Nunca entrei em casa de bingo. Nem em quermesse eu jogava bingo. Nunca recebi recursos de bingos. Não conheço o assunto, não conheço ninguém. Me declaro incompetente. Mais direto, impossível. Num dos momentos mais acalorados do depoimento, Delúbio diz que não pode ser responsabilizado por decidir, sozinho, sobre operações financeiras que alimentaram o caixa 2 do PT. O diálogo é com o presidente da CPI, o senador Efraim Morais (PFL-PB). Diz Delúbio: - Eu tinha uma procuração política da direção do partido. - De quem? Do presidente Lula, de Dirceu? - Eu tinha uma autorização política. Mais uma vez, Delúbio Soares mata no peito. Manobra do governo na CPI evita a convocação de Daniel Dantas. Também fica de fora 288 Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, e Daniel Goldberg, o assessor de Márcio Thomaz Bastos. E isso sem falar em Marcos Valério que, da mesma forma, foi desobrigado de prestar depoimento. 376 24/5/2006 A Câmara dos Deputados absolve o 11º acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. Livra-se da cassação o deputado Vadão Gomes (PP-SP). Em votação secreta, Vadão recebe 243 votos em sua defesa, contra 161 a favor da perda do mandato. Há 16 abstenções, quatro votos em branco e um nulo. Vadão foi acusado de receber R$ 3,7 milhões do caixa 2 do PT. O Conselho de Ética da Câmara aprovou parecer, inocentando-o. O autor foi o deputado Eduardo Valverde (PT-RO). Diz o petista: - Seria fácil seguir o consenso de grande parte dos meios de comunicação, me aproveitar disso e crucificar mais um. Mas assumi a responsabilidade de remar contra a maré. Sei que amanhã parte da imprensa estampará que foi absolvido mais um mensaleiro. Vadão teria recebido os R$ 3,7 milhões de Valério em dois pagamentos, feitos em hotéis de São Paulo. Delúbio confirmou a história. Há registro de telefonemas entre Vadão, Valério e Delúbio, alguns dias antes dos repasses. Do deputado João Fontes (PDT-SE): - Não podíamos ter a esperança de cassação de Vadão Gomes numa Câmara contaminada por mensaleiros e sanguessugas. O Congresso desiste de investigar a “máfia dos sanguessugas”. Transfere a responsabilidade para a Procuradoria-Geral da República. Fica sem efeito sindicância aberta na Câmara para apurar suposta participação de 16 deputados no esquema de venda de ambulâncias superfaturadas, compradas por prefeituras de todo o País. Os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), decidem desautorizar investigações sobre o envolvimento de parlamentares. O procurador-geral solicita ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquéritos criminais contra 15 parlamentares. Os nomes dos investigados não são divulgados. No fim, ninguém seria punido. Mais uma vez. 381 29/5/2006 A Justiça Federal determina o sequestro de bens e o bloqueio de ativos financeiros da mulher do deputado José Janene (PP-PR), acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. Stael Fernanda tem salário declarado de R$ 5.000, como assessora do marido, mas desde 2003 teria adquirido patrimônio superior a R$ 2 milhões. A ação também atinge Mehedin Hussein Jenani e a mulher dele, Rosa Alice Valente, ambos assessores de José Janene. 388 5/6/2006 A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) formaliza notícia-crime contra Lula. A denúncia é entregue pelo presidente da entidade, Roberto Busato, ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Traz três justificativas para investigar Lula. A primeira é o aporte de R$ 10 milhões da Telemar à Gamecorp, empresa pertencente a Fábio 289 Luís Lula da Silva, o “Lulinha”. Da notícia-crime: “A Gamecorp, comandada por Fábio Luís da Silva, filho do presidente da República, associou-se com a Telemar, em operação milionária, sequer comunicada à Comissão de Valores Mobiliários.” O segundo ponto citado é um decreto presidencial, de agosto de 2004, que permitiu ao banco BMG entrar no setor de crédito a aposentados e pensionistas, apesar de não ser instituição autorizada a fazer pagamentos de benefícios da Previdência Social. Menos de duas semanas após o decreto, o BMG assinou convênio com o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social). Obteve acesso a um mercado milionário, no qual atuou sozinho com a Caixa Econômica Federal, por quase dois meses. Da notícia-crime: “O decreto presidencial facultou ao banco BMG atuar no crédito a funcionários federais, ressarcido mediante consignação em folhas de pagamento de vencimentos, sem que a referida instituição integre a rede de pagamentos do sistema previdenciário.” Na terceira investigação, a OAB propõe apurar as razões do silêncio de Lula em relação ao mensalão. Quer os detalhes sobre a compra de votos, caixa 2 e supostos atos de improbidade. A notícia-crime justifica a denúncia: “A indesculpável e inexplicável omissão do presidente, nos episódios do mensalão, na formação de caixa 2 para o financiamento das campanhas do PT e na prevenção/repressão a atos de improbidade cometidos pelos mais chegados auxiliares do chefe do executivo.” 389 6/6/2006 O editorial “Um ano depois”, da Folha de S.Paulo, menciona o período transcorrido desde a entrevista em que Roberto Jefferson denunciou o esquema do mensalão. O jornal alerta para “impedir que o mensalão se torne apenas um episódio no rol de escândalos esquecidos da política nacional”: “A ruína ética e o desmoronamento das cúpulas do PT e do governo Lula são itens de destaque no balanço da crise. A despeito disso, o lulismo agora patrocina uma campanha cujo objetivo é apagar, nos eleitores, a memória do que foi o escândalo de corrupção. A estratégia oportunista se vale dos altos índices de popularidade presidencial – ancorados em dinheiro transferido a famílias pobres e melhoras discretas no emprego – e aposta no desgaste que o tempo decorrido desde as primeiras denúncias emprestou ao tema.” 390 7/6/2006 O banqueiro Daniel Dantas presta depoimento à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça, do Senado). Ele confirma que o ex-sócio Carlos Rodenburg foi procurado por Delúbio Soares e o petista Ivan Guimarães. Os dois queriam que o Opportunity contribuísse com o PT. Conforme Dantas, os integrantes do PT ficaram contrariados por Rodenburg ter negado o pedido. Dantas afirma que Delúbio procurou Rodenburg para explicar as dificuldades financeiras do PT. Reitera a menção à quantia de US$ 40 milhões a US$ 50 milhões, mas garante não ter dado dinheiro: - Somos administradores de fundos, não seria possível atender a esse pleito. Em outra parte da audiência na CCJ, Dantas diz que foi chamado pelo ex-ministro José 290 Dirceu (PT-SP) para uma reunião no Palácio do Planalto. Dirceu afirmou que o governo desejava resolver a disputa entre o Opportunity e os fundos de pensão pelo controle da Brasil Telecom. E que o ex-presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, iria tratar do assunto em nome do governo. No encontro, Cássio Casseb teria dito ao banqueiro para abrir mão do controle da Brasil Telecom. Declaração de Daniel Dantas: - Perguntei o que receberia em troca. Ele disse: “Nada”. O tom do Delúbio não era de intimidação, ao contrário do Casseb, nitidamente intimidatório. Apesar da crise, a agência Duda Mendonça Propaganda cresceu mais de 100% entre 2004 e 2005. Passou da 22ª para a 16ª posição no ranking das maiores do País. O faturamento passou de R$ 75,8 milhões para R$ 158,4 milhões. Os dados são do jornal Meio&Mensagem, com base em pesquisa Ibope/Monitor. Só de janeiro a abril de 2006, o faturamento da agência atingiu R$ 74,6 milhões, graças às despesas de propaganda efetuadas pela Petrobras. 395 12/6/2006 A Secretaria de Previdência Complementar, do Ministério da Previdência Social, autua três ex-dirigentes do Nucleos, o fundo de pensão dos funcionários das estatais nucleares. Paulo Figueiredo, Gildásio Amado Filho e Abel de Almeida foram acusados de irregularidades na gestão de recursos. As multas variam de R$ 60 mil a R$ 100 mil. Os dois primeiros teriam tido as nomeações no fundo de pensão chanceladas pelo petista Marcelo Sereno. O próprio fundo apresentou denúncia-crime contra os três. Contabilizou R$ 40 milhões de prejuízos, em aplicações suspeitas de venda e compra de títulos. Os resultados sempre redundavam em perdas para o fundo, e em lucro para terceiros. Do relatório da Secretaria de Previdência Complementar: “A contumácia de compras efetuadas pelo preço máximo, representando um acréscimo que oscila entre 3% e 28% sobre o preço mínimo praticado no dia, além de vendas efetuadas pelo preço mínimo, ou mesmo abaixo deste, mostra que os negócios foram conduzidos com o intuito de prejudicar o Nucleos.” 396 13/6/2006 O Conselho de Ética da Câmara aprova, por 12 votos a favor e uma absten- ção, a cassação do deputado José Janene (PP-PR). Ex-líder do PP, Janene foi apontado como beneficiário de R$ 4,1 milhões do valerioduto. Ele admitiu ter intermediado repasse de R$ 700 mil para pagar honorários do advogado do ex-deputado Ronivon Santiago (PP-AC). Só. Segundo Janene, o dinheiro não foi declarado porque o PT jamais apresentou documentos atestando a origem dos recursos. Do relator do caso, Jairo Carneiro (PFL-BA): - O recebimento dos R$ 700 mil é suficiente para a cassação, como ocorreu com Pedro Corrêa, mas o recebimento de outros valores está comprovado. Desde o início da crise política, 18 deputados federais foram acusados de envolvimento no escândalo do mensalão. Quatro renunciaram logo, para evitar a abertura de processos. 291 Foram absolvidos 10. Houve três cassados: José Dirceu (PT-SP), Roberto Jefferson (PTBRJ) e Pedro Corrêa (PP-PE). Falta só a votação secreta do caso de José Janene. Ele seria absolvido em 6 de dezembro, ainda durante o primeiro mandato de Lula. Apenas 210 deputados votariam pela cassação, 47 a menos do que o mínimo necessário. Outros 128 decidiriam pela absolvição. Haveria ainda 23 abstenções e cinco votos em branco. Apenas 366 dos 513 deputados compareceriam à sessão. Desabafo de Nelson Trad (PMDB-RS), então: - Eu creio que esta legislatura está definitivamente marcada com o sinete de imoral, dos anos tristes em que vivemos. 399 16/6/2006 O STF (Supremo Tribunal Federal) abre inquérito para investigar o deputado José Mentor (PT-SP). Ele é acusado de ter recebido R$ 300 mil para excluir do relatório da CPI do Banestado o nome do doleiro Richard Andrew de Mol Van Otterloo. Os trabalhos da CPI, em 2003 e 2004, tinham o objetivo de investigar esquema de remessa ilegal de dinheiro para o exterior. A denúncia contra José Mentor tem como base depoimento do próprio Richard Andrew Otterloo. Ele afirmou ao Ministério Público que entregou o dinheiro em São Paulo e recebeu um disquete com o conteúdo do relatório, para se certificar de que não fora incluído em qualquer denúncia. Do termo de declaração: “Tal valor foi efetivamente pago em espécie em um flat localizado no bairro do Itaim Bibi, nesta capital, ao intermediário indicado por José Mentor.” Mentor não comenta. No escândalo do mensalão, ele foi acusado de receber R$ 120 mil de caixa 2. Acabou absolvido. Ficou a suspeita de que o dinheiro era propina para livrar o Banco Rural das garras da CPI do Banestado. 402 19/6/2006 A equipe técnica que trabalhou na CPI dos Correios descobre indícios de que o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) recebeu outros R$ 30 mil do valerioduto. Ele foi inocentado de pôr as mãos em R$ 50 mil. Desta vez, num cruzamento de dados, apurouse que Silvana Paz Japiassu, assessora de João Paulo Cunha, esteve duas vezes no Banco Rural do Brasília Shopping. Numa das idas à agência, em 16 de abril de 2004, passou por lá Eliane Alves Lopes, funcionária da SMPB, e sacou R$ 30 mil. Naquele dia, Silvana Japiassu também recebeu duas ligações da SMPB. Eliane Alves Lopes era responsável por retiradas da conta corrente da agência de Marcos Valério no Brasília Shopping, e supostamente fez repasses de valores a assessores de deputados. Cerca de 50 desses assessores passaram pela agência do Banco Rural. Foram realizados cruzamentos de ligações telefônicas entre assessores, gabinetes de parlamentares e a agência de Valério. No início da crise relacionaram-se retiradas de R$ 200 mil a João Paulo Cunha. Ele admitiu apenas os R$ 50 mil. Silvana Japiassu trocou 187 telefonemas com empresas de 292 Valério. Ela ganhou passagens aéreas do empresário, no valor de R$ 3.600. João Paulo Cunha não comenta. 403 20/6/2006 A CPI dos Bingos conclui os trabalhos. O relatório do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) é aprovado por 12 votos a dois. Os votos contra são dos senadores Tião Viana (PT-AC) e Ana Júlia Carepa (PT-PA). O documento tem 1.400 páginas. Pede o indiciamento de 79 pessoas e quatro empresas. Entre os denunciados, Antonio Palocci, Paulo Okamotto, Jorge Mattoso, Waldomiro Diniz, Sérgio Gomes da Silva, Rogério Buratti, Vladimir Poleto, Ademirson Ariosvaldo da Silva, Donizete Rosa, Carlinhos Cachoeira, Klinger Luiz de Oliveira e Ronan Maria Pinto. O ex-ministro José Dirceu e o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, são poupados. Apesar de não indiciado, Gilberto Carvalho teve o nome citado 50 vezes nas 78 páginas do capítulo que trata da corrupção em Santo André (SP) e da morte do prefeito Celso Daniel (PT), crime qualificado como “de mando”. Gilberto Carvalho teria sido um dos principais estrategistas de operação para impedir a investigação do assassinato. O relator menciona conversas entre Gilberto Carvalho e Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, nas quais se procurou configurar a morte de Celso Daniel como crime comum. Do relatório: “O caso Santo André envolve o chefe de gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, flagrado em gravações telefônicas combinando estratégias e reuniões para reforçar a defesa de Sérgio Gomes da Silva, além de ter sido apontado como responsável pela coleta de arrecadação ilegal para o então presidente do PT, José Dirceu.” O relatório da CPI menciona Lula em dois episódios. Um deles, a suposta doação irregular de dinheiro de empresários do bingo para a campanha eleitoral de 2002. O outro, a acusação de envolvimento de assessores do presidente em esquemas de cobrança de propina em prefeituras do PT. O documento aborda vários casos investigados pela CPI. Entre eles, a renovação do contrato entre a Caixa Econômica Federal e a multinacional norte-americana Gtech, celebrada, segundo o que foi apurado, mediante o pagamento de propina. Os contratos supostamente fraudulentos de limpeza pública em Ribeirão Preto (SP) também foram objeto dos trabalhos. O relatório pede o indiciamento do ex-prefeito Gilberto Maggioni (PT) e de altos funcionários da Prefeitura de Ribeirão. Sobre a operação para trazer dólares de Cuba à campanha eleitoral do PT em 2002, o relatório conclui ser preciso aprofundar as investiga- ções. De qualquer forma, a versão de que houve apenas o transporte de caixas de bebida é considerada inverossímil. Antonio Palocci teve o indiciamento solicitado por formação de quadrilha, peculato, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa. Paulo Okamotto, o amigo de Lula, foi citado por lavagem de dinheiro e crime contra a ordem tributária. Ele teria ligações com o suposto esquema de extorsão em prefeituras do PT, e fez o pagamento de dívida de Lula junto ao partido, com recursos não esclarecidos. Do relatório: 293 “Tais pagamentos nunca foram devidamente comprovados, dando margem à suspeita que, na verdade, o dinheiro seja oriundo do esquema de caixa 2 que abastecia a tesouraria petista.” Em relação aos bingos, a denúncia mais grave é fundamentada em informações de Rogério Buratti, ex-secretário de Governo de Antonio Palocci em Ribeirão Preto. Ele mencionou contribuição ilegal de R$ 2 milhões para a campanha de Lula. Metade do dinheiro teria sido repassada pelos empresários de jogo Artur José Valente Caio e José Paulo Teixeira Figueiredo. O relatório solicita o indiciamento dos dois. O relatório da CPI dos Bingos marcou o fim do escândalo do mensalão, apesar dos inquéritos que continuariam em andamento, das investigações que ficariam em curso, das novas descobertas que certamente viriam e dos futuros desdobramentos do maior esquema de corrupção governamental que se tem notícias no Brasil, em todos os tempos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário